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Acervo feito de gente<br />
O Museu da Pessoa coleciona histórias para contar a história.<br />
Por Renata Penzani | Fotos André Seiti<br />
deadline<br />
Colecionar selos, moe<strong>das</strong>, cartas, tampinhas de garrafa. A necessidade de preservar coisas significativas é<br />
natural do ser humano. Mas nem só de numismática, filatelia e outros quiprocós semânticos é feito o colecionismo.<br />
Esses que são apenas nomes complicados para denominar uma mesma vontade não conseguem<br />
suprir uma necessidade mais incisiva: a construção de uma <strong>memória</strong> social. Foi dessa preocupação que<br />
surgiu, em 1991, o Museu da Pessoa – acervo virtual de narrativas – para pontuar que a vida é passageira e<br />
que é preciso reter se não a história inteira <strong>ao</strong> menos alguns pedaços importantes que a compõem.<br />
Desde a Idade Média, quando surgiram os primeiros museus, o homem constrói sua identidade com base<br />
nas lembranças. Mais do que áreas de preservação, os museus são testemunha do que aconteceu e ancoradouro<br />
do que irá ocorrer. Nesse sentido, o que pode ser mais decisivo para a construção da grande história<br />
do que as pequenas narrativas? Histórias simples, como a de Ana Maria Pupo, de 67 anos, que tinha uma<br />
galinha chamada Miss Brasil, ou a de Mestre Alagoinha [Geraldo Prado, pesquisador do Instituto Brasileiro<br />
de Informação em Ciência e Tecnologia], que construiu a duras penas uma <strong>das</strong> maiores bibliotecas rurais do<br />
Brasil, em Paiaiá, povoado pertencente <strong>ao</strong> município de Nova Soure, no sertão da Bahia. Criada em 2004, ela<br />
abriga mais de 50 mil volumes. “Não há nada mais precioso para entender o mundo que ouvir as pessoas.<br />
É muito simples: toda história de vida é importante, desde a do porteiro até a do presidente da República”,<br />
observa a historiadora Karen Worcman, fundadora do museu e maior entusiasta de sua metodologia. Ela<br />
define a instituição em palavras simples: “Uma metáfora do mundo narrada pelas próprias pessoas”. É sob a<br />
complexa responsabilidade de resguardar anônimas narrativas sociais, no entanto, que funciona o museu;<br />
hoje, ele preserva um acervo de aproximadamente 12 mil depoimentos, 72 mil fotos e documentos e 168<br />
projetos nas áreas de educação, comunicação, <strong>memória</strong> institucional e desenvolvimento social.<br />
Apesar de seus arquivos serem<br />
virtuais, o Museu da Pessoa tem sede<br />
em São Paulo. A metodologia do projeto<br />
inspirou outros países, e hoje há mais três núcleos:<br />
Portugal, Canadá e Estados Unidos. O do<br />
Brasil foi o primeiro. É de um sobrado modesto da<br />
Vila Madalena que saem certezas de que a emaranhada<br />
teia da <strong>memória</strong> social está sendo bordada<br />
a pontos pequenos. Ao entrar lá, podemos sentir o<br />
peso da <strong>memória</strong>. Nos quadros, nas fotos, nos livros e<br />
nos documentos do acervo estão fatos que os jornais<br />
nunca noticiaram. As paredes, cheias de lembranças,<br />
poderiam contar sozinhas fragmentos da trajetória do<br />
país. O museu é aberto a todo mundo, e seu estúdio<br />
de gravação fica disponível para qualquer pessoa que<br />
queira contar algo – basta agendar um horário. Sabrina<br />
Campos, de 22 anos, que cuida da limpeza do museu,<br />
faz questão de frisar, num sorriso de orelha a orelha:<br />
“Quem sabe um dia eu também conto a minha?”.<br />
É de um sobrado modesto da Vila Madalena que saem<br />
certezas de que a emaranhada teia da <strong>memória</strong> social está<br />
sendo bordada a pontos pequenos.<br />
O escritor Rubem Braga dizia que “os jornais noticiam<br />
tudo, mas esquecem algo fundamental que acontece<br />
todos os dias: a vida”. Talvez nem todo mundo dê<br />
valor a isso, mas é desse material humano que compõe<br />
a narrativa única da qual todos fazemos parte<br />
que é feito o museu. Histórias comuns de gente anônima,<br />
que não precisa de nenhuma notoriedade para<br />
integrar a <strong>memória</strong> social.<br />
O museu prima pelo escorregadio da vida, por aquilo<br />
que as lembranças têm de intangível. Afinal, o que<br />
leva as pessoas a querer contar suas histórias? Para<br />
Gustavo Ribeiro Sanchez, responsável pelo acervo há<br />
três anos e meio, um dos motivos é a “efemeridade da<br />
existência humana, a agonia de sermos passageiros”.<br />
Desejo de se eternizar, urgência de reflexão sobre o<br />
passado, nostalgia: são incontáveis os porquês e, no<br />
Museu da Pessoa, essas interrogações são reduzi<strong>das</strong> a<br />
uma certeza: todos eles são importantes.<br />
É impossível ignorar, porém, que a história seja uma<br />
ação que se dá no presente. Por isso, os documentos,<br />
as fotos, os depoimentos em vídeo e os textos transcritos<br />
do museu não são – ainda bem! – capazes de<br />
abarcar a <strong>memória</strong> inteira. Pedaços dela ficam elípticos<br />
num olhar cabisbaixo, num estalar de dedos, em<br />
toda uma conotação corporal que fala mais do que a<br />
oralidade. “Memória não é lembrar tudo, ela é muito<br />
mais esquecimento”, opina Sanchez.<br />
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