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A memória ao alcance das mãos

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Ainda assim, ele não<br />

tem dificuldades em apontar as séries<br />

que mais admira na arte contemporânea:<br />

“No Brasil, os cinecromáticos e as progressões<br />

de Abraham Palatnik; os bólides, de Oiticica; a série<br />

de bichos de Lygia Clark; os estudos sobre as<br />

rotações do quadrado, de Almir Mavignier; as monotipias<br />

sobre a boca de forno, de Carlos Vergara; as<br />

Inserções em Circuitos Ideológicos, de Cildo Meireles; os<br />

dobráveis Des-mov-em, de Paulo Roberto Leal; a série<br />

de lonas de caminhão, de José Bechara; as naves<br />

de Ernesto Neto; e os plasmatios e sudários de José<br />

Rufino”, lista. Na cena internacional, “os autorretratos<br />

e retratos de Rembrandt; as cadeiras elétricas e as<br />

pinturas <strong>das</strong> sombras, de Andy Warhol; as diferentes<br />

variações conceituais de Sol Lewitt; e os quadrados de<br />

Joseph Albers”, completa.<br />

Baixe as calças!<br />

O deslocamento geográfico de uma ideia também<br />

alimenta a produção continuada. Barcelona, Berlim,<br />

Estocolmo, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Aix en<br />

Provence, Milão e Varsóvia são destinos para os quais<br />

Renata Faccenda já levou seu projeto En Bragas –<br />

performance itinerante e interativa na qual voluntários<br />

entram em uma cabine montada em espaço<br />

público para fazer uma foto polaroide de seu corpo.<br />

O enquadramento vai do umbigo à coxa e apenas<br />

uma condição é imposta pela artista <strong>ao</strong>s participantes:<br />

baixar as calças.<br />

Circulando pelo mundo com a cabine desde 2001,<br />

Renata gerou uma coleção com mais de 500 fotos. A<br />

série então passou de obra a matéria-prima, e outros<br />

produtos foram gerados. O primeiro foi um jogo da<br />

<strong>memória</strong> criado a partir de uma seleção de 25 imagens<br />

(também disponível em renatafaccenda.com/<br />

enbragas/bajate.html).<br />

Atualmente, a artista desenvolve a série inédita Casais<br />

Alheios: “São ampliações de pares imaginários, alheios<br />

entre si, unidos somente pela observação <strong>das</strong> fotos,<br />

por traços comuns ou totalmente díspares no tempo<br />

e no espaço”, conta. O trabalho de Renata ilustra o potencial<br />

de renovação implícito na produção seriada.<br />

Talvez por isso o formato chegue a ser adotado de forma<br />

deliberada e até conceitual por opção artística.<br />

Série En Bragas, fotografias de Renata Faccenda | imagens:<br />

acervo do artista<br />

Séries Pássaros de Gente e Mulheres Ala<strong>das</strong>, ilustrações de Mariana Belém | imagens: acervo do artista<br />

Para o pintor Rinaldo, esse potencial é evidente e capaz<br />

de otimizar os resultados. “Os desenhos e pinturas<br />

dentro do contexto seriado organizam meu potencial<br />

criador e definem melhor os objetivos da mostra”, comenta.<br />

A partir dessa percepção, há dois anos, ele desenvolve<br />

a série O Olhar Contorcido pela Úmida Razão.<br />

A abordagem vai bem além da prática sequencial,<br />

gerando uma espécie de “série de séries”: “A cada cinco<br />

desenhos em técnica mista sobre papelão, realizo<br />

uma pintura de 200 cm x 150 cm”, conta. Toda série é<br />

composta de 11 pinturas e 55 desenhos e deverá ser<br />

exposta em breve.<br />

Em alguns casos, a experimentação em torno de determinado<br />

suporte ou material é o fio condutor do surgimento<br />

de uma sequência de peças. Leda Catunda,<br />

por exemplo, concebeu obras com base em uma série<br />

de camisetas brancas, enquanto Vik Muniz dedicou<br />

parte de sua obra a uma série feita com sucata. Outras<br />

vezes, um estímulo imagético se torna a força geradora<br />

de várias peças. Foi o caso de Louise Bourgeois, que<br />

espalhou pelo mundo esculturas de aranhas gigantes,<br />

a maior delas com 9 metros de altura. Os trabalhos homenageavam<br />

a mãe da artista, por ela descrita como<br />

inteligente e protetora, e o ofício da tapeçaria transmitido<br />

por gerações como negócio da família.<br />

Encontros inusitados<br />

No sertão do Cariri cearense, uma investigação<br />

realizada por Franklin Lacerda em torno<br />

da tradicional atividade de fotopintura de retratos<br />

desvendou <strong>ao</strong> artista um universo ainda pouco<br />

conhecido. “Percebi que existe uma forte presença<br />

do imaginário local no processo de elaboração dos<br />

retratos pintados. Muitas vezes, o produto final corresponde<br />

a desejos não realizados dos retratados”, conta.<br />

Com esse mote, o artista resolveu explorar a fotopintura<br />

como “magia” capaz de realizar desejos. Há dois anos,<br />

ele desenvolve uma série de “fotografias-encontros”<br />

reunindo personagens que nunca se encontrariam<br />

na realidade. Absurdos à primeira vista, os retratos do<br />

impossível fazem parte da tradição local do Cariri: “Os<br />

clientes sempre buscaram os fotopintores na tentativa<br />

de recriar encontros com entes queridos ou com o<br />

Padre Cícero, por exemplo”, explica Franklin.<br />

Para ele, a série não tem prazo de validade: “Ainda tem<br />

muito pano pra manga”, observa. A importância da<br />

continuidade reside em assumir que o trabalho está<br />

em constante transformação. “Técnicas tão rústicas e<br />

em processo de desaparecimento por causa <strong>das</strong> novas<br />

tecnologias se renovam por esses fatores. A semelhança<br />

entre o que faço e o que os retratistas populares fazem<br />

está exatamente nesse exercício de busca pelo aprimoramento<br />

da imagem. E acaba aí também”, conclui.<br />

50 Continuum Itaú Cultural Participe com suas ideias 51

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