Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF
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1 142 O jogo de palavras supracitado já revelava em suas entrelinhas as sementes do que se arvoraria como o jogo romanesco a ser por ele construído alguns anos depois: mais do que aceitar o legado do olhar europeu - em especial o dos cronistas e viajantes - no esforço de se imaginar o Brasil, havia que se reconhecer a sutil diferença entre descrever e ser descrito, entre escrever (a sua história, a sua literatura) ou ser escrito. A compreensão da palavra como via imaginativa da memória do país é uma proposta alencarina que extrapola o entusiasmo da juventude, tornando-se recorrente em sua obra crítica – e convertendo-se em práxis numa produção literária que propõe a modulação de imagens ligadas a memória nacional.Dentre estas imagens, o passeio e a paisagem destacam-se como meios de compreensão sobre o cruzamentos das memórias coletiva e subjetiva. Em torno deste fio condutor, analisaremos a construção da imagem do passeador romântico nos textos de José de Alencar e de Joaquim Manoel de Macedo. Antes, porém, de analisá-los faremos referência às reflexões seminais de Walter Benjamin – o que por sua vez nos remete a Charles Baudelaire, e àquele que, anteriormente a este, dota a condição do passeador de subjetividade: Jean – Jacques Rousseau. A partir deste viés será aberto um leque reflexivo que abarca a riqueza semântica contida na aparente ingenuidade do ato de caminhar, que se desdobra em sua polissemia em uma rede significativa bifronte, a abarcar a viagem física e a existencial e a relação entre o caminhante – a passear ou a flanar, com o corpo urbano, compreendido como potência ambígua e dialeticamente reveladora e produtora de memórias. Os devaneios do caminhante solitário são na verdade não um livro construído para ser editado, mas manuscritos deixados por Jean –Jacques Rousseau e encontrados por ocasião de sua morte; é obra de um filósofo já desencantado e proscrito, que faz de suas
1 143 caminhadas as catalisadoras de devaneios, em um momento em que desiludido com a tentativa de refletir seus problemas na dimensão histórica, desloca-os para uma perspectiva individual. Destarte, o mergulho de Rousseau na solidão, permitido pelo seu afastamento voluntário da sociedade, é um isolamento muito mais físico do que simbólico, já que se realiza no incessante desejo de esvaziar sua vida da lembrança do(s) outro(s) e do constante confronto de um eu (je) que se revela no contato com a alteridade e de um eu (moi) que se revela a si. 49 Porém, a tentativa de abdicar do je, bem como da sociedade, revela-se falha, já que ambos estão introjetados nele mesmo. A solidão o leva a vislumbrar a fragmentação subjetiva, e não a individuação completa. Isto é: ao isolar-se, Rousseau, ainda que inconscientemente, torna sua reclusão um instrumento de reflexão. O indivíduo rousseauniano que se engolfa nos caminhos e descaminhos de um eu não mais unitário, mas fragmentado, semeia a partir de seu isolamento a possibilidade de “repensar o pacto do social com o natural e com o individual, fora do regime absolutista e da certeza teológica de recorte do mundo” (HELENA, 2000, p. 133). Por isto, ainda que concebamos o discurso dos devaneios como um monólogo que não possuía a menor pretensão de realizar-se diálogo, é necessário percebê-lo como construção em relação a uma alteridade que permanece, debalde os esforços de afastamento realizados, em uma escritura que a torna presente, já que instrumento de vivificação do passado, pois ao processo da lembrança Rousseau alia o da experimentação. 49 Sobre o jogo identitário construído a partir e em torno da articulação entre o je e o moi, conferir os artigos de Lucia Helena. (In: HELENA, 2000 e HELENA, 2001).
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A solidão o leva a vislumbrar a fragmentação subjetiva, e não a individuação<br />
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