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A manutenção consome diariamente horas de trabalho: um artesanato constante Dicas de conservação não são simples. O conselho é manter objetos em boas condições<br />
No processo de catalogação, passa<br />
um pente-fino na coleção e avalia molduras,<br />
armazenamento, exposição. Pouco a<br />
pouco, peça a peça, identifica tudo. Obras em<br />
más condições são envia<strong>das</strong> para restauro. As que<br />
estão em situação de risco seguem para uma melhor<br />
condição de armazenamento. As compras passam a<br />
ser registra<strong>das</strong>, com todos os dados importantes, e a<br />
arrumação da coleção recebe atenção especial.<br />
Assim, a personal collector ensina sobre artistas, movimentos<br />
e estilos e aconselha a valorização da coleção por<br />
meio de aquisição de peças importantes para o recorte<br />
do acervo, além da democratização do acesso às obras<br />
por meio de exposições, catálogos e aparições em revistas,<br />
livros. “A circulação da obra de arte valoriza seu preço<br />
e é muito importante. Tento mostrar isso <strong>ao</strong>s colecionadores.<br />
Também cuido da parte de seguro, embalagem e<br />
transporte, para garantir que não ocorram danos.”<br />
Coletânea de brinquedos<br />
Jean Scuto coleciona brinquedos há 12 anos. Segundo<br />
a esposa, Jane, o hábito começou por prescrição médica.<br />
Scuto era um publicitário estressado e com úlcera,<br />
por isso seu médico o aconselhou a encontrar um hobby.<br />
Ele pensou sobre o tema alguns dias, até se deparar<br />
com um carro de brinquedo, de lata, fabricação japonesa,<br />
preto e no modelo dos carros de polícia de filmes, à<br />
venda. Era o mesmo modelo que tinha amado em sua<br />
infância. Comprou e descobriu um mundo mágico, de<br />
lembranças e emoções; a infância não estava perdida.<br />
Conheceu outras pessoas que colecionavam brinquedos,<br />
que buscavam em desespero algum item antigo.<br />
Especializou-se no tema. Ensinou o hobby à esposa,<br />
alugou um apartamento para guardar as peças e deixou<br />
a publicidade para viver da e para a coleção.<br />
Hoje, em um andar de um edifício na Vila Mariana,<br />
em São Paulo, guarda mais de 12 mil brinquedos.<br />
Algumas bonecas vende por mil reais. Sabe de cor<br />
ano, fabricante, modelo. Discorre sobre história contemporânea<br />
relacionando os materiais da indústria de<br />
brinquedos, os mais vendidos, os jogos, a roupa <strong>das</strong><br />
bonecas. Scuto aluga peças para gravações de filmes<br />
e propagan<strong>das</strong>; monta exposições e sonha, um dia,<br />
poder dar à coleção um local digno de exposição: “O<br />
museu de brinquedos que a cidade ainda não tem”.<br />
E a manutenção do acervo consome, diariamente, horas<br />
de trabalho. Lavar bonecas, refazer penteados, cuidar<br />
dos olhos, <strong>das</strong> roupas. Consertar mecanismos de<br />
movimentos e emissão de sons. Um artesanato constante.<br />
Dessa forma, a loja é também um hospital. O<br />
casal desenvolveu técnicas específicas e faz com que<br />
bonecas voltem à vida e carrinhos a andar. E, como<br />
regra para manutenção, apontam dois conselhos que<br />
todo adulto deve ter ouvido na infância: não molhe<br />
nem guarde com as pilhas.<br />
Restauro e conservação<br />
Sílvia Ferreira é restauradora de obras de arte. Trabalha<br />
para instituições e colecionadores privados há mais<br />
de 20 anos. Atualmente, observa que as coleções priva<strong>das</strong><br />
demandam mais trabalho. “Os colecionadores,<br />
geralmente, têm maior poder aquisitivo e podem investir<br />
em mais manutenção.”<br />
Segundo ela, o restauro implica a educação do colecionador.<br />
Depois de ver uma obra restaurada e receber<br />
os laudos que descrevem o processo, o colecionador<br />
abre os olhos para uma série de detalhes. “Aprende<br />
o que é abaloamento e craquelê, a olhar o verso <strong>das</strong><br />
pinturas, a perceber as intervenções.”<br />
Dicas de conservação não são simples de prescrever.<br />
Segundo Sílvia, cada caso merece atenção específica.<br />
“Não adianta dizer que uma tela deve ser limpa com<br />
um objeto macio, como um pincel, porque, se tem ranhuras,<br />
mesmo um pincel seco pode causar danos.<br />
Meu conselho é que conservem em boas condições,<br />
em local seguro, e chamem um profissional para avaliar<br />
o estado da obra, sempre que necessário.”<br />
Sílvia explica que estar atento <strong>ao</strong> armazenamento<br />
evita diversos acidentes, frequentes com<br />
quadros que ficam atrás de uma porta ou<br />
na altura de um móvel, como uma cadeira,<br />
que, <strong>ao</strong> encostar-se<br />
à obra, arranha ou mesmo rasga a tela. Outra dica é<br />
estar seguro de que o suporte na parede é apropriado<br />
<strong>ao</strong> peso e às dimensões da tela ou a escultura não<br />
está na passagem, sujeita a tromba<strong>das</strong> dos transeuntes.<br />
Em outras palavras, bom senso.<br />
Uma lenda que combate é que o restauro desvaloriza<br />
a obra. Segundo ela, o restauro bem feito tem efeito<br />
contrário. Por exemplo, acaba de restaurar uma tela<br />
comprada num leilão na Inglaterra que estava coberta<br />
por verniz e tinha interferências que escondiam o<br />
nome do autor. Na limpeza, retirando cama<strong>das</strong> e recuperando<br />
cores, ela resgatou a assinatura e deu à tela<br />
novo valor de mercado.<br />
Ela traz na trajetória outras histórias de resgate arqueológico,<br />
como um quadro de Lasar Segall em que<br />
conseguiu restabelecer a data original e uma pintura<br />
da escola cusquenha, em que percebeu uma intervenção<br />
para cobrir um buraco na tela, interferindo<br />
na obra original. “Desenharam um crânio onde havia<br />
apenas uma parte de uma caveira. Mudaram a obra,<br />
que pude resgatar por meio de pesquisa.”<br />
O trabalho de restauro tem duração e valor relativos,<br />
de acordo com as condições da obra. Pode durar meses<br />
e valer mais que o quadro ou ser breve e custar<br />
pouco em relação <strong>ao</strong> valor da obra. Por exemplo, a<br />
tela do leilão inglês, que tinha lance inicial de 50 mil<br />
libras, teve restauro de 4 mil reais.<br />
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