Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF
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A questão do olhar do artista reaparece em O Garatuja: Alencar constrói pelo viés<br />
da ironia, em um texto aparentemente <strong>de</strong>spretensioso, uma reflexão complexa sobre as<br />
interfaces do pictórico, do poético e do nacional.<br />
Tal reflexão <strong>de</strong>senvolve-se em duas vias: como um jogo <strong>de</strong> claro-escuro, metáfora<br />
para se pensar sobre o posicionamento da literatura frente às penumbras da História<br />
(indicada, como visto, nas “Cartas sobre A Confe<strong>de</strong>ração dos Tamoios”) e como análise<br />
das relações entre pintura, documento, arte e História.<br />
A primeira via anuncia-se ao tomarmos consciência <strong>de</strong> que Alencar retoma nesta<br />
novela um caso jurídico colonial, testificado a partir <strong>de</strong> um documento inscrito nos Anais<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro, por Baltazar da Silva Lisboa. Sabe-se que um tabelião foi amotinado por<br />
servidores do prelado da cida<strong>de</strong>. O ouvidor-geral, após ouvir a queixa, mandou que o<br />
pren<strong>de</strong>sse. O prelado pediu ao Ouvidor que lhe entregasse a <strong>de</strong>vassa e como este não<br />
obe<strong>de</strong>ceu, foi excomungado. A segunda via revela-se na metaforização, no texto, do<br />
confronto entre a memória produzida pelo documento – burocrática e autoritária, e a<br />
memória visual produzida por Ivo – espontânea e subversiva.<br />
Percebemos a práxis do jogo <strong>de</strong> claro-escuro proposto por Alencar, quando ele<br />
constrói o quadro da socieda<strong>de</strong> a partir do jogo entre a penumbra da História e o claro da<br />
ficção, dialeticamente enfrentando-se. Toma este documento oficial como base para a<br />
construção <strong>de</strong> um texto literário. Pelo fio da ironia vai tecendo suas reflexões acerca <strong>de</strong>sta<br />
luta travada entre o po<strong>de</strong>r temporal e o po<strong>de</strong>r secular: na ficção, a motivo do conflito não<br />
são as tensões entre o Estado laico e a Igreja, mas uma confusão armada por uma<br />
personagem ficcional, Ivo, o Garatuja, apaixonado pela filha do tabelião.<br />
Como já citamos, para Alencar, “o domínio da arte na história é a penumbra em que<br />
esta <strong>de</strong>ixou os acontecimentos, e o fato autêntico, não se altera sem mentir à história”