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A C E<br />
Apesar da estréia estar prevista para 8<br />
de novembro de 1973, a Censura não<br />
liberou o espetáculo, transformando a<br />
espera pela liberação numa longa agonia,<br />
que só se encerrou em 15 de janeiro<br />
de 1974, com o veto total à encenação.<br />
Chico Buarque, inconformado com a atitude<br />
arbitrária, recorreu à Justiça e<br />
impetrou um mandado de segurança junto<br />
ao Tribunal Federal de Recursos contra<br />
a decisão do então diretor-geral do<br />
Departamento de Polícia Federal. Todavia,<br />
a tentativa foi em vão, pois a proibição<br />
não foi revista pelas autoridades.<br />
Gota Gota Gota Gota Gota d’água d’água d’água d’água d’água<br />
Acreditamos que os censores se tornaram<br />
mais atentos às discussões propostas<br />
em Gota d’água tendo em vista a decisão<br />
dos dramaturgos Chico Buarque e<br />
Paulo Pontes em focalizarem a realidade<br />
brasileira.<br />
Diversos pareceres elegeram como principal<br />
agravante para a não liberação do<br />
espetáculo, a crítica ao regime, especialmente<br />
a política promovida pelo governo<br />
em relação ao sistema habitacional.<br />
Apesar da enormidade de cortes a palavrões<br />
e diálogos, o texto foi enfim liberado<br />
com classificação para maiores de<br />
dezoito anos.<br />
A crítica à política econômica implantada<br />
pelo então governo foi relatada por<br />
José do Carmo Andrade como um dos<br />
eixos desenvolvidos na peça.<br />
O censor didaticamente analisou a peça<br />
pág.<strong>10</strong>8, jul/dez 2002<br />
tendo em vista dois aspectos da trama:<br />
o “amoroso” e o “socioeconômico”,<br />
enfatizando mais este último:<br />
Essa trama secundária detém-se na<br />
abordagem da política habitacional de<br />
forma, a nosso ver, tendenciosa,<br />
enfatizando sua mensagem uma com-<br />
pleta rejeição a um sistema do mode-<br />
lo econômico brasileiro [...] O Creonte<br />
enfocado, personagem de incalculável<br />
poder, e sobre quem cai a culpa da<br />
grande oneração do custo do imóvel,<br />
tende a confundir-se com o governo<br />
brasileiro. 21<br />
Consideramos que a associação do personagem<br />
Creonte com o Estado, cogitada<br />
no parecer, possivelmente tenha representado<br />
para o censor a comparação<br />
a um personagem que, além de dispor<br />
do poder econômico, faz uso da violência<br />
para a defesa dos próprios interesses.<br />
Tomando por base essa analogia, o<br />
público poderia identificar em Creonte<br />
características referentes aos militares<br />
que ocupavam o poder.<br />
Nesse parecer, percebe-se o que poderíamos<br />
denominar de embate simbólico,<br />
devido à disputa entre dois discursos<br />
concorrentes: o oficial e o dos grupos<br />
opositores ao governo, representados<br />
aqui pela classe artística, ambos buscando<br />
legitimar a sua versão daquele momento<br />
histórico.<br />
Enquanto no parecer anterior o censor<br />
se posicionava contra a liberação da<br />
peça, o censor Avelino Gambim recomen-