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Um tesouro natural<br />
reportagem<br />
Coleções de ciência, <strong>ao</strong> longo da história, ajudam o homem a entender a<br />
natureza e a preservar o passado.<br />
Por Mariana Lacerda | Ilustração Cynthia Gyuru<br />
Vitor Osmar Becker nasceu em Brusque, Santa Catarina, há 66 anos. Primogênito de 17 ir<strong>mãos</strong> em uma família<br />
de pequenos agricultores, cursou o ensino fundamental em sua terra natal, onde também concluiu o curso<br />
de contabilidade. Durante os estudos, aproveitava o tempo que sobrava para ajudar seus pais na lavoura.<br />
Mais tarde, trabalhou como balconista e entregador de compras da pequena mercearia que a família havia<br />
adquirido na periferia de Brusque para, conta Becker <strong>ao</strong> se lembrar do pai, “facilitar os estudos <strong>das</strong> crianças”.<br />
Hoje, Becker é pesquisador do Departamento de Zoologia da UnB, do Museu Nacional de História Natural<br />
em Washington, DC (Smithsonian Institution) e do Museu Carnegie, em Pittsburgh, Pensilvânia, nos Estados<br />
Unidos. Ao longo dos anos de trabalho, organizou uma <strong>das</strong> melhores coleções do mundo de mariposas e<br />
borboletas (lepidópteros) noturnas da região da América Tropical e uma <strong>das</strong> mais importantes bibliotecas<br />
sobre esses espécimes. A coleção é constituída por aproximadamente 250 mil exemplares, representando<br />
25 mil espécies. A biblioteca dispõe de cerca de 5 mil títulos sobre lepidópteros, além de centenas de outros<br />
sobre áreas da biologia. Ao observar, coletar e analisar mariposas, Becker escreveu mais de cem trabalhos<br />
científicos sobre elas. A maior parte da sua produção foi publicada em revistas internacionais.<br />
Coleções de animais, plantas, artefatos, sons, línguas<br />
e dialetos são fragmentos do mundo que, guardados<br />
em ambientes organizados, devem estar prontos para<br />
responder a perguntas sobre seu funcionamento.<br />
“Para poder conhecer a vida, o homem começou a<br />
reunir em um espaço controlado fragmentos dela.<br />
Uma coleção de ciência é uma tentativa de pôr em<br />
ordem o c<strong>ao</strong>s que é característico do mundo natural”,<br />
diz o pesquisador Nelson Sanjad, coordenador de<br />
comunicação e extensão do Museu Paraense Emílio<br />
Goeldi. Localizada em Belém, a instituição é guardiã<br />
de 4,5 milhões de itens tombados, entre os acervos<br />
zoológico, botânico e geológico – além, claro, dos<br />
registros etnológicos e arqueológicos, “esses últimos<br />
sempre de caráter único e insubstituível”, diz Sanjad.<br />
O funcionamento do mundo<br />
A história <strong>das</strong> ciências e <strong>das</strong> ideias encontra entre os<br />
séculos XVII e XVIII uma nova metodologia: a da observação<br />
e, consequentemente, da comparação e da<br />
classificação. Vem desse período – o Renascimento –<br />
a noção de que fragmentos da natureza armazenados<br />
em vidros, gavetas e exsicatas [amostras de planta seca<br />
fixada em cartolina, cuja etiqueta<br />
contém informações para estudos<br />
botânicos] podem nos indicar o funcionamento<br />
do mundo, resultando em novos fármacos<br />
ou nos levando a entender a geografia<br />
<strong>das</strong> plantas – e, com ela, as possibilidades para a<br />
aclimatação de vegetais e, logo, a agricultura.<br />
Nem sempre foi assim. Antes, muito antes, colecionar<br />
animais e plantas, explica Sanjad, estava relacionado<br />
a poder e status. “Quanto mais diferente e exótica<br />
pudesse ser a coleção, mais valor ela teria.” Viajantes<br />
e desbravadores de novas terras, então, ocupavam-se<br />
de trazer <strong>ao</strong>s pés de seus reis e rainhas os mais encantadores<br />
rabos de sereia, os mais encaracolados chifres<br />
de unicórnio. Sábios, por sua vez, preenchiam compêndios<br />
com seres como a mandrágora, planta cuja<br />
raiz teria feições humanas e que, contam os relatos,<br />
chorava quando arrancada do solo.<br />
Sereias e unicórnios não foram extintos da natureza.<br />
O próprio homem, <strong>ao</strong> longo de sua existência<br />
e à custa de suas coleções, deu conta de dar sentido<br />
<strong>ao</strong> que a imaginação tinha como inexplicável: o<br />
canto que Cristóvão Colombo, <strong>ao</strong> singrar os mares,<br />
Coleções de animais, plantas, artefatos, sons, línguas e dialetos<br />
são fragmentos do mundo que, guardados em ambientes<br />
organizados, devem estar prontos para responder<br />
a perguntas sobre seu funcionamento.<br />
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