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Quem dá mais?<br />
As listas de favoritos ganham força e a brincadeira de hierarquizar as coisas<br />
cresce com as redes sociais. Tem gente que passa o dia pensando nos 5<br />
melhores filmes, nas 10 melhores músicas e nos 15 melhores romances. De<br />
onde vem essa mania?<br />
Por Mariana Sgarioni<br />
reportagem<br />
Responda rápido: quais os cinco filmes que mudaram sua vida? Os cinco melhores guitarristas de todos os<br />
tempos? Os cinco principais bordões de novela que caíram na boca do povo? Os cinco livros que mais prenderam<br />
sua atenção? E as cinco pessoas que mais fizeram você sofrer? Dá para passar o dia inteiro listando<br />
os cinco melhores e os cinco piores. Os “especialistas” na brincadeira garantem que a partir de um tempo é<br />
inevitável sair dos “top five” e passar para os 10 mais, até chegar à incrível marca dos 15. “É como um vício. De<br />
repente, você se pega listando até os cinco melhores entregadores de pizza dos últimos três meses”, brinca<br />
o publicitário carioca José Gomes Navarro, 42 anos, um listeiro convicto.<br />
O hábito – que se tornou mania compulsiva – começou, segundo Gomes, quando leu o livro Alta Fidelidade<br />
(Rocco, 1998), do inglês Nick Hornby, lá pelos idos de 1999. O personagem principal, Rob Fleming, é dono<br />
de uma loja decadente de discos em Londres e tem obsessão por listas. Ele acaba de tomar um fora da namorada,<br />
Laura, e logo no início do livro já despeja sua primeira lista, em que consta o nome <strong>das</strong> cinco ex-namora<strong>das</strong><br />
que mais o fizeram sofrer – lembrando que Laura não significava tanto assim para ele, portanto não<br />
merecia entrar nas cinco mais. Fleming se tornou um ícone pop de uma década, tanto que sua história virou<br />
filme e, mais tarde, no Brasil, tornou-se uma peça de teatro (A Vida É Cheia de Som e Fúria, 2000). “Muita gente<br />
diz que essas escolhas, listas e tais são coisas de americano, sempre querendo competir, mas, estranhamente,<br />
o livro que mais celebra a cultura pop em geral, e listas em particular, Alta Fidelidade, foi escrito por um inglês”,<br />
lembra Marcelo Costa, editor do site de música Scream & Yell (screamyell.com.br) e fã de Fleming.<br />
foto: André Seiti<br />
Formadores de opinião<br />
Mais de uma década depois, os seguidores de Fleming<br />
não deixaram sua história morrer. Se ele aparecesse hoje,<br />
certamente seria blogueiro e se ocuparia de listas virtuais<br />
– embora o autor Nick Hornby já tenha declarado que<br />
seria impossível escrever esse mesmo livro ambientado<br />
nos dias atuais, uma vez que as lojas de discos como a<br />
do personagem praticamente não existem mais.<br />
“É como um vício. De repente, você se pega listando até<br />
os cinco melhores entregadores de pizza dos últimos três<br />
meses.” (José Gomes Navarro)<br />
Isso porque a internet é campo fértil para a hierarquização<br />
de nossos gostos e desgostos – começando<br />
pelo ícone Favoritos <strong>das</strong> páginas dos navegadores.<br />
Nas redes sociais, a todo momento aparecem correntes<br />
na linha dos “mais” da temporada. Atualmente,<br />
uma corrente tomou conta do Facebook, por exemplo.<br />
O texto é sempre o mesmo, só variam os itens,<br />
como livros, filmes, músicas etc.:<br />
“Não demore muito para pensar sobre isso. Quinze<br />
livros que vão sempre estar com você. Liste os primeiros<br />
quinze que você lembra em não mais do que<br />
quinze minutos. Eles não têm que estar em ordem<br />
de importância. Marque quinze amigos, incluindo eu,<br />
porque eu estou interessado em ver quais livros meus<br />
amigos escolheram.”<br />
Como usuária do Facebook, recebi alguns desses convites.<br />
Confesso que achei tão difícil que não me animei.<br />
Costa, do Scream & Yell, explica essa dificuldade:<br />
“quase todo mundo se complica quando tem de relacionar<br />
numa ordem de importância aquilo de que<br />
mais gosta. É fácil entender. Afinal, listar os melhores<br />
quer dizer que algo ou alguém será preterido, o<br />
que é chato e, na maioria <strong>das</strong> vezes, inaceitável.<br />
E, principalmente, é difícil porque as coisas são<br />
diferentes umas <strong>das</strong> outras, o que nos faz<br />
olhar cada coisa do seu jeito, e não<br />
como concorrentes”.<br />
Frame do filme Alta<br />
Fidelidade, adaptado do livro<br />
homônimo, originalmente<br />
publicado em 1995<br />
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