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Série Encontros Inusitados, fotopinturas de Franklin Lacerda | imagens: acervo do artista<br />
Sequências e (in)consequências<br />
Produção seriada reforça vínculo entre artista e obra, além de estimular e<br />
facilitar a fruição dos trabalhos.<br />
Por Tatiana Diniz<br />
reportagem<br />
Quando a ilustradora Mariana Belém deu à luz, os seres em seus desenhos ganharam asas. Nasciam duas séries<br />
paralelas, Pássaros de Gente e Mulheres Ala<strong>das</strong>, com as quais, há três anos, a artista vem expressando os altos<br />
e baixos da experiência feminina. “São o reflexo da minha vida, da perda de liberdade que a maternidade me<br />
trouxe. Finquei os pés no chão, criei raízes, mas a cabeça e o desejo de liberdade voam no papel”, comenta.<br />
Com cores quentes, luz e força, Mariana faz eco à diversidade e à intensidade dos seus sentimentos. “Em apenas<br />
uma obra não conseguiria sintetizar o que vem aflorando em mim durante esse processo”, diz. Até hoje<br />
são mais de 20 desenhos, expostos pela primeira vez em setembro passado na coletiva 3 Lugares Diferentes,<br />
que aconteceu no Espaço Muda, no Recife.<br />
Sequência. Variação. Semelhança. Continuidade. Das pré-históricas cenas eróticas repeti<strong>das</strong> nas pinturas rupestres<br />
nordestinas às sete telas de girassóis pinta<strong>das</strong> pelo pós-impressionista holandês Vincent van Gogh, a execução<br />
seriada de obras marcou e marca as artes de todos os tempos. E se por um lado permite <strong>ao</strong> artista um envolvimento<br />
continuado com determinado estímulo criativo, por outro desperta a atenção dos colecionadores, que<br />
nas séries enxergam verdadeiros conjuntos de objetos de desejo. Mas nem tudo se resume à ideia de coleções.<br />
“A noção de objeto ‘colecionável’<br />
qualifica um resultado que alguns<br />
artistas rejeitam”, ressalta Luiz Guilherme<br />
Vergara, coordenador do curso de graduação<br />
em produção cultural do Departamento de<br />
Arte da Universidade Federal Fluminense, cofundador<br />
do Instituto Mesa e coordenador do Núcleo<br />
Experimental de Educação e Arte do MAM/RJ. De<br />
acordo com o especialista, a abordagem pode contribuir<br />
para a fruição. “As séries são jogos em que o próprio<br />
artista está construindo e desconstruindo uma<br />
gramática estética e cognitiva”, analisa. Ele lembra, porém,<br />
que há vários sentidos para a produção seriada e<br />
observa que ela se tornou constante na arte contemporânea.<br />
“Hoje, a maioria dos artistas desenvolve seus<br />
trabalhos como se fosse uma fluência criativa, com<br />
início, meio e fim. Muitas vezes, o início é bastante experimental,<br />
como algo ainda não gestado, sem que<br />
eles realmente saibam o que vai surgir”, descreve.<br />
“Entre as pulsações da criação, temos a oportunidade<br />
de ‘saltar’ de uma possibilidade a outra.” O comentário<br />
do artista visual Leopold Kunrath, de Porto Alegre,<br />
sobre sua série DesAparecido dialoga com o processo<br />
descrito por Vergara. No trabalho de Kunrath,<br />
o rosto de uma criança acompanhado da palavra<br />
“DesAparecido” é o ícone empregado no projeto seriado<br />
de ações artísticas.<br />
Ao mesclar técnicas como estêncil, colagem, ilustração,<br />
videoarte e intervenção urbana, Kunrath leva às ruas uma<br />
produção alinhada a conceitos emprestados da física<br />
quântica: “Para existir, toda matéria deve desaparecer por<br />
milionésimos de centésimos de segundo e reaparecer<br />
reorganizada”. Como “elétrons”, explica, seus trabalhos assumem<br />
“espaços intermediários do universo”. As imagens<br />
leva<strong>das</strong> a espaços públicos trazem em comum o ícone<br />
descrito acima, reproduzido em aplicações diversas.<br />
Bólides, bichos, naves<br />
Arte em série, no entanto, não deve ser necessariamente<br />
encarada como sinônimo de potencial artístico.<br />
“A busca pode ser desenvolvida em várias obras<br />
até que o artista descubra e dê por concluída aquela<br />
‘série’. Outros continuam reelaborando composições<br />
e novas estruturas que alimentam o vínculo criativo<br />
entre artista e produção: série, mas não produção em<br />
série”, enfatiza Vergara, para quem o risco <strong>das</strong> sequências<br />
é gerar acomodação, “fórmulas de sucesso”.<br />
Das cenas eróticas repeti<strong>das</strong> nas pinturas rupestres nordestinas<br />
às sete telas de girassóis pinta<strong>das</strong> por Van Gogh,<br />
a execução seriada de obras marcou e marca as artes de<br />
todos os tempos.<br />
Série DesAparecido, de Leopold Kunrath, técnica mista | imagens: acervo do artista<br />
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