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A memória ao alcance das mãos

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De coletores a colecionadores<br />

reportagem<br />

Conheça homens movidos pelo sentimento de preservação da <strong>memória</strong> de<br />

quem somos e do que apreciamos.<br />

Por Micheliny Verunschk | Ilustração Guilherme Kramer<br />

Tudo começou há cerca de 20 mil anos. Coletar para nossos antepassados mais distantes, os primeiros hominídeos,<br />

era sinônimo de sobreviver, pois, <strong>ao</strong> recolher sementes, moluscos, raízes e tudo o que de comestível<br />

aparecesse pela frente, os grupos nômades subsistiam, garantiam que a espécie se multiplicasse e, <strong>ao</strong> modo<br />

bíblico, povoasse o mundo. Também chamados de coletores-caçadores, seus abrigos eram fruto do trabalho<br />

de “colher” o que a natureza disponibilizava. Mal sabiam eles, aqueles avós arqueológicos, que do seu ato<br />

surgiria outro, obsessivo, dinâmico e extremamente seletivo, o ato de colecionar.<br />

Todo museu é, de fato, um monumento erigido à cata compulsiva de objetos. Há quem colecione brinquedos,<br />

fotografias, pedaços de vela. Há quem colecione canetas e cadernetas de viagem. Há quem colecione<br />

livros, histórias, imagens e palavras. E são esses colecionadores que nos interessam no momento. Esse recorte,<br />

a seu modo, não deixa de ser uma espécie de coleção, pois colecionar significa também categorizar,<br />

emoldurar numa escolha pessoal as coisas que nem sempre à primeira vista se alinham.<br />

O ato de colecionar do escritor paulistano Mário de Andrade era um exemplo de como a atividade é multifacetada.<br />

Revistas, jornais, manuscritos, obras de arte, gravuras, recortes e fotografias, entre outras coisas,<br />

se configuraram num acervo afetivo que tanto fala da sensibilidade estética do escritor quanto da atuação<br />

como protagonista no cenário cultural de sua época. Os múltiplos objetos que Mário colecionou em vida<br />

parecem gritar o sentimento de infinitude que ele anunciou em poema, além de, quem sabe, traduzir a<br />

ambição de multiplicidade de todo colecionador: “Eu sou trezentos, sou trezentos e cincoenta...”. [Leia mais<br />

sobre a coleção formada pelo escritor no artigo “Na mala do turista aprendiz”, publicado no site.]<br />

40 Continuum Itaú Cultural<br />

Ao colecionismo se atrela a criação de um método. Colecionadores<br />

de livros fazem da leitura de catálogos de<br />

leilões uma obrigação, e bookdealers procuram os livros<br />

que lhes interessam.<br />

Homem de livros<br />

O bibliófilo brasileiro José Mindlin, falecido no ano<br />

passado, começou a colecionar palavras ainda criança:<br />

<strong>ao</strong>s 13 anos adquiriu uma edição rara do livro Discours<br />

sur L’Histoire Universelle, de Jacques-Bénigne Bossuet,<br />

um dos principais teóricos do absolutismo francês.<br />

Ao final da vida, Mindlin havia reunido um fantástico<br />

acervo de cerca de 40 mil obras, incluindo livros, manuscritos,<br />

relatos e iconografia, entre outros.<br />

Segundo Cristina Antunes, curadora da Biblioteca<br />

José e Guita Mindlin, em São Paulo, desde 1980, para<br />

o bibliófilo colecionar livros era uma paixão que decorria<br />

do prazer e do amor à leitura. Ela relembra<br />

que “Mindlin costumava classificar a biblioteca<br />

de indisciplinada, uma vez que muitos dos<br />

livros chegaram até lá em decorrência do<br />

gosto literário de seu dono. O processo<br />

da busca pelo livro<br />

certamente lhe era mais excitante do que ver o livro<br />

nas estantes de sua casa-biblioteca. Ainda assim, não<br />

ter determinado livro não era coisa que lhe tirasse o<br />

sono, de modo que essa obsessão se resume no que<br />

ele classificava de ‘loucura mansa’ ”.<br />

Ao colecionismo se atrela quase que automaticamente<br />

a criação de um método. E cada colecionador tem<br />

o seu: colecionadores de livros geralmente fazem da<br />

leitura de catálogos de leilões e de livreiros uma obrigação<br />

e muitos têm acordos com bookdealers para<br />

que estes procurem os livros que lhes interessam.<br />

Cristina Antunes sinaliza que esse não era o caso de<br />

Mindlin: “Ele mesmo procurava pelos livros que queria<br />

adquirir. Mas, pelo fato de ser mundialmente conhecido<br />

como colecionador, recebia informações e ofertas<br />

de livreiros, outros colecionadores ou proprietários de<br />

obras raras e especiais oriundos de todos os países.<br />

Mindlin costumava dizer que ‘você procura o livro e o<br />

livro procura você’ ”, conta ela.<br />

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