15.04.2013 Views

A Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM) e as Semanas ... - anpuh

A Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM) e as Semanas ... - anpuh

A Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM) e as Semanas ... - anpuh

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

TRABALHO, ALCOOLISMO E EUGENIA: AS SEMANAS<br />

ANTIALCOÓLICAS EM FORTALEZA (1927-1931)<br />

RESUMO<br />

Raul Max Luc<strong>as</strong> da Costa/FUNCAP 1<br />

Mestrando em História Social<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Ceará - UFC<br />

Esse artigo objetiva investigar <strong>as</strong> tensões sociais evi<strong>de</strong>nciad<strong>as</strong> n<strong>as</strong> seman<strong>as</strong> antialcoólic<strong>as</strong> em<br />

Fortaleza no período <strong>de</strong> 1927 a 1931 promovid<strong>as</strong> pela <strong>Liga</strong> <strong>Br<strong>as</strong>ileira</strong> <strong>de</strong> <strong>Higiene</strong> <strong>Mental</strong><br />

(<strong>LBHM</strong>). Constatamos que <strong>as</strong> conferênci<strong>as</strong> antialcoólic<strong>as</strong> eram <strong>de</strong>stinad<strong>as</strong> a trabalhadores,<br />

estudantes, merceeiros, soldados, policiais e <strong>de</strong>tentos. O interesse fora maior pelo operariado,<br />

dada a preocupação com o aperfeiçoamento da raça pelo trabalho e pela abstinência <strong>as</strong> bebid<strong>as</strong><br />

alcoólic<strong>as</strong>. Concluí-mos que o alcoolismo era <strong>as</strong>sociado à população pobre e o álcool<br />

consi<strong>de</strong>rado como elemento nocivo e prejudicial ao corpo, ao trabalho e a or<strong>de</strong>m social.<br />

Palavr<strong>as</strong>-chave: alcoolismo, trabalho, higiene mental, eugenia e cida<strong>de</strong>.<br />

Introdução<br />

Em Fortaleza, o alcoolismo surgiu como uma preocupação governamental,<br />

médica, policial e religiosa, n<strong>as</strong> primeir<strong>as</strong> décad<strong>as</strong> do século XX, período marcado pelo<br />

crescimento urbano e pel<strong>as</strong> transformações no mundo do trabalho. O receio com <strong>as</strong><br />

condut<strong>as</strong> sociais, sobretudo, com a dos trabalhadores pobres se apresentou como um<br />

<strong>de</strong>nominador comum que uniu diferentes discursos em torno da causa antialcoólica.<br />

Em 1915, a mensagem presi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> Liberato Barroso temia o aumento do<br />

consumo <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte por parte da população cearense:<br />

Em época não muito remota o Estado exportava cerca <strong>de</strong> du<strong>as</strong> mil tonelad<strong>as</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>as</strong>sucar. Essa superabundância <strong>de</strong> producção <strong>de</strong> um gênero <strong>de</strong> primeira<br />

necessida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ravelmente útil a nutrição chegou a <strong>de</strong>sapparecer <strong>de</strong> todo<br />

por ter sido transformada em álcool, que só serve para a ruina do organismo<br />

humano. 2<br />

Para o gestor em questão, a solução consistia num controle da produção <strong>de</strong><br />

álcool através <strong>de</strong> um aumento da taxa <strong>de</strong> impostos e um investimento na produção <strong>de</strong><br />

açúcar. Tal medida inverteria a balança comercial em favor do açúcar, consi<strong>de</strong>rado<br />

como um produto alimentar em vez <strong>de</strong> incentivar a fabricação <strong>de</strong> álcool concebido<br />

como uma substância inútil e nociva.<br />

No ano seguinte, a preocupação médica com o consumo alcoólico esteve<br />

expressa na conferência Alcoolismo proferida por barão <strong>de</strong> Studart aos trabalhadores do<br />

Círculo Operário São José. 3 A escolha do tema fora feita pelo o próprio, acreditando ser<br />

esse um <strong>as</strong>sunto que tinha atualida<strong>de</strong> e relevância para um público <strong>de</strong> operários. Para


Studart, o Ceará era um estado em que “se bebe muito” e o alcoolismo uma “praga” que<br />

a cada dia se estendia pelo solo cearense. Seu discurso apresentava uma <strong>de</strong>limitação<br />

espacial e social do uso do álcool na cida<strong>de</strong>: <strong>de</strong> um lado, os ricos em seus clubes, cafés e<br />

restaurantes; do outro, os trabalhadores pobres n<strong>as</strong> bo<strong>de</strong>g<strong>as</strong> e t<strong>as</strong>c<strong>as</strong>, sendo a<br />

conferência en<strong>de</strong>reçada a estes.<br />

O Mal é qu<strong>as</strong>e geral; bebe-se sob a cúpula doirada dos clubs, on<strong>de</strong> os ricos<br />

distrahem seus tédios e esvaziam <strong>as</strong> bols<strong>as</strong> com prazeres fugaces; bebe-se<br />

nos cafés e restaurantes, em cuj<strong>as</strong> mes<strong>as</strong> saltam os dados e <strong>as</strong> cart<strong>as</strong> <strong>de</strong> jogar<br />

ao som d<strong>as</strong> taç<strong>as</strong> que se entrechocam e dos risos escarninhos e críticos dos<br />

maldizentes e bisbilhoteiros; bebe-se n<strong>as</strong> tabern<strong>as</strong> e n<strong>as</strong> t<strong>as</strong>c<strong>as</strong>, on<strong>de</strong> o parco<br />

vintém adquerido penosamente pelo operário, pelo humil<strong>de</strong> trabalhador vae<br />

conveter-se em veneno, que aos poucos lhe queimará <strong>as</strong> entranh<strong>as</strong>, lhes<br />

esphacelará o cérebro, o inutilisará para o trabalho em breve tempo, fal-o-á<br />

um peso e uma carga para a família e um motivo <strong>de</strong> escarneo ou<br />

commiseração dos companheiros e o atirará, triste remate, sobre a enxerga<br />

<strong>de</strong> um hospital ou <strong>de</strong>ntro d<strong>as</strong> gra<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lôbrega prisão. 4<br />

O trecho, apesar <strong>de</strong> longo, sintetiza os espaços <strong>de</strong> consumo e distinção em<br />

torno d<strong>as</strong> bebid<strong>as</strong> alcoólic<strong>as</strong>. O próprio Studart não <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rava o fato <strong>de</strong> que uma<br />

parcela ab<strong>as</strong>tarda da socieda<strong>de</strong> consumia bebid<strong>as</strong> alcoólic<strong>as</strong> em locais próprios da elite<br />

fortalezense como os clubes, os restaurantes e os cafés da cida<strong>de</strong>. Do outro lado,<br />

estavam os pobres n<strong>as</strong> tabern<strong>as</strong>, bo<strong>de</strong>g<strong>as</strong> e t<strong>as</strong>c<strong>as</strong> que predominavam nos arrabal<strong>de</strong>s da<br />

cida<strong>de</strong>, tendo como freqüentadores os operários advertidos nessa conferência. Por outro<br />

lado, <strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> <strong>de</strong> consumo da elite fortalezense, foram post<strong>as</strong> <strong>de</strong> lado: “... <strong>de</strong>ixemos<br />

os ricos nos seus clubs, nos seus salões <strong>de</strong> viciados elegantes; não me interesso por<br />

elles; prefiro occupar-me dos homens do matar o bicho do calixto, da tallagada, do tira-<br />

gosto, occupar-me dos pobres e dos ignorantes em summa” 5 .<br />

Seu discurso, portanto, se dirige a um público específico <strong>de</strong> trabalhadores, na<br />

medida em que o álcool seria uma fonte <strong>de</strong> energia enganosa que aos poucos se<br />

revelaria como um veneno corruptor do corpo do trabalhador. Por sua vez, a inaptidão<br />

para o trabalho traria conseqüênci<strong>as</strong> funest<strong>as</strong> para a família, à socieda<strong>de</strong> e a nação,<br />

sendo, <strong>de</strong>ssa forma, o alcoolismo um gran<strong>de</strong> mal social. A cura, segundo o médico,<br />

seria a regeneração moral com o auxílio espiritual.<br />

Rodolfo Teófilo fora outro intelectual cearense enpenhado na luta<br />

antialcoólica. O farmacêutico consi<strong>de</strong>rava sua iniciativa <strong>de</strong> fundar a <strong>Liga</strong> Cearense<br />

Contra o Alcoolismo, em seu sítio na Pajuçara,como pioneira no país. 6 Nesse sentido,<br />

relatou sua experiência <strong>de</strong> tratamento do alcoolismo junto a um popular:<br />

2


[...] Desejando que aquelle homem tão trabalhador, tão amigo da família se<br />

regener<strong>as</strong>se, levei-o para nossa c<strong>as</strong>a a p<strong>as</strong>sar uma temporada comigo no<br />

„Alto da Bonança” (...) Quando o julguei curado, minha mulher, para<br />

consolidar a cura mandou, no pensar <strong>de</strong>lla, celebrar uma missa em acção <strong>de</strong><br />

graç<strong>as</strong>, que o bebado ouviu e durante a qual commugou com compucção (...)<br />

No dia seguinte se <strong>de</strong>spediu <strong>de</strong> nós com lagrim<strong>as</strong> <strong>de</strong> gratidão. Voltou à c<strong>as</strong>a.<br />

Oito di<strong>as</strong> <strong>de</strong>pois, tomou uma formidável bebe<strong>de</strong>ira e espancou a mulher<br />

como tinha feito antes. 7<br />

O malogro <strong>de</strong> sua experiência o fez concluir que o alcoolismo não consistia em<br />

uma questão moral, m<strong>as</strong> orgânica. Para Teófilo, haveria nos alcoólatr<strong>as</strong> “célul<strong>as</strong>” do<br />

alcoolismo, daí a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma reeducação moral.<br />

O alcoolismo figurava também como uma preocupação dos órgãos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

pública. A Inspetoria <strong>de</strong> <strong>Higiene</strong> Pública do Ceará em seu relatório <strong>de</strong> 1917 8<br />

cl<strong>as</strong>sificava <strong>de</strong> “triunvirato da dô” a ocorrência simultânea da tuberculose, do<br />

alcoolismo e da sífilis na capital cearense. A dificulda<strong>de</strong> do trabalho preventivo estaria<br />

ligada à falta <strong>de</strong> medid<strong>as</strong> legais e polític<strong>as</strong>: “... a prophylaxia da syphilis é por enquanto,<br />

sem a regulamentação da prostituição, improvável; a do alcoolismo uma utopia nos<br />

tempos que correm; e a da tuberculose, dificílima em face da precária situação<br />

financeira”. 9<br />

A preocupação sanitarista incluía o alcoolismo como <strong>de</strong>safio à saú<strong>de</strong> pública,<br />

ao lado d<strong>as</strong> doenç<strong>as</strong> dos “tempos mo<strong>de</strong>rnos”, como a sífilis e a tuberculose, o que nos<br />

remete <strong>as</strong> tensões sociais característic<strong>as</strong> da cida<strong>de</strong> urbanizada, já que esses males eram<br />

<strong>as</strong>sociados à população pobre.<br />

Além <strong>de</strong> uma questão médica e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública, o alcoolismo era também<br />

c<strong>as</strong>o <strong>de</strong> polícia. O relatório do Dr. Eduardo Torres Câmara 10 apresentava uma seção<br />

intitulada Combate ao Alcoolismo, na qual recomendava a formação <strong>de</strong> “lig<strong>as</strong> contra a<br />

aguar<strong>de</strong>nte” que, segundo sua análise, era responsável pela criminalida<strong>de</strong> e pela maioria<br />

d<strong>as</strong> <strong>de</strong>tenções na capital. A cachaça era um elemento nocivo às cl<strong>as</strong>ses populares na<br />

medida em que agravava seu quadro <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong> racial:<br />

Si se attentar em que nosso povo pertence a uma raça eivada <strong>de</strong> elementos<br />

heterogêneos, uns <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong> clara e incontestável, outros, bem que<br />

ethinicamente superiores, esmagados entretanto ao peso <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cadência<br />

irremediável, certo se po<strong>de</strong>rá calcular a influencia fatal que o álcool<br />

<strong>de</strong>termina para a <strong>de</strong>sorganização e <strong>de</strong>generescencia d<strong>as</strong> cl<strong>as</strong>ses populares 11<br />

Em geral, a categoria médica alcoolismo, era empregada muit<strong>as</strong> vezes para<br />

<strong>de</strong>signar prátic<strong>as</strong> <strong>de</strong> lazer e consumo populares <strong>de</strong>squalificad<strong>as</strong> pelo discurso elitista. A<br />

própria construção discursiva do alcoolismo como doença não estava alheia às prédic<strong>as</strong><br />

3


moralist<strong>as</strong> e <strong>as</strong> tensões sociais <strong>de</strong> sua época. 12 Dessa forma, o termo alcoolismo era<br />

empregado <strong>de</strong> forma ampla para fazer referência ao consumo alcoólico popular como<br />

uma prática patológica e criminosa, fato esse que justificava uma intervenção higienista<br />

e moralizante por parte dos setores elitist<strong>as</strong>.<br />

As Seman<strong>as</strong> Antialcoólic<strong>as</strong> em Fortaleza<br />

O discurso contra ao alcoolismo em Fortaleza adquiriu maiores proporções no<br />

final da década <strong>de</strong> 20 e início <strong>de</strong> 30 quando ocorreram <strong>as</strong> seman<strong>as</strong> antialcoólic<strong>as</strong><br />

promovid<strong>as</strong> pela <strong>Liga</strong> <strong>Br<strong>as</strong>ileira</strong> <strong>de</strong> <strong>Higiene</strong> <strong>Mental</strong> (<strong>LBHM</strong>) que contou com o apoio<br />

dos setores médicos, do clero e d<strong>as</strong> instituições trabalhist<strong>as</strong> e pedagógic<strong>as</strong>.<br />

A <strong>LBHM</strong>, fundada em 1922 na Capital Fe<strong>de</strong>ral e reconhecida pelo Governo<br />

como instituição <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública em 1923, surgiu como uma proposta <strong>de</strong> reforma<br />

psiquiátrica, seguindo <strong>as</strong> diretrizes da higiene mental norte-americana. Em 1908,<br />

inaugurou-se nos Estados Unidos a primeira instituição <strong>de</strong> higiene mental <strong>de</strong>stinada à<br />

profilaxia d<strong>as</strong> doenç<strong>as</strong> mentais. Essa reforma seguia os preceitos da teoria eugenista<br />

formalizada por Francis Galton, antropólogo inglês que <strong>de</strong>fendia o recurso à ciência e a<br />

técnica com o intuito <strong>de</strong> evitar os fatores adversos ao aperfeiçoamento da raça humana.<br />

A crença na hereditarieda<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>generescência como os dois gran<strong>de</strong>s vetores<br />

<strong>de</strong> comprometimento da raça, motivou o surgimento <strong>de</strong> movimentos eugenist<strong>as</strong> na<br />

Europa, EUA e no Br<strong>as</strong>il. Schwarcz 13 e Costa 14 <strong>de</strong>stacam que ess<strong>as</strong> concepções<br />

eugenist<strong>as</strong> consistiam numa preocupação própria dos intelectuais br<strong>as</strong>ileiros na<br />

p<strong>as</strong>sagem do século XIX para o XX, fato esse que repercutiu na orientação teórica d<strong>as</strong><br />

principais faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Medicina e Direito do país.<br />

Além <strong>de</strong> seu fundador, o psiquiatra carioca Gustavo Rie<strong>de</strong>l, a <strong>LBHM</strong><br />

congregava outros psiquiatr<strong>as</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque como Henrique Roxo, Ernani Lopes, Afrânio<br />

Peixoto, Juliano Moreira que juntos objetivavam:<br />

[...] prevenir <strong>as</strong> doenç<strong>as</strong> nervos<strong>as</strong> e mentaes, proteger e amparar no meio<br />

social os egressos dos manicômios, melhorar progressivamente os meios <strong>de</strong><br />

<strong>as</strong>sistir e tratar os doentes nervosos e mentaes e, finalmente realisar um<br />

programma <strong>de</strong> Hygiene <strong>Mental</strong> e Eugenetica no domínio d<strong>as</strong> activida<strong>de</strong>s<br />

individual, escolar, profissional e social [...] 15<br />

Nesse sentido, o programa da <strong>LBHM</strong> incluía três gran<strong>de</strong>s vetores <strong>de</strong> profilaxia:<br />

a educação infantil, a imigração e o alcoolismo. Com relação esse último, foram vári<strong>as</strong><br />

<strong>as</strong> ativida<strong>de</strong>s que ia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> conferênci<strong>as</strong> e publicações até a elaboração <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> lei<br />

e a organização <strong>de</strong> uma campanha nacional intitulada “Semana Antialcoólica”.<br />

4


As seman<strong>as</strong> antialcoólic<strong>as</strong> consistiam b<strong>as</strong>icamente em conferênci<strong>as</strong> proferid<strong>as</strong><br />

por médicos, professores, autorida<strong>de</strong>s policiais e religios<strong>as</strong> sobre os malefícios do<br />

álcool, consi<strong>de</strong>rado como elemento nocivo e prejudicial ao organismo, à família e a<br />

socieda<strong>de</strong>. O objetivo <strong>de</strong>ss<strong>as</strong> campanh<strong>as</strong>, portanto, era instruir e prevenir <strong>as</strong> camad<strong>as</strong><br />

pobres da cida<strong>de</strong> em prol do aperfeiçoamento da raça 16 .<br />

No Br<strong>as</strong>il, ess<strong>as</strong> campanh<strong>as</strong> ocorreram <strong>de</strong> forma concomitante em vári<strong>as</strong><br />

capitais como Rio <strong>de</strong> Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Santa Catarina, Recife, Natal<br />

e Fortaleza. N<strong>as</strong> cida<strong>de</strong>s da região sul e su<strong>de</strong>ste, a <strong>LBHM</strong> contava com <strong>de</strong>legados<br />

regionais responsáveis por promover o evento e após o mesmo, enviar um relatório a<br />

instituição <strong>de</strong>screvendo <strong>as</strong> ativida<strong>de</strong>s ocorrid<strong>as</strong>, materiais <strong>de</strong> divulgação e not<strong>as</strong> da<br />

imprensa local.<br />

Nem tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> cida<strong>de</strong>s contavam com <strong>de</strong>legados regionais para a realização da<br />

“Semana Anti-Alcoolica”. Provavelmente, a <strong>LBHM</strong> mantinha uma comunicação direta<br />

com <strong>as</strong> capitais que dispunham <strong>de</strong> psiquiatr<strong>as</strong> e instituições filiad<strong>as</strong> ou parceir<strong>as</strong> a<br />

instituição carioca.<br />

Em Fortaleza, a “Semana Anti-alcoolica” mobilizou diferentes setores e<br />

instituições para a sua realização. A direção d<strong>as</strong> campanh<strong>as</strong> ficou a cargo do Serviço <strong>de</strong><br />

Saneamento Rural, órgão criado em 1921 a partir <strong>de</strong> um acordo entre o Governo<br />

Estadual e Fe<strong>de</strong>ral com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> combater às epi<strong>de</strong>mi<strong>as</strong> e en<strong>de</strong>mi<strong>as</strong>, sobretudo,<br />

no interior do estado. 17 No tocante a “Semana Anti-Alcoolica” da <strong>LBHM</strong> o Serviço <strong>de</strong><br />

Saneamento Rural, conforme Demosthenes Carvalho:<br />

[...] atten<strong>de</strong>u ao patriótico appello que lhe dirigiu a <strong>Liga</strong> <strong>Br<strong>as</strong>ileira</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Higiene</strong> <strong>Mental</strong> e cumpriu o imperativo do artigo 1610 do Regulamento<br />

porque se rege, o qual dispõe que se façam cumprir, em quaesquer regiões<br />

dos Estados on<strong>de</strong> existam organizados serviços <strong>de</strong> sau<strong>de</strong> publica, os<br />

preceitos <strong>de</strong> higiene necessários à saú<strong>de</strong> do individuo e ao aperfeiçoamento<br />

da raça. 18<br />

Essa a<strong>de</strong>são do Serviço <strong>de</strong> Saneamento Rural a uma campanha contra o<br />

alcoolismo po<strong>de</strong> ser compreendida como uma extensão da política <strong>de</strong> saneamento rural<br />

inaugurada por Belizário Penna 19 que consi<strong>de</strong>rava o alcoolismo como uma en<strong>de</strong>mia<br />

conseqüente da falta <strong>de</strong> uma sistematização do trabalho agrícola e do ócio do homem do<br />

campo. Do sanitarismo a eugenia, o alcoolismo era consi<strong>de</strong>rado como um empecilho à<br />

consolidação <strong>de</strong> uma nação através do trabalho e da moral civilizada.<br />

Em Fortaleza, a realização da “Semana Antialcoólica” consistiu, além <strong>de</strong> uma<br />

solicitação da <strong>LBHM</strong>, numa oportunida<strong>de</strong> d<strong>as</strong> elites locais exporem su<strong>as</strong> prédic<strong>as</strong><br />

5


moralist<strong>as</strong> e seus anseios civilizatórios. Vale ressaltar que a realização do evento se<br />

tratava <strong>de</strong> uma recomendação e não <strong>de</strong> uma obrigatorieda<strong>de</strong>. A estratégia para a<br />

realização da “Semana Anti-Alcoolica” na capital cearense consistiu na tentativa <strong>de</strong><br />

instruir um público específico através <strong>de</strong> conferênci<strong>as</strong> sobre os malefícios causados<br />

pel<strong>as</strong> bebid<strong>as</strong> alcoólic<strong>as</strong>:<br />

O programma que adoptamos foi dos mais simples, sem prejuízo da sua<br />

efficiencia. Fizemos realizar todos os di<strong>as</strong> uma conferencia ou palestra <strong>de</strong><br />

porpaganda anti-alcoolica, procurando para ell<strong>as</strong> auditórios numerosos <strong>de</strong><br />

operários, <strong>de</strong> estudantes, <strong>de</strong> pequenos negociantes, <strong>de</strong> soldados, em cujo seio<br />

<strong>as</strong> i<strong>de</strong><strong>as</strong> anti-ethilic<strong>as</strong> pu<strong>de</strong>ssem ser propagados com real proveito. 20<br />

De modo geral, o chefe do Serviço <strong>de</strong> Saneamento Rural era o principal<br />

articulador d<strong>as</strong> prelações contra o alcoolismo em Fortaleza. Boa parte dos<br />

conferencist<strong>as</strong> eram membros <strong>de</strong>sse órgão e/ou <strong>as</strong>sociados do CMC como revela o<br />

convite <strong>de</strong> Demosthenes Carvalho aos membros <strong>de</strong>ssa instituição: “... Alarga-se <strong>de</strong>pois<br />

sobre o appello da <strong>Liga</strong> <strong>Br<strong>as</strong>ileira</strong> <strong>de</strong> Hygiene <strong>Mental</strong>, ás socieda<strong>de</strong>s médic<strong>as</strong>, sobre o<br />

combate ao alcoolismo. Diz ter organizado a semana anti-alcoolica a cargo <strong>de</strong><br />

intellectuaes <strong>de</strong> renome e convida o Centro Medico ...” 21<br />

Da mesma forma, a participação da imprensa local fora ativa e <strong>de</strong>cisiva para a<br />

realização e divulgação da “Semana Anti-alcoolica”. O jornal católico O Nor<strong>de</strong>ste,<br />

periódico da Arquidiocese <strong>de</strong> Fortaleza fundado em 1922, realizou uma ampla<br />

divulgação da “Semana” <strong>de</strong>stacando os conferencist<strong>as</strong> e os locais <strong>de</strong> realização da<br />

campanha, além <strong>de</strong> publicar uma série <strong>de</strong> artigos <strong>de</strong> orientação católica contra o<br />

alcoolismo. Sobre a primeira campanha ocorrida em outubro <strong>de</strong> 1927 o jornal comenta:<br />

Ainda bem que a <strong>Liga</strong> <strong>Br<strong>as</strong>ileira</strong> <strong>de</strong> <strong>Higiene</strong> <strong>Mental</strong>, <strong>de</strong>ante da necessida<strong>de</strong><br />

cada vez mais urgente <strong>de</strong> se levantar um obstáculo a tão corrosivo elementos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>struição dos valores da raça, tomou a elevada e nobre iniciativa <strong>de</strong><br />

promover, em toda a extensão do nosso país, a realização da Semana Antialcoolica[...].<br />

22<br />

A postura explicitamente antialcoólica do jornal fazia do mesmo um<br />

instrumento privilegiado da campanha contra o alcoolismo. A realização da “Semana<br />

Anti-alcoolica” em Fortaleza representava para esses setores uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

igualar-se aos centros civilizados do país: “...além <strong>de</strong> ser um facto inédito entre nós,<br />

muito nos elevará perante os <strong>de</strong>mais Estados da União, todos empenhados em<br />

melhoramente commemorar a semana anti-alcoolica”. 23<br />

Em Fortaleza, ess<strong>as</strong> campanh<strong>as</strong> eram <strong>de</strong>stinad<strong>as</strong> a um público específico e<br />

realizad<strong>as</strong> em locais estratégicos. Os trabalhadores do Círculo <strong>de</strong> Operários Católicos<br />

6


São José, foram os primeiros ouvintes da Semana Antialcoólica na cida<strong>de</strong> sendo a se<strong>de</strong><br />

do Círculo o local <strong>de</strong> abertura dos eventos. Fundado em 1915, o Círculo São José<br />

consistia na efetivação prática junto ao operariado da doutrina social católica<br />

estabelecida pela encíclica papal Rerum Novarum. O documento católico surgiu como<br />

resposta ao mo<strong>de</strong>rnismo e ao comunismo, propondo uma relação amistosa entre patrões<br />

e empregados <strong>de</strong> acordo com a moral cristã. 24 Os caixeiros da Phenix Caixeiral também<br />

foram escolhidos como ouvintes da campanha antialcoólica, <strong>as</strong>sociação que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1891,<br />

congregava os empregados do comércio da cida<strong>de</strong>. Sob o lema “Trabalho e Educação” a<br />

instituição ressaltava a instrução como condição necessária para a formação do<br />

caixeiro. 25<br />

Nos anos seguintes, a audiência <strong>de</strong> operários fora ampliada com os <strong>as</strong>sociados<br />

da Deus e Mar, da Associação Beneficente Marítima, do Sindicato e dos Trabalhadores<br />

do Porto. Embora, Fortaleza cont<strong>as</strong>se com <strong>as</strong>sociações operári<strong>as</strong> <strong>de</strong> orientação<br />

anarquista e socialista, est<strong>as</strong> não foram contemplad<strong>as</strong> como locais <strong>de</strong> realização da<br />

“Semana Anti-alcoólica”. A razão <strong>de</strong>ssa omissão po<strong>de</strong> ser compreendida ao levarmos<br />

em conta os conflitos d<strong>as</strong> <strong>as</strong>sociações libertári<strong>as</strong> com <strong>as</strong> <strong>de</strong> orientação católica, tendo<br />

em vista que a Igreja local e a imprensa católica tiveram papel <strong>de</strong>cisivo na realização<br />

<strong>de</strong>ss<strong>as</strong> campanh<strong>as</strong>. No entanto, a moral e o trabalho também eram virtu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>fendid<strong>as</strong><br />

pelos operários comunist<strong>as</strong> que repreendiam o vício e a embriaguez em seus<br />

impressos. 26<br />

Associação dos Merceeiros também foi escolhida como um dos locais d<strong>as</strong><br />

conferênci<strong>as</strong> contra ao alcoolismo. Fundada em 1914 e reorganizada em 1918, a<br />

<strong>as</strong>sociação representava a cl<strong>as</strong>se dos comerciantes do ramo <strong>de</strong> vend<strong>as</strong> a “retalho” e <strong>de</strong><br />

“estiv<strong>as</strong> e miu<strong>de</strong>z<strong>as</strong>”, além <strong>de</strong> coligar os empregados do comércio. 27 O interesse pelos<br />

merceeiros era justificado pela política <strong>de</strong> inibição e proibição ao comércio <strong>de</strong> bebid<strong>as</strong><br />

almejada pelos setores elitist<strong>as</strong> aos mol<strong>de</strong>s da Lei Seca norte-americana.<br />

Outros locais <strong>de</strong> prelação antialcoólica foram o Quartel do Regimento Policial<br />

e a Ca<strong>de</strong>ia Pública, a pedido da Secretária <strong>de</strong> Segurança Pública e Polícia. O policial<br />

estava presente nos conflitos cotidianos, atuando como agente repressor da embriaguez<br />

pública e d<strong>as</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns relacionad<strong>as</strong> ao consumo <strong>de</strong> álcool. Contudo, os policiais<br />

também participavam do lazer e consumo d<strong>as</strong> cl<strong>as</strong>ses populares, sendo, <strong>de</strong>ssa forma,<br />

comum registros criminais <strong>de</strong> agressões e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns praticad<strong>as</strong> por policiais. Daí o<br />

interesse do Chefe <strong>de</strong> Polícia <strong>de</strong> que seus agentes participem <strong>de</strong> uma campanha<br />

antialcoólica, <strong>as</strong>sim como os <strong>de</strong>tentos da Ca<strong>de</strong>ia Pública.<br />

7


Da mesma forma, os soldados do 23º Batalhão <strong>de</strong> Caçadores participaram da<br />

“Semana Anti-Alcoolica”. Os militares também estiveram envolvidos em conflitos em<br />

torno da embriaguez. Era recorrente uma rivalida<strong>de</strong> entre os guard<strong>as</strong> cívicos e os<br />

soldados do 23ºBC que muit<strong>as</strong> vezes travaram confrontos no espaço público.<br />

Instituições pedagógic<strong>as</strong> como o Liceu, o Colégio Militar e <strong>as</strong> <strong>de</strong> caráter<br />

profissionalizante como a Escola <strong>de</strong> Aprendizes Artífices, a Socieda<strong>de</strong> Artística<br />

Beneficente e o Centro Artístico Cearense foram locais <strong>de</strong> conferência contra o<br />

alcoolismo. A intervenção antialcoólica nesses espaços corroborava com a proposta <strong>de</strong><br />

formação dos futuros trabalhadores e profissionais na moral da sobrieda<strong>de</strong> e abstinência.<br />

Em geral, <strong>as</strong> concepções eugenist<strong>as</strong> transmitid<strong>as</strong> n<strong>as</strong> conferênci<strong>as</strong><br />

antialcoólic<strong>as</strong> <strong>de</strong>stacavam o consumo alcoólico como uma prática nociva causadora d<strong>as</strong><br />

enfermida<strong>de</strong>s físic<strong>as</strong> e mentais, da violência, da criminalida<strong>de</strong>, do ócio, além <strong>de</strong><br />

comprometer a estrutura social:<br />

O ALCOOL É UM VENENO<br />

As bebid<strong>as</strong> alcoólic<strong>as</strong> intoxicam o organismo, principalmente o systema<br />

nervoso<br />

Levam o homem á doença, á <strong>de</strong>shonra, ao crime, ao suicídio, á loucura<br />

Evitae <strong>as</strong> bebid<strong>as</strong> alcoólic<strong>as</strong><br />

em qualquer quantida<strong>de</strong>, mínima que seja, e em todos <strong>as</strong> occ<strong>as</strong>iões<br />

Conservareis <strong>as</strong>sim:<br />

A saú<strong>de</strong> do vosso organismo, valor do vosso trabalho, a felicida<strong>de</strong> do vosso<br />

lar, a gran<strong>de</strong>za da vossa<br />

PATRIA! 28<br />

Este anúncio, amplamente divulgado durantes <strong>as</strong> campanh<strong>as</strong>, sintetiza <strong>as</strong><br />

principais concepções do discurso antialcoólico. Interessante notar que não há<br />

referência ao termo alcoolismo nessa advertência, o que nos leva a concluir que <strong>as</strong><br />

campanh<strong>as</strong> antialcoólic<strong>as</strong> foram, sobretudo, uma cruzada contra <strong>as</strong> bebid<strong>as</strong> e aos seus<br />

efeitos consi<strong>de</strong>rados negativos. A indicação do álcool como veneno não era metafórica,<br />

m<strong>as</strong> literal. A <strong>de</strong>generescência e <strong>as</strong> conseqüênci<strong>as</strong> hereditári<strong>as</strong>, supostamente<br />

provocad<strong>as</strong> pelo álcool, tornavam o mesmo à causa geral <strong>de</strong> todos os malefícios sociais.<br />

É o que Foucault nomeia como “Laxismo Causal”, ou seja, quando se julga que algo<br />

seja a gran<strong>de</strong> causa <strong>de</strong> todos os males possíveis 29 . Assim, mais do que uma doença, o<br />

alcoolismo, ou ainda o consumo alcoólico, era consi<strong>de</strong>rado a gran<strong>de</strong> causa d<strong>as</strong> doenç<strong>as</strong><br />

mentais e da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m social.<br />

Seguindo essa lógica, combater o consumo <strong>de</strong> bebid<strong>as</strong> alcoólic<strong>as</strong> teria como<br />

conseqüência direta eliminar os gran<strong>de</strong>s problem<strong>as</strong> sociais. Na medida em que o álcool<br />

8


era um veneno, a única solução possível seria a abstinência total ao consumo <strong>de</strong> bebid<strong>as</strong><br />

e a proibição <strong>de</strong> seu comércio. O objetivo d<strong>as</strong> campanh<strong>as</strong> não era a cura, m<strong>as</strong> sim a<br />

prevenção. O público-alvo incluía sujeitos que não eram a rigor ébrios habituais, m<strong>as</strong><br />

que potencialmente po<strong>de</strong>riam consumir bebid<strong>as</strong> alcoólic<strong>as</strong>.<br />

A todo o momento, o discurso antialcoólico evi<strong>de</strong>nciava o corpo como lugar <strong>de</strong><br />

intervenção e <strong>de</strong> produção. Como nos lembra Foucault 30 , com o advento da medicina<br />

social, o corpo tornou-se espaço <strong>de</strong> exercício da bio-política. No Br<strong>as</strong>il, <strong>as</strong> campanh<strong>as</strong><br />

contra ao alcoolismo estavam inserid<strong>as</strong> num projeto político <strong>de</strong> purificação e<br />

aperfeiçoamento dos corpos. Nesse sentido, o alcoólatra, no plano discursivo,<br />

representava o avesso do trabalhador, pois contrariava os i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> temperança e<br />

produtivida<strong>de</strong>. Da mesma forma, po<strong>de</strong>ríamos afirmar que havia uma preocupação com o<br />

corpo da pátria, daí a concepção corrente do alcoolismo como um mal social.<br />

No mês <strong>de</strong> outubro ano <strong>de</strong> 1930, a <strong>LBHM</strong> não realizou <strong>as</strong> seman<strong>as</strong><br />

antialcoólic<strong>as</strong> já que p<strong>as</strong>sou a consi<strong>de</strong>rar o combate ao alcoolismo como um ponto<br />

“saturado” <strong>de</strong> su<strong>as</strong> campanh<strong>as</strong>, restando aos po<strong>de</strong>res públicos à adoção <strong>de</strong> medid<strong>as</strong><br />

restritiv<strong>as</strong> e proibitiv<strong>as</strong>. No entanto, retoma no ano seguinte <strong>as</strong> campanh<strong>as</strong> antialcoólic<strong>as</strong><br />

confiantes na a<strong>de</strong>são do governo Varg<strong>as</strong> a causa antialcoólica.<br />

No ano <strong>de</strong> 1931, ocorreu a dissolução do Serviço <strong>de</strong> Saneamento Rural no<br />

Br<strong>as</strong>il, sendo criado no Ceará o Serviço Sanitário do Estado. Acreditamos que tal fato<br />

tenha <strong>de</strong>sarticulado o prosseguimento d<strong>as</strong> seman<strong>as</strong> antialcoólic<strong>as</strong> em Fortaleza, tendo<br />

em vista que <strong>as</strong> mesm<strong>as</strong> findaram, em âmbito nacional, no ano <strong>de</strong> 1934. 31<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

Em suma, <strong>as</strong> campanh<strong>as</strong> antialcoólic<strong>as</strong> em Fortaleza eram <strong>de</strong>stinad<strong>as</strong> a um<br />

público específico composto por trabalhadores, estudantes, merceeiros, policiais e<br />

<strong>de</strong>tentos. O interesse fora maior pelo operariado, tendo em vista que a preocupação<br />

central <strong>de</strong>ss<strong>as</strong> campanh<strong>as</strong> era <strong>as</strong>segurar o aperfeiçoamento da raça pelo trabalho e pela<br />

abstinência <strong>as</strong> bebid<strong>as</strong> alcoólic<strong>as</strong>. A meta da higiene mental era construir sujeitos com<br />

corpos saudáveis e purificados para o benefício da socieda<strong>de</strong> e da nação.<br />

O trabalho e a conduta moral eram prerrogativ<strong>as</strong> fundamentais para a<br />

construção da pátria. Seja pela vertente circulista, eugenista, libertária, ou mesmo<br />

intergralista, o projeto <strong>de</strong> nação civilizada necessitava <strong>de</strong> trabalhadores produtivos,<br />

sadios e sóbrios, não havendo lugar para a embriaguez e para o ócio. Em suma,<br />

combater o alcoolismo em Fortaleza consistia em inserir a capital cearense n<strong>as</strong> questões<br />

nacionais em torno da raça, civilização e pátria.<br />

9


Com relação às concepções médic<strong>as</strong> sobre o uso do álcool, vale atentar para a<br />

tênue fronteira entre a embriaguez e o alcoolismo. Não havia uma distinção clara no<br />

discurso antialcoólico <strong>de</strong>ss<strong>as</strong> noções, fazendo com que o consumo <strong>de</strong> bebid<strong>as</strong> fosse<br />

visto como uma prática nociva. Nesse sentido, a recepção da “Semana Antialcoólica” na<br />

cida<strong>de</strong> veio corroborar com os anseios elitist<strong>as</strong> <strong>de</strong> moralização e higienização da<br />

população pobre, evi<strong>de</strong>nciando <strong>as</strong> tensões sociais no espaço da cida<strong>de</strong>.<br />

1 Agra<strong>de</strong>cemos à FUNCAP o apoio financeiro a nossa pesquisa.<br />

2 Mensagem Dirigida à Assembléa Legislativa do Ceará em 1 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1915 pelo Presi<strong>de</strong>nte do Estado<br />

Cel. Benjamin Liberato Barroso. Fortaleza: Typ. Mo<strong>de</strong>rna, 1915. p.22.<br />

3 STUDART, Barão <strong>de</strong>. Alcoolismo. Conferência realizada no Círculo <strong>de</strong> Operários Católicos São José.<br />

In: Norte Médico. Fortaleza, ano IV, n. 3/4, pp.01-13, março e abril <strong>de</strong> 1916.<br />

4 STUDART, Barão <strong>de</strong>. Op. Cit., p.02.<br />

5 Id. Ibi<strong>de</strong>m. p. 04.<br />

6 TEÓFILO, Rodolfo. Coberta <strong>de</strong> Tacos. Fortaleza: Typ. Mo<strong>de</strong>rna, 1931.<br />

7 TEÓFILO, Rodolfo. Op. Cit. p. 15.<br />

8 ALBUQUERQUE, J. Saboya <strong>de</strong>. Relatório apresentado ao Dr. João Thomé <strong>de</strong> Saboya e Silva,<br />

presi<strong>de</strong>nte do Estado, pelo Secretário <strong>de</strong> Negócios do Interior e da Justiça,. 05/1916 a 05/1917. Vol. II.<br />

9 ALBUQUERQUE, J. Saboya <strong>de</strong>. Op. Cit. p. 187.<br />

10 CAMARA, Eduardo Torres. Relatório da Chefatura <strong>de</strong> Polícia apresentado ao Exmº Dr. João Thomé<br />

<strong>de</strong> Saboya e Silva, M.D. Presi<strong>de</strong>nte do Estado do Ceará, 1918.<br />

11 CAMARA, Eduardo Torres. Op. Cit. p.103.<br />

12 SANTOS, Fernando Sérgio Dum<strong>as</strong> dos. Alcoolismo: a invenção <strong>de</strong> uma doença. Dissertação <strong>de</strong><br />

Mestrado. São Paulo: Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campin<strong>as</strong> – Unicamp, 1995<br />

13 SCHWARCZ, Lilian Moritz. O Espetáculo d<strong>as</strong> Raç<strong>as</strong>: cientist<strong>as</strong>, instituições e questão racial no Br<strong>as</strong>il<br />

1870-1930. São Paulo: Companhia d<strong>as</strong> Letr<strong>as</strong>, 2002.<br />

14 COSTA, Jurandir Freire. História da Psiquiatria no Br<strong>as</strong>il. 3ªed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Campus,<br />

1976.<br />

15 CALDAS, Mirandolino. A Hygiene <strong>Mental</strong> no Br<strong>as</strong>il. In: Revista Archivos Br<strong>as</strong>ileiros <strong>de</strong> Hygiene<br />

<strong>Mental</strong>. Anno II, Nº3, mês março, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Typ. Caxambu, 1930. p.71.<br />

16 COSTA, Jurandir Freire. Op. Cit.<br />

17 CAMARA, Sopholes Torres. Almanach Estatístico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literário do<br />

Ceará para o anno <strong>de</strong> 1929. Fortaleza: Typografia Ga<strong>de</strong>lha,1929. pp.59-60.<br />

18 O Nor<strong>de</strong>ste 23/10/1928. p.01<br />

19 PENNA, Belizário. Saneamento do Br<strong>as</strong>il. 2ª Ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos Editor,<br />

1923.<br />

20<br />

O Nor<strong>de</strong>ste. 23/10/1928. p.01.<br />

21<br />

Ceará Médico. Anno VII, Nº 4, mês <strong>de</strong>z, p.21.<br />

22<br />

O Nor<strong>de</strong>ste. 21/10/1927. p.04.<br />

23<br />

O Nor<strong>de</strong>ste. 18/10/1927. p.04.<br />

24<br />

SANTOS, Jovelina Silva. Círculos Operários no Ceará: instruindo, educando, orientando, moralizando<br />

(1915-1963). Fortaleza: Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Ceará, 2007.<br />

25<br />

OLIVEIRA, Francisco <strong>de</strong> Assis Santos <strong>de</strong>. Caixeiros no Ceará: trabalho e educação na Revista Phenix:<br />

1891-1920. Dissertação <strong>de</strong> Mestrado. Fortaleza: Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Ceará – UFC, 2005.<br />

26<br />

GONÇALVES, A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong>; SILVA, Jorge E. (orgs). A Imprensa Libertária no Ceará [1908-1922]. São<br />

Paulo. Ed. Imaginário: 2000.<br />

27<br />

CAMARA, Sopholes Torres. Almanach Estatístico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literário do<br />

Ceará para o anno <strong>de</strong> 1928. Fortaleza: Typografia Ga<strong>de</strong>lha,1928. pp.57-58.<br />

28<br />

Correio do Ceará, 14/10/1930. p. 03.<br />

29<br />

FOUCAULT, Michel. Os Anormais: curso no Collège <strong>de</strong> France (1974-1975). São Paulo: Martins<br />

Fontes, 2002<br />

30 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Po<strong>de</strong>r. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. Graal, 2000.<br />

31 COSTA, Jurandir Freire. Op. Cit.<br />

10

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!