Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF
Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF
Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
1 125<br />
Ao contrário do olhar neutro da ciência, o olhar <strong>de</strong> artista se aproxima do objeto,<br />
chegando a confundir-se com este: lembremo-nos que Ricardo é flagrado por Guida<br />
beijando a flor, que acabara <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir. (ALENCAR, 1966, p.709 e 710).<br />
Ricardo tem “espírito plástico” (ALENCAR, 1966, p. 727); é a natureza que o dota<br />
do dom <strong>de</strong> pintar e que ao mesmo tempo o ensina:<br />
Ricardo nunca apren<strong>de</strong>ra <strong>de</strong>senho com os mestres da arte.<br />
Sentira em si a intuição da forma, e cultivara esta disposição<br />
natural, guiado pelas próprias observações. Não teve<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que lhe ensinassem as regras da perspectiva,<br />
pois as tinha diante dos olhos nas paisagens que se<br />
<strong>de</strong>sdobravam pelas lindas várzeas <strong>de</strong> São Paulo.<br />
Ricardo era um poeta da forma; ele fazia verso com as cores.<br />
(ALENCAR, 1966, p. 727).<br />
Em Sonhos d’ouro, a natureza extrapola a condição selvagem e apresenta-se como signo da<br />
civilização. É mais do que simples paisagem: é arte em suas cores e formas expressivas,<br />
intensas, a se combinarem. A natureza vira tela: “O quadro arrebatador se tinha apagado <strong>de</strong><br />
repente, <strong>de</strong>ixando a tela azul erma da imagem sedutora” (ALENCAR, 1966, p. 713). E<br />
neste ponto, como citado, a alusão ecfrásica a cor é um dos elementos <strong>de</strong> construção do<br />
épico no cenário literário. Desta forma, a paisagem supera o espaço selvagem, e lança-se<br />
como potência <strong>de</strong> cultura, pois, no Romantismo, a natureza está além do mero cenário, na<br />
fusão subjetiva expressa pelo artista.<br />
Se, em seus textos críticos, são traçados paralelos entre a literatura e a pintura, em<br />
Sonhos d’ouro as correspondências entre natureza, civilização e arte são perceptíveis <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
o título ambíguo, a significar tanto as ilusões capitalistas como a flor campestre. No<br />
intertexto com a pintura romântica, a narrativa recupera ficcionalmente o pressuposto da<br />
unificação estética intuído por Alencar, ao qual antes nos referimos.