Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF
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1 116 música” (HAUSER, 2000, p. 720). Sua pintura era, antes de tudo, exuberante, já que, segundo o pintor, “le premier mérite d’um tableau est d’être une fête pour l’oeil” (DELACROIX apud HAUSER, 2000, p.1024). Logo no início de Sonhos d’ouro, Alencar descortina a cena da narrativa de forma grandiosa, na voz de um narrador que converte a natureza em quadro expressivo e feérico: “O sol ardente de Fevereiro dourava as lindas serranias da Tijuca. Que formosa manhã! O céu arreava-se do mais puro azul; o verde da relva e da folhagem sorria entre as gotas de orvalho, cambiando aos toques da luz”(ALENCAR, 1966, p. 703.). A Tijuca, sinônimo de vida campestre à época do autor, é transformada em cenário apresentado como um quadro tinto em cores fortes e expressivas: o dourado, o azul e o verde formam e conformam o palco da história, esfumaçado em claro-escuro, já que é um cenário cambiante ao toque da luz: a natureza recortada pela moldura artística, que a voz narrativa delineia, apresenta –se como símile da obra de arte. Podemos indicar desde já – além da referência às cores que indiciam a bandeira nacional, uma relação com a sintaxe pictórica romântica, na medida em que o texto alegoriza a grandiosidade da natureza aludindo à expressividade da cor. Uma outra possibilidade de leitura, presente também em outros textos, é a que percebe a figuração da natureza como cenário cambiante e identifica esta representação à relação Natureza/ Civilização, percebida não como uma oposição binária, mas antes como complexa articulação. Ou seja, o cenário natural no texto apresenta-se em claro-escuro, indiciando o jogo de luz e sombra como a expressão de um espaço que ao mesmo tempo revela e esconde, por um lado; e por outro, que se apresenta como território latente de elementos civilizatórios: um deles, como já dito, é a percepção do natural como artístico.
1 117 É neste cenário em claro-escuro que se dará, poucas linhas depois, o primeiro encontro entre os protagonistas da história: o jovem Ricardo – advogado pobre com alma de artista, e Margarida - Guida, burguesa cujo dinheiro compra tudo, inclusive os ares aristocráticos. O encontro acontece em um momento de introspecção e comunhão com a na tureza por parte de Ricardo. O moço, envolto em devaneios, é bruscamente chamado à realidade pela presença de Guida, montada em um cavalo. Se a realidade o desperta do sonho, por sua vez esta relação é revertida, já que a imagem da moça passa imediatamente a se construir como uma aparição. A natureza é mimetizada pelo narrador como arte, a aparição de Guida é narrada também como um quadro, mas tecido neste momento da trama pelo olhar de artista de Ricardo, o único capaz de vê-la em “diorama”, em heterocosmo produzido pelo olhar da personagem artista frente à natureza a remeter à metáfora da mimese romântica como lâmpada. A representação grandiosa da paisagem, o posicionamento do homem nela pode ligar-se à reengenharia do épico em Alencar. Na narração do quadro de Guida a cavalo, o azul, o dourado e o verde destacam-se (como na descrição do cenário natural, no começo da narrativa) em imagens que remetem ao movimento e a construção de um olhar transfigurador da realidade, como um quadro de Delacroix, analogia estabelecida pelo próprio narrador: Entre o arvoredo tecido de grinaldas amarelas aparecia uma esfera do azul do céu, como tela fina de um painel, cingido por um medalhão de ouro. A sombra de uma nuvem errante infundia ao horizonte suave transparência. Debuxava-se na tela acetinada o vulto airoso de linda moça, que montava com elegância um cavalo Isabel.[...]. Um roupão de cachemira verde-escura, debruado a cairel de
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É neste cenário em claro-escuro que se dará, poucas linhas <strong>de</strong>pois, o primeiro<br />
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aristocráticos.<br />
O encontro acontece em um momento <strong>de</strong> introspecção e comunhão com a na tureza<br />
por parte <strong>de</strong> Ricardo. O moço, envolto em <strong>de</strong>vaneios, é bruscamente chamado à realida<strong>de</strong><br />
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sua vez esta relação é revertida, já que a imagem da moça passa imediatamente a se<br />
construir como uma aparição.<br />
A natureza é mimetizada pelo narrador como arte, a aparição <strong>de</strong> Guida é narrada<br />
também como um quadro, mas tecido neste momento da trama pelo olhar <strong>de</strong> artista <strong>de</strong><br />
Ricardo, o único capaz <strong>de</strong> vê-la em “diorama”, em heterocosmo produzido pelo olhar da<br />
personagem artista frente à natureza a remeter à metáfora da mimese romântica como<br />
lâmpada.<br />
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ligar-se à reengenharia do épico em Alencar. Na narração do quadro <strong>de</strong> Guida a cavalo, o<br />
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narrativa) em imagens que remetem ao movimento e a construção <strong>de</strong> um olhar<br />
transfigurador da realida<strong>de</strong>, como um quadro <strong>de</strong> Delacroix, analogia estabelecida pelo<br />
próprio narrador:<br />
Entre o arvoredo tecido <strong>de</strong> grinaldas amarelas aparecia uma<br />
esfera do azul do céu, como tela fina <strong>de</strong> um painel, cingido<br />
por um medalhão <strong>de</strong> ouro. A sombra <strong>de</strong> uma nuvem errante<br />
infundia ao horizonte suave transparência. Debuxava-se na<br />
tela acetinada o vulto airoso <strong>de</strong> linda moça, que montava com<br />
elegância um cavalo Isabel.[...].<br />
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