Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF
Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF
1 150 cercava, para envolver-se nos refolhos d’alma. (ALENCAR, 1966, p.705). Ricardo é um passeador físico e espiritual e estas duas dimensões estão ligadas: são os passeios solitários que permitem o encontro consigo mesmo. O jogo de claro-escuro, como vimos no capítulo anterior, serve a Alencar como metáfora pictórica para ilustrar a sua proposta poética, apontando o papel do escritor frente à tarefa de criação de elementos que corroborem para imagens que identifiquem o nacional. Este jogo é recuperado também para ilustrar os devaneios de Ricardo, em meio à melancolia e a solidão. O vagar da mente é um arabesco, um labirinto onde o claro e o escuro desenham um quadro confuso, como a alma do protagonista: Ricardo deixou-se ir à mercê da fantasia, que recortava arabescos em seu espírito. Era um desses sonhos acordados, em que as noções confusas se agitam num claro-escuro do espírito. Esse jogo da luz e das sombras d’alma, junto à extrema volubilidade dos pensamentos, não deixava destacarse cada uma das idéias (ALENCAR, 1966, p. 709). O devaneio promove a articulação entre o conceito romântico de natureza “cheia de graça e imprecisão” e o “homem desligado cujo destino vai de encontro ao seu mistério” (CANDIDO, 1993, p. 23). O passeador de Macedo, ao contrário do alencariano, não se engolfa nos devaneios subjetivos. E de forma oposta ao flâneur, faz do fio condutor de seu passeio a sabedoria histórica; é a memória que ele persegue em seus passos, como veremos, ao propor um passeio pela cidade do Rio de Janeiro. A partir do século XIX, como já foi dito, a capitalização do Rio de Janeiro torna-se cada vez maior, capitalização ocorrida em diversos níveis. O Rio de Janeiro era a capital
1 151 em um sentido pluridimensional, nas dimensões política, administrativa, demográfica, econômica e simbólica, pois serviu como modelo para o ideal da ordem, presidindo o Estado imperial e porque, principalmente, estava inscrita em uma dimensão representativa, na qual os corpos urbano e estatal confundiam-se. A corte imperial era indissolúvel do próprio império, cuja espinha dorsal era a estrutura escravista, elo para a identificação da elite em torno do ideal da ordem e da unificação territorial. O corpo da cidade do Rio de Janeiro era tomado como palco primordial de representação do corpo do Estado, do corpo da nação. A construção de mitologias urbanas que desejavam a reelaboração de imagens ligadas à imagem da nação, ou, como nos diz Benedict Anderson (1999), a imagi-nação, eram ferramentas poderosas na realização de uma literatura representativa da nacionalidade brasileira, a aliar a expressão estética às especificidades históricas e sociais da nação. O Rio de Janeiro oitocentista era uma cidade que, se apresentava melhorias urbanas e desconstruía um quadro social colonial de reclusão familiar, ainda era bastante insipiente e insalubre. O espaço interno continuava sendo o palco privilegiado do encontro social. A rua continuava sendo o lugar da “desordem”. Em 1860 que Macedo começa a presentear seus leitores do Jornal do Comércio com uma série de artigos intitulados Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro. A proposta do escritor era, sobretudo, cumprir uma missão patriótica ao legar aos seus concidadãos uma série de informações acerca do passado histórico da cidade do Rio de Janeiro, pois assim prestaria ao Brasil “um serviço e [...] um tributo de patriotismo” (MACEDO, 1991, p.17). O narrador apresenta-se como o coletor e compilador dos ecos do passado, recolhidos nos documentos históricos e em fontes por ele legitimadas: cantigas, quadrinhas, lendas, nomes de ruas esquecidos pela historiografia:
- Page 99 and 100: 1 99 da época. E, não obstante,
- Page 101 and 102: 1 101 Magalhães teria feito da epo
- Page 103 and 104: 1 103 Na carta, Alencar revela o se
- Page 105 and 106: 1 105 como manancial legítimo da p
- Page 107 and 108: 1 107 Artísticas fomentadas desde
- Page 109 and 110: 1 109 percebido como cultura e meta
- Page 111 and 112: 1 111 os questionamentos dos litera
- Page 113 and 114: 1 113 Outro ponto interessante diz
- Page 115 and 116: 1 115 constróem imagens produtoras
- Page 117 and 118: 1 117 É neste cenário em claro-es
- Page 119 and 120: 1 119 problematização da relaçã
- Page 121 and 122: 1 121 Alencar não a descreve meram
- Page 123 and 124: 1 123 a sintaxe pictórica. Percebe
- Page 125 and 126: 1 125 Ao contrário do olhar neutro
- Page 127 and 128: 1 127 (ALENCAR, 1966, p. 863), o es
- Page 129 and 130: 1 129 elo estabelecido pela crític
- Page 131 and 132: 1 131 Ainda assim, Ivo é considera
- Page 133 and 134: 1 133 de riso, cujo burburinho cobr
- Page 135 and 136: 1 135 O aparentemente despretensios
- Page 137 and 138: 1 137 representando os mistérios d
- Page 139 and 140: 1 139 Por outro lado, e de forma co
- Page 141 and 142: 1 141 CAPÍTULO 2: A DESCRIÇÃO DO
- Page 143 and 144: 1 143 caminhadas as catalisadoras d
- Page 145 and 146: 1 145 o mundo, mas do mundo - mesmo
- Page 147 and 148: 1 147 aprisiona-se a esta, é na ve
- Page 149: 1 149 de aspectos e de impressões.
- Page 153 and 154: 1 153 para o presente. O eu que pas
- Page 155 and 156: 1 155 artificial unidade a partir d
- Page 157 and 158: 1 157 domínio metropolitano da Am
- Page 159 and 160: 1 159 A criação de uma paisagem o
- Page 161 and 162: 1 161 como afirma em “Benção Pa
- Page 163 and 164: 1 163 Esta imensa campina, que se d
- Page 165 and 166: 1 165 A história do sertão é org
- Page 167 and 168: 1 167 Este silêncio revela os impa
- Page 169 and 170: 1 169 decifrar nas linhas confusas
- Page 171 and 172: 1 171 CAPÍTULO 3: SER INTELECTUAL
- Page 173 and 174: 1 173 outras culturas e temporalida
- Page 175 and 176: 1 175 recebimento de cabedais ou de
- Page 177 and 178: 1 177 mecenato, em um momento em qu
- Page 179 and 180: 1 179 e espaços cruzados que, em c
- Page 181 and 182: 1 181 Desta forma, por exemplo, a l
- Page 183 and 184: 1 183 Alencar tece nos próprios ro
- Page 185 and 186: 1 185 que fissura a idéia do intel
- Page 187 and 188: 1 187 Carlos de Enéia, anagrama de
- Page 189 and 190: 1 189 bajulação. Na distinção e
- Page 191 and 192: 1 191 indígena arrancada a seu cam
- Page 193 and 194: 1 193 Hamleto no cemitério a cada
- Page 195 and 196: 1 195 Após falir tanto no projeto
- Page 197 and 198: 1 197 CONCLUSÃO Convencer é infru
- Page 199 and 200: 1 199 relações entre natureza e c
1 151<br />
em um sentido pluridimensional, nas dimensões política, administrativa, <strong>de</strong>mográfica,<br />
econômica e simbólica, pois serviu como mo<strong>de</strong>lo para o i<strong>de</strong>al da or<strong>de</strong>m, presidindo o<br />
Estado imperial e porque, principalmente, estava inscrita em uma dimensão representativa,<br />
na qual os corpos urbano e estatal confundiam-se.<br />
A corte imperial era indissolúvel do próprio império, cuja espinha dorsal era a<br />
estrutura escravista, elo para a i<strong>de</strong>ntificação da elite em torno do i<strong>de</strong>al da or<strong>de</strong>m e da<br />
unificação territorial. O corpo da cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro era tomado como palco<br />
primordial <strong>de</strong> representação do corpo do Estado, do corpo da nação. A construção <strong>de</strong><br />
mitologias urbanas que <strong>de</strong>sejavam a reelaboração <strong>de</strong> imagens ligadas à imagem da nação,<br />
ou, como nos diz Benedict An<strong>de</strong>rson (1999), a imagi-nação, eram ferramentas po<strong>de</strong>rosas<br />
na realização <strong>de</strong> uma literatura representativa da nacionalida<strong>de</strong> brasileira, a aliar a<br />
expressão estética às especificida<strong>de</strong>s históricas e sociais da nação.<br />
O Rio <strong>de</strong> Janeiro oitocentista era uma cida<strong>de</strong> que, se apresentava melhorias urbanas<br />
e <strong>de</strong>sconstruía um quadro social colonial <strong>de</strong> reclusão familiar, ainda era bastante insipiente<br />
e insalubre. O espaço interno continuava sendo o palco privilegiado do encontro social. A<br />
rua continuava sendo o lugar da “<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m”.<br />
Em 1860 que Macedo começa a presentear seus leitores do Jornal do Comércio com<br />
uma série <strong>de</strong> artigos intitulados Um passeio pela cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. A proposta do<br />
escritor era, sobretudo, cumprir uma missão patriótica ao legar aos seus concidadãos uma<br />
série <strong>de</strong> informações acerca do passado histórico da cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro, pois assim<br />
prestaria ao Brasil “um serviço e [...] um tributo <strong>de</strong> patriotismo” (MACEDO, 1991, p.17).<br />
O narrador apresenta-se como o coletor e compilador dos ecos do passado,<br />
recolhidos nos documentos históricos e em fontes por ele legitimadas: cantigas, quadrinhas,<br />
lendas, nomes <strong>de</strong> ruas esquecidos pela historiografia: