Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF
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elo estabelecido pela crítica ao absolutismo e à mescla entre o público e o privado 45 no<br />
estado brasileiro (HELENA, 2004, p. 37): “ o espaço e o tempo da narrativa se esboçam e<br />
<strong>de</strong>senham fora do impulso <strong>de</strong> uma visão empírica e imediata, <strong>de</strong>slocando-se num processo<br />
<strong>de</strong> migração incessante, para o espaço tempo do que se imagina ficcionalmente”<br />
(HELENA, 2004, p. 40).<br />
Respaldado pelo direito que confere ao escritor <strong>de</strong> inventar, para assim – via<br />
imaginação, fazer falar o silêncio no qual o passado mergulha, Alencar inventa Ivo, o<br />
Garatuja, personagem visto como endiabrado pela socieda<strong>de</strong>, por conta <strong>de</strong> um dom natural:<br />
o da pintura. É através <strong>de</strong>la que Ivo constrói versões não-oficiais das pessoas e dos eventos<br />
da cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sarruma o que está estabelecido e <strong>de</strong>sperta o ódio dos po<strong>de</strong>rosos,<br />
principalmente dos religiosos: “O povo divertia-se a ver as diabruras do rapaz. [...]Os<br />
malignos achavam nos bonecos algumas parecenças com certos gran<strong>de</strong>s da cida<strong>de</strong>, e<br />
<strong>de</strong>scobriam umas alusões aos boatos e mexericos do tempo” (ALENCAR, 1966, p. 1290).<br />
Com características <strong>de</strong> um pícaro, Ivo, assim como a sua arte, é um enjeitado, pois é<br />
fruto <strong>de</strong> uma união fora das regras. Se a sua arte é o salva <strong>de</strong> várias situações, ao final,<br />
porém, ele acaba a<strong>de</strong>quando-se, por amor, às regras vigentes e abandona o seu instrumento<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, a pintura.<br />
Como Ricardo, protagonista <strong>de</strong> Sonhos d’ouro, Ivo tem uma sensibilida<strong>de</strong> artística<br />
inata, pois teria “n’alma as primaveras floridas, que os poetas chamam lirismos”<br />
(ALENCAR, 1966, p.1299). Se por um lado o dom artístico não lhe serve<br />
profissionalmente, por outro, dota-o <strong>de</strong> um olhar especial em relação ao mundo. Mas se a<br />
alma sensível <strong>de</strong> Ricardo reveste-o <strong>de</strong> uma luci<strong>de</strong>z que o leva à amargura e à solidão, em<br />
45 A instigante discussão entre a tenuida<strong>de</strong> dos limites entre o público e o privado no Brasil alegorizados no<br />
romance alencarino está presente em outros textos <strong>de</strong> Helena, como “A solidão tropical e os pares à <strong>de</strong>riva”.