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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO O que está em jogo no jogo: cultura, imagens e simbolismos na formação de professores TANIA MARTA COSTA NHARY Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Educação da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profª Drª Iduína Mont’Alverne Brum Chaves Co-Orientadora: Profª Drª Helena Amaral da Fontoura TANIA MARTA COSTA NHARY

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE<br />

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS<br />

FACULDADE DE EDUCAÇÃO<br />

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO<br />

O <strong>que</strong> <strong>está</strong> <strong>em</strong> <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> <strong>jogo</strong>: <strong>cultura</strong>,<br />

<strong>imagens</strong> e <strong>simbolismos</strong> <strong>na</strong> formação de<br />

professores<br />

TANIA MARTA COSTA NHARY<br />

Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação<br />

<strong>em</strong> Educação da Universidade<br />

Federal Fluminense como requisito parcial à<br />

obtenção do título de Mestre <strong>em</strong> Educação.<br />

Orientadora: Profª Drª Iduí<strong>na</strong> Mont’Alverne<br />

Brum Chaves<br />

Co-Orientadora: Profª Drª Hele<strong>na</strong> Amaral da<br />

Fontoura<br />

TANIA MARTA COSTA NHARY


O QUE ESTÁ EM JOGO NO JOGO: CULTURA, IMAGENS E<br />

SIMBOLISMOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES<br />

BANCA EXAMINADORA<br />

__________________________________________________<br />

Profª Drª Iduí<strong>na</strong> Mont’Alverne Chaves - Orientadora<br />

Universidade Federal Fluminense<br />

__________________________________________________<br />

Prfª Drª Hele<strong>na</strong> Amaral da Fontoura- Co-Orientadora<br />

Universidade do estado do Rio de Janeiro<br />

Prfª Drª Célia Frazão Linhares<br />

Universidade Federal Fluminense<br />

Prfº Drº Cleomar Ferreira Gomes<br />

Universidade Federal do Mato Grosso<br />

Niterói, _________de ______________de 2006.<br />

2


Aos alu<strong>no</strong>s do Curso de Pedagogia da<br />

FFP/UERJ, pela partilha da alegria <strong>no</strong>s<br />

<strong>jogo</strong>s.<br />

3


Ao Luiz Carlos,<br />

mais <strong>que</strong> marido, parceiro do<br />

<strong>jogo</strong> da vida e do <strong>jogo</strong> do amor.<br />

Aos meus filhos,<br />

Paulo Henri<strong>que</strong> e Camila, por me<br />

permitir<strong>em</strong> ser uma eter<strong>na</strong> brincante.<br />

Ao meu filho de alma,<br />

David Ricardo pelo incentivo e torcida.<br />

AGRADECIMENTOS<br />

Aos meus familiares,<br />

pelo carinho e apoio.<br />

4


O objetivo do conhecimento é<br />

dialogar com o mundo.<br />

Edgar Morin<br />

NHARY, Tania Marta Costa. O <strong>que</strong> <strong>está</strong> <strong>em</strong> <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> <strong>jogo</strong>: <strong>cultura</strong>, <strong>imagens</strong> e<br />

<strong>simbolismos</strong> <strong>na</strong> formação de professores. 2006. Dissertação ( Mestrado <strong>em</strong> Educação)-<br />

Universidade Federal Fluminense<br />

RESUMO<br />

Esta pesquisa buscou compreender os sentidos dos <strong>jogo</strong>s para professores <strong>em</strong><br />

formação <strong>no</strong> Curso de Pedagogia da Faculdade de Formação de Professores da<br />

Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FFP/UERJ. Como base teórica, foi utilizada a<br />

perspectiva da socioantropologia do cotidia<strong>no</strong> de Michel Maffesoli e o paradigma da<br />

complexidade de Edgar Morin, para explicitar a <strong>cultura</strong> e os <strong>simbolismos</strong> revelados <strong>na</strong>s<br />

vivências de <strong>jogo</strong>s destes sujeitos, apreendendo os sentidos e significados da relação <strong>jogo</strong>-<br />

educação.Trata-se de uma pesquisa de abordag<strong>em</strong> qualitativa <strong>que</strong>, como instrumentos de<br />

registros do cotidia<strong>no</strong>, utilizou <strong>que</strong>stionários , entrevistas e fragmentos de histórias de vida,<br />

tendo a <strong>na</strong>rrativa como método. Desta forma, nesta investigação fe<strong>no</strong>me<strong>no</strong>lógica<br />

compreensiva, foi possível captar e apreender o sist<strong>em</strong>a simbólico, através das <strong>imagens</strong><br />

evocadas pelos sujeitos da pesquisa, assi<strong>na</strong>lando um ideário pedagógico <strong>em</strong> relação ao <strong>jogo</strong><br />

6


<strong>na</strong> escola <strong>que</strong> o r<strong>em</strong>ete à <strong>no</strong>ções apolíneas e dionisíacas, de forma concorrente, antagônica<br />

e compl<strong>em</strong>entar. Instaurou-se, assim, uma mudança de olhar onde o pensamento<br />

simbólico/mitológico ganha valor e sentido , evidenciando a crise do paradigma clássico de<br />

simplificação, substituindo-o pelo paradigma da complexidade socio<strong>cultura</strong>l. Como<br />

principais conclusões, constata-se <strong>que</strong> “O <strong>que</strong> <strong>está</strong> <strong>em</strong> <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> <strong>jogo</strong>” para estes alu<strong>no</strong>s<br />

<strong>em</strong> formação é a tensão entre compreender o <strong>jogo</strong> como recurso metodológico, logo com<br />

intencio<strong>na</strong>lidade pedagógica, e o <strong>jogo</strong> como atividade recreativa, considerando-o, <strong>no</strong><br />

entanto, como fenôme<strong>no</strong> sócio-<strong>cultura</strong>l revelador dos modos de sentir, pensar e agir.<br />

Destaca-se, também, uma reflexão quanto à perspectiva epist<strong>em</strong>ológica dos saberes e<br />

práticas lúdicas <strong>na</strong> formação docente, <strong>que</strong> implica <strong>em</strong> propostas de políticas públicas e<br />

(re)construções de conhecimentos, <strong>que</strong> dê<strong>em</strong> aos <strong>jogo</strong>s e brincadeiras um papel relevante<br />

<strong>no</strong> âmbito educacio<strong>na</strong>l.<br />

Palavras-chaves: <strong>jogo</strong>, educação, formação de professores, pesquisa <strong>na</strong>rrativa<br />

NHARY, Tania Marta Costa. O <strong>que</strong> <strong>está</strong> <strong>em</strong> <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> <strong>jogo</strong>: <strong>cultura</strong>, <strong>imagens</strong> e<br />

<strong>simbolismos</strong> <strong>na</strong> formação de professores. 2006. Dissertação ( Mestrado <strong>em</strong> Educação)-<br />

Universidade Federal Fluminense<br />

ABSTRACT<br />

7


SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO .................................11<br />

- Entrando <strong>em</strong> campo: o caminho profissio<strong>na</strong>l .................................12<br />

- Ponta pé inicial: construindo o t<strong>em</strong>a ..................................15<br />

PRIMEIRO TEMPO - OS ESTRATAGEMAS DE COMPREENSÃO .....................28<br />

- Paradigma da complexidade: um foco <strong>no</strong> <strong>jogo</strong>. .................................29<br />

- Socioantropologia: o <strong>jogo</strong> como prática do cotidia<strong>no</strong> ................................38<br />

SEGUNDO TEMPO- A DELEGAÇÃO: ALGUNS TEÓRICOS SOBRE O JOGO..50<br />

- O uso do termo ................................51<br />

- Concepções históricas ................................56<br />

- Jogo e educação ................................81<br />

TERCEIRO TEMPO - O TIME: OS PARTICIPANTES DA PESQUISA ................89<br />

8


- Formação de professores ................................90<br />

- Formação de professores <strong>na</strong> FFP/UERJ ...............................111<br />

A SÚMULA .................................127<br />

QUESTIONÁRIOS - O QUE ESTÁ EM JOGO NO JOGO ..................................130<br />

- Sobre o <strong>jogo</strong> ...............................131<br />

- Das l<strong>em</strong>branças dos <strong>jogo</strong>s ...............................134<br />

- Do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> formação de professores ...............................140<br />

- Do uso do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola ...............................147<br />

- Das marcas deixadas pelo <strong>jogo</strong> ...............................153<br />

NARRATIVAS- (RE)VISITANDO O ATO DE JOGAR ...............................157<br />

- M<strong>em</strong>órias de Emília ................................159<br />

- As aventuras do Capitão Gancho ................................188<br />

PRORROGAÇÕES - CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................214<br />

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO ...............................225<br />

ANEXOS ...............................233<br />

9


INTRODUÇÃO<br />

10


Aula de Recreação e Jogos- FFP/UERJ- 2005<br />

INTRODUÇÃO<br />

_________________________________________________________________________<br />

Entrando <strong>em</strong> campo: o caminho profissio<strong>na</strong>l<br />

“A vida não é a <strong>que</strong> a gente viveu, e sim a <strong>que</strong> a<br />

gente recorda, e como recorda para contá-la”.<br />

Gabriel Garcia Már<strong>que</strong>z (2003)<br />

Mais da metade de minha vida passei como docente <strong>na</strong> Faculdade de Formação de<br />

Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FFP /UERJ. Neste momento,<br />

resgatar minha m<strong>em</strong>ória de formação serve de chave para entender a minha práxis 1 <strong>no</strong><br />

cotidia<strong>no</strong> de formação de professores.<br />

1 O sentido de práxis não significa a mera prática pela prática, mas um conjunto de posturas,<br />

atitudes, formas de pensar e agir, ações ou intervenções deliberadas. Portanto, a prática aqui é<br />

situada numa perspectiva dialética e entendida como práxis. Kosik (1976) afirma <strong>que</strong> a práxis<br />

11


António Nóvoa t<strong>em</strong> valorizado a história de vida dos professores:<br />

“Como é <strong>que</strong> cada um se tor<strong>no</strong>u <strong>no</strong> professor <strong>que</strong> é hoje? E por<strong>que</strong>? De<br />

<strong>que</strong> forma a acção pedagógica é influenciada pelas características pessoais<br />

e pelo percurso de vida profissio<strong>na</strong>l de cada professor? As respostas levar<strong>no</strong>s-iam<br />

longe d<strong>em</strong>ais. Mas talvez valha a pe<strong>na</strong> mencio<strong>na</strong>r brev<strong>em</strong>ente os<br />

três AAA <strong>que</strong> sustentam o processo identitário dos professores: A de<br />

Adesão, A de Acção e A de Autoconsciência “. ( NÒVOA, 1995, p.16)<br />

Refazer este percurso profissio<strong>na</strong>l, tal qual se faz uma viag<strong>em</strong> <strong>no</strong> t<strong>em</strong>po, me leva a<br />

compreender como fui apreendendo estes ‘As’, chegando ao t<strong>em</strong>a de pesquisa: O <strong>que</strong> <strong>está</strong><br />

<strong>em</strong> <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> <strong>jogo</strong>: <strong>cultura</strong>, <strong>imagens</strong> e <strong>simbolismos</strong> <strong>na</strong> formação de professores.<br />

Graduei-me <strong>em</strong> Educação Física sob a égide do regime militar transitando por um<br />

currículo muito tecnicista onde reflexão, auto<strong>no</strong>mia e crítica não eram as palavras de ord<strong>em</strong><br />

<strong>na</strong> formação acadêmica. Nesta ocasião, a educação física era considerada competitivista,<br />

segundo Ghiraldelli Júnior (1998), pois o sustentáculo ideológico dessa concepção era a<br />

própria ideologia diss<strong>em</strong>i<strong>na</strong>da pela tec<strong>no</strong>burocracia militar e civil, cujo tom principal era a<br />

tecnização da educação e da educação física. Muito se trei<strong>na</strong>va, mas pouco se pensava<br />

sobre as possibilidades <strong>em</strong>ancipatórias desta área do conhecimento. Tratava-se de uma<br />

formação com enfo<strong>que</strong> desportivo, pois a grande preocupação política, refletida <strong>na</strong><br />

educação, e, sobretudo <strong>na</strong> educação física, encontrava <strong>no</strong> esporte um fértil terre<strong>no</strong> para<br />

diss<strong>em</strong>i<strong>na</strong>r a idéia de um Brasil Forte, Brasil Potência. O caráter utilitário e tecnicista da<br />

Educação Física tomava corpo com a preocupação <strong>na</strong> preparação de homens fortes e<br />

saudáveis, entendendo como grande aliado o esporte, então oferecido <strong>no</strong> contexto escolar.<br />

Assim, <strong>na</strong> ocasião, os cursos de graduação <strong>em</strong> Educação Física passaram a ter como<br />

maiores componentes curriculares as diferentes modalidades desportivas (atletismo,<br />

<strong>na</strong>tação, handebol, bas<strong>que</strong>tebol, voleibol e futebol). Desta forma, o trabalho pedagógico <strong>no</strong><br />

contexto escolar se voltava para o ensi<strong>no</strong>-aprendizag<strong>em</strong> de esportes com caráter prático.<br />

Assim <strong>que</strong> concluí o curso, ingressei como docente <strong>na</strong> Faculdade de Formação de<br />

Professores de São Gonçalo - FFP/UERJ 2 . Meu processo identitário passaria, assim, pelo<br />

primeiro ‘A’ proposto por Nóvoa (1995), o ‘A’ de Adesão, pois fazia parte de uma Unidade<br />

"não é um conceito filosófico, mas uma categoria da teoria dialética da sociedade" (p.199). O<br />

seu sentido é a liberdade, a auto<strong>no</strong>mia, a auto-realização e o trabalho coletivo.<br />

2 No a<strong>no</strong> de 1981 a FFP ainda não pertencia a UERJ , e sim a FAPERJ ( Fundação de Amparo a Pesquisa do<br />

Estado do Rio de Janeiro), conforme apresentado <strong>no</strong> capítulo sobre Formação de Professores desta<br />

dissertação.<br />

12


Acadêmica de uma Universidade e estava vinculada diretamente a um Departamento, o de<br />

Educação. Aderi desta forma, ao campo educacio<strong>na</strong>l de formação de professores.<br />

Concomitant<strong>em</strong>ente à minha atuação <strong>na</strong> FFP, dava aulas para educação infantil e<br />

séries iniciais do ensi<strong>no</strong> fundamental numa escola particular de classe média 3 . Uma escola<br />

pe<strong>que</strong><strong>na</strong> física e simbolicamente, mas imensa <strong>em</strong> se pensando <strong>na</strong> experiência profissio<strong>na</strong>l<br />

<strong>que</strong> pôde me proporcio<strong>na</strong>r.<br />

O grande lócus de formação docente é a prática, é nesta instância <strong>que</strong> o professor se<br />

faz professor, onde prática-teoria-prática imbricam-se num processo cíclico, re<strong>no</strong>vador e<br />

estimulante. Encontrava-me, com estas experiências profissio<strong>na</strong>is, <strong>em</strong> constante exercício<br />

epist<strong>em</strong>ológico refletindo sobre, <strong>no</strong> e com o cotidia<strong>no</strong> da escola <strong>na</strong> busca de <strong>no</strong>vos<br />

caminhos para educação física escolar apreendendo o ‘A’ de Ação apontado por Nóvoa<br />

(1995). Repensar meu cotidia<strong>no</strong> pedagógico tor<strong>na</strong>va-se estimulante e desafiante<br />

Buscando fazer de minha Ação docente algo mais significativo e consciente do<br />

papel do professor como el<strong>em</strong>ento facilitador e orientador do processo educativo, recorri a<br />

referenciais sobre educação física escolar <strong>que</strong>, até então, tinha visto <strong>em</strong> minha formação,<br />

como a obra 4 e as idéias discutidas com o Prof. Darcimires do Rego Barros , as reflexões<br />

de Helder Resende Guerra e as orientações de Vera Lúcia Menezes Costa, <strong>que</strong> foram<br />

ampliadas pelo prisma trazido por Listello (1979) , Santos (1977), Di<strong>em</strong> (1991),<br />

Miranda(1993), dentre outros livros, textos e artigos <strong>que</strong> passaram por minhas mãos e<br />

pensamentos e de <strong>que</strong> hoje não disponho para citá-los.<br />

Por ter sido uma criança muito brincante, estava impreg<strong>na</strong>da da minha própria<br />

história e acreditava <strong>que</strong> a brincadeira, a fantasia e a imagi<strong>na</strong>ção deveriam estar presentes<br />

<strong>na</strong> vida escolar tor<strong>na</strong>ndo esta vivência mais alegre e prazerosa, sobretudo <strong>na</strong> educação<br />

infantil e séries iniciais do ensi<strong>no</strong> fundamental, segmentos <strong>em</strong> <strong>que</strong> eu atuava. Estas<br />

experiências, assim, iam resignificando minha práxis <strong>na</strong> formação de professores da FFP.<br />

Trabalhar com criança da rede privada ou pública tor<strong>na</strong>-se uma experiência positiva<br />

para docentes de formação de professores, apresentando-se como uma referência<br />

importante para a compreensão do cotidia<strong>no</strong> escolar. Minha passag<strong>em</strong> pelo ‘chão da escola’<br />

<strong>na</strong> condição de professora foi fundamental <strong>no</strong> meu fazer pedagógico <strong>na</strong> universidade e “...<br />

3 Centro Educacio<strong>na</strong>l Maciel Pinheiro<br />

4 Refiro-me ao livro Educação Física <strong>na</strong> escola primária, Barros, Ed. José Olympio, 1970.<br />

13


<strong>no</strong>s damos conta da necessidade vital de, mesmo estando <strong>na</strong> universidade, nunca <strong>no</strong>s<br />

distanciarmos das escolas por onde um dia passamos, as quais <strong>no</strong>s possibilitaram chegar<br />

aonde chegamos, como chegamos”.( FERRAÇO, 2003, p.158).<br />

Paralelamente, dava aulas de educação física como discipli<strong>na</strong> obrigatória do<br />

currículo das licenciaturas da FFP. Só posteriormente esta discipli<strong>na</strong> assumiu o caráter de<br />

eletiva, o <strong>que</strong> fez com <strong>que</strong> passass<strong>em</strong> a participar das aulas os alu<strong>no</strong>s <strong>que</strong> se identificavam<br />

com a educação física.<br />

No início da década de 90, <strong>no</strong>ssa Unidade Acadêmica recebeu a proposta de criação<br />

do Curso de Pedagogia: Habilitação Magistério das séries inicias do ensi<strong>no</strong> fundamental -<br />

licenciatura ple<strong>na</strong> 5 , o <strong>que</strong> foi aceito pelo Departamento de Educação. Em 1994, iniciava-se<br />

o curso <strong>na</strong> FFP São Gonçalo e, <strong>em</strong> 1995, o mesmo curso foi implantado por convênio <strong>no</strong><br />

Município de Araruama, contendo <strong>em</strong> sua “grade curricular” 6 a discipli<strong>na</strong> de Recreação e<br />

Jogos I e II.<br />

A oportunidade de redimensio<strong>na</strong>r a área do saber da educação física estava criada.<br />

Frente à este desafio, mergulhei num processo de perplexidade produtiva, como<br />

mencio<strong>na</strong>do por Boaventura Santos (2005, p.19), percorrendo caminhos epist<strong>em</strong>ológicos<br />

<strong>que</strong> dess<strong>em</strong> sentidos a um fazer docente de ‘fazer docentes’. Somava-se aos outros ’As’ o<br />

‘A’ de Autoconsciência sugerido por Antonio Nóvoa.<br />

Aproximando-me da área de recreação e <strong>jogo</strong>s infantis, fiz um curso de<br />

Psicomotricidade 7 <strong>que</strong>, aliado à leitura de diferentes autores como Freire (1997) ,<br />

Kishimoto (2002) , Almeida (2002) , Brougère (1998) , Huizinga (2004) e outros, levou-<br />

me não só a conhecer mais, como a me identificar muito com a t<strong>em</strong>ática.<br />

Depois de pesquisar inúmeras teorias sobre recreação e <strong>jogo</strong>s, organizei o curso de<br />

modo a imbricar prática-teoria-prática. Esta seria uma proposta a ser levada aos alu<strong>no</strong>s-<br />

professores, o <strong>que</strong> implicaria <strong>em</strong> estimulá-los à experimentação dos sentidos do ato de<br />

jogar, onde as teorias discutidas sobre <strong>jogo</strong> e educação passass<strong>em</strong> a ter um caráter singular<br />

5 Sobre a criação do Curso de Pedagogia FFP/UERJ ver capítulo de formação de professores deste trabalho<br />

6 Grade <strong>que</strong> se mantém até hoje, o <strong>que</strong> implica, <strong>no</strong> próprio sentido da palavra, <strong>no</strong> aprisio<strong>na</strong>mento dos saberes<br />

<strong>em</strong> espaços limitados. Muito <strong>em</strong>bora um <strong>no</strong>vo currículo já tenha sido efetivamente implantado <strong>no</strong> 1º s<strong>em</strong>estre<br />

de 2006 , ainda ter<strong>em</strong>os <strong>em</strong> vigor o currículo antigo <strong>no</strong> sentido de formar os alu<strong>no</strong>s mais antigos <strong>que</strong> ainda<br />

estão cursando Pedagogia.<br />

7 Curso de Atividades Psicomotoras <strong>na</strong> Aprendizag<strong>em</strong> - Recrearte<br />

14


a partir da prática do <strong>jogo</strong>. Mas de <strong>que</strong> forma fazer com <strong>que</strong> isto acontecesse se a discipli<strong>na</strong><br />

de Recreação e Jogos não t<strong>em</strong> <strong>em</strong> sua <strong>em</strong>enta uma carga horária desti<strong>na</strong>da à prática?<br />

A compartimentalização dos saberes <strong>no</strong> curso de pedagogia <strong>na</strong> formação de<br />

professores da FFP consagra como dimensão prática, ape<strong>na</strong>s os <strong>está</strong>gios <strong>na</strong>s escolas ligados<br />

à discipli<strong>na</strong> de Prática de Ensi<strong>no</strong> 8 . As d<strong>em</strong>ais discipli<strong>na</strong>s não são cont<strong>em</strong>pladas com esta<br />

carga horária 9 . Como, então, dar um caráter de experimentação à Recreação? Como religar<br />

saberes estando estes tão segmentados <strong>no</strong> currículo de formação de professores?<br />

Mergulhada num universo de dúvidas e imbuída <strong>em</strong> encontrar uma saída para aliar<br />

teoria e prática, fui dando continuidade ao curso proporcio<strong>na</strong>ndo, <strong>em</strong> sala de aula, a<br />

oportunidade dos alu<strong>no</strong>s-professores participar<strong>em</strong> de vivências lúdicas, de forma <strong>que</strong> estes<br />

pudess<strong>em</strong> contextualizar e refazer os saberes <strong>que</strong> <strong>na</strong>turalmente possuíam, reelaborando suas<br />

práticas.<br />

O Curso de Pedagogia da FFP desde sua criação, <strong>em</strong> 1994, contou com a discipli<strong>na</strong><br />

de Recreação e Jogos e s<strong>em</strong>pre ministrei aulas <strong>na</strong> mesma, o <strong>que</strong> despertou <strong>em</strong> mim um<br />

desejo e uma necessidade de resignificar o papel da Educação Física <strong>no</strong> campo de<br />

formação de professores da educação básica. Desta forma, fui <strong>em</strong> busca de <strong>no</strong>vas<br />

oportunidades para além das discipli<strong>na</strong>s de Recreação e Jogos e de Educação Física, esta<br />

oferecida como eletiva <strong>na</strong>s d<strong>em</strong>ais licenciaturas. Passei então a atuar <strong>em</strong> Prática Pedagógica<br />

<strong>na</strong>s diferentes Licenciaturas e <strong>em</strong> Tópicos Especiais <strong>no</strong> Curso de Pedagogia <strong>em</strong> São<br />

Gonçalo e <strong>em</strong> Araruama. São discipli<strong>na</strong>s com um perfil parecido, pois têm uma <strong>em</strong>enta<br />

aberta <strong>que</strong> possibilita discussões de diferentes t<strong>em</strong>áticas de interesse dos alu<strong>no</strong>s, <strong>em</strong> acordo<br />

com o professor. Foi assim <strong>que</strong> comecei a atuar <strong>em</strong> tais discipli<strong>na</strong>s, discutindo os <strong>jogo</strong>s e as<br />

atividades recreativas <strong>na</strong> formação de professores.<br />

Abordando <strong>que</strong>stões <strong>que</strong> envolv<strong>em</strong> ludicidade e educação venho construindo um<br />

campo de reflexões e debates <strong>que</strong> hoje culmi<strong>na</strong>m com o presente trabalho de pesquisa de<br />

Mestrado, acreditando como Linhares ( 2002) <strong>que</strong><br />

8 Prática de Ensi<strong>no</strong> I e II totalizando 180 horas/aula.<br />

9 Com a reformulação do curso da FFP a dimensão prática dos cursos de formação de professores da<br />

educação básica perpassará todo o currículo, conforme resolução CNE/CP 2, 2002 . Art 1º, inciso I:<br />

400(quatrocentas) horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso.<br />

15


“A sala de aula é um espaço repleto de sig<strong>no</strong>s e significações <strong>que</strong> tomam<br />

forma e cor através da linguag<strong>em</strong>. A aprendizag<strong>em</strong> se concretiza através<br />

do diálogo entre sujeitos <strong>que</strong> interag<strong>em</strong> com o mundo e produz<strong>em</strong> <strong>cultura</strong>.<br />

O professor se transforma <strong>em</strong> mediador da discutibilidade <strong>em</strong>ancipatória<br />

<strong>no</strong> seu ato ou ação educativa”. ( LINHARES, 2002, p.190)<br />

No entrelaçamento dos momentos acadêmico-político-pedagógicos por mim vividos<br />

ao longo de vinte e cinco a<strong>no</strong>s nesta Instituição, fui descobrindo diferentes formas de<br />

linguagens, sobretudo as corporais, fruto das fruições dos alu<strong>no</strong>s <strong>em</strong> aulas de Recreação,<br />

Prática Pedagogia, Tópicos Especiais e Educação Física <strong>que</strong> gradativamente levaram-me a<br />

posturas cada vez mais dialógicas resignificando minha própria práxis. Neste processo,<br />

passam por reformulação não só os princípios <strong>no</strong>rteadores do Curso, mas também os<br />

próprios pensamentos dos professores.<br />

Ponta pé inicial: construindo o t<strong>em</strong>a<br />

“Sei <strong>que</strong> todo conhecimento de uma sociedade, de uma história,<br />

uma vida, inclusive a própria, é, ao mesmo t<strong>em</strong>po, uma tradução<br />

e um reconstrução mental. Sei não ape<strong>na</strong>s <strong>que</strong> a percepção de<br />

um acontecimento pode incluir seleção do <strong>que</strong> se parece<br />

principal, ocultação ou es<strong>que</strong>cimento do <strong>que</strong> incomoda, mas<br />

também <strong>que</strong> a l<strong>em</strong>brança pode alterar seriamente o <strong>que</strong> ela<br />

r<strong>em</strong><strong>em</strong>ora... sei também <strong>que</strong> o olhar do presente retroage s<strong>em</strong>pre<br />

sobre o passado histórico ou biográfico <strong>que</strong> exami<strong>na</strong>”.<br />

Edgar Morin ( 2000)<br />

Neste percurso profissio<strong>na</strong>l, algumas <strong>que</strong>stões <strong>que</strong> me incomodavam e me faziam<br />

(e faz<strong>em</strong>) refletir constant<strong>em</strong>ente sobre o meu fazer pedagógico, diz<strong>em</strong> respeito ao<br />

encaminhamento da t<strong>em</strong>ática ludicidade <strong>no</strong> campo de formação de professores.<br />

16


As fronteiras discipli<strong>na</strong>res e a dimensão teórica dissociada da prática têm levado<br />

alguns professores à construção de <strong>no</strong>vos modos de ‘pensar’ e de ‘fazer’ a sua prática<br />

docente. Foi nesta perspectiva <strong>que</strong>, <strong>na</strong>s aulas de Recreação e Jogos do Curso de Pedagogia<br />

da FFP/UERJ, passamos a a<strong>na</strong>lisar e discutir as teorias, funções, conceituações e sentidos<br />

dos <strong>jogo</strong>s com os suportes teóricos de Gilles Brougère (1998), Johan Huizinga (1971), Jean<br />

Chateau (1987), Roger Caillois (1990) e João Batista Freire (2002), Tisuko Kishimoto<br />

(1993) dentre outros, vivenciando as atividades lúdicas e relacio<strong>na</strong>do-as com as teorias<br />

apresentadas. Brincando e jogando seria possível fazer com <strong>que</strong> os alu<strong>no</strong>s-professores re-<br />

significass<strong>em</strong> as atividades recreativas <strong>no</strong> âmbito escolar.<br />

Era preciso insistir <strong>na</strong>s vivências lúdicas para <strong>que</strong> os alu<strong>no</strong>s-professores se<br />

sentiss<strong>em</strong> aptos e seguros para levar esta experiência para as suas práticas enquanto<br />

docentes. O ato de jogar precisava, então, ser significativo para eles. Se todo movimento<br />

huma<strong>no</strong> apresenta uma intenção, e isto desde o início de <strong>no</strong>ssas vidas, jogar deveria ter um<br />

significado, uma razão de ser. Por <strong>que</strong> e para <strong>que</strong> agir e se sentir como uma criança<br />

brincante estando numa Universidade?<br />

Tratando-se de uma faculdade de formação de professores, conse<strong>que</strong>nt<strong>em</strong>ente estes<br />

profissio<strong>na</strong>is contribuirão <strong>na</strong> formação de crianças. Fazer estes universitários sentir as<br />

sensações e <strong>em</strong>oções promovidas por atividades lúdicas é levá-los a respeitar e<br />

compreender melhor seus alu<strong>no</strong>s, sobretudo valorizando o componente lúdico <strong>que</strong> habita<br />

cada um deles.<br />

Apesar de ser uma atividade <strong>na</strong>tural para o hom<strong>em</strong>, o desejo de jogar só se<br />

manifesta <strong>em</strong> toda a sua intensidade se encontrar um ambiente facilitador. Assim, cabia-me<br />

a função de estimular os alu<strong>no</strong>s-professores, propiciando um ambiente de alegria,<br />

descontração e <strong>que</strong> fosse adequado para a realização das atividades. Ocupávamos, assim, as<br />

salas de aula, a quadra da Universidade, a sala de educação física e áreas ao ar livre <strong>no</strong><br />

entor<strong>no</strong> da FFP.<br />

17


Aulas práticas de Recreação <strong>na</strong> sala de educação física e <strong>na</strong> quadra da FFP/UERJ, 2005<br />

Na medida <strong>em</strong> <strong>que</strong> os alu<strong>no</strong>s/professores se motivavam pelas atividades e se<br />

deixavam envolver por elas, revelavam-se tais quais crianças ativas, curiosas e ansiosas por<br />

<strong>no</strong>vas experiências. A grande maioria dos participantes expressava alegrias, prazeres e<br />

fruições de forma verbal ou por manifestações corporais como riso, pés descalços e muita<br />

algazarra.<br />

A entrega ao <strong>jogo</strong> era inevitável para muitos, como registrado <strong>na</strong>s fotos a seguir.<br />

Atividades práticas <strong>na</strong>s aulas de Recreação e Jogos I e II <strong>na</strong> FFP/UERJ, 2005<br />

18


Atividades práticas <strong>na</strong>s aulas de Recreação e Jogos I e II <strong>na</strong> FFP/UERJ, 2005<br />

O <strong>que</strong> sentiam os alu<strong>no</strong>s ao rolar<strong>em</strong> e se atirar<strong>em</strong> <strong>no</strong> chão, ao rir às gargalhadas, ao<br />

correr freneticamente, a torcer, a ganhar e a perder era por eles relatado ao fi<strong>na</strong>l de cada<br />

aula. Nestas avaliações sist<strong>em</strong>áticas, dimensões como prazer, euforia, solidariedade,<br />

respeito às regras, conflitos, resoluções de probl<strong>em</strong>as, transgressões, sorte, acaso, ord<strong>em</strong>,<br />

desord<strong>em</strong> e reorganizações, dentre outras, foram <strong>em</strong>ergindo e possibilitando a compreensão<br />

dos <strong>jogo</strong>s como conhecimento científico, indissociável do senso comum, visto <strong>que</strong> as<br />

atividades faziam parte, <strong>em</strong> sua maioria, da <strong>cultura</strong> lúdica infantil dos alu<strong>no</strong>s, muitas delas<br />

sendo resgatadas por suas m<strong>em</strong>órias e redimensio<strong>na</strong>das pela auto<strong>no</strong>mia e criatividade do<br />

grupo.<br />

Todos sabiam brincar, mas muitos só não o faziam junto com as crianças <strong>na</strong>s<br />

escolas por medo, insegurança ou falta de espaço e oportunidade. Eram brincantes com<br />

medo de brincar. Seria preciso então pensar <strong>na</strong> possibilidade de romper com os limites<br />

19


impostos pelas escolas com relação à utilização de <strong>jogo</strong>s, legado este <strong>que</strong> t<strong>em</strong> acompanhado<br />

as práticas lúdicas <strong>na</strong> longa história da educação 10<br />

A concepção de ‘dupla ruptura epist<strong>em</strong>ológica’ de Boaventura Santos (2005) é,<br />

neste sentido, de grande importância, pois, para este autor, a ciência moder<strong>na</strong> ao separar-se<br />

do senso comum existente, tor<strong>no</strong>u possível uma ruptura epist<strong>em</strong>ológica, a primeira, <strong>que</strong><br />

deve ser revertida <strong>no</strong> sentido de fazer com <strong>que</strong> o conhecimento científico se transforme<br />

num <strong>no</strong>vo senso comum, estabelecendo-se, assim, a sua proposta de dupla ruptura<br />

epist<strong>em</strong>ológica, a ruptura da ruptura.<br />

A complexidade do uso do <strong>jogo</strong> aproxima-o do senso comum, pois muitas das<br />

atividades lúdicas têm suas matrizes <strong>na</strong> <strong>cultura</strong> popular, estando esta impreg<strong>na</strong>da de saberes<br />

e fazeres de um determi<strong>na</strong>do grupo. Assim, atividades <strong>na</strong>turais como <strong>jogo</strong>s de pi<strong>que</strong>, <strong>jogo</strong>s<br />

com bolas e outros se tor<strong>na</strong>m os preferidos <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> das escolas, <strong>no</strong>s levando a refletir:<br />

Por <strong>que</strong> se joga? Onde se joga? Com <strong>que</strong>m se joga? Como se joga? Quando se joga? Neste<br />

estudo investigativo, somos movidos pela curiosidade epist<strong>em</strong>ológica à buscar respostas<br />

para estas indagações pautadas <strong>em</strong> estudos e conhecimentos científicos <strong>que</strong> <strong>no</strong>rteiam a<br />

t<strong>em</strong>ática.<br />

No fi<strong>na</strong>l do século XIX, o <strong>jogo</strong>, do ponto de vista científico, tor<strong>na</strong>-se alvo de estudo<br />

de psicólogos, psica<strong>na</strong>listas e de pedagogos <strong>em</strong> geral, surgindo a partir daí um rol de teorias<br />

<strong>na</strong> tentativa de explicar seus significados. O ato de jogar (brincar) passa a ser considerado<br />

como um fator fundamental <strong>no</strong> processo de desenvolvimento huma<strong>no</strong> e os <strong>jogo</strong>s passam a<br />

ter abordagens de um paradigma <strong>na</strong>turalista, onde as atividades lúdicas espontâneas<br />

tor<strong>na</strong>m-se alvos de investigações.<br />

Mas, afi<strong>na</strong>l, o <strong>que</strong> as crianças aprend<strong>em</strong> e <strong>no</strong>s ensi<strong>na</strong>m quando estão jogando? Que<br />

conhecimentos estão sendo (re)construídos <strong>no</strong> ato de jogar? Estas <strong>que</strong>stões n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre são<br />

consideradas pelos formuladores de projetos pedagógicos da escola, pois consideram o <strong>jogo</strong><br />

como atividade e não como um conhecimento <strong>que</strong> faz parte de movimentos instituintes,<br />

latentes e cotidia<strong>no</strong>s, o <strong>que</strong> dificulta a compreensão de seu uso <strong>no</strong> espaço escolar.<br />

Num processo de construção compartilhada de conhecimento, os alu<strong>no</strong>s-professores<br />

da discipli<strong>na</strong> Recreação e Jogos elaboraram uma atividade <strong>na</strong> FFP de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong>da “Dia<br />

10 A este respeito ver o capítulo sobre “Concepções históricas sobre os <strong>jogo</strong>s” deste trabalho.<br />

20


Lúdico”. Eles se envolveram <strong>na</strong> organização desta atividade com muito esmero, preparando<br />

e arrecadando material <strong>que</strong> pudess<strong>em</strong> atender aos seus projetos.<br />

Na ocasião, foram organizadas diversas ofici<strong>na</strong>s <strong>que</strong> ofereceram uma gama de<br />

atividades lúdicas com o propósito de, <strong>na</strong> prática, observar, a<strong>na</strong>lisar e compreender os<br />

sentidos do ato de jogar. Foram convidados a participar todos os alu<strong>no</strong>s do Curso de<br />

Pedagogia da FFP e aproximadamente quarenta crianças de uma escola municipal das<br />

proximidades.<br />

As fotos <strong>que</strong> se segu<strong>em</strong> ilustram este evento.<br />

“Dia Lúdico” <strong>na</strong> FFP/UERJ, 2004<br />

21


Alguns alu<strong>no</strong>s/professores sentiram-se perplexos frente ao inesperado, pois muitas<br />

das atividades programadas não foram cumpridas. Pod<strong>em</strong>os observar isto <strong>em</strong> seus relatos:<br />

“Preparei inúmeros <strong>jogo</strong>s, mas as crianças só <strong>que</strong>riam saltar entre os arcos” (G.<br />

alu<strong>na</strong>/professora do 6 º p.)<br />

Compreender o envolvimento das crianças <strong>na</strong>s brincadeiras, respeitar seu t<strong>em</strong>po de<br />

experimentação e seus desejos, faz parte de um fazer docente onde educar pela<br />

sensibilidade tor<strong>na</strong>-se tão (ou mais) importante quanto seguir metodologicamente os<br />

conteúdos programados. Segundo Michel Maffesoli: “o sensível não é ape<strong>na</strong>s um momento<br />

<strong>que</strong> se poderia ou deveria superar <strong>no</strong> quadro de um saber <strong>que</strong> progressivamente se depura.<br />

É preciso considerá-lo como el<strong>em</strong>ento central <strong>no</strong> ato do conhecimento”. ( MAFFESOLI,<br />

1998,p.89).<br />

E assim relata outra alu<strong>na</strong>/professora:<br />

“Preparamos uma atividade de boliche com garrafas plásticas, mas os meni<strong>no</strong>s pediram<br />

para jogar futebol, aí nós ajudamos a selecio<strong>na</strong>r as equipes e <strong>no</strong>s tor<strong>na</strong>mos técnicos e<br />

juízes marcando as faltas e o placar. Foi tão bom <strong>que</strong> acabamos jogando futebol também”<br />

(L. alu<strong>na</strong>/professora do 6 º p.)<br />

Percebendo o corpo como uma forma de linguag<strong>em</strong>, os alu<strong>no</strong>s-professores passaram<br />

a ‘ouvir’ os saberes das crianças <strong>que</strong> expressavam satisfação e eram r<strong>em</strong>etidas à dimensões<br />

como desafio, domínio, criatividade, auto<strong>no</strong>mia e crítica. Puderam partilhar com elas os<br />

sentidos do ato de jogar associando-os ao próprio sentido da educação. Senso comum (a<br />

vivência das crianças) e ciência ( teorias sobre <strong>jogo</strong>s), ligavam-se.<br />

Na tentativa de aproximação dos alu<strong>no</strong>s-professores com o cotidia<strong>no</strong> escolar, a<br />

participação das crianças neste trabalho, mesmo por pe<strong>que</strong><strong>no</strong> período de t<strong>em</strong>po, foi de<br />

grande valia, pois os levou a perceber <strong>na</strong> prática as diferentes dimensões da ludicidade. Foi<br />

o momento de (re)fazer saberes <strong>que</strong> <strong>em</strong>ergiam da complexidade das atividades praticadas.<br />

A experiência de jogar/brincar com as crianças foi um marco <strong>na</strong> compreensão das<br />

relações entre as teorias discutidas e o fazer docente, levando à reflexão quanto ao<br />

espaço/t<strong>em</strong>po <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> deve ocupar <strong>na</strong> escola.<br />

A proposta da utilização do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola (<strong>em</strong> sala de aula, <strong>no</strong>s momentos de<br />

22


ecreação, <strong>na</strong> discipli<strong>na</strong> de educação física, ou mesmo <strong>no</strong> recreio escolar) proporcio<strong>na</strong>ria<br />

uma interseção de múltiplos saberes? Estabeleceria relações de conhecimentos? Algumas<br />

destas <strong>que</strong>stões provocativas me conduziram a participar de um curso de aperfeiçoamento e<br />

aprofundamento <strong>em</strong> Educação Física e Cultura 11 . As t<strong>em</strong>áticas de lazer, <strong>jogo</strong> e educação<br />

física escolar tor<strong>na</strong>ram-se preciosos pontos de partida para o meu caminhar investigativo.<br />

Pelas mãos da Profª Drª Nilda Teves Ferreira o estudo do imaginário, mitos e ritos <strong>na</strong>s<br />

atividades lúdicas parecia-me um coerente elo entre educação, formação de professores e<br />

ludicidade, pois o espaço escolar é compreendido pelas múltiplas relações e as<br />

possibilidades de produções imaginárias <strong>que</strong> se dão de forma simbólica <strong>no</strong>s pensamentos e<br />

ações de seus sujeitos. O cotidia<strong>no</strong> consubstancia-se como lugar próprio da produção de<br />

sentido e o contexto sócio-<strong>cultura</strong>l onde a escola <strong>está</strong> inserida revela-se <strong>no</strong> seu cotidia<strong>no</strong>,<br />

através das práticas de seus alu<strong>no</strong>s, onde se inclu<strong>em</strong> as práticas de <strong>jogo</strong>s.<br />

A partir destas reflexões, percorri o caminho epist<strong>em</strong>ológico <strong>que</strong> me foi apresentado<br />

pela professora Drª Iduí<strong>na</strong> Mont’Alverne Chaves <strong>no</strong> Programa de Mestrado <strong>em</strong> Educação<br />

da Universidade Federal Fluminense, levando-me ao encontro do “paradigma da<br />

complexidade” de Edgar Morin, pois pensando como ela “ser a escola um sist<strong>em</strong>a aberto<br />

às múltiplas dimensões da realidade bio-psico-sócio-<strong>cultura</strong>l” (CHAVES, 2000, p.24),<br />

abre-se uma perspectiva de compreensão <strong>que</strong> poderá levar o <strong>jogo</strong>, <strong>no</strong> paradigma da<br />

complexidade, a ser compreendido como objeto transdiscipli<strong>na</strong>r, podendo atravessar as<br />

discipli<strong>na</strong>s por<strong>que</strong> faz parte do próprio processo de auto-formação do indivíduo,<br />

conduzindo-o ao aprender a aprender.<br />

O olhar atento da Profª Drª Hele<strong>na</strong> Amaral da Fontoura, partícipe <strong>na</strong> construção<br />

desta pesquisa como co-orientadora, me apontou reflexões, caminhos e conexões,<br />

sobretudo <strong>no</strong> campo de formação de professores. Sua orientação permitiu a re-ligação de<br />

diferentes saberes do campo de formação docente, práticas de ensi<strong>no</strong>, educação e<br />

ludicidade.<br />

Estando o <strong>jogo</strong> ligado as manifestações mais simples e cotidia<strong>na</strong>s do hom<strong>em</strong>,<br />

relacio<strong>na</strong>dos aos ritos e festas, o estudo da socioantropologia do cotidia<strong>no</strong> de Michel<br />

Maffesoli, <strong>em</strong> <strong>que</strong> também se pauta a proposta de Chaves (2000), foi como o fio condutor<br />

<strong>na</strong> compreensão da relação <strong>jogo</strong>/educação.<br />

11 Curso oferecido pela Universidade Gama Filho <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2004.<br />

23


A Socioantropologia leva-<strong>no</strong>s a compreender a organicidade do social, a interação<br />

dos múltiplos e complexos el<strong>em</strong>entos <strong>que</strong> o compõ<strong>em</strong> e <strong>que</strong> se manifestam <strong>no</strong> <strong>que</strong> é vivido<br />

cotidia<strong>na</strong>mente, lugar privilegiado de análise social, ao permitir a apreensão da socialidade<br />

colocando <strong>em</strong> evidência as minúsculas situações das atividades huma<strong>na</strong>s. Desta forma,<br />

considera o imaginário <strong>que</strong> se manifesta <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> como um dos el<strong>em</strong>entos estruturantes<br />

do social, <strong>na</strong> medida <strong>em</strong> <strong>que</strong> nele se organiza um espaço vital <strong>que</strong> garante a sobrevivência<br />

dos indivíduos, o <strong>que</strong> <strong>no</strong>s possibilita apreender as diferentes dimensões das práticas de<br />

<strong>jogo</strong>s <strong>na</strong>s escolas, enquanto fenôme<strong>no</strong> social <strong>na</strong>tural e espontâneo do hom<strong>em</strong>. Trata-se de<br />

uma mudança <strong>no</strong> olhar, outro modo de olhar a realidade da escola, cujos pressupostos de<br />

Marcos Ferreira Santos, vêm de encontro a esta perspectiva.<br />

“A colocação da <strong>que</strong>stão antropológica testifica a necessidade de um outro<br />

olhar <strong>na</strong> investigação. Da trama do tecido social é preciso avançar para o<br />

algodão com <strong>que</strong> se faz<strong>em</strong> os fios desta trama. Algodão <strong>que</strong> colh<strong>em</strong>os e<br />

<strong>que</strong> s<strong>em</strong>eamos, ora ansiando a chuva, ora pelo sol. Este anseio, esta<br />

esperança <strong>que</strong> <strong>no</strong>rteia as ações concretas pertence ao domínio do<br />

imaginário”. (SANTOS, 2004,p.3).<br />

As idéias de Edgar Morin <strong>no</strong>s apontam <strong>que</strong> “a ambição da complexidade é prestar<br />

contas das articulações despedaçadas pelos cortes entre discipli<strong>na</strong>s, entre categorias<br />

cognitivas e entre tipos de conhecimentos” (MORIN, 1996, p.176). Pensando-<strong>no</strong>s como<br />

seres ao mesmo t<strong>em</strong>po físicos, biológicos, sociais, <strong>cultura</strong>is, psíquicos e espirituais, passa a<br />

complexidade a ser o <strong>que</strong> tenta conceber a articulação, a identidade e a diferença de todos<br />

esses aspectos. Portanto, apropriar-se das atividades lúdicas com o objetivo de formação<br />

<strong>cultura</strong>l, social, afetiva, <strong>em</strong>ocio<strong>na</strong>l, cognitiva e psicomotora da criança se faz cada vez mais<br />

necessário, frente à multidimensio<strong>na</strong>lidade do processo ensi<strong>no</strong>-aprendizag<strong>em</strong>.<br />

Do meu encontro com este paradigma, do qual partilham os autores Michel<br />

Maffesoli e Edgar Morin, senti-me estimulada a fazer uma pesquisa <strong>que</strong> tivesse uma<br />

abordag<strong>em</strong> compreensiva por possibilitar um olhar estereoscópico, <strong>em</strong> todas as direções, a<br />

apreensão das diferentes dimensões da realidade e uma escuta sensível sobre o campo da<br />

pesquisa. Compreender a relação <strong>jogo</strong> e educação a partir do paradigma da complexidade,<br />

tendo como vertente a socioantropologia e buscando <strong>na</strong> sua análise significados relativos à<br />

formação de professores e seus modos de pensar e agir frente às atividades lúdicas <strong>na</strong>s<br />

24


escolas, tor<strong>na</strong>-se um caminho investigativo interessante.<br />

Pautada <strong>na</strong>s idéias de Morin, passei a olhar e compreender melhor <strong>que</strong> o ato de<br />

jogar ou brincar envolve ord<strong>em</strong>, desord<strong>em</strong>, interações e reorganizações, r<strong>em</strong>etendo-<strong>no</strong>s à<br />

fórmula paradigmática de seu tetragrama (MORIN, 1996, p.204), onde <strong>na</strong> atividade lúdica<br />

cada termo precisa do outro para se constituir, sendo concorrentes, inseparáveis,<br />

compl<strong>em</strong>entares e antagônicos, estabelecendo o princípio dialógico deste autor 12 .<br />

Com o suporte teórico de Michel Maffesoli, bus<strong>que</strong>i compreender o <strong>que</strong> é vivido <strong>no</strong><br />

cotidia<strong>no</strong> <strong>em</strong> sua latência social, o <strong>que</strong> o autor de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong> por socialidade, uma trama social<br />

<strong>que</strong> envolve as manifestações huma<strong>na</strong>s mais ba<strong>na</strong>is e efervescentes como ritos, festas e<br />

atividades lúdicas. Para o autor, existe <strong>na</strong> <strong>cultura</strong> uma invariância de atitudes populares <strong>na</strong>s<br />

aparentes modificações, “tudo o <strong>que</strong> concerne à arte de viver ou aos modos de vida é<br />

extraordi<strong>na</strong>riamente invariável” (1984, p.23) e, neste sentido, os <strong>jogo</strong>s se encaixam, pois<br />

são transmitidos e vividos num processo cíclico <strong>que</strong> conserva sua essência por mais <strong>que</strong><br />

sofram as tendências do t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> <strong>que</strong> se inscrev<strong>em</strong>. Resgatar as fruições provocadas pelo<br />

ato de jogar dos alu<strong>no</strong>s-professores servirá de chave para <strong>que</strong> possamos re-significar o <strong>jogo</strong><br />

e seu uso <strong>no</strong> contexto educacio<strong>na</strong>l.<br />

Desta forma, este trabalho objetivou apreender os sentidos do ato de jogar para<br />

alu<strong>no</strong>s-professores <strong>em</strong> formação buscando compreender as idéias desses alu<strong>no</strong>s a respeito<br />

das atividades <strong>que</strong> envolv<strong>em</strong> <strong>jogo</strong>s <strong>no</strong> contexto educacio<strong>na</strong>l. Pretendo, assim, investigar<br />

como os alu<strong>no</strong>s-professores utilizam o t<strong>em</strong>po desti<strong>na</strong>do à recreação <strong>na</strong> escola e como<br />

trabalham com <strong>jogo</strong>s <strong>em</strong> sala de aula ou <strong>em</strong> outros espaços a partir das reflexões sobre<br />

<strong>jogo</strong>-educação <strong>em</strong> seu processo de formação docente.<br />

A partir do reconhecimento de <strong>que</strong> <strong>no</strong>s cursos de formação de professores a<br />

concepção de lúdico se faz presente, <strong>no</strong>vas re-ligações de saberes vão surgindo entre as<br />

práticas incorporadas e os contextos epist<strong>em</strong>ológicos sobre <strong>jogo</strong> e educação, passando a ser<br />

também objetivo deste trabalho compreender a contribuição dos <strong>jogo</strong>s, tanto <strong>na</strong> parte<br />

prática quanto <strong>na</strong> teórica, <strong>no</strong> Curso de Pedagogia da FFP/UERJ <strong>na</strong> busca de sentidos <strong>na</strong><br />

relação <strong>jogo</strong>-educação.<br />

12 Este princípio aparece explicitado <strong>no</strong> capítulo 1 deste trabalho e <strong>em</strong> sua obra Ciência com consciência,<br />

1996.<br />

25


Pretendi nesta pesquisa tecer um texto <strong>que</strong>, à luz do paradigma da complexidade de<br />

Edgar Morin e da socioantropologia de Michel Maffesoli, como já mencio<strong>na</strong>do,<br />

possibilitasse cerzir as teorias de <strong>jogo</strong>s e o processo de formação de professores. Assim,<br />

organizei a apresentação do trabalho <strong>em</strong> partes de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong>do-as por termos do <strong>jogo</strong> <strong>que</strong><br />

r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> o leitor as etapas <strong>que</strong> compõ<strong>em</strong> as partidas de um <strong>jogo</strong>.<br />

As três primeiras partes são importantes fios condutores e articuladores da pesquisa,<br />

aqui apresentados <strong>em</strong> três t<strong>em</strong>pos e <strong>que</strong> entretecidos formam a base da compreensão teórica<br />

sobre <strong>jogo</strong>, formação de professores, pensamento complexo e socioantropologia do<br />

cotidia<strong>no</strong>. No primeiro t<strong>em</strong>po desta parte do trabalho intitulada Os estratag<strong>em</strong>as de<br />

compreensão, apontei o modo como olhei e bus<strong>que</strong>i compreender o <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> contexto sócio-<br />

educativo. No segundo t<strong>em</strong>po: A delegação: alguns teóricos sobre o <strong>jogo</strong>, trago uma<br />

gama de concepções sobre o <strong>jogo</strong> <strong>em</strong> diferentes contextos sócio-históricos <strong>que</strong> vão<br />

delineando o pensamento sobre <strong>jogo</strong> <strong>que</strong> se t<strong>em</strong> hoje <strong>no</strong> contexto educacio<strong>na</strong>l. O terceiro<br />

t<strong>em</strong>po compreende a concepção de formação de professores pelo viés de seu lócus de<br />

formação e uma reflexão a cerca de como ‘pensamos’ e de como ‘faz<strong>em</strong>os’ a docência.<br />

No sentido de perceber como as atividades de <strong>jogo</strong>s foram perpassando o contexto<br />

educacio<strong>na</strong>l, abordei também concepções históricas da educação física escolar, campo<br />

mais próximo do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola. De<strong>no</strong>minei esta parte do trabalho por O time:<br />

participantes da pesquisa e inclui ainda um pa<strong>no</strong>rama sócio-histórico e estrutural do campo<br />

específico desta pesquisa, a Faculdade de Formação de Professores da Universidade do<br />

Estado do Rio de Janeiro.<br />

Na parte de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong>da Súmula, compreendendo-a como uma das sessões mais<br />

<strong>no</strong>bres de um trabalho científico, trouxe os registros da pesquisa <strong>no</strong> campo. Pretendi<br />

colocar <strong>em</strong> <strong>que</strong>stão os pressupostos encontrados a partir do referencial da pesquisa<br />

qualitativa. Tendo como instrumento investigativo os <strong>que</strong>stionários respondidos por trinta e<br />

cinco alu<strong>no</strong>s-professores do Curso de Pedagogia da FFP/UERJ e duas <strong>na</strong>rrativas destes<br />

<strong>que</strong> apontam, através das histórias de vida, as <strong>imagens</strong> e <strong>simbolismos</strong> evocados a partir do<br />

envolvimento destes com <strong>jogo</strong>s <strong>em</strong> diferentes períodos de suas vidas, fui levada a<br />

compreender a significação dos sentidos do ato de brincar e jogar <strong>na</strong> vida pessoal e<br />

profissio<strong>na</strong>l dos sujeitos <strong>que</strong> fizeram parte da pesquisa.<br />

26


Os dados encontrados foram a<strong>na</strong>lisados e interpretados <strong>na</strong> parte intitulada<br />

Prorrogações, entendida como considerações fi<strong>na</strong>is, onde pude apreender a dimensão do<br />

imaginário do <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> contexto escolar a partir dos dados coletados da pesquisa.<br />

A vida do <strong>jogo</strong> e o <strong>jogo</strong> da vida <strong>que</strong> se apresentam a partir das próximas pági<strong>na</strong>s,<br />

tor<strong>na</strong>m-se possibilidades de um mergulho <strong>na</strong> relação <strong>jogo</strong>-educação, <strong>em</strong>ergindo <strong>no</strong>vas<br />

propostas e <strong>no</strong>vas formas de compreensão do uso do <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> contexto escolar, alertado-<strong>no</strong>s<br />

para as políticas educacio<strong>na</strong>is sobre ludicidade e para as práticas docentes <strong>que</strong> envolv<strong>em</strong><br />

atividades de brincadeiras e <strong>jogo</strong>s.<br />

Primeiro t<strong>em</strong>po<br />

27


Aula de Recreação e Jogos – FFP/UERJ – 2005<br />

Primeiro t<strong>em</strong>po<br />

_________________________________________________________________________<br />

Os estratag<strong>em</strong>as de compreensão.<br />

Paradigma da complexidade de Edgar Morin<br />

“Se a complexidade não é a chave do mundo, mas o desafio a<br />

enfrentar, o pensamento complexo não é o <strong>que</strong> evita ou suprime<br />

o desafio, mas o <strong>que</strong> ajuda a revelá-lo e , por vezes, mesmo a<br />

ultrapassá-lo”<br />

Edgar Morin ( 1990)<br />

28


é paradigma?<br />

No meio acadêmico t<strong>em</strong>os <strong>no</strong>s familiarizado com o termo “paradigma”. Mas o <strong>que</strong><br />

Algumas propostas de explicação <strong>no</strong>s r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> à idéia de horizonte metodológico,<br />

de modelo, de epist<strong>em</strong>a, ou ainda a <strong>no</strong>ções de estrutura absoluta de pressupostos, muito<br />

usada <strong>no</strong> meio científico e da qual estamos <strong>no</strong>s distanciando. Quando surge um <strong>no</strong>vo<br />

paradigma significa <strong>que</strong> o anterior a este não <strong>está</strong> dando conta da compreensão de uma<br />

dada realidade. Para Kun (2005), “após uma mudança de paradigma o cientista trabalha<br />

num mundo diferente”. ( p. 159)<br />

Pod<strong>em</strong>os então considerar <strong>que</strong> um <strong>no</strong>vo paradigma <strong>no</strong>s r<strong>em</strong>ete a uma <strong>no</strong>va forma de<br />

olhar a realidade? Seria uma <strong>no</strong>va maneira de compreender e refletir sobre determi<strong>na</strong>do<br />

contexto? Acreditando numa resposta positiva, t<strong>em</strong>os <strong>no</strong> paradigma um <strong>no</strong>rteador para a<br />

compreensão de fatos, manifestações, acontecimentos e <strong>que</strong>stio<strong>na</strong>mentos <strong>que</strong> se colocam<br />

<strong>no</strong>s <strong>no</strong>ssos fazeres cotidia<strong>no</strong>s, e neste caso <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> escolar, pois um <strong>no</strong>vo paradigma<br />

implica numa definição <strong>no</strong>va e mais rígida do campo de estudos ( Id<strong>em</strong>,p.39)<br />

O avanço do conhecimento científico (principalmente da microfísica, da química e<br />

da biologia), ao longo de décadas, t<strong>em</strong> levado à crise o paradigma domi<strong>na</strong>nte (Santos,<br />

2003) <strong>que</strong> fundamenta-se numa razão fechada, de simplificação , generalização e<br />

disjunção, negando a complexidade da ciência clássica. Este paradigma separa a realidade<br />

<strong>em</strong> fragmentos, rejeita o acaso, a desord<strong>em</strong>, o singular, a incerteza, a ambigüidade e o<br />

contraditório. Estes são termos <strong>que</strong> se apresentam <strong>no</strong> contexto da grande maioria das<br />

atividades lúdicas, principalmente <strong>no</strong>s <strong>jogo</strong>s, tor<strong>na</strong>ndo-se assim necessário compreendê-los<br />

por uma <strong>no</strong>va proposta paradigmática.<br />

Boaventura de Sousa Santos (2003) aponta como saída para a crise atual do<br />

paradigma domi<strong>na</strong>nte o aparecimento de um <strong>no</strong>vo paradigma, <strong>que</strong> não negue o anterior,<br />

mas <strong>que</strong> transforme o “olhar” do hom<strong>em</strong> para a realidade dada.<br />

O autor <strong>que</strong>stio<strong>na</strong> a representação da verdade <strong>no</strong> conhecimento científico,<br />

defendendo <strong>que</strong> todo este conhecimento é socialmente produzido. A gama de implicações<br />

da racio<strong>na</strong>lidade do paradigma domi<strong>na</strong>nte aponta um <strong>no</strong>vo paradigma, por ele de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong>do<br />

“ paradigma <strong>em</strong>ergente “, onde as ciências sociais ocupam um lugar de centralidade. Ele<br />

acredita <strong>que</strong> a concepção de conhecimento científico, <strong>que</strong> data desde o século XVI, <strong>no</strong>s<br />

deixou marcas <strong>no</strong> campo teórico <strong>que</strong>, de certo modo, ameaçam o futuro das ciências, sendo<br />

29


necessária uma reorganização deste campo fundada num <strong>no</strong>vo paradigma <strong>que</strong> tenha como<br />

preocupação o acúmulo tec<strong>no</strong>lógico do conhecimento adquirido, a superação de suas<br />

carências e um olhar para os limites do rigor científico <strong>que</strong> acabam afetando drasticamente<br />

a <strong>na</strong>tureza e o hom<strong>em</strong>.<br />

Kun (2005) infere <strong>que</strong> a estrada de uma pesquisa é extraordi<strong>na</strong>riamente árdua<br />

quando há ausência de um paradigma e, sendo o <strong>jogo</strong> uma t<strong>em</strong>ática geradora de inúmeras<br />

teorias ao longo de décadas, não poderia estar submetido a uma <strong>no</strong>va abordag<strong>em</strong>,<br />

principalmente <strong>no</strong> campo educacio<strong>na</strong>l? Não poderia ser compreendido por um <strong>no</strong>vo<br />

paradigma de interface com as ciências sociais? Não seria o <strong>jogo</strong> um conhecimento<br />

socialmente produzido e por isto passível de compreensão também a nível científico? As<br />

teorias existentes ainda não deram ao <strong>jogo</strong> um lugar relevante <strong>no</strong> contexto educacio<strong>na</strong>l,<br />

necessitando desta forma <strong>no</strong>vas visitações e <strong>no</strong>vas propostas reflexivas.<br />

Considerando <strong>que</strong> <strong>em</strong> toda e qual<strong>que</strong>r sociedade a <strong>cultura</strong> lúdica se faz presente,<br />

compreendo <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong>, enquanto prática social possibilita formas de preparar o hom<strong>em</strong><br />

para a vida e para si mesmo. Valores, conceitos, atitudes, comportamentos e sentimentos<br />

perpassam o <strong>jogo</strong> como forma de construção do sujeito enquanto ser complexo e suas<br />

relações, favorecendo aquisições importantes <strong>que</strong> o hom<strong>em</strong> carrega por toda vida.<br />

Acredito, assim, <strong>que</strong> <strong>no</strong> viés de um <strong>no</strong>vo paradigma possamos contribuir para a<br />

compreensão do uso do <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> âmbito escolar, <strong>na</strong> medida <strong>em</strong> <strong>que</strong> a partir dele se <strong>em</strong>an<strong>em</strong><br />

<strong>no</strong>vos modos de pensar o hom<strong>em</strong> e sua relação com o mundo e com seus pares,<br />

possibilitando uma <strong>no</strong>va forma de conceber a escola, seus atores e suas práticas.<br />

Para Santos (2003), o paradigma <strong>em</strong>ergente supera as distinções entre <strong>na</strong>tureza e<br />

<strong>cultura</strong>; <strong>na</strong>tural e artificial; vivo e i<strong>na</strong>nimado; mente e matéria; observador e observado;<br />

sujeito e objeto; coletivo e individual; animal e pessoa, se fazendo necessário conhecer o<br />

sentido e o conteúdo da superação de tais dicotomias. Para o autor, as ciências precisam se<br />

humanizar e a humanidade precisa se cientificizar, onde a compreensão da <strong>na</strong>tureza lúdica<br />

huma<strong>na</strong> <strong>no</strong> campo epist<strong>em</strong>ológico pode, de alguma forma, trazer algumas contribuições<br />

para esta proposta.<br />

Sendo a escola, historicamente, uma instituição de estrutura racio<strong>na</strong>l, (re)produtiva e<br />

organizativa , fica, <strong>em</strong> nível organizacio<strong>na</strong>l, submetida ao paradigma da racio<strong>na</strong>lidade não<br />

30


<strong>no</strong>s permitindo compreender as pulsões huma<strong>na</strong>s e os subterrâneos das relações dos sujeitos<br />

escolares. Surge, assim, a necessidade de se lançar sobre ela um outro olhar para uma <strong>no</strong>va<br />

compreensão, quando então, a proposta de um <strong>no</strong>vo paradigma aparece-<strong>no</strong>s apropriada.<br />

Concebendo o hom<strong>em</strong> como um ser bio-psico-sócio-<strong>cultura</strong>l, entende-se seu<br />

desenvolvimento nestes aspectos como um processo contínuo de manifestações individuais<br />

e coletivas, inseridas <strong>no</strong> contexto <strong>em</strong> <strong>que</strong> vive, estando s<strong>em</strong>pre submetido a alguma forma<br />

de educação. Neste sentido, não estariam os <strong>jogo</strong>s compreendidos netas manifestações<br />

perpassando estes aspectos da <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>? Não fariam parte da complexidade<br />

huma<strong>na</strong>? Não fariam parte do processo de educação? O pensamento complexo aspira ao<br />

conhecimento multidimensio<strong>na</strong>l, “onde a complexidade é efetivamente o tecido de<br />

acontecimentos, ações, interações, retroações, determi<strong>na</strong>ção, acasos, <strong>que</strong> constitu<strong>em</strong> o<br />

<strong>no</strong>sso mundo fe<strong>no</strong>me<strong>na</strong>l”. (Morin,2003p.20). Complexo, é, então, aquilo <strong>que</strong> é tecido<br />

junto 13 .<br />

Ao <strong>no</strong>s aproximarmos das idéias de Edgar Morin, historiador, filósofo e sociólogo<br />

francês <strong>em</strong>penhado <strong>no</strong>s desafios da pós-modernidade a ser<strong>em</strong> enfrentados por um<br />

pensamento complexo, poder<strong>em</strong>os lançar sobre o <strong>jogo</strong> um <strong>no</strong>vo olhar para além de sua<br />

compreensão <strong>no</strong> campo psicológico, filosófico e sociológico, tendo <strong>na</strong> ciência uma grande<br />

contribuição.<br />

Este pensador cont<strong>em</strong>porâneo t<strong>em</strong>, <strong>em</strong> suas obras, instigado inúmeros educadores<br />

a uma reforma de pensamento. Para ele esta reforma <strong>está</strong> associada a um (re)pensar as<br />

instituições de ensi<strong>no</strong> <strong>em</strong> todos os seus aspectos ( físico, <strong>cultura</strong>l, de relações huma<strong>na</strong>s , de<br />

papel social, e de relação com o meio) , visto <strong>que</strong> o neoliberalismo <strong>na</strong>s últimas décadas<br />

t<strong>em</strong> levado à uma fragmentação do saber , também escolar, e conseqüent<strong>em</strong>ente disjunção<br />

hom<strong>em</strong>/<strong>na</strong>tureza, sujeito/objeto , corpo/alma e existência/essência .<br />

A visão racio<strong>na</strong>lista e fechada do século XVIII desprezou os sentimentos, as<br />

<strong>em</strong>oções e a imagi<strong>na</strong>ção e fez uso de práxis educativas compartimentalizadas por meio<br />

de um conhecimento pragmático e simplificador, com excessiva discipli<strong>na</strong>rização do<br />

currículo e dos cursos.<br />

13 Trago, <strong>na</strong> abertura desta parte do trabalho, a imag<strong>em</strong> das alu<strong>na</strong>s de Pedagogia da FFP/UERJ <strong>em</strong> momentos<br />

de <strong>jogo</strong>s, <strong>em</strong> <strong>que</strong> o entrelaçamento de vossos braços r<strong>em</strong>eta o leitor ao sentido morinia<strong>no</strong> de complexo, o <strong>que</strong><br />

é tecido junto.<br />

31


A proposta de Edgar Morin para a educação do futuro, passa pela reforma de<br />

pensamento dos educadores, despertando-os para uma razão aberta capaz de reproduzir<br />

mutações e reorganizações profundas, encorajando-os a uma ética de formação do cidadão,<br />

ao uso da criatividade, da reflexão e da compreensão para entender o hom<strong>em</strong> <strong>no</strong> paradigma<br />

da complexidade envolvendo a auto-organização, o i<strong>na</strong>cabamento e o pertencimento à<br />

Terra. Para ele, a escola deve r<strong>em</strong>eter-se à ord<strong>em</strong> acolhendo a desord<strong>em</strong>, estabelecendo<br />

união, aceitando as diferenças, o singular e compartilhando-se saberes <strong>na</strong> busca de uma<br />

reorganização permanente, onde a transdiscipli<strong>na</strong>ridade envolva uma participação <strong>que</strong><br />

respeite a <strong>na</strong>tureza bio-psico-social da criança, levando-a a pensar, criar, transformar,<br />

organizar-se e ser autô<strong>no</strong>ma e dependente reciprocamente de sua <strong>cultura</strong> .<br />

Associam-se a ele, autores como Iduí<strong>na</strong> Mont’ Alverne Chaves, <strong>que</strong> propõe se<br />

“pensar a escola como um sist<strong>em</strong>a aberto às múltiplas dimensões da realidade bio-psico-<br />

sócio-<strong>cultura</strong>l “ , entendendo <strong>que</strong> :<br />

“Na Educação, estamos buscando formas opcio<strong>na</strong>is de compreensão da<br />

formação do professor, do cotidia<strong>no</strong> escolar, da prática pedagógica etc.<br />

Sentimos a necessidade de adotar uma <strong>no</strong>va forma de olhar a realidade<br />

educacio<strong>na</strong>l, de ver o mundo, o hom<strong>em</strong>, a <strong>cultura</strong>, o ensi<strong>no</strong>, a<br />

aprendizag<strong>em</strong>, através da óptica da inclusão, da lógica do “ser estar junto<br />

com” . O projeto de educação , ora vigente, não t<strong>em</strong> levado à qualidade<br />

<strong>que</strong> pretend<strong>em</strong>os para formação/preparação do hom<strong>em</strong> para o terceiro<br />

milênio”. (CHAVES, 1999, p.124)<br />

Assim, a proposta paradigmática da complexidade de Morin v<strong>em</strong> de encontro à<br />

necessidade da escola ter um <strong>no</strong>vo papel social, revendo seus saberes e fazeres através de<br />

uma mudança de sentimentos, valores, pensamentos, visão do mundo, discurso,<br />

argumentação e ação. “O paradigma da complexidade surgirá do conjunto de <strong>no</strong>vas<br />

concepções, de <strong>no</strong>vas visões, de <strong>no</strong>vas descobertas e de <strong>no</strong>vas reflexões <strong>que</strong> vão conciliar-<br />

se e juntar-se”. ( MORIN, 1990,p.112)<br />

A realidade é complexa e para a compreendermos, <strong>no</strong>sso pensamento t<strong>em</strong> <strong>que</strong><br />

seguir a mesma linha de complexidade. Não adianta tentarmos simplificá-la, pois <strong>que</strong>,<br />

assim fazendo, t<strong>em</strong>os uma <strong>no</strong>ção parcial, artificial e até mesmo tendenciosa da realidade.<br />

“É preciso ver a complexidade onde ela parece <strong>em</strong> geral ausente como, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>na</strong><br />

vida quotidia<strong>na</strong>” ( MORIN, 1990,p.83). Em pesquisa é muito importante não es<strong>que</strong>cermos<br />

este preceito, visto <strong>que</strong> <strong>no</strong>sso interesse é investigar e compreender a realidade, retratando-a<br />

32


tal como ela é percebida por nós. Desta forma, não se pode se desvencilhar de sua<br />

complexidade, não se pode tentar simplificar os processos <strong>que</strong> nela ocorr<strong>em</strong>. A<br />

complexidade é dialógica, “ é o princípio regulador <strong>que</strong> não perde de vista a realidade do<br />

tecido fe<strong>no</strong>me<strong>na</strong>l <strong>no</strong> qual <strong>no</strong>s encontramos e <strong>que</strong> constitui o <strong>no</strong>sso mundo”. ( MORIN,<br />

1990, p.152)<br />

Neste sentido, pod<strong>em</strong>os compreender o <strong>jogo</strong> como um sist<strong>em</strong>a, uma unidade <strong>que</strong><br />

faz parte da complexidade da realidade escolar. Partindo dos princípios de Morin,<br />

considero <strong>que</strong> cada realidade consiste num sist<strong>em</strong>a <strong>que</strong> é composto de relações sociais,<br />

interações, trocas simbólicas <strong>que</strong> são particulares a cada realidade <strong>em</strong> especial. Cada<br />

realidade é composta por seus próprios el<strong>em</strong>entos e suas próprias significações, de forma<br />

<strong>que</strong> <strong>no</strong>s deparamos com uma gama de diversidade intensa, constituinte de um todo <strong>que</strong>,<br />

através de uma visão superficial, se mostra homogêneo, <strong>no</strong> entanto, basta <strong>que</strong> acur<strong>em</strong>os<br />

<strong>no</strong>sso olhar para percebermos a heterogeneidade <strong>que</strong> a forma:<br />

“Ao mesmo t<strong>em</strong>po, dev<strong>em</strong>os considerar o sist<strong>em</strong>a não só como unidade<br />

global ( o <strong>que</strong> equivale pura e simplesmente a substituir a unidade<br />

el<strong>em</strong>entar e simples do reducionismo por uma macrounidade simples),<br />

mas como unitas-multiplex; também aqui estão necessariamente<br />

associados termos antagônicos. O todo é efetivamente uma macrounidade,<br />

mas as partes não estão fundidas ou confi<strong>na</strong>das nele; têm dupla identidade,<br />

identidade própria <strong>que</strong> permanece ( portanto não redutível ao todo),<br />

identidade comum, a da sua cidadania sistêmica”. ( MORIN, 1996, p.260)<br />

Uma unidade é composta por diversidades. Para <strong>que</strong> o todo seja formado como um<br />

conjunto único, uma “realidade coesa”, é necessário <strong>que</strong> haja diversidades <strong>que</strong> sejam<br />

contestadas, negociadas, interagidas pelos el<strong>em</strong>entos do sist<strong>em</strong>a. Na constituição de uma<br />

unidade, ou seja, de um sist<strong>em</strong>a – <strong>em</strong> particular, relações sociais estabelecidas <strong>em</strong> atitudes<br />

lúdicas -, as características peculiares de cada indivíduo, suas vivências, convicções e<br />

crenças se colocam <strong>em</strong> cho<strong>que</strong>. V<strong>em</strong>os então a diversidade <strong>que</strong> forma a unidade.<br />

Pode-se, então, conceber o <strong>jogo</strong> como conjunção do u<strong>no</strong> e do múltiplo -unitas<br />

multiplex- (MORIN, 1990, p.18), <strong>que</strong> unifica abstratamente s<strong>em</strong> anular a diversidade, ou,<br />

33


pelo contrario, justapõe a diversidade s<strong>em</strong> conceber a unidade, tor<strong>na</strong>ndo-se um sist<strong>em</strong>a<br />

aberto 14<br />

O ato de jogar envolve ord<strong>em</strong> (a obediência às regras estabelecidas pelos<br />

participantes), desord<strong>em</strong> ( a tática e as adaptações técnicas dependentes de uma situação<br />

própria do <strong>jogo</strong>), a interação entre os participantes ( quanto maior , melhor o resultado do<br />

<strong>jogo</strong>) e a reorganização ( um <strong>jogo</strong> nunca é igual ao outro, ele t<strong>em</strong> t<strong>em</strong>po e espaços próprios<br />

exigindo a cada instante um <strong>no</strong>vo modo de agir). T<strong>em</strong>-se, assim, o tetragrama de Edgar<br />

Morin (1996,p.204).<br />

Desord<strong>em</strong><br />

Interações<br />

Organização Ord<strong>em</strong><br />

Uma fórmula paradigmática <strong>que</strong> <strong>no</strong>s permite conceber o <strong>jogo</strong> de formações e<br />

transformações <strong>na</strong> complexidade do próprio ato de jogar.<br />

Na atividade lúdica cada termo do tetragrama precisa do outro para se constituir.<br />

São concorrentes, inseparáveis, compl<strong>em</strong>entares e antagônicos, estabelecendo o “ princípio<br />

dialógico” de Edgar Morin(1996) .<br />

O <strong>jogo</strong> aparece, assim, tal qual o conceito de sist<strong>em</strong>a deste autor, onde a relação<br />

todo-partes (o <strong>jogo</strong> <strong>em</strong> si e seus participantes) depende de interações e organizações. A<br />

organização do <strong>jogo</strong> é o conjunto das interações nele ocorridas, assim como a organização<br />

de um sist<strong>em</strong>a é o conjunto de suas interações, onde se concebe a organização como uma<br />

reorganização permanente do sist<strong>em</strong>a <strong>que</strong> tende a desorganizar-se. Como cita Edgar Morin,<br />

“ trata-se de uma organização auto-ge<strong>no</strong>-fe<strong>no</strong>-reorganizadora” (Id<strong>em</strong> , p.266)<br />

A organização deste paradigma não substitui a ord<strong>em</strong>, mas a associa e a introduz<br />

simultaneamente com a desord<strong>em</strong>, pois a organização cria a ord<strong>em</strong> e também a desord<strong>em</strong>,<br />

14 Ver teoria dos sist<strong>em</strong>as <strong>em</strong> Morin, 1990.<br />

34


onde o determinismo sistêmico pode ser flexível, comportar suas zo<strong>na</strong>s de aleatoriedade, de<br />

<strong>jogo</strong>, de liberdade (Id<strong>em</strong>, p.267).<br />

Não há <strong>jogo</strong> s<strong>em</strong> aleatoriedade, os fatores ditos como sorte ou azar estão s<strong>em</strong>pre<br />

presentes, a incerteza do placar <strong>está</strong> s<strong>em</strong>pre por vir. Por melhor <strong>que</strong> seja a técnica e a tática<br />

de um <strong>jogo</strong>, a liberdade do jogador ganha espaço, o <strong>que</strong> tor<strong>na</strong> imprevisível cada jogada<br />

onde o rendimento do <strong>jogo</strong> depende diretamente das interações entre seus participantes. O<br />

pensamento complexo integra o pensamento simplificador, e com todas as regras<br />

estabelecidas <strong>no</strong> <strong>jogo</strong> t<strong>em</strong>os as incertezas como formas de (re)organização. A cada<br />

momento <strong>que</strong> algo desestrutura a equipe (o sist<strong>em</strong>a) o técnico ou mesmo os jogadores<br />

necessitam de t<strong>em</strong>po para buscar a reorganização, uma retroação estabelecida <strong>no</strong> retor<strong>no</strong> ao<br />

ato/<strong>jogo</strong> “ retroagindo sobre a causa e tor<strong>na</strong>ndo-se causal” (Id<strong>em</strong> , p.312), e, <strong>no</strong> entanto,<br />

reguladora da (re)organização do <strong>jogo</strong>. O acaso (sorte) conduz a uma estratégia e as táticas<br />

<strong>que</strong> são estabelecidas <strong>no</strong> ato de jogar. “A estratégia pode modificar o roteiro de ações<br />

previstas, <strong>em</strong> função das <strong>no</strong>vas informações <strong>que</strong> chegam pelo caminho <strong>que</strong> ela pode<br />

inventar” (Id<strong>em</strong>, p. 220) .<br />

Todos os jogadores se utilizam de estratégias mais ou me<strong>no</strong>s refi<strong>na</strong>das, <strong>no</strong> <strong>que</strong><br />

acompanhamos o pensamento de Morin:<br />

“...imagi<strong>na</strong>mos <strong>no</strong>ssas ações <strong>em</strong> função das certezas (ord<strong>em</strong>), das<br />

incertezas (desord<strong>em</strong> e eventualidades) e das <strong>no</strong>ssas aptidões para<br />

organizar o pensamento (estratégias cognitivas, roteiro da ação) e agimos<br />

modificando , eventualmente, <strong>no</strong>ssas decisões ou caminhos <strong>em</strong> função das<br />

informações <strong>que</strong> surg<strong>em</strong> durante o processo . A ação, vamos pensar nisso,<br />

só é possível se houver ord<strong>em</strong>, desord<strong>em</strong> e organização. Ord<strong>em</strong> d<strong>em</strong>ais<br />

asfixia a possibilidade de ação. Desord<strong>em</strong> d<strong>em</strong>ais transforma a ação <strong>em</strong><br />

t<strong>em</strong>pestade e ela passa a ser uma aposta ao acaso”. (1996, p.220).<br />

As atitudes num <strong>jogo</strong> são tecidas com o fio do acaso misturado ao fio da<br />

necessidade. As atividades lúdicas, a brincadeira e os <strong>jogo</strong>s são movimentos de associação<br />

entre o todo (o <strong>jogo</strong> <strong>em</strong> si) e as partes (os jogadores), sendo impossível conhecer os<br />

jogadores (partes) s<strong>em</strong> conhecer o <strong>jogo</strong> (todo), como conhecer o <strong>jogo</strong> (todo) s<strong>em</strong> conhecer<br />

particularmente os jogadores (partes) (Id<strong>em</strong>, p. 259), formando-se, assim, um circuito ativo<br />

( a duração de uma atividade ), onde se concebe <strong>que</strong> a diversidade organiza a unidade, <strong>que</strong><br />

organiza a diversidade (Id<strong>em</strong>, p.261).<br />

35


Para Edgar Morin (1996), o caráter complexo das relações todo/partes, o princípio<br />

unitas-multiplex, é assim formulado:<br />

- “o todo é mais do <strong>que</strong> a soma das partes” (o <strong>jogo</strong> enquanto macro-unidade)<br />

- “o todo é me<strong>no</strong>s do <strong>que</strong> a soma das partes” (se os jogadores não interagir<strong>em</strong> o objetivo<br />

do <strong>jogo</strong> se perde)<br />

- “o todo é mais do <strong>que</strong> o todo” (o <strong>jogo</strong> retroage sobre os jogadores <strong>que</strong>, por sua vez,<br />

retroag<strong>em</strong> sobre o <strong>jogo</strong> num di<strong>na</strong>mismo organizacio<strong>na</strong>l)<br />

O paradigma da complexidadde como referencial de compreensão das funções do<br />

<strong>jogo</strong>, das relações nele estabelecidas e da construção dos sujeitos, é de fundamental<br />

importância para compreensão do valor da ludicidade <strong>no</strong> espaço escolar. Através do<br />

entendimento das operações <strong>que</strong> envolv<strong>em</strong> as atividades lúdicas, da sua relevância <strong>na</strong><br />

formação da perso<strong>na</strong>lidade dos indivíduos, <strong>na</strong> socialização e <strong>na</strong>s manifestações <strong>cultura</strong>is<br />

nelas contidas, pod<strong>em</strong>os dar-lhes o lugar de desta<strong>que</strong> <strong>no</strong> processo ensi<strong>no</strong>-aprendizag<strong>em</strong>.<br />

As brincadeiras e os <strong>jogo</strong>s são fundamentais para as crianças, pois envolv<strong>em</strong> um<br />

trabalho de elaboração e de ação, possibilitando as relações interpessoais, uma relação com<br />

o vivido e a transgressão do real, o “lugar sagrado” de Huizinga (2004) e o mimicry de<br />

Caillois (1990). Exige também, o vínculo às regras estabelecidas e a possibilidade de<br />

recombi<strong>na</strong>ções criativas das experiências, assim como a apropriação e troca de códigos<br />

<strong>cultura</strong>is. É uma mistura de realidade e fantasia <strong>em</strong> <strong>que</strong> o cotidia<strong>no</strong> toma outra aparência<br />

adquirindo um <strong>no</strong>vo significado. O pensamento complexo <strong>no</strong>s leva a compreensão deste<br />

processo lúdico onde <strong>está</strong> presente uma rede de interações tecida com encontros,<br />

turbulências, determi<strong>na</strong>ções, associações, combi<strong>na</strong>ções, certezas e incertezas, ord<strong>em</strong> e<br />

desord<strong>em</strong>.<br />

A criança <strong>em</strong> contato com estas experimentações de forma lúdica vai criando a<br />

possibilidade de construção de seus modos de pensar, agir e sentir o mundo. Desta forma,<br />

o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong>sce <strong>na</strong> <strong>cultura</strong> como <strong>no</strong>s propõe Brougère (1998).<br />

Pensando a escola como um sist<strong>em</strong>a aberto às múltiplas dimensões da realidade do<br />

educando, poderá o <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> paradigma da complexidade, ser compreendido como objeto<br />

transdiscipli<strong>na</strong>r por<strong>que</strong> faz parte da auto-formação do indivíduo, conduzindo-o ao aprender<br />

a aprender, desta forma circulando <strong>no</strong> processo ensi<strong>no</strong>-aprendizag<strong>em</strong>.<br />

36


“Com efeito, a <strong>na</strong>tureza interactiva do brincar das crianças constitui-se<br />

como um dos primeiros el<strong>em</strong>entos fundacio<strong>na</strong>is das <strong>cultura</strong>s da infância. O<br />

brincar é a condição da aprendizag<strong>em</strong> e, desde logo, da aprendizag<strong>em</strong> da<br />

sociabilidade”. (SARMENTO IN: CERISARA, 2004, p.9).<br />

As propostas de articulação das discipli<strong>na</strong>s, a transversalidade, ou como <strong>no</strong>s coloca<br />

Edgar Morin (1996) a “ inter-trans-poli-discipli<strong>na</strong>ridade” , possibilitando o livre trânsito<br />

entre os saberes e a criação de outros espaços /t<strong>em</strong>pos de conhecimento, <strong>no</strong>s levam ao<br />

rompimento das fronteiras discipli<strong>na</strong>res e a criação de redes de relações , de intercâmbio de<br />

saberes de comunicação e de conhecimento <strong>que</strong> permit<strong>em</strong> aos professores/educadores<br />

buscar<strong>em</strong> alter<strong>na</strong>tivas criativas de ações metodológicas <strong>em</strong> suas práxis escolares, e estes<br />

acabam por inúmeras vezes recorrendo à <strong>jogo</strong>s educativos.<br />

Cada vez mais a pedagogia e suas matrizes <strong>no</strong>s levam, movidos pela curiosidade<br />

epist<strong>em</strong>ológica, a criar possibilidades para produção e (re)construção do conhecimento <strong>no</strong><br />

campo da educação/ludicidade .<br />

Socioantropologia: o <strong>jogo</strong> como prática do cotidia<strong>no</strong>.<br />

“ É possível compreender a vida social, e, se for, de <strong>que</strong> modo? ”<br />

Michel Maffesoli (1998)<br />

O sociólogo francês cont<strong>em</strong>porâneo Michel Maffesoli t<strong>em</strong> se mostrado um<br />

pensador inquieto com as <strong>que</strong>stões comportamentais do hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> sociedade. Seus<br />

estudos já abrang<strong>em</strong> países como o Brasil, e, com um olhar atento e livre de dogmatismos,<br />

este autor se lança à projetos explicativos sobre a sociedade brasileira. Em constante<br />

diálogo sobre a pós-modernidade com pensadores <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, Maffesoli visitou diversas<br />

vezes o Brasil revelando ter por este país um profundo apreço. Passou por São Paulo, Rio<br />

37


de Janeiro, Recife, Fortaleza e outras cidades fundamentando-se <strong>na</strong> t<strong>em</strong>ática sobre a<br />

violência cotidia<strong>na</strong>. Em outubro de 1996, durante a S<strong>em</strong>a<strong>na</strong> do Pensamento Francês<br />

realizada <strong>no</strong> Rio de Janeiro, quando lançou sua obra No fundo das aparências 15 , formou<br />

um grupo de estudos com Jean Baudrillard e Edgar Morin cujo objetivo pautava-se <strong>na</strong><br />

busca de soluções para os desafios da pós-modernidade, sobretudo, focando as formas de<br />

manifestações e de relações sociais, chamadas por ele de tribalismos. Em entrevista ao<br />

Jor<strong>na</strong>l do Brasil, cader<strong>no</strong> B de 11 de outubro de 1996, ( In DaCosta, 1997) Michel<br />

Maffesoli afirma <strong>que</strong> “ A pós-modernidade escapa ao racio<strong>na</strong>lismo de muitos autores . Os<br />

mega-shows de música e os <strong>jogo</strong>s de futebol e outros esportes mostram <strong>que</strong> a paixão e o<br />

afeto estão <strong>em</strong> primeiro pla<strong>no</strong>, <strong>em</strong> muitas manifestações sociais hoje”(p.10) apontando<br />

<strong>que</strong> o pós-moder<strong>no</strong> t<strong>em</strong> perfil <strong>em</strong>ocio<strong>na</strong>l.<br />

Cientista social, catedrático de Sorbonne (Paris V), seguidor de Gilbert Durand,<br />

do qual foi alu<strong>no</strong>, Maffesoli se aventura <strong>na</strong>s entranhas das sociedades cont<strong>em</strong>porâneas<br />

tentando compreender o amálgama e a efervescência das relações sociais. Sua perspectiva<br />

epist<strong>em</strong>ológica aponta uma <strong>cultura</strong> dos sentimentos baseada <strong>na</strong> <strong>em</strong>oção, <strong>no</strong>s afetos, <strong>no</strong><br />

estar-junto, <strong>no</strong>s prazeres das relações e numa socialidade para além dos valores racio<strong>na</strong>is,<br />

indo de encontro a uma <strong>cultura</strong> baseada <strong>em</strong> relações táteis, <strong>em</strong> formas coletivas de <strong>em</strong>patia<br />

<strong>que</strong> se inscrev<strong>em</strong> <strong>no</strong> presente vivido coletivamente.<br />

Conhecido <strong>na</strong> pós-modernidade como sociólogo da orgia social, Michel Maffesoli<br />

privilegia <strong>em</strong> suas obras os gestos mais ba<strong>na</strong>is, o viver cotidia<strong>no</strong>, as festas, os ritos, os<br />

<strong>jogo</strong>s, as associações, os grupamentos <strong>que</strong> ele de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong> de tribos 16 . O olhar de Maffesoli<br />

se volta para uma realidade mais do <strong>que</strong> qual<strong>que</strong>r teoria <strong>que</strong> dela tente dar conta. Seu foco<br />

recai para uma estética social, compreendida <strong>no</strong> sentido da “<strong>em</strong>patia, do desejo<br />

comunitário, da <strong>em</strong>oção ou da vibração <strong>em</strong> comum” (MAFFESOLI, 1995, p. 11), ligação<br />

entre o presente, o cotidia<strong>no</strong> e o imaginário. Os múltiplos e complexos gestos do cotidia<strong>no</strong>,<br />

o movimento da vida <strong>em</strong> sociedade, traça, <strong>na</strong> visão de Maffesoli, o trajeto antropológico<br />

do hom<strong>em</strong>, t<strong>em</strong>a-força de suas grandes obras.<br />

A perspectiva fe<strong>no</strong>me<strong>no</strong>lógica de Michel Maffesoli pretende dar conta do<br />

hedonismo do cotidia<strong>no</strong> <strong>que</strong> perpassa a vida, <strong>que</strong> permite compreendê-la <strong>em</strong> toda sua<br />

15 Maffesoli, No fundo das Aparências, 1999<br />

16 A este respeito consultar a obra “ O t<strong>em</strong>po das tribos” , MAFFESOLI, 1987<br />

38


concretude, seus antagonismos, heterogeneidades, paradoxos, sua dinâmica de contradições<br />

e suas ações plurais <strong>que</strong> acabam por integrar o <strong>que</strong> o autor chama de centralidade<br />

subterrânea das ações sociais, ou lado sombra, cuja inquietude carrega a <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ática de<br />

Dionísio 17 .<br />

Para o autor, o desafio cotidia<strong>no</strong> é o reencantamento do mundo a partir de sua<br />

latência social, o <strong>que</strong> ele de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong> de socialidade . “ Cumpre-<strong>no</strong>s voltar os olhos para<br />

esta vida de todo dia <strong>que</strong>, de modo caótico e aleatório, <strong>no</strong> tédio e <strong>na</strong> exuberância,<br />

prossegue seu caminho de modo obsti<strong>na</strong>do e um tanto incompreensível” ( MAFESSOLI,<br />

1984, p.11), o <strong>que</strong> significa mostrar como a vida cotidia<strong>na</strong> se exprime de forma<br />

fragmentada e totalmente plural, identificando as pistas <strong>que</strong> ela <strong>no</strong>s abre e as várias<br />

máscaras com as quais se ador<strong>na</strong> para prosseguir . Por trás de uma invariante de atitudes,<br />

fruto de uma visão da técnico-estrutura cont<strong>em</strong>porânea, de uma representação homogênea<br />

e globalizante do dado social, existe uma socialidade multiforme, subterrânea e te<strong>na</strong>z, uma<br />

vontade de viver a plenitude de toda existência individual e social. Constata o autor <strong>que</strong> a<br />

centralidade subterrânea implica <strong>em</strong> apreender o social por uma sociologia específica, <strong>que</strong><br />

perceba o <strong>que</strong> <strong>está</strong> ‘por dentro’ dos fatos sociais, sejam eles significativos ou simplesmente<br />

ba<strong>na</strong>is. O observador precisa ir ao âmago das aparências apreendendo o subjacente a partir<br />

das aparências expressas <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong>. A ênfase dada a centralidade subterrânea surge<br />

como constituinte da socialidade e diz respeito a clandestinidade, a<strong>que</strong>les pe<strong>que</strong><strong>no</strong>s fatos<br />

aparent<strong>em</strong>ente s<strong>em</strong> importância, mas <strong>que</strong> têm valor <strong>em</strong> si próprios, e <strong>que</strong> para percebê-los<br />

deve-se estar atento ao instante, ao presente. Não estariam os <strong>jogo</strong>s circunscritos nesta<br />

centralidade subterrânea? Não seriam os <strong>jogo</strong>s facilitadores e reveladores de vivências<br />

cotidia<strong>na</strong>s? Não fariam eles parte da efervescente dinâmica social? Ocupariam os <strong>jogo</strong>s o<br />

‘lado sombra’ das relações huma<strong>na</strong>s? São estes <strong>que</strong>stio<strong>na</strong>mentos <strong>que</strong> me induz<strong>em</strong> a<br />

pesquisar o papel do <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> meio educativo, principalmente <strong>na</strong> formação de professores,<br />

buscando o lugar <strong>que</strong> ocupa <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> escolar, ou sob o olhar de Maffesoli,<br />

17 Dionísio é o deus grego equivalente a Baco <strong>no</strong> panteão roma<strong>no</strong>, deus das festas, do vinho e do lazer. Filho<br />

de Zeus e da princesa S<strong>em</strong>ele, é o único deus filho de uma mortal. Passou parte de sua gestação <strong>na</strong> coxa de<br />

seu pai, pois sua mãe morreu antes de ele <strong>na</strong>scer. As ninfas cuidam de Dionísio durante a infância e, ao se<br />

tor<strong>na</strong>r hom<strong>em</strong>, ele se apaixo<strong>na</strong> pela <strong>cultura</strong> da uva e descobre a arte de extrair o suco da fruta (BRANDÂO,<br />

1991)<br />

39


compreender a socialidade vivida <strong>no</strong> interior das escolas por meio das atividades lúdicas. É<br />

o cotidia<strong>no</strong> <strong>na</strong> sua dinâmica, <strong>na</strong> sua poliss<strong>em</strong>ia, <strong>na</strong> sua pluralidade, <strong>na</strong> sua contraditoriedade<br />

<strong>que</strong> deve ser apreendido por meio da sensibilidade do pesquisador, onde a sociologia<br />

compreensiva de Michel Maffesoli poderá dar conta de tantos <strong>que</strong>stio<strong>na</strong>mentos.<br />

Para Maffesoli,(1984) o essencial da trama social <strong>está</strong> <strong>na</strong> atenção aos pe<strong>que</strong><strong>no</strong>s<br />

fatos da vida cotidia<strong>na</strong>, assim como <strong>no</strong> reconhecimento dos microagrupamentos (família,<br />

associações, partidos, escolas, etc...) como reveladores desta trama de relações. A proposta<br />

de uma sociologia compreensiva, objetivando o cruzamento do social com o individual,<br />

tende a se desenvolver ocupando lugar <strong>no</strong> debate científico. Ao lado do devir racio<strong>na</strong>l da<br />

civilização existe o minúsculo, os <strong>na</strong>das, carregados de intensidade <strong>que</strong> jorram da própria<br />

textura (Id<strong>em</strong>, p.153) do <strong>que</strong> constitui o cotidia<strong>no</strong> e perfaz toda a existência. O princípio<br />

lógico não conduz a apreensão do heterogêneo, “essa tendência <strong>que</strong> representa uma<br />

constante <strong>na</strong> tradição ocidental conduziu ao desenvolvimento de um pensamento<br />

estritamente científico, operando sobre o geral e deixando de lado todas as variações<br />

individuais <strong>que</strong>, por fim, constitu<strong>em</strong> a harmonia social”.(Id<strong>em</strong>, p.152). Desta forma, a<br />

análise do cotidia<strong>no</strong> necessita de uma abordag<strong>em</strong> fe<strong>no</strong>me<strong>no</strong>lógica <strong>que</strong> deixe transparecer<br />

esses <strong>na</strong>das, mesmo quando ape<strong>na</strong>s os indica.<br />

A proposta metodológica de Maffesoli, intercruzada com o pensamento complexo<br />

de Edgar Morin, poderão <strong>no</strong>s conduzir a compreensão do ato social, da socialidade presente<br />

dentro e fora da escola, <strong>em</strong> suma, presente <strong>na</strong> vida dos <strong>jogo</strong>s, <strong>na</strong> vida de todo dia, de todos<br />

os lugares.<br />

No cruzamento das ações cotidia<strong>na</strong>s, <strong>na</strong> multiplicidade de si<strong>na</strong>is, valores, condutas,<br />

sentimentos, atos espontâneos e formas de convivência poder<strong>em</strong>os alicerçar os<br />

pressupostos deste trabalho <strong>na</strong> busca dos sentidos do ato de jogar, pois “ o lúdico, é uma<br />

maneira de dizer a sociedade, é uma maneira <strong>que</strong> t<strong>em</strong> a sociedade de se dizer”<br />

(MAFFESOLI, 1984, p.145) .<br />

Com olhar de cont<strong>em</strong>plador do mundo, Maffesoli observa <strong>que</strong> o movimento da<br />

trama social se dá por conta de uma energia irreprimível <strong>que</strong> garante seu equilíbrio,<br />

fundamentando-se <strong>no</strong> desejo de viver o presente, <strong>na</strong> aceitação do desti<strong>no</strong>, <strong>no</strong> instinto do<br />

coletivo e <strong>na</strong> dimensão do fantástico compreendidos <strong>na</strong> esfera imagi<strong>na</strong>tiva. Propõe o autor<br />

<strong>que</strong> se valorize a formas anódi<strong>na</strong>s, aparent<strong>em</strong>ente insignificantes de se viver o dia-a-dia<br />

40


para a compreensão da estrutura do corpo social, alertando para uma estreita relação entre o<br />

sonho e o pensamento, apontando <strong>que</strong> o primeiro, enquanto faculdade onírica, fica<br />

subjugado a um pla<strong>no</strong> inferior <strong>em</strong> <strong>no</strong>ssa sociedade <strong>no</strong>s levando a crer <strong>que</strong>, <strong>em</strong>bora a força<br />

da imagi<strong>na</strong>ção ocupe um papel importante <strong>na</strong> estruturação da vida coletiva, a ela é atribuída<br />

pouca relevância, principalmente <strong>no</strong> contexto educativo. Para o autor, <strong>na</strong> constante história<br />

da humanidade “os poderes dorm<strong>em</strong> <strong>em</strong> paz, enquanto ninguém pode mais, não sabe mais<br />

ou não ousa mais sonhar” (MAFFESOLI, 1995, p.11). Entendendo o ato de jogar como um<br />

ato de realização de sonhos e fantasias, portanto pertencente à faculdade onírica dos<br />

homens, cabe-<strong>no</strong>s compreendê-lo pela ótica maffesolia<strong>na</strong>, <strong>que</strong> mergulha <strong>na</strong> teia das<br />

manifestações cotidia<strong>na</strong>s <strong>em</strong> busca do fantástico, do efervescente, das ba<strong>na</strong>lidades <strong>que</strong> dão<br />

o tom das relações entre os homens <strong>em</strong> sociedade.<br />

A parte imagi<strong>na</strong>tiva de uma sociedade, segundo Michel Maffesoli, s<strong>em</strong>pre agiu<br />

poderosamente <strong>em</strong> todo lugar sobre os homens, cabendo assim aos investigadores,<br />

cientistas sociais, explorar este vasto domínio do imaginário vivido <strong>no</strong> seio da vida<br />

corrente, mesmo contra as resistências <strong>que</strong> se post<strong>em</strong> frente a este <strong>em</strong>penho. Isto não se<br />

circunscreve <strong>na</strong> órbita do irracio<strong>na</strong>l, mas sim do não-lógico, não-racio<strong>na</strong>l, cuja pregnância<br />

social não pode ser negada. A intenção do autor não é a de produzir ou de revelar verdades<br />

quanto aos desafiadores probl<strong>em</strong>as sociais, mas, sobretudo, “colocar os probl<strong>em</strong>as, mais<br />

do <strong>que</strong> lhes dar soluções” (Id<strong>em</strong>, p.12), não se concluindo jamais as análises <strong>que</strong> se façam,<br />

pois o investigador social é s<strong>em</strong>pre tributário de sua época e do foco <strong>que</strong> atribui as suas<br />

investigações, por isso o objeto do estudo <strong>no</strong> campo social não é jamais explicável <strong>em</strong> sua<br />

totalidade, pois têm nuances próprias e é dependente das características <strong>que</strong> lhe atribu<strong>em</strong> <strong>no</strong><br />

processo investigativo. Direcio<strong>na</strong>r o foco para o imaginário, para o sonho, para os atos<br />

complexos, ba<strong>na</strong>is e corri<strong>que</strong>iros do cotidia<strong>no</strong>, é, s<strong>em</strong> dúvida, um desafio investigativo <strong>que</strong><br />

me proponho a seguir, acompanhada das grandes idéias trazidas por Edgar Morin e Michel<br />

Maffesoli.<br />

Para Maffesoli (1995), numa sociedade pautada <strong>em</strong> valores cartezia<strong>no</strong>s e<br />

racio<strong>na</strong>listas, esta linha de investigação do comunitarismo, do cotidia<strong>no</strong>, do localismo, do<br />

presente e das ba<strong>na</strong>lidades da vida e certamente do imaginário, não gozam de muito<br />

prestígio acadêmico, mas para o autor “ a saturação dos valores da modernidade tende a<br />

dar lugar a valores alter<strong>na</strong>tivos, de contor<strong>no</strong>s ainda imprecisos , mas cuja eficácia não se<br />

41


pode negar” ( id<strong>em</strong>, p.15). Neste sentido, Maffesoli alerta para a ‘intuição’ do<br />

pesquisador, <strong>que</strong>, antes de mais <strong>na</strong>da , deve ser entendido como um ‘farejador social’.<br />

“ Isto é, alguém <strong>que</strong> saiba reconhecer <strong>que</strong>, <strong>no</strong> devir cíclico das histórias<br />

huma<strong>na</strong>s, o instituinte, aquilo <strong>que</strong> periodicamente (re)<strong>na</strong>sce, nunca <strong>está</strong> <strong>em</strong><br />

perfeita adequação com o instituído, com as instituições, sejam elas quais<br />

for<strong>em</strong>, <strong>que</strong> s<strong>em</strong>pre são algo mortíferas. De certa forma, a intuição como<br />

forma de antecipação”. ( MAFFESOLI, 1998,p.131)<br />

A proposta de uma abordag<strong>em</strong> compreensiva abre espaço para a intuição,<br />

considerando a dimensão sensível da existência huma<strong>na</strong> e cria a possibilidade de<br />

entendimento entre as relações do instituído com o instituinte.<br />

A modernidade foi marcada por um ideal d<strong>em</strong>ocrático e a pós-modernidade tende a<br />

substituí-lo pelo ideal comunitário, <strong>que</strong> <strong>em</strong> estado re-<strong>na</strong>scente é elaborado <strong>na</strong> dor e <strong>na</strong><br />

incerteza, <strong>na</strong> alegria e <strong>na</strong> tristeza dando sentido a el<strong>em</strong>entos arcaicos soterrados pela<br />

racio<strong>na</strong>lização do mundo onde se apresentam materializados pelas tribos, festas, ritos,<br />

efervescências sociais <strong>que</strong> afloram para o b<strong>em</strong> ou para o mal ( Maffesoli, 1995). Sendo<br />

assim, surge algo de transe arcaico <strong>que</strong> t<strong>em</strong> por função resgatar e reforçar o estar-junto dos<br />

<strong>que</strong> partilham dos mesmos mistérios, expressos <strong>na</strong>s manifestações desportivas, festivais,<br />

shows e eventos <strong>que</strong> permeiam a vida social. Com isto o autor <strong>que</strong>r dizer <strong>que</strong>:<br />

“ o vínculo social não é mais unicamente contratual, racio<strong>na</strong>l,<br />

simplesmente utilitário ou funcio<strong>na</strong>l, mas <strong>que</strong> integra uma boa parte de<br />

não-racio<strong>na</strong>l, de não-lógico, e exprime isso <strong>em</strong> efervescências de toda<br />

ord<strong>em</strong> <strong>que</strong> pod<strong>em</strong> ser ritualizadas ( esporte, música, canto) ou, de modo<br />

mais geral, são espontâneas.” ( MAFFESOLI, 1998,p. 136)<br />

O ideal comunitário, carregado de afetos dos <strong>que</strong> o partilham, revela-se <strong>em</strong> forma de<br />

solidariedade, generosidade e cumplicidade <strong>que</strong> são el<strong>em</strong>entos importantes da socialidade<br />

de base, onde se busca viver uma forma de estar-junto para a realização de uma sociedade,<br />

não necessariamente perfeita <strong>no</strong> porvir, mas <strong>que</strong> preza o hedonismo do presente.<br />

Sendo o <strong>jogo</strong> uma das atitudes do hom<strong>em</strong> <strong>que</strong> se vincula ao prazer, a satisfação de<br />

estar-junto, ao companheirismo, aos antagonismos (competição), as compl<strong>em</strong>entaridades<br />

(equipes), faz-se presente cotidia<strong>na</strong>mente, sobretudo entre crianças, levando-<strong>no</strong>s <strong>no</strong> campo<br />

da educação a investigá-lo com um olhar sensível, capaz de compreendê-lo como<br />

fenôme<strong>no</strong> social e <strong>cultura</strong>l onde o brincar/jogar faz parte do aprendizado dos indivíduos,<br />

42


levando-os a vivenciar <strong>em</strong>oções e situações próprias da <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>. Os sentidos do<br />

ato de jogar extrapolam a racio<strong>na</strong>lidade com <strong>que</strong> a escola tenta lhes impor, ou seja, como<br />

atividade recreativa e compensadora das d<strong>em</strong>ais discipli<strong>na</strong>s, parte do instituído. O <strong>jogo</strong><br />

também se inscreve <strong>na</strong> esfera do não-racio<strong>na</strong>l, não lógico, do desejo huma<strong>no</strong>, do latente, do<br />

instituinte, mas n<strong>em</strong> por isso deixa de ser importante <strong>no</strong> processo de formação do hom<strong>em</strong>.<br />

Para Maffesoli, a sensibilidade <strong>que</strong> sustenta as diferentes ações do hom<strong>em</strong> pertence<br />

a “ <strong>cultura</strong> do sentimento” <strong>que</strong> <strong>no</strong>s coloca diante de um “mundo imagi<strong>na</strong>l ”, entendido<br />

como um conjunto complexo <strong>no</strong> qual as diversas manifestações da imag<strong>em</strong>, do imaginário,<br />

do simbólico, do <strong>jogo</strong> das aparências ocupam, <strong>em</strong> todos os domínios, um lugar primordial<br />

(MAFFESOLI, 1995, p.17). O <strong>jogo</strong> perpassa o imaginário, o simbólico, os mitos e outras<br />

instâncias do mundo imagi<strong>na</strong>l, sendo assim, é passível de compreensão e cont<strong>em</strong>plação<br />

com um olhar guiado pela sensibilidade.<br />

A proposta do autor, sobretudo <strong>na</strong> obra “A cont<strong>em</strong>plação do mundo” 18 , é<br />

compreender o ideal comunitário pautando-se <strong>no</strong>s conceitos de estilo e imag<strong>em</strong>. O<br />

primeiro r<strong>em</strong>ete-se aquilo <strong>que</strong> define uma época, aquilo <strong>que</strong> indica um t<strong>em</strong>po traçando um<br />

quadro onde se exprime a vida social <strong>em</strong> dado momento. É por meio de determi<strong>na</strong>ção do<br />

estilo de vida de uma época, de uma sociedade ou de um grupo, <strong>que</strong> se atinge o<br />

conhecimento da socialidade, vista pelo autor como a alma da coletividade. A<br />

efervescência própria de cada grupo <strong>em</strong> sociedade acaba por determi<strong>na</strong>r o seu estilo. Nas<br />

concepções sócio-históricas sobre <strong>jogo</strong>s percebe-se o tom dado a esta prática lúdica <strong>em</strong><br />

função dos estilos sociais <strong>em</strong> diferentes épocas e sociedades, passando de atividade <strong>na</strong>tural<br />

a um utilitarismo seja <strong>em</strong> nível científico ou educacio<strong>na</strong>l 19 . Quanto à imag<strong>em</strong>,<br />

Maffesoli compreende <strong>que</strong> esta se toma como religante, surgindo ilustrada como ‘objeto’,<br />

objeto <strong>que</strong> não isola, mas <strong>que</strong> é vetor de comunhão - objeto imajado - (1995 p.18). A<br />

imag<strong>em</strong>, enquanto sig<strong>no</strong> transfigurador, pode conduzir o imaginário provocando uma<br />

projeção <strong>na</strong> realidade, expressando assim, sob múltiplas formas, o viver cotidia<strong>no</strong>. O poder<br />

das <strong>imagens</strong> permite a vivência dos sentidos sociais. “ A sensibilidade fe<strong>no</strong>me<strong>no</strong>lógica ou a<br />

perspectiva imagi<strong>na</strong>l permite, por um lado, estar-se atento aos objetos e/ou aos eventos por<br />

si mesmos, <strong>em</strong> toda sua concretude, sua presença e sua dinâmica própria”. (MAFESSOLI,<br />

18 Maffesoli, A cont<strong>em</strong>plação do mundo, 1995<br />

19 A este respeito ver o Capítulo 2 deste trabalho.<br />

43


1995, p.95). A imag<strong>em</strong> faz participar, sentir <strong>em</strong> comum, o <strong>que</strong> caracteriza o estilo estético<br />

<strong>que</strong> religa os indivíduos pelo poder do imaginário social.<br />

Na concepção de Maffesoli, o estilo, sendo revelador da complexidade social, pois é<br />

a cristalização de uma época <strong>em</strong> <strong>que</strong> se vive, manifesta-se <strong>na</strong>s artes, <strong>no</strong> comércio, <strong>na</strong><br />

produção de bens e mesmo <strong>na</strong>s relações sociais caracterizando os valores da sociedade e<br />

sua época. Admite o autor <strong>que</strong> o estilo carrega um princípio de unidade, um processo de<br />

interação das diferentes instâncias (arte, política, eco<strong>no</strong>mia, educação, esporte). O estilo<br />

projeta o pensamento e o sentimento do coletivo partilhado por uma mesma <strong>cultura</strong> durante<br />

um período.<br />

“ Em certos momentos, e este foi o caso das sociedades tradicio<strong>na</strong>is,<br />

predomi<strong>na</strong>va a estética, e somente tinham importância as referências ao<br />

espaço, à forma, ao território e ao corpo. Há outros, entre eles a<br />

modernidade, <strong>em</strong> <strong>que</strong> o <strong>que</strong> predomi<strong>na</strong> é a dinâmica. Neste caso, ape<strong>na</strong>s a<br />

história, o desenvolvimento, o crescimento, o futuro e suas diversas<br />

conseqüências são levados <strong>em</strong> conta e serv<strong>em</strong> de referências às diferentes<br />

construções racio<strong>na</strong>is <strong>que</strong> os justificam. Há um terceiro caso, ao qual se<br />

pode incorporar a pós-modernidade, <strong>que</strong> ao mesmo t<strong>em</strong>po, acentua os<br />

invariantes, as constantes, <strong>no</strong> <strong>que</strong> possu<strong>em</strong> de <strong>está</strong>tico, s<strong>em</strong> negligenciar as<br />

modulações, as variações, com sua dinâmica” ( MAFFESOLI, 1995, p.38)<br />

A partir destes pressupostos, busco compreender o sentido dos <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> pós-<br />

modernidade, num estilo <strong>que</strong> coloca <strong>em</strong> foco o coletivo, o afetual, os sentimentos e as<br />

<strong>em</strong>oções partilhadas, ou seja, onde predomi<strong>na</strong> um estilo estético <strong>na</strong> visão maffesolia<strong>na</strong>.<br />

Para Michel Maffesoli, as civilizações moder<strong>na</strong>s buscam a afirmação de suas<br />

maneiras de ser tradicio<strong>na</strong>l, de acentuação de costumes locais, de buscar solidariedade,<br />

comunitarismo, vivendo uma <strong>no</strong>va pulsão estética <strong>no</strong>s modos de sentir, pensar e agir<br />

cotidia<strong>na</strong>mente, um <strong>no</strong>vo estilo. Trata-se de uma estética da existência <strong>que</strong> será, segundo o<br />

autor, a marca da pós-modernidade. Esboça-se um <strong>no</strong>vo t<strong>em</strong>po, “ <strong>em</strong> <strong>que</strong> o estilo de ver, de<br />

sentir, de amar, de se entusiasmar <strong>em</strong> comum e <strong>no</strong> presente se impõe, s<strong>em</strong> dificuldade, às<br />

representações racio<strong>na</strong>is voltadas para o futuro”. (MAFFESOLI, 1995, p.35) Um t<strong>em</strong>po<br />

<strong>em</strong> <strong>que</strong>, <strong>no</strong> corpo social, o hom<strong>em</strong> “dedica-se, mais ou me<strong>no</strong>s inconscient<strong>em</strong>ente, a<br />

reencontrar seu equilíbrio, pondo <strong>em</strong> ação suas potencialidades de fantasia, suas<br />

faculdades oníricas, os lazeres ou outras formas de férias do espírito e do corpo” ( Id<strong>em</strong> ,<br />

p.41). O autor refere-se à retomada do imaginário <strong>que</strong>, (re) investindo <strong>em</strong> estruturas<br />

44


arcaicas, recriam mitologias <strong>que</strong> restauram o equilíbrio perdido <strong>no</strong> liame social. Este <strong>no</strong>vo<br />

estilo tende a integrar as dimensões oníricas, lúdicas e simbólicas <strong>que</strong> se revelam <strong>em</strong> cada<br />

momento da vida cotidia<strong>na</strong>. Numa espécie de transmutação, o mito faz re<strong>na</strong>scer um estilo<br />

onde a saturação de um dado conjunto social permite <strong>que</strong> surjam outras formas de<br />

socialidade, <strong>que</strong> não fog<strong>em</strong> ao mito fundador, matriz <strong>em</strong> sucessivas transmutações. Tendo<br />

<strong>em</strong> vista o componente imaginário presente <strong>na</strong>s estruturações coletivas e individuais, tor<strong>na</strong>-<br />

se necessário levar <strong>em</strong> conta os arquétipos, onde se encontra a dimensão racio<strong>na</strong>l e a do<br />

imaginário. Arquétipo dinâmico <strong>que</strong> de<strong>no</strong>ta a polarização <strong>que</strong> caracteriza a cotidianidade<br />

revestida por uma carga mítica <strong>que</strong> move a socialidade de base.<br />

Para o autor, a transmutação de valores <strong>no</strong>s t<strong>em</strong> levado a socialidade <strong>que</strong> valoriza o<br />

viver coletivamente <strong>no</strong> presente, onde a vida, de forma estética, se revela <strong>na</strong> maneira de<br />

sentir e experimentar coisas <strong>em</strong> comum. “Empiricamente, isso <strong>no</strong>s r<strong>em</strong>ete a todas as<br />

formas de conjuntos musicais, esportivos, de consumo ou religiosos, <strong>que</strong>, <strong>em</strong>bora s<strong>em</strong>pre<br />

tenham existido, <strong>em</strong> certas épocas (re)encontram uma amplitude <strong>que</strong> tinha perdido, ou <strong>que</strong><br />

tinha sido relativizada” ( Id<strong>em</strong>, p.53), onde o estilo estético passa a ser um processo de<br />

correspondência entre o ambiente social e o ambiente <strong>na</strong>tural <strong>que</strong> favorece a um estar-junto<br />

<strong>em</strong>penhado <strong>em</strong> usufruir os prazeres, <strong>em</strong>oções e sentimentos comuns <strong>que</strong> se faz<strong>em</strong> sentir <strong>na</strong>s<br />

agregações, tribos, <strong>que</strong> se constitu<strong>em</strong> a partir dos gostos ( musicas, sexuais, <strong>cultura</strong>is,<br />

desportivos, religiosos, políticos, etc...). Este vínculo social caracteriza-se, como diz<br />

Maffesoli, por um ‘pontilhamento’ abalado por sobressaltos, mas <strong>que</strong>, contudo, não<br />

deixam de gerar uma organicidade estabelecida <strong>na</strong>s relações forçadas, violentas ou<br />

agressivas, às vezes, ou, ao contrário, relações de cumplicidade, de aliança, ou<br />

simplesmente afetivas, mas <strong>que</strong>, de uma forma ou de outra, d<strong>em</strong>onstram um estilo estético.<br />

(Id<strong>em</strong> p.56). Este vínculo ‘pontilhado’ é uma das características das relações estabelecidas<br />

entre os jogadores ou entre a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> partilham o mesmo gosto lúdico.<br />

A partir destes conceitos, segundo o autor, pode-se fazer um inventário pelos quais<br />

uma sociedade “se diz e se vive” (p.18), pois o racio<strong>na</strong>l, o mecânico, por si só não dão<br />

conta da configuração social da atualidade, cabendo desvendá-la pelo <strong>em</strong>ocio<strong>na</strong>l, pelo<br />

sentimento partilhado, pela paixão, pelos valores dionisíacos e hedonistas do huma<strong>no</strong>.<br />

O <strong>jogo</strong> aparece como uma das instâncias de convívio social de fácil percepção deste<br />

estilo estético <strong>que</strong> enfatiza o sensível e o hedonismo. Compreender<strong>em</strong>os isto melhor <strong>na</strong>s<br />

45


palavras de Maffesoli:<br />

“ São muitos os ex<strong>em</strong>plos <strong>que</strong> vão neste sentido, e a vida quotidia<strong>na</strong> <strong>no</strong>s<br />

oferece muitas ilustrações disso. Que vão das formas de simples<br />

socialidade, elaboradas <strong>na</strong>s salas de ginástica, aos vínculos estreitos <strong>que</strong> se<br />

constitu<strong>em</strong> <strong>no</strong>s grupos de esportes de risco, passando pelas amizades,<br />

pelas relações induzidas pelos clubes, viagens e circuitos de grupos, s<strong>em</strong><br />

es<strong>que</strong>cer o sentimento de pertença, <strong>que</strong> é a causa e o efeito da maneira de<br />

trajar e de outros mimetismos corporais , gestuais e de linguag<strong>em</strong>, <strong>que</strong> são<br />

b<strong>em</strong> a marca das sociedades cont<strong>em</strong>porâneas” ( MAFFESOLI,1995, p.57)<br />

.<br />

Segundo o autor, frente ao mundo moder<strong>no</strong>, saturado por individualismos, por uma<br />

razão fechada e de onipotência técnica, haverá de surgir um <strong>no</strong>vo estilo existencial <strong>que</strong><br />

apela para o coletivo, para o imagético, para um estilo onde o <strong>que</strong>rer-viver impulsio<strong>na</strong><br />

para o estar-junto, onde estilo e imag<strong>em</strong> tomam lugar de centralidade. Estaríamos vivendo<br />

sob um <strong>no</strong>vo sig<strong>no</strong> de tom comunitário e grupal, um <strong>no</strong>vo sig<strong>no</strong> <strong>que</strong> clama sentimento da<br />

orig<strong>em</strong> de um t<strong>em</strong>po fundador, ar<strong>que</strong>tipal.<br />

Uma sociedade é constituída por um caldo de <strong>cultura</strong> <strong>que</strong> busca o retor<strong>no</strong> das<br />

<strong>imagens</strong>, do contágio <strong>em</strong>ocio<strong>na</strong>l, os múltiplos <strong>simbolismos</strong> de identificação religiosa. Para<br />

Mircea Eliade, trata-se do eter<strong>no</strong> retor<strong>no</strong> (ELIADE, 1984). Ao imitar seus deuses, o<br />

hom<strong>em</strong> religioso pode viver o ‘t<strong>em</strong>po de orig<strong>em</strong>’, o t<strong>em</strong>po mítico, saindo da duração<br />

profa<strong>na</strong> para a eternidade. Os fatos reatualizam um acontecimento primordial cujos autores<br />

são os deuses e seres divi<strong>no</strong>s, conseqüent<strong>em</strong>ente os fatos torn<strong>em</strong>-se cont<strong>em</strong>porâneos dos<br />

deuses. Desta forma, o hom<strong>em</strong> religioso não es<strong>que</strong>ce a história sagrada e seus mitos,<br />

mesmo <strong>que</strong> estes represent<strong>em</strong> o sacrifício dos deuses para a criação primeira dos atos <strong>no</strong><br />

cosmos. As atitudes huma<strong>na</strong>s passam a se justificar pela aproximação com o sagrado, com<br />

a vida <strong>em</strong> sua essência <strong>na</strong> partilha com seus pares, sejam estes deuses ou huma<strong>no</strong>s. O<br />

coletivo adquire, assim, co<strong>no</strong>tação de coesão, de comunhão com um ideal, com algo<br />

sagrado <strong>que</strong> transcende a própria existência. Viver coletivamente passa a ser significativo<br />

<strong>no</strong> andamento social alimentado <strong>na</strong> esfera do sagrado. Para Eliade ( Id<strong>em</strong>), este desejo de<br />

santidade é uma <strong>no</strong>stalgia ontológica <strong>que</strong> garante um eter<strong>no</strong> retor<strong>no</strong> para a purificação,<br />

com a esperança de transfigurar sua existência, tor<strong>na</strong>ndo-a s<strong>em</strong>elhante ao modelo divi<strong>no</strong>.<br />

Nenhum acontecimento é único, levando os mitos a aparecer<strong>em</strong> e reaparecer<strong>em</strong> num<br />

movimento sobre si mesmos, o eter<strong>no</strong> retor<strong>no</strong>. A adoração a ídolos da música, do esporte, o<br />

fa<strong>na</strong>tismo religioso-político, as tendências <strong>que</strong> <strong>no</strong>rteiam os modos de sentir e agir <strong>em</strong><br />

46


determi<strong>na</strong>dos grupos, as manifestações conturbadas de grandes grupos reveladas <strong>em</strong><br />

shows, eventos desportivos, e diferentes grupamentos (fankeiros, metaleiros, ro<strong>que</strong>iros,<br />

pagodeiros, torcidas organizadas, etc) evidenciam a tendência do coletivo de veneração, de<br />

ideologia, de sacralização. As sociedades pós-moder<strong>na</strong>s, <strong>na</strong> visão de Maffesoli, vão se<br />

caracterizando por uma regularidade de retor<strong>no</strong> as idéias origi<strong>na</strong>is, aos mitos comuns e<br />

fundantes <strong>que</strong> potencializam a vida <strong>em</strong> sociedade. Há de se lançar atenção aos sonhos<br />

coletivos (para o b<strong>em</strong> ou para o mal), as pulsões primitivas, ao arcaísmo <strong>que</strong> <strong>na</strong> maioria das<br />

vezes se circunscreve <strong>no</strong> não-racio<strong>na</strong>l mas <strong>que</strong> fomenta o vínculo social (MAFFESOLI,<br />

1995, p.25). É a circulação dos mitos <strong>que</strong> define uma sociedade, configurando-a<br />

miticamente, onde estes <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> triunfalmente <strong>na</strong> consciência coletiva, modificando a<br />

visão de mundo domi<strong>na</strong>nte. Estamos vivendo atualmente um esgotamento do universo<br />

mítico <strong>que</strong> modelou a modernidade, onde os deuses se retiram pouco a pouco para as<br />

profundezas do inconsciente, dando lugar a uma <strong>no</strong>va atitude imagi<strong>na</strong>tiva, <strong>que</strong> se desenha<br />

com a <strong>em</strong>ergência de mitos. São mitos <strong>que</strong> promov<strong>em</strong> a religação <strong>na</strong>tureza-<strong>cultura</strong>,<br />

conduzindo a uma ecologização do mundo, a uma <strong>na</strong>turalização da <strong>cultura</strong> e <strong>que</strong> vão dando<br />

forma aos modos de sentir, pensar e agir <strong>em</strong> sociedade. Surge um imaginário cósmico<br />

<strong>que</strong> tece uma <strong>no</strong>va trama simbólica, <strong>na</strong> qual homens, deuses e cosmos se religam <strong>em</strong> tor<strong>no</strong><br />

da <strong>na</strong>tureza e de seus homens.<br />

Pautando-<strong>no</strong>s <strong>no</strong>s pressupostos de Maffesoli, o resgate a um estilo existencial do<br />

coletivo, das festas, das tribos, dos ritos e dos <strong>jogo</strong>s, surge como necessidade ontológica de<br />

circularidade das origens, dos modos de ser, dos costumes, das representações <strong>que</strong><br />

permit<strong>em</strong> <strong>que</strong> a vida se expresse <strong>em</strong> toda sua plenitude. Numa breve reflexão sócio-<br />

histórica 20 ,compreend<strong>em</strong>os <strong>que</strong> os <strong>jogo</strong>s e as manifestações coletivas faz<strong>em</strong> parte das<br />

sociedades antigas onde o aprender e o ensi<strong>na</strong>r aconteciam de forma espontânea, não<br />

sist<strong>em</strong>atizada, fazendo parte da própria <strong>na</strong>tureza de coletividade huma<strong>na</strong>, ligavam-se à<br />

ritualizações.<br />

Neste sentido, pod<strong>em</strong>os apontar o resgate do homo ludens <strong>na</strong> pós-modernidade,<br />

abafado pelo homo faber do mundo moder<strong>no</strong>. O espírito hedonista, a necessidade de viver<br />

intensamente o presente, são traços marcantes da pós-modernidade. A escola, enquanto<br />

20 O capítulo 2 deste trabalho, com base <strong>na</strong> obra de Philippe Áries (1978 ) , aborda a vida <strong>em</strong> sociedades<br />

primitivas <strong>em</strong> <strong>que</strong> o aprender e o brincar caminhavam lado a lado.<br />

47


instituição discipli<strong>na</strong>dora, sufoca o espaço lúdico <strong>em</strong> função do espaço do aprender<br />

sist<strong>em</strong>atizado, do aprender programado por um currículo conteudista <strong>que</strong>, <strong>na</strong> maioria das<br />

vezes, não considera o espaço das atividades lúdicas, da brincadeira, do <strong>jogo</strong> como espaço<br />

de cognição, de aprendizagens, de vivências e experiências, principalmente por<strong>que</strong> este<br />

espaço quase s<strong>em</strong>pre fica estigmatizado como lugar de prazeres, devaneios e orgia vivida<br />

coletivamente. Embate de difícil compreensão <strong>que</strong> <strong>no</strong>s leva à busca de referenciais<br />

pautados numa abordag<strong>em</strong> compreensiva.<br />

Concordo com Michel Maffesoli, <strong>que</strong> ao fazer o apelo ao coletivo , ao <strong>que</strong>rer-viver<br />

-junto, não tor<strong>na</strong>mo-<strong>no</strong>s <strong>no</strong>stálgicos, mas d<strong>em</strong>onstramos um desejo de viver um outro estilo<br />

de existência huma<strong>na</strong> pautada <strong>na</strong> <strong>cultura</strong> dos sentimentos, do afetual, das trocas, numa<br />

espécie de atração social, onde “ a solidariedade vivida é a única coisa <strong>que</strong> permite o<br />

aumento da complexidade”. (MORIN, 1990, p.136)<br />

Em diferentes épocas, a história da política, da música, das artes, d<strong>em</strong>onstra uma<br />

mudança de estilo <strong>em</strong> função de uma mudança de sensibilidade. A passag<strong>em</strong> do roma<strong>no</strong> ao<br />

gótico, da re<strong>na</strong>scença ao barroco, são ex<strong>em</strong>plos trazidos por Maffesoli (1995, p. 26).<br />

Instâncias como as educativas vêm, também, atravessando mudanças. Da educação jesuíta,<br />

passando pela Escola Nova, construtivismo e outros, somos r<strong>em</strong>etidos à percepção de<br />

grandes mudanças <strong>no</strong> pensamento pedagógico brasileiro <strong>no</strong>s levando a <strong>que</strong>stio<strong>na</strong>r se esse<br />

tipo de educação apela para uma <strong>no</strong>va sensibilidade mítica., compreensiva.<br />

Que contribuição trará a educação para esse processo de r<strong>em</strong>itologização da<br />

sociedade pós-moder<strong>na</strong>? Estariam os modos de vida, o estilo de existência coletivo dando<br />

conta de uma <strong>no</strong>va educação? Estas <strong>no</strong>vas configurações míticas são trazidas para a<br />

educação? Há consonância entre o desejo coletivo e os pressupostos educativos<br />

institucio<strong>na</strong>lizados? Os mitos, ritos, manifestações, representações, o <strong>que</strong> é instituinte, o<br />

<strong>que</strong> é latente para o hom<strong>em</strong> ocupa espaços <strong>no</strong> contexto educacio<strong>na</strong>l? São inúmeros<br />

<strong>que</strong>stio<strong>na</strong>mentos <strong>que</strong> se apresentam, sobretudo, para os profissio<strong>na</strong>is da educação, <strong>que</strong><br />

part<strong>em</strong> para pesquisas, estudos e diálogos <strong>que</strong> possam dar conta dos desafios pós-<br />

moder<strong>no</strong>s. Precisamos estar atentos a uma “lógica do instante, apegada ao <strong>que</strong> é vivido<br />

aqui e agora” ( MAFESSOLI, 1998, p.57)<br />

48


Nesta mudança paradigmática de conceber a sociedade, somos movidos a pensar<br />

numa educação pela (para) sensibilidade, pondo <strong>em</strong> ação um pensamento <strong>que</strong> se reconcilie<br />

com a vida, pois, segundo Maffesoli,<br />

“ Há, com efeito, algo de sensível , de sensual, sensualista, numa relação<br />

com o mundo e com o outro, vivida dia a dia e assentada <strong>na</strong> experiência,<br />

seja <strong>na</strong> interior, do microcosmo, ou a outra, mais ambiental, ecológica, do<br />

macrocosmo matriarcal”. ( 1998, p.191)<br />

Michel Maffesoli <strong>no</strong>s convida a conhecer um instrumental conceitual re<strong>no</strong>vado <strong>que</strong><br />

aposta <strong>em</strong> traduzir as realidades sociais atuais. A partir da compreensão dos costumes, das<br />

atitudes surpreendentes ou banias, das relações entre indivíduos, abarcamos uma razão<br />

sensível, uma maneira de abordar o real <strong>em</strong> sua complexidade, com o <strong>que</strong> t<strong>em</strong> de<br />

imprevisível, de incerto, de antagônico, de concorrente, de efervescente e <strong>que</strong> se<br />

compl<strong>em</strong>entam ( Edgar Morin, 1990)<br />

Estas <strong>que</strong>stões, <strong>que</strong> não passam pelos ca<strong>na</strong>is aos quais a modernidade <strong>no</strong>s habitou a<br />

olhar, <strong>no</strong>s levam a reconhecer <strong>que</strong> “...a verdadeira vida <strong>está</strong> <strong>no</strong> particular, <strong>no</strong> concreto, <strong>no</strong><br />

próximo, coisas <strong>que</strong> não adiam a fruição para hipotéticos amanhãs mas, pelo contrário,<br />

<strong>em</strong>penham-se <strong>em</strong> vivê-la, b<strong>em</strong> ou mal, aqui e agora, num dado lugar e <strong>em</strong> dada sociedade”<br />

(Id<strong>em</strong>, p.191) . A pós-modernidade, deve, então, ser compreendida a partir dos sentimentos<br />

dionisíacos vividos <strong>em</strong> comum, das fruições partilhadas <strong>no</strong> aqui e agora, <strong>no</strong> espaço-t<strong>em</strong>po<br />

presente vividos <strong>em</strong> sua plenitude e concretude.<br />

Segundo t<strong>em</strong>po<br />

49


Pieter Bruegel - Children's Games<br />

Segundo t<strong>em</strong>po<br />

__________________________________________________________________<br />

A delegação: alguns teóricos sobre o <strong>jogo</strong><br />

“ É ouvindo de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong>r e de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong>ndo atividades por esse termo<br />

<strong>que</strong> a <strong>no</strong>ção de <strong>jogo</strong> se constrói para cada um de nós”.<br />

Gilles Brougère (1998)<br />

50


O uso do termo <strong>jogo</strong><br />

Jogo e brincadeira são a mesma coisa para muitos autores, mas entendo <strong>que</strong> há uma<br />

tênue diferença entre as brincadeiras livres <strong>que</strong> as crianças manifestam de formas<br />

espontâneas <strong>na</strong> hora do recreio e <strong>em</strong> outras oportunidades e os <strong>jogo</strong>s proporcio<strong>na</strong>dos pelas<br />

aulas de educação física, <strong>na</strong> recreação, enquanto atividade acompanhada pelos docentes, e<br />

os <strong>jogo</strong>s praticados <strong>em</strong> sala de aula com intencio<strong>na</strong>lidade pedagógica (<strong>jogo</strong>s educativos).<br />

Desta forma, percorrerei alguns conceitos e definições do termo com a intenção de pontuar<br />

o <strong>que</strong> entendo por <strong>jogo</strong> e de <strong>que</strong> forma será abordado <strong>na</strong> presente pesquisa.<br />

Alguns autores fizeram uma varredura sócio-<strong>cultura</strong>l-histórica sobre o termo <strong>jogo</strong>.<br />

Huizinga (2004) apresenta uma pesquisa do vocábulo <strong>em</strong> línguas como o francês, o<br />

grego, o chinês e outras, salientando <strong>que</strong> não se encontra a mesma idéia e a mesma<br />

palavra para se expressar uma <strong>no</strong>ção única de <strong>jogo</strong>. Há, portanto, uma abstração <strong>no</strong><br />

conceito geral de <strong>jogo</strong>.<br />

As abordagens de Brougère (1998) também são de grande valia para a compreensão<br />

da gama de interpretações do termo e do sentido do <strong>jogo</strong>. O autor <strong>no</strong>s conduz à poliss<strong>em</strong>ia<br />

do termo ‘<strong>jogo</strong>’, <strong>que</strong> por si só, não d<strong>em</strong>andaria nenhum esclarecimento ou elucidação,<br />

tor<strong>na</strong>ndo-se necessário percorrer as configurações de sentido <strong>que</strong> correspondam a seus<br />

<strong>em</strong>pregos e a rede de significações implícitas e explícitas resultante do uso da palavra <strong>jogo</strong>.<br />

O <strong>que</strong> significa chamar de <strong>jogo</strong> determi<strong>na</strong>da situação e determi<strong>na</strong>do<br />

comportamento?<br />

Dev<strong>em</strong>os considerar a diversidade de fenôme<strong>no</strong>s de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong>dos <strong>jogo</strong> e a variedade<br />

de <strong>em</strong>pregos metafóricos. Desta forma, Brougère <strong>no</strong>s alerta <strong>que</strong> <strong>jogo</strong> de xadrez (<strong>no</strong> sentido<br />

do objeto), <strong>jogo</strong> de engre<strong>na</strong>gens (peças de um maquinário), <strong>jogo</strong> político (estratégias de<br />

negociações), <strong>jogo</strong>s olímpicos (um evento), <strong>jogo</strong> de chaves, <strong>jogo</strong> de sedução, <strong>jogo</strong> de<br />

linguag<strong>em</strong> e <strong>jogo</strong> da vida têm significados próprios <strong>que</strong> complexificam a elucidação do<br />

termo <strong>jogo</strong>. Assim, o <strong>jogo</strong> pode ser considerado como um fato social <strong>que</strong> compreende<br />

fenôme<strong>no</strong>s tão diferentes <strong>que</strong> partilham o mesmo <strong>no</strong>me. O vocábulo<br />

51


pode ser o mesmo para indicar ‘coisas’ diferentes, e, neste sentido, brincar e jogar,<br />

enquanto palavras, ficam muito próximas. A <strong>que</strong>stão é procurar entender por<strong>que</strong> atividades<br />

diferentes foram, <strong>em</strong> algumas línguas, desig<strong>na</strong>das pelo mesmo termo.<br />

Brougère (1998) leva-<strong>no</strong>s a compreensão do <strong>que</strong> seja <strong>jogo</strong> <strong>em</strong> diferentes <strong>cultura</strong>s<br />

<strong>em</strong> função de diferentes épocas e línguas trazendo ex<strong>em</strong>plos de como algumas concepções<br />

foram surgindo: para os roma<strong>no</strong>s, por ex<strong>em</strong>plo, os <strong>jogo</strong>s são mais ligados ao<br />

divertimento; os <strong>jogo</strong>s gregos têm um caráter competitivo; e <strong>no</strong>s <strong>jogo</strong>s astecas o<br />

simulacro é sua função principal. Isto mostra como, <strong>na</strong> história, o <strong>jogo</strong> vai adquirindo<br />

configurações <strong>que</strong> depend<strong>em</strong> do seu uso.<br />

léxica:<br />

Para Brougère três níveis de interpretação são perceptíveis numa rápida análise<br />

1- “ <strong>jogo</strong> é o <strong>que</strong> o vocabulário científico de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong> “atividade lúdica”, <strong>que</strong>r essa<br />

de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong>ção diga respeito a um reconhecimento objetivo por observação exter<strong>na</strong> ou ao<br />

sentimento pessoal <strong>que</strong> cada um pode ter, <strong>em</strong> certas circunstância, de participar de um<br />

<strong>jogo</strong>” , o autor reconhece, assim, o <strong>que</strong> se desig<strong>na</strong> por <strong>jogo</strong>s políticos, por ex<strong>em</strong>plo.<br />

2- “ O <strong>jogo</strong> é também uma estrutura, um sist<strong>em</strong>a de regras (game, <strong>em</strong> inglês) <strong>que</strong> existe e<br />

subsiste de modo abstrato independent<strong>em</strong>ente dos jogadores, fora de sua realização<br />

concreta <strong>em</strong> um <strong>jogo</strong> entendido <strong>no</strong> primeiro sentido” . Este princípio refere-se ao <strong>jogo</strong> de<br />

dama, de xadrez, de futebol, <strong>jogo</strong> da velha e tantos outros 21 .<br />

3- “Jogo entendido como material (objeto) <strong>que</strong> se utiliza para jogar/brincar, mais<br />

associado ao termo brin<strong>que</strong>do com maneiras de jogar prescritas por regras” (1998, p.14).<br />

Dentre estas concepções apresentadas acima: atividades lúdicas (ligadas ao prazer),<br />

sist<strong>em</strong>a de regras (competição e concurso) e brin<strong>que</strong>do (objeto), aproximo-me dos dois<br />

primeiros conceitos para compreender o <strong>jogo</strong> nesta pesquisa, pois o caráter do <strong>jogo</strong><br />

associado ao prazer e à competição, quando se trata de recreação, são recorrentes <strong>no</strong> campo<br />

educacio<strong>na</strong>l, o <strong>que</strong> não significa <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong>, enquanto objeto,deixe de estar implícito <strong>na</strong>s<br />

atividades lúdicas aqui tratadas, mas, <strong>no</strong> entanto, não são o foco específico do presente<br />

trabalho.<br />

21 De forma ilustrativa, trago a imag<strong>em</strong> do quadro Children’s games de Bruegel, <strong>na</strong> abertura desta parte do<br />

trabalho, <strong>no</strong>s levando a refletir quanto ao uso do termo (game) para as atividades retratadas <strong>que</strong> envolv<strong>em</strong><br />

tanto <strong>jogo</strong>s, como brincadeiras ( se é <strong>que</strong> pod<strong>em</strong>os distinguir um termo do outro ou mesmo uma atividade da<br />

outra)<br />

52


Como sugere o autor, pod<strong>em</strong>os pensar <strong>na</strong> sobreposição destes conceitos, e, sendo<br />

assim, <strong>no</strong> sentido de situação lúdica, há <strong>jogo</strong> tanto quanto <strong>no</strong> sentido de sist<strong>em</strong>a de regras.<br />

É, então, <strong>na</strong> justaposição destes conceitos <strong>que</strong> compreenderei o <strong>jogo</strong> e a busca de sentidos<br />

do ato de jogar, de modo a se refletir sobre a relação <strong>jogo</strong> e educação, pois pretendo<br />

investigar como o alu<strong>no</strong>-professor utilizará o t<strong>em</strong>po desti<strong>na</strong>do à recreação <strong>na</strong> escola ou<br />

como trabalhará com <strong>jogo</strong>s <strong>em</strong> sala de aula ou <strong>em</strong> outros espaços, logo com atividades<br />

lúdicas propostas e com um princípio <strong>no</strong>rteador para seu funcio<strong>na</strong>mento, utilizando ou não<br />

um objeto para jogar.<br />

A diversidade do uso <strong>que</strong> se faz da palavra <strong>jogo</strong> é fonte de ri<strong>que</strong>zas, mas também de<br />

indetermi<strong>na</strong>ções.<br />

“A <strong>no</strong>ção de <strong>jogo</strong> como o conjunto de linguag<strong>em</strong> funcio<strong>na</strong> <strong>em</strong> um<br />

contexto social; a utilização do termo <strong>jogo</strong> deve, pois, ser considerada<br />

como um fato social: tal desig<strong>na</strong>ção r<strong>em</strong>ete à imag<strong>em</strong> do <strong>jogo</strong> encontrada<br />

<strong>no</strong> seio da sociedade <strong>em</strong> <strong>que</strong> ele é utilizado”. (BROUGÈRE, 1998, p.16).<br />

Desta forma, acompanhando o pensamento de Brougère, optei por compreender o<br />

<strong>jogo</strong> como atividade lúdica <strong>que</strong> implica num sist<strong>em</strong>a de regras, ou seja, com padrões pré-<br />

estabelecidos para seu funcio<strong>na</strong>mento. Sendo assim, o <strong>jogo</strong> se difere da brincadeira, pois<br />

nestas as regras vão surgindo <strong>no</strong> seu desenrolar. Uma criança pode brincar de casinha com<br />

regras, mas elas vão se dando <strong>na</strong> medida da necessidade. Existe algo pré-estabelecido <strong>que</strong><br />

se refere mais ao papel <strong>que</strong> vão representar (mãe ou filha, por ex<strong>em</strong>plo) e a resignificação<br />

dos objetos (folha de árvore para comidinha, por ex<strong>em</strong>plo), mas são formas espontâneas de<br />

comportamentos do próprio ato do brincar, e não exatamente regras. Normalmente não há<br />

competição <strong>na</strong> brincadeira e esta pode ser interrompida e retomada a qual<strong>que</strong>r hora,<br />

podendo entrar outros participantes a qual<strong>que</strong>r momento. Esta é uma das diferenças <strong>que</strong><br />

aponto como facilitador para compreensão do <strong>que</strong> vou aqui tratar por <strong>jogo</strong>.<br />

O <strong>jogo</strong> é algo de <strong>que</strong> todos falam, <strong>que</strong> todos consideram como evidente e <strong>que</strong><br />

ninguém consegue definir. “Em suma, cada sociedade determi<strong>na</strong> um espaço social e<br />

<strong>cultura</strong>l onde o <strong>jogo</strong> pode existir legitimamente e tomar sentido “ ( Id<strong>em</strong>,p.49)<br />

Brougère compreende <strong>que</strong> “ o <strong>jogo</strong> do qual se fala é o <strong>jogo</strong> tal qual é pensado por<br />

<strong>no</strong>ssa sociedade e não parece haver outra realidade além da palavra <strong>na</strong> diversidade de seu<br />

uso” (Id<strong>em</strong>, p.17). Para o autor, um termo pode ser <strong>em</strong>pregado dependendo do<br />

53


entendimento <strong>que</strong> tenha o grupo social <strong>que</strong> vai tratá-lo. Deve existir um sentido para o<br />

conjunto de seres <strong>que</strong> vão falá-lo e pensá-lo, logo, depende de uma atividade mental <strong>que</strong><br />

r<strong>em</strong>eta a idéia <strong>que</strong> se t<strong>em</strong> do <strong>que</strong> é jogar.<br />

Huizinga (2004) a<strong>na</strong>lisa esta <strong>que</strong>stão salientando a variedade das línguas <strong>na</strong>s quais<br />

não encontramos um conceito fechado sobre <strong>jogo</strong>. O autor busca a lógica própria de cada<br />

língua, não vendo o <strong>jogo</strong> como uma <strong>no</strong>ção <strong>em</strong> si, como conceito isolado.<br />

“Ao falarmos do <strong>jogo</strong> como algo <strong>que</strong> todos conhec<strong>em</strong> e ao procurarmos<br />

a<strong>na</strong>lisar ou definir a idéia <strong>que</strong> essa palavra exprime, precisamos ter s<strong>em</strong>pre<br />

presente <strong>que</strong> essa <strong>no</strong>ção é definida e talvez até limitada pela palavra <strong>que</strong><br />

usamos para exprimi-la. N<strong>em</strong> a palavra n<strong>em</strong> a <strong>no</strong>ção tiveram orig<strong>em</strong> num<br />

pensamento lógico ou científico, e sim <strong>na</strong> linguag<strong>em</strong> criadora, isto é, <strong>em</strong><br />

inúmeras línguas, pois esse ato de “concepção” foi efetuado por mais do<br />

<strong>que</strong> uma vez”.(Id<strong>em</strong>, p.33)<br />

No espaço escolar, a palavra <strong>jogo</strong> <strong>no</strong>s r<strong>em</strong>ete a inúmeras concepções: o <strong>jogo</strong><br />

desportivo das aulas de educação física, os <strong>jogo</strong>s populares, os <strong>jogo</strong>s livres onde as crianças<br />

se auto-organizam, os <strong>jogo</strong>s com conteúdo de uma discipli<strong>na</strong>, os <strong>jogo</strong>s dos horários de<br />

recreação, os <strong>jogo</strong>s de computador e tantos outros. Considerarei, neste estudo, esta gama de<br />

concepções como <strong>jogo</strong>s <strong>que</strong> estão presentes <strong>no</strong> contexto educacio<strong>na</strong>l, dotados de um<br />

sentido pedagógico e fazendo parte de uma <strong>cultura</strong> <strong>que</strong> se revela neste espaço. O<br />

interpretarei como movimentos instituintes, <strong>na</strong>turais e espontâneos <strong>que</strong> brotam <strong>na</strong><br />

cotidianidade, principalmente da infância.<br />

Deparando-<strong>no</strong>s com uma gama de concepções <strong>que</strong> envolv<strong>em</strong> a palavra <strong>jogo</strong>,<br />

pod<strong>em</strong>os <strong>no</strong>s aproximar da compreensão de <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> t<strong>em</strong> uma estrutura organizativa<br />

maior do <strong>que</strong> a brincadeira. O ato de brincar é mais descompromissado, enquanto <strong>que</strong> o<br />

<strong>jogo</strong>, <strong>em</strong>bora podendo ser também uma brincadeira, exige padrões de comportamento mais<br />

rígidos, o <strong>que</strong>, <strong>no</strong> entanto, não chega a engessá-lo como um sist<strong>em</strong>a fechado, <strong>que</strong> não<br />

permita modificações e reorganizações. Um <strong>jogo</strong> de futebol o é <strong>no</strong> campo, <strong>na</strong> quadra, <strong>na</strong><br />

várzea ou <strong>no</strong> pátio da escola.<br />

Desta forma, compreendo algumas distinções entre <strong>jogo</strong> e brincadeira,<br />

principalmente <strong>no</strong>s animais. Um <strong>jogo</strong> se repete inúmeras vezes com t<strong>em</strong>po e espaço<br />

próprios, não tendo um momento ou uma jogada igual a outra, mas preserva características<br />

próprias, enquanto <strong>que</strong> a brincadeira , principalmente a dos animais, não obedece a um<br />

regulamento rígido. Os animais brincam, mas só os homens jogam. O não morder, o não<br />

54


machucar, estão mais próximos do instinto de preservação do <strong>que</strong> da <strong>no</strong>ção de regras, visto<br />

<strong>que</strong> os <strong>jogo</strong>s envolv<strong>em</strong> es<strong>que</strong>mas mentais (técnicas e táticas) <strong>que</strong> a ciência ainda não<br />

descobriu se faz<strong>em</strong> parte das estruturas cognitivas dos animais.<br />

Brougére, pesquisando o sentido do termo <strong>jogo</strong>, adverte-<strong>no</strong>s <strong>que</strong> <strong>em</strong> francês “ jeu”<br />

<strong>está</strong> associado à brincadeira e <strong>em</strong> português a atividades lúdicas com regras , enquanto <strong>que</strong><br />

o termo brincadeira <strong>em</strong> <strong>no</strong>ssa língua r<strong>em</strong>ete-<strong>no</strong>s mais para atividades lúdicas infantis. Esta<br />

<strong>no</strong>ção apresenta-se adequada para o entendimento do uso do termo ‘<strong>jogo</strong>’ nesta pesquisa.<br />

Desta forma, pod<strong>em</strong>os <strong>no</strong>s referir tanto a <strong>jogo</strong> quanto a atividades lúdicas expressando,<br />

assim, um mesmo sentido.<br />

A abordag<strong>em</strong> <strong>no</strong>mi<strong>na</strong>lista do uso da palavra <strong>jogo</strong> expressa um relativismo <strong>que</strong><br />

autores como Huizinga, tentam dar conta da idéia de <strong>jogo</strong> apontando a variedade das<br />

linguagens <strong>na</strong>s quais se encontram as diferentes <strong>no</strong>ções de <strong>jogo</strong>. Uma só palavra pode,<br />

então, ser tão restrita e ao mesmo t<strong>em</strong>po tão ampla. A investigação lingüística apresentada<br />

por Huizinga não relativiza a <strong>no</strong>ção de <strong>jogo</strong> e sim busca validá-la, como diz Brougère.<br />

Sendo a língua um aspecto da <strong>cultura</strong>, o probl<strong>em</strong>a passa a ser me<strong>no</strong>s lingüístico e mais<br />

<strong>cultura</strong>l.<br />

A pluralidade de sentidos para o termo <strong>jogo</strong>, longe de impedir seu uso, possibilita<br />

sua utilização dentro de um contexto explicitado, como é o caso da presente pesquisa.<br />

Concepções históricas<br />

Uma trajetória reflexiva sobre as implicações da ludicidade <strong>na</strong> formação de<br />

professores e conseqüent<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> suas práxis educativas, <strong>no</strong>s leva a busca de caminhos<br />

<strong>que</strong> exig<strong>em</strong> algumas visitações, revisões, construções e reconstruções teórico-<br />

metodológicas.<br />

55


D<strong>em</strong>arcarei, assim, alguns referenciais como perspectivas teóricas para início de<br />

uma investigação reflexiva.<br />

Da liberdade à moralidade<br />

Para compreendermos o valor e a relevância do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> vida huma<strong>na</strong>, tor<strong>na</strong>-se<br />

necessário entendermos o seu processo de desenvolvimento e sua orig<strong>em</strong>.<br />

Edgar Morin, autor francês de inúmeros estudos sociológicos <strong>que</strong> perpassam <strong>que</strong>stões<br />

<strong>cultura</strong>is, políticas econômicas e históricas, <strong>no</strong>s faz ver <strong>que</strong> a trajetória do<br />

desenvolvimento huma<strong>no</strong>, desde a pré-história, tor<strong>na</strong>-se uma ciência fundamental da<br />

‘hominização’ 22 ,desde o aparecimento de <strong>no</strong>vas espécies ao desaparecimento das<br />

precedentes, levando o hom<strong>em</strong>, através de caracteres fisiológicos e de complexificação<br />

social, ao surgimento da linguag<strong>em</strong> e da <strong>cultura</strong>. Adquirimos um patrimônio de saberes,<br />

k<strong>no</strong>w-how, crenças, e mitos transmissíveis através de gerações: “a hominização teve início<br />

há milhões de a<strong>no</strong>s e adquiriu um caráter não ape<strong>na</strong>s a<strong>na</strong>tômico e genético, mas também<br />

psicológico e sociológico, para tor<strong>na</strong>r-se <strong>cultura</strong>l, a partir de um certo período. A<br />

hominização resulta <strong>em</strong> num <strong>no</strong>vo ponto de partida: o hom<strong>em</strong>”(MORIN, 2004, p.39).<br />

Compreendendo este hom<strong>em</strong> como homo complexus, abordarei sua faceta lúdica.<br />

Partindo-se deste contexto, sab<strong>em</strong>os <strong>que</strong> <strong>cultura</strong>lmente o ato de jogar é tão antigo<br />

quanto o próprio hom<strong>em</strong>, fazendo parte da condição huma<strong>na</strong> <strong>que</strong> s<strong>em</strong>pre manifestou<br />

impulso para o <strong>jogo</strong>. (HUIZINGA,2004). Isto pode ser observado <strong>na</strong>s sociedades mais<br />

arcaicas, pois, mesmo as atividades <strong>que</strong> visam às necessidades vitais primitivas são<br />

assumidas com caráter lúdico. À medida <strong>que</strong> o hom<strong>em</strong> primitivo foi desenvolvendo<br />

habilidade para o trabalho é <strong>que</strong> sua ludicidade passou a ser controlada.<br />

O hom<strong>em</strong>, enquanto sujeito bio-psico-socio-<strong>cultura</strong>l, se constitui de forma complexa <strong>em</strong><br />

múltiplos homos. T<strong>em</strong>os como ex<strong>em</strong>plos o homo sapiens , o homo faber e o homo<br />

ludens. Este último foi se perdendo <strong>na</strong> espécie huma<strong>na</strong> <strong>em</strong> função da necessidade de<br />

trabalho do hom<strong>em</strong>. O homo sapiens, de racio<strong>na</strong>lidade e sabedoria faz surgir o homo<br />

faber, o hom<strong>em</strong> ferramenteiro <strong>que</strong> extraiu da pedra (antes seu brin<strong>que</strong>do) sua ferramenta<br />

22 Processo de desenvolvimento huma<strong>no</strong> <strong>no</strong>s aspectos bio-psico-sócio-<strong>cultura</strong>is desde a sua gênese, passando<br />

a ter não somente um aspecto a<strong>na</strong>tômico e técnico, mas também ecológico, genético, etológico, psicológico,<br />

sociológico e mitológico ( Morin, 2004)<br />

56


de trabalho. O trabalho, assim, ocupou grande parte da ludicidade huma<strong>na</strong> e o homo faber<br />

derrotou o homo ludens. Cleomar Gomes assim se refere:<br />

“Os homens só sabiam se exprimir, mas quando aprenderam a importância<br />

do trabalho, impressa <strong>na</strong> palavra instrumento - uma coisa <strong>que</strong> serve para<br />

outra coisa - deixaram de ser lúdicos, restringindo, de <strong>que</strong>bra, o seu<br />

t<strong>em</strong>po de brincar”. (GOMES, 2003, p.9)<br />

A criança <strong>na</strong>sce lúdica, s<strong>em</strong> <strong>no</strong>ção do <strong>que</strong> seja trabalho, toda sua atmosfera é de<br />

ludicidade, onde o prazer acompanha suas atividades espontâneas, fazendo parte da<br />

etologia huma<strong>na</strong>. Para a criança o homo ludens não sucumbiu. Os <strong>jogo</strong>s e as brincadeiras<br />

pod<strong>em</strong> ter sofrido inúmeras transformações <strong>em</strong> diferentes contextos sociais, mas o prazer<br />

de brincar e o impulso para jogar não mudaram.<br />

“A ludicidade constitui um traço fundamental das <strong>cultura</strong>s infantis.<br />

Brincar não é exclusivo das crianças, é próprio do hom<strong>em</strong> e uma das suas<br />

actividades sociais mais significativas. Porém, as crianças brincam,<br />

continua e abnegadamente. Contrariamente aos adultos, entre brincar e<br />

fazer coisas sérias não há distinção, sendo o brincar muito do <strong>que</strong> as<br />

crianças faz<strong>em</strong> de mais sério”. ( SARMENTO,2004, p.10)<br />

Desde o hom<strong>em</strong> primitivo até o advento das instituições educativas, as atividades<br />

lúdicas perpassaram o contexto social e familiar de forma <strong>na</strong>tural e espontânea. A evolução<br />

do hom<strong>em</strong> <strong>na</strong> sociedade é <strong>que</strong> vai aos poucos desprezando o lúdico, e o <strong>que</strong> é pior, o<br />

associa ao ócio, como se este fosse pernicioso e miserável. Começa a se estabelecer o<br />

t<strong>em</strong>po e o lugar para as atividades lúdicas, para as brincadeiras e para os <strong>jogo</strong>s, cabendo à<br />

escola grande responsabilidade sobre o uso deste espaço/t<strong>em</strong>po.<br />

Assim, buscarei compreender, neste recorte histórico, como o lugar do homo ludens<br />

<strong>no</strong> contexto social e como a brincadeira, o <strong>jogo</strong> e a ludicidade foram ora ganhando e ora<br />

perdendo espaços <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> infantil.<br />

Philippe Ariès (1978), historiador francês, é um pesquisador da história social da<br />

família européia <strong>que</strong> privilegiou seus estudos <strong>no</strong> período <strong>que</strong> vai do século XVI até o<br />

século XVIII, onde a existência de fontes documentais mais ricas contribuiu para tal. Em<br />

sua obra “História social da criança e da família” t<strong>em</strong>os um pa<strong>no</strong>rama da evolução dos<br />

<strong>jogo</strong>s, principalmente, <strong>no</strong> capítulo “Pe<strong>que</strong><strong>na</strong> Contribuição à História dos Jogos e das<br />

57


Brincadeiras”, onde o autor <strong>no</strong>s traz um relato histórico de grande importância, apontando<br />

como a ludicidade envolvia o cotidia<strong>no</strong> da família e da sociedade.<br />

Nas sociedades européias, a partir do século XV, a<strong>na</strong>lisada por Áries (1978), pode-<br />

se perceber <strong>que</strong> as relações sociais eram estabelecidas <strong>em</strong> nível de trocas afetivas e<br />

comunicações <strong>que</strong> ocorriam fora da família, dando-se entre amigos; crianças e adultos;<br />

mulheres e homens; amos e criados e <strong>em</strong> outras relações <strong>que</strong> eram manifestadas livr<strong>em</strong>ente.<br />

Desta forma, o <strong>jogo</strong> aparece como facilitador destas relações por um longo período da<br />

história da sociedade européia. Os <strong>jogo</strong>s eram praticados com <strong>na</strong>turalidade <strong>em</strong> toda a<br />

sociedade, independent<strong>em</strong>ente da classe social e da faixa etária, fazendo parte do impulso<br />

huma<strong>no</strong> para o <strong>jogo</strong>.<br />

A comunicação entre as crianças e os adultos, desde a Idade Média, provocava uma<br />

aprendizag<strong>em</strong> <strong>que</strong> passou a ser um traço domi<strong>na</strong>nte até o século XVII, e principalmente <strong>no</strong>s<br />

<strong>jogo</strong>s, <strong>no</strong>s ritos, festas familiares e populares percebe-se este fenôme<strong>no</strong>: “era comum, do<br />

século XIV ao XVII, o hábito de confiar às crianças uma função especial <strong>no</strong> cerimonial <strong>que</strong><br />

acompanhava as reuniões familiares e sociais, tanto ordinárias como extraordinárias”<br />

(ARIÈS, 1978, p.98)<br />

Esta oportunidade de trocas sociais era proporcio<strong>na</strong>da por relações espontâneas,<br />

indistintas de diferenças de idade ou classes sociais. O cotidia<strong>no</strong> era vivido <strong>em</strong> sua<br />

plenitude.<br />

Hoje, este estilo de trocas encontra-se reduzida <strong>em</strong> <strong>no</strong>ssa sociedade, e a sociologia<br />

moder<strong>na</strong> tenta compreende-las, onde <strong>que</strong>r <strong>que</strong> estas trocas se estabeleçam, mesmo <strong>que</strong> <strong>na</strong>s<br />

atitudes mais ba<strong>na</strong>is de convívio huma<strong>no</strong>. A socialidade de todos os dias <strong>que</strong> Michel<br />

Maffesoli (1984), sociólogo francês cont<strong>em</strong>porâneo <strong>no</strong>s apresenta, é o lugar onde a<br />

potência social tenta se exprimir, cujo único sentido é o de viver junto, viver coletivamente.<br />

Assim, compartilho com Nilda Teves Ferreira a idéia de <strong>que</strong> “É <strong>na</strong> <strong>no</strong>ssa vida cotidia<strong>na</strong> de<br />

contor<strong>no</strong>s simbólicos intensos <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> se assume como um fenôme<strong>no</strong> sócio-<strong>cultura</strong>l<br />

impreg<strong>na</strong>do e transpirado dos poros do hom<strong>em</strong> moder<strong>no</strong>” (FERREIRA, s/d, p.2).<br />

Para os homens da sociedade européia dos séculos passados, o <strong>jogo</strong> era pensado<br />

como fenôme<strong>no</strong> <strong>na</strong>tural vivido coletivamente <strong>que</strong> transpirava também <strong>no</strong>s poros dos<br />

homens da<strong>que</strong>la época, ou melhor, de qual<strong>que</strong>r época e <strong>em</strong> qual<strong>que</strong>r sociedade.<br />

58


Desde o século XV, já havia registros ico<strong>no</strong>gráficos de representações de crianças<br />

brincando de balanço, cata-vento, cavalo de pau, pássaros presos a cordões e até bonecas,<br />

permitindo-<strong>no</strong>s imagi<strong>na</strong>r como eram estas brincadeiras. Estas atividades se mantêm até hoje<br />

<strong>em</strong> diferentes <strong>cultura</strong>s, apontando <strong>que</strong> os brin<strong>que</strong>dos e as brincadeiras atravessam e<br />

permeiam a caminhada huma<strong>na</strong>.<br />

Dentre atividades como o canto e a dança, brincava-se de soldadinho de chumbo,<br />

<strong>jogo</strong>s de pelotas (bolas) e brin<strong>que</strong>dos <strong>em</strong> miniaturas, <strong>que</strong>, nesta ocasião, também eram<br />

apreciados pelos adultos colecio<strong>na</strong>dores.<br />

Áries (1978) acredita num espírito de <strong>em</strong>ulação 23 <strong>que</strong> as crianças tinham <strong>na</strong> época,<br />

ou seja, brincavam para viver as atividades do mundo dos adultos por meio dos brin<strong>que</strong>dos<br />

<strong>em</strong> miniaturas. Na idade moder<strong>na</strong> as bonecas e os brin<strong>que</strong>dos <strong>em</strong> miniaturas passaram a<br />

ser mo<strong>no</strong>pólio das crianças, e, <strong>no</strong> século XIX, então chamados de bibelôs, tor<strong>na</strong>m-se<br />

objetos de colecio<strong>na</strong>dores <strong>na</strong>s vitri<strong>na</strong>s.<br />

Percebe-se também <strong>que</strong> os pe<strong>que</strong><strong>no</strong>s participavam dos rituais dos adultos e das<br />

festas populares da mesma forma como os adultos brincavam com as crianças de <strong>jogo</strong>s de<br />

mímica, <strong>jogo</strong>s de azar e de salão (cartas, dados, dentre outros). “Parece, portanto, <strong>que</strong> <strong>no</strong><br />

início do século XVII não existia uma separação tão rigorosa como hoje entre as<br />

brincadeiras e os <strong>jogo</strong>s reservados às crianças e os <strong>jogo</strong>s dos adultos. Os mesmos <strong>jogo</strong>s<br />

eram comuns a ambos”. (1978, p.88).<br />

As brincadeiras também faziam parte de rituais de caráter religiosos <strong>na</strong> sociedade<br />

européia do século XVII, como <strong>no</strong>s aponta Ariès:<br />

“Existia uma relação estreita entre a cerimônia religiosa comunitária e a<br />

brincadeira <strong>que</strong> compunha seu rito essencial. Com o t<strong>em</strong>po, a brincadeira<br />

se libertou de seu simbolismo religioso e perdeu seu caráter comunitário,<br />

tor<strong>na</strong>ndo-se ao mesmo t<strong>em</strong>po profa<strong>na</strong> e individual. Nesse processo, ela foi<br />

cada vez mais reservada às crianças, cujo repertório de brincadeiras surge<br />

então como o repositório de manifestações coletivas abando<strong>na</strong>das pela<br />

sociedade dos adultos e dessacralizadas. (ARIÈS,1978,p.89)<br />

Da idade média até o século XVII, percebe-se <strong>que</strong> as brincadeiras e o <strong>jogo</strong>, como<br />

divertimento, ocupavam a vida social desde a infância até a idade adulta.<br />

“As trocas afetivas e as comunicações sociais eram realizadas, portanto<br />

fora da família, num meio muito denso e <strong>que</strong>nte, composto de vizinhos,<br />

23 Sentimento <strong>que</strong> incita a imitar ou a exercer outr<strong>em</strong> <strong>em</strong> merecimentos; estímulo; rivalidade.<br />

59


amigos, amos e criados, crianças e velhos, mulheres e homens, <strong>em</strong> <strong>que</strong> a<br />

incli<strong>na</strong>ção se podia manifestar mais livr<strong>em</strong>ente. As famílias conjugais se<br />

diluíram neste meio. Os historiadores franceses chamariam hoje de<br />

“sociabilidade” essa propensão das comunidades tradicio<strong>na</strong>is aos<br />

encontros , às visitas, às festas. É assim <strong>que</strong> vejo <strong>no</strong>ssas velhas sociedades,<br />

diferentes ao mesmo t<strong>em</strong>po das <strong>que</strong> hoje <strong>no</strong>s descrev<strong>em</strong> os etnólogos e das<br />

<strong>no</strong>ssas sociedades industriais”. (Id<strong>em</strong>, p.11).<br />

Havia então, <strong>na</strong> sociedade européia, um contexto social <strong>que</strong> cumpria desde cedo a<br />

função educativa pela vivência, pelo estar junto, até <strong>que</strong> a idade escolar se aproximasse<br />

reorganizando as formas de convivência.<br />

A idade dos sete a<strong>no</strong>s <strong>na</strong> sociedade européia é fixada como marco de<br />

transformações comportamentais pela leitura moralista e pedagógica do século XVII<br />

(ARIÈS, 1978). A criança, ao entrar <strong>na</strong> escola ou começar a trabalhar, é chamada para a<br />

responsabilidade. A escola substitui a aprendizag<strong>em</strong> como meio de educação e a criança se<br />

afasta do adulto num processo <strong>que</strong> o autor de<strong>no</strong>mi<strong>no</strong>u de enclausuramento, ou seja, a<br />

escolarização limitou as trocas sociais onde o contato com a vida adulta ficou reduzido.<br />

Foram sendo atribuídos aos <strong>jogo</strong>s de salão, de cartas, de dados, <strong>jogo</strong>s de azar e a dinheiro<br />

um valor moral de negatividade, principalmente para os representantes da Igreja e para os<br />

educadores <strong>no</strong> decorrer dos séculos seguintes, pois estes eram destituídos de sacrifício para<br />

o ganho fi<strong>na</strong>nceiro. Assim, ganhava-se dinheiro fácil. Este fato afetou diretamente as<br />

práticas dos <strong>jogo</strong>s, mas, por mais <strong>que</strong> um cunho moralista estivesse presente <strong>na</strong> educação<br />

dos pe<strong>que</strong><strong>no</strong>s, eles não abando<strong>na</strong>vam os <strong>jogo</strong>s e brincadeiras, mostrando <strong>que</strong> a necessidade<br />

do lúdico é mais forte <strong>que</strong> as regras sociais. O homo ludens persiste <strong>em</strong> habitar o homo<br />

complexus e o homo faber tenta manter o convívio com o homo ludens.<br />

Esta transformação <strong>na</strong> ocupação do lugar social da criança levou as famílias<br />

européias à criação de laços de afeição entre os cônjuges. Pais e filhos passaram a<br />

caracterizar um <strong>no</strong>vo quadro de família com preocupações quanto à educação,<br />

diferent<strong>em</strong>ente da composição anterior <strong>que</strong> incluíam diversos familiares com diferentes<br />

graus de parentesco vivendo numa mesma morada, onde se aprendia e se ensi<strong>na</strong>va<br />

<strong>na</strong>turalmente. Portanto, a família passou a se organizar <strong>em</strong> tor<strong>no</strong> da criança, tirando-a, até<br />

então, do a<strong>no</strong>nimato. Este processo origi<strong>no</strong>u um movimento de moralização promovido<br />

pelos reformadores educacio<strong>na</strong>is católicos ligados à Igreja, às leis e ao Estado.<br />

60


A distinção entre trabalho e lazer começa a acentuar-se, desde então, e a<br />

desvalorização dos <strong>jogo</strong>s, como el<strong>em</strong>ento pertencente ao cotidia<strong>no</strong> tanto do adulto quanto<br />

da criança, começa a ser percebida. Neste sentido, o homo ludens perde terre<strong>no</strong> para o<br />

homo faber, refletindo-se <strong>no</strong> contexto educativo <strong>que</strong> julga, <strong>na</strong> maioria das vezes, as<br />

atividades das discipli<strong>na</strong>s com conteúdos escolares como atividades sérias (trabalho para a<br />

mente) e atividades de <strong>jogo</strong>s como atividades recreativas (lazer para o corpo e para o<br />

espírito), constituindo-se numa dicotomia presente <strong>no</strong>s t<strong>em</strong>pos moder<strong>no</strong>s <strong>no</strong> âmbito<br />

educacio<strong>na</strong>l.<br />

O caráter <strong>que</strong> os <strong>jogo</strong>s vão assumindo <strong>no</strong> processo de evolução da sociedade vai<br />

relacio<strong>na</strong>ndo-os ao divertimento, com espaço e t<strong>em</strong>po delimitados. A oportunidade do<br />

homo ludens não sucumbir por completo, frente às exigências do homo faber, restringe-se<br />

a um t<strong>em</strong>po/espaço próprios para a diversão e o lazer.<br />

“Na sociedade antiga, o trabalho não ocupava tanto t<strong>em</strong>po do dia, n<strong>em</strong><br />

tinha importância <strong>na</strong> opinião comum: não tinha o valor existencial <strong>que</strong> lhe<br />

atribuímos há pouco mais de um século. Mal pod<strong>em</strong>os dizer <strong>que</strong> tivesse<br />

omesmo sentido. Por outro lado, os <strong>jogo</strong>s e os divertimentos estendiam-se<br />

muito além dos momentos furtivos <strong>que</strong> lhes dedicamos: formavam um dos<br />

principais meios de <strong>que</strong> dispunham uma sociedade para estreitar seus laços<br />

coletivos, para se sentir unida”. (ARIÈS,1978, p.94)<br />

Com relação aos <strong>jogo</strong>s, <strong>que</strong> ocupavam lugar tão importante <strong>na</strong>s sociedades antigas,<br />

pod<strong>em</strong>os observar <strong>que</strong>, ao fi<strong>na</strong>l do século XVIII, lhes são atribuídos valores morais, por<br />

esta razão passam a ser controlados. Para Áries(1978) esta atitude t<strong>em</strong> dois aspectos<br />

contraditórios:<br />

“De um lado, os <strong>jogo</strong>s eram todos admitidos s<strong>em</strong> reservas n<strong>em</strong><br />

discrimi<strong>na</strong>ção pela grande maioria. Por outro lado, e ao mesmo t<strong>em</strong>po,<br />

uma mi<strong>no</strong>ria poderosa e culta de moralistas religiosos os conde<strong>na</strong>va quase<br />

todos de forma igualmente absoluta, e denunciava sua imoralidade, s<strong>em</strong><br />

admitir praticamente nenhuma exceção. A indiferença moral da maioria e<br />

a intolerância de uma elite educadora coexistiram durante muito t<strong>em</strong>po.<br />

Ao longo dos séculos XVII e XVIII, porém, estabeleceu-se um<br />

compromisso <strong>que</strong> anunciava a atitude moder<strong>na</strong> com relação aos <strong>jogo</strong>s,<br />

fundamentalmente diferente da atitude antiga”. ( Id<strong>em</strong>, p.104)<br />

Surge, assim, um <strong>no</strong>vo sentimento da infância com uma preocupação até então<br />

desconhecida de preservar sua moralidade e também de educá-la, sendo proibidos os <strong>jogo</strong>s<br />

maus e reconhecendo-se os <strong>jogo</strong>s bons. Mas quais seriam os bons e os maus <strong>jogo</strong>s? Ariès<br />

61


<strong>no</strong>s ajuda nesta compreensão. Os <strong>jogo</strong>s de azar e a dinheiro passavam a ser considerados<br />

perigosos e s<strong>em</strong> valor moral, atribuídos principalmente pelo clero e pelos moralistas<br />

conservadores da época, pois proporcio<strong>na</strong>vam uma renda <strong>que</strong> não era derivada do trabalho.<br />

Os <strong>jogo</strong>s bons tendiam para o desenvolvimento motor da criança. No século XVII os <strong>jogo</strong>s<br />

de exercício ou de movimentos físicos são apreciados como recreativos e aceitos como<br />

relaxamento das d<strong>em</strong>ais atividades escolares, como alívio do trabalho e justo repouso. A<br />

adequação dos diferentes tipos de <strong>jogo</strong>s à capacidade física e intelectual das crianças foi<br />

sendo motivo de preocupação dos educadores deste período. Trata-se dos <strong>jogo</strong>s <strong>que</strong>,<br />

posteriormente, passaram a compreender o objetivo principal da educação física, cujo<br />

caminho começava a se trilhado a partir das raízes européias (SOARES, 2001).<br />

No fi<strong>na</strong>l do século XVIII, além dos <strong>jogo</strong>s motores (bons) ser<strong>em</strong> valorizados,<br />

sobretudo pela área médica, passam a ter valor formativo, pois o caráter discipli<strong>na</strong>dor<br />

cont<strong>em</strong>plaria as exigências de um exército forte <strong>em</strong> situações de guerras. Desta forma, os<br />

<strong>jogo</strong>s passam a fazer parte das propostas educativas por proporcio<strong>na</strong>r<strong>em</strong> o b<strong>em</strong> estar físico<br />

e moral.<br />

“No fim do século XVIII, os <strong>jogo</strong>s de exercícios receberam uma outra<br />

justificativa, desta vez patriótica: eles preparavam os rapazes para a<br />

guerra. Compreenderam-se então os benefícios <strong>que</strong> a educação física<br />

podia trazer à instrução militar. Nesta época, <strong>que</strong> assistiu ao <strong>na</strong>scimento<br />

dos <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas moder<strong>no</strong>s, o trei<strong>na</strong>mento de soldados tor<strong>no</strong>u-se uma<br />

técnica quase científica” ( ARIÈS,1978, p.113).<br />

Esta foi uma das mais fortes marcas <strong>na</strong> área de educação física brasileira, cujos<br />

<strong>jogo</strong>s <strong>no</strong> interior das escolas surg<strong>em</strong> como atividades de cunho moral, discipli<strong>na</strong>dor e<br />

formador de corpos saudáveis. Esta evolução foi acompanhada pela preocupação com a<br />

saúde, a moral e o b<strong>em</strong> comum, onde <strong>jogo</strong>s de movimento corporal cont<strong>em</strong>plavam os<br />

interesses educativos b<strong>em</strong> mais do <strong>que</strong> os <strong>jogo</strong>s de salão. Este foi um legado percebido até<br />

hoje <strong>em</strong> concepções sobre a educação física <strong>no</strong> contexto educacio<strong>na</strong>l, principalmente <strong>em</strong><br />

suas práticas por meio de <strong>jogo</strong>s.<br />

A burguesia européia <strong>que</strong> começa a surgir <strong>no</strong> século XVIII, tende a abando<strong>na</strong>r os<br />

<strong>jogo</strong>s tradicio<strong>na</strong>is de salão por<strong>que</strong> os <strong>no</strong>bres passam a evitar se misturar com os plebeus e,<br />

principalmente, distrair-se com eles. Esta mentalidade, <strong>no</strong> entanto, segundo Áries (1978),<br />

não conseguiu se impor completamente, só depois da consolidação da substituição da<br />

62


<strong>no</strong>breza pela burguesia, <strong>no</strong> decorrer deste mesmo século, é <strong>que</strong> se percebe de fato este<br />

fenôme<strong>no</strong>.<br />

Uma grande parte dos <strong>jogo</strong>s antigos passou gradualmente para o repertório dos<br />

<strong>jogo</strong>s infantis e populares <strong>na</strong> medida <strong>em</strong> <strong>que</strong> a burguesia os abando<strong>na</strong>va. A classe burguesa,<br />

<strong>no</strong> entanto, retoma o <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> século XIX valorizando-o pelo esporte, ou melhor, pelas<br />

diferentes modalidades desportivas <strong>que</strong> apareceram <strong>na</strong> época, principalmente <strong>na</strong> Inglaterra.<br />

A educação física passa a ser a própria expressão física do capitalismo <strong>que</strong> surgia,<br />

integrando a construção de uma <strong>no</strong>va sociedade calcada <strong>no</strong>s ideais de liberdade, igualdade e<br />

fraternidade, criando-se o <strong>que</strong> Soares (2001), desig<strong>na</strong> por ‘social biologizado’ 24 . O papel<br />

<strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> passa a tomar lhe confere um aspecto de frivolidade e lazer <strong>que</strong>, por sua vez, é<br />

necessário para o espírito, para o descanso e para o melhor funcio<strong>na</strong>mento orgânico.<br />

Da moralidade à racio<strong>na</strong>lidade<br />

Como pod<strong>em</strong>os observar, os <strong>jogo</strong>s fizeram parte das sociedades antigas de forma<br />

espontânea e se <strong>na</strong>turalizaram como forma de rituais pertencentes às diferentes classes<br />

sociais e a diferentes idades. Não havia preocupação educativa, pois o aprendizado dos<br />

pe<strong>que</strong><strong>no</strong>s <strong>em</strong> diferentes aspectos se fazia <strong>em</strong> conformidade com as práticas sócias.<br />

O campo educacio<strong>na</strong>l, atendendo a uma visão positivista, começa a se estabelecer e<br />

coloca o hom<strong>em</strong> sob <strong>no</strong>vas bases, onde o cuidado refere-se igualmente aos aspectos<br />

mentais, intelectuais, morais e físicos. O <strong>jogo</strong>, <strong>no</strong> contexto social, vai, com isto, adquirindo<br />

um caráter profa<strong>no</strong> enquanto prática recreativa, livre e espontânea <strong>que</strong> o r<strong>em</strong>ete ao não-<br />

racio<strong>na</strong>l. Sua prática, mesmo <strong>que</strong> limitada aos <strong>jogo</strong>s motores, se compartimentaliza <strong>no</strong><br />

campo da educação física, não sendo abando<strong>na</strong>do por completo <strong>no</strong> interior da escola.<br />

Valoriza-se, desta forma, seu caráter motor e moral enquanto prática desportiva e atividade<br />

física sist<strong>em</strong>atizada.<br />

24 O hom<strong>em</strong> biológico passa a ser o centro da <strong>no</strong>va sociedade exigindo leis próprias para o mundo físico e o<br />

huma<strong>no</strong>, devendo a ciência cumpri-las. (Soares, 2001)<br />

63


O desenvolvimento das ciências mat<strong>em</strong>áticas, <strong>no</strong> fi<strong>na</strong>l do século XVII, contribuiu<br />

também para uma <strong>no</strong>va mentalidade com relação aos <strong>jogo</strong>s, pois passam a ser aceitos com<br />

reservas por seu valor intelectual, <strong>em</strong>bora continu<strong>em</strong> sendo entendidos como pertencentes<br />

ao mundo do ócio.<br />

Duflo (1999) é mais um dos autores <strong>que</strong> <strong>no</strong>s oferece dados importantes <strong>na</strong><br />

compreensão da trajetória social dos <strong>jogo</strong>s, muito <strong>em</strong>bora seus estudos estejam mais<br />

voltados para os <strong>jogo</strong>s <strong>que</strong> os moralistas da sociedade européia do século XVIII<br />

de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong>vam de ‘<strong>jogo</strong>s maus’ ( <strong>jogo</strong>s de sorte, apostas e disputas), mas <strong>que</strong> pertenciam<br />

tanto ao contexto social quanto ao educacio<strong>na</strong>l.<br />

As citações históricas <strong>que</strong> apresento a seguir estão <strong>na</strong> obra de Duflo (1999) e<br />

<strong>no</strong>rtearão <strong>no</strong>sso entendimento sobre as diferentes concepções <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> veio adquirindo ao<br />

longo da história.<br />

As <strong>no</strong>ções sobre <strong>jogo</strong>s <strong>no</strong>s séculos passados deixaram suas marcas através de alguns<br />

pensadores clássicos <strong>que</strong> Duflo (1999) resgata para compreensão do desenvolvimento do<br />

<strong>jogo</strong> <strong>no</strong> contexto social. Aristóteles, por ex<strong>em</strong>plo, entende <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> não é um fim <strong>em</strong> si<br />

mesmo, mas uma atividade de descanso para compensar o t<strong>em</strong>po de trabalho 25 . Este<br />

pensador teve, s<strong>em</strong> dúvida, um papel muito importante para o desenvolvimento da ciência<br />

<strong>no</strong> lado ocidental do mundo. Seus trabalhos constitu<strong>em</strong> quase uma enciclopédia do<br />

pensamento clássico pela profundidade e variedade de seus conhecimentos <strong>que</strong> continham<br />

escritos sobre lógica, filosofia, física, astro<strong>no</strong>mia, biologia, psicologia, política e literatura.<br />

Sua concepção de <strong>jogo</strong> é um <strong>no</strong>rteador para reflexão de posteriores pensadores.<br />

A felicidade, para este filósofo, é um ato ao qual não falta <strong>na</strong>da, sendo o <strong>jogo</strong> uma<br />

das atividades <strong>que</strong> promove a felicidade. “O <strong>que</strong> procura, com efeito, a<strong>que</strong>le <strong>que</strong> joga,<br />

senão o prazer do próprio <strong>jogo</strong>? Eis uma ação <strong>que</strong> é desejável <strong>em</strong> si: a causa fi<strong>na</strong>l do <strong>jogo</strong><br />

é o próprio <strong>jogo</strong>”. (apud DUFLO,1999)<br />

Jogos e brincadeiras <strong>na</strong>s escolas s<strong>em</strong>pre estiveram associados ao divertimento <strong>que</strong>,<br />

por sua vez, é associado ao prazer. Neste sentido vamos ao encontro do pensamento<br />

aristotélico quando julga <strong>que</strong> ao <strong>no</strong>s divertirmos alcançamos a felicidade necessária à<br />

plenitude huma<strong>na</strong>.<br />

25 Texto Ética a Nicômaco,X,6.<br />

64


Tomás de Aqui<strong>no</strong>, filósofo e teólogo italia<strong>no</strong> do século XIII, seguidor de Aristóteles<br />

e Santo Agostinho, já apontava <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> t<strong>em</strong> dupla positividade: pertence ao domínio do<br />

repouso necessário ao espírito e leva o indivíduo à alegrar-se, pois trata-se de uma atividade<br />

agradável. Para ele, o <strong>jogo</strong> deve ser praticado comedidamente, pois poderá passar do pla<strong>no</strong><br />

da recreação para o da ocupação <strong>que</strong> tenderá ao aniquilamento do hom<strong>em</strong>. Pelo vício o<br />

hom<strong>em</strong> tor<strong>na</strong>-se “uma presa fácil da magia do ato de jogar. O <strong>que</strong> começa pelo lúdico,<br />

pelo prazer, alimentado pelo sonho, pelo desejo, pode transformar-se <strong>em</strong> vício”.<br />

(FERREIRA, s/d, p.4)<br />

Mas qual o limite do sonho huma<strong>no</strong>? Como controlar os desejos do hom<strong>em</strong>? Tomás<br />

de Aqui<strong>no</strong> acreditava <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> cumpre sua função se não for praticado <strong>em</strong> excesso, daí a<br />

necessidade de auto-controle <strong>em</strong> sua prática para não levar o sujeito a angústia e ao<br />

desprazer. Mas como separar e controlar a <strong>em</strong>oção e a razão quando a atividade tor<strong>na</strong>-se<br />

prazerosa ou desafiante? Qual a medida deste controle? Estaria a escola partilhando dos<br />

princípios de Tomás de Aqui<strong>no</strong> ao considerar o <strong>jogo</strong> ape<strong>na</strong>s relaxante e recreativo? Faria<br />

ela restrições às atividades de <strong>jogo</strong>s por receio de <strong>em</strong>botar <strong>em</strong> seus alu<strong>no</strong>s valores morais<br />

reprováveis socialmente? Marcas de um velho t<strong>em</strong>po <strong>no</strong>s <strong>no</strong>vos t<strong>em</strong>pos, e só buscando um<br />

outro paradigma para olhar o <strong>jogo</strong> poder<strong>em</strong>os compreender seus sentidos para as pessoas.<br />

Uma das observações <strong>que</strong> pod<strong>em</strong>os fazer é <strong>que</strong> o t<strong>em</strong>po do <strong>jogo</strong> e o t<strong>em</strong>po das<br />

d<strong>em</strong>ais atividades, de um modo geral, aparec<strong>em</strong> de forma compartimentalizada <strong>no</strong> interior<br />

da escola, onde a hora de estudar e a hora de brincar têm t<strong>em</strong>pos distintos. Os pensamentos<br />

de Aristóteles e Aqui<strong>no</strong> são cont<strong>em</strong>plados por esta lógica. O <strong>jogo</strong> deve ser controlado, mas<br />

é necessário para descanso e alegria das crianças. Para Aqui<strong>no</strong> “ É preciso distinguir não só<br />

os <strong>jogo</strong>s bons dos maus, mas também o bom e o mau uso do <strong>jogo</strong>”.(apud DUFLO, 1999,<br />

p.21)<br />

Gottfried Wilhelm Leibniz, pensador al<strong>em</strong>ão do fi<strong>na</strong>l do século XVII e início do<br />

XVIII, dedicado às teorias mat<strong>em</strong>áticas <strong>que</strong> domi<strong>na</strong>ram o pensamento social do século<br />

XVII, acreditava <strong>que</strong> as pesquisas desta área provocavam uma reavaliação intelectual do<br />

<strong>jogo</strong>: “ muitas vezes tenho observado <strong>que</strong> os homens nunca são mais inteligentes <strong>que</strong> <strong>em</strong><br />

seus divertimentos, o <strong>que</strong> tor<strong>na</strong> os <strong>jogo</strong>s dig<strong>no</strong>s do interesse dos mat<strong>em</strong>áticos , não por eles<br />

mesmos, mas pela arte de inventar” (Id<strong>em</strong>,p.27) Com isto Leibniz dá ao <strong>jogo</strong> uma<br />

dignidade antropológica, da qual alguns pensadores tirarão partido <strong>no</strong>s séculos seguintes.<br />

65


Com esta espécie de legitimação, o <strong>jogo</strong> tor<strong>no</strong>u-se objeto do campo científico, e <strong>no</strong><br />

rastro de Leibniz, segue Blaise Pascal, mat<strong>em</strong>ático francês do mesmo século, inventor da<br />

primeira calculadora aritmética, <strong>que</strong> dedicado aos <strong>jogo</strong>s de dados, conduz-se ao estudo das<br />

probabilidades mat<strong>em</strong>áticas <strong>que</strong> ele de<strong>no</strong>mi<strong>no</strong>u Aleae Geometria (Geometria do Acaso).<br />

Para este cientista, não interessava fazer juízo de valor sobre o <strong>jogo</strong>, mas sim compreender<br />

por<strong>que</strong> jogam e <strong>que</strong> sentido t<strong>em</strong> o <strong>jogo</strong> para <strong>que</strong>m joga.<br />

Não ape<strong>na</strong>s como cientista Pascal investiga o <strong>jogo</strong> e os jogadores, mas, sobretudo,<br />

como observador da condição huma<strong>na</strong>. A teoria de Pascal sobre divertimento pauta-se <strong>na</strong><br />

concepção sobre o movimento huma<strong>no</strong>. Para ele, o divertimento é a paixão pelo movimento<br />

e o repouso completo leva o indivíduo à morte. O hom<strong>em</strong> <strong>que</strong> se diverte foge das<br />

infelicidades da vida, se envolve num outro movimento para si mesmo <strong>em</strong> busca do prazer<br />

e da própria felicidade. O <strong>jogo</strong> é motivado pelo divertimento <strong>que</strong> pode gerar, ele é<br />

entretenimento <strong>no</strong> mundo moder<strong>no</strong>. O caráter recreativo do <strong>jogo</strong>, por esta concepção,<br />

prevalece como compensador das d<strong>em</strong>ais atividades cotidia<strong>na</strong>s. Neste sentido ‘viver o<br />

<strong>jogo</strong>’ é viver um outro t<strong>em</strong>po <strong>que</strong> escapa da realidade. Nos momentos de transgressão <strong>no</strong><br />

mundo do lazer, o jogador encontra uma saída para as limitações da vida real e a saída se<br />

alimenta de sonhos, de desejos e de fantasias <strong>que</strong> o afastam da racio<strong>na</strong>lidade socialmente<br />

desejável.<br />

Assim como os <strong>jogo</strong>s de sorte, os <strong>jogo</strong>s de estratégias também são valorizados <strong>no</strong><br />

contexto sócio-histórico do século XVIII. T<strong>em</strong>os, como maior ex<strong>em</strong>plo, o <strong>jogo</strong> de xadrez 26<br />

<strong>que</strong> acreditava-se desenvolver mecanismos mentais e estratégias úteis <strong>em</strong> ma<strong>no</strong>bras<br />

militares. Hoje, os <strong>jogo</strong>s de estratégia são valorizados por despertar<strong>em</strong> o jogador para o<br />

raciocínio, a inventividade, a criatividade e a capacidade de resolução de probl<strong>em</strong>as, por<br />

esta perspectiva a escola passa a acatar, de certa forma, os chamados <strong>jogo</strong>s educativos.<br />

Até mesmo os princípios de transgressão foram pensados também a partir dos <strong>jogo</strong>s<br />

<strong>no</strong> século XVIII. Para os pensadores da época, era benéfico pensar e saber agir perante o<br />

desrespeito às regras. Em Duflo (1999), encontramos o princípio de trapaça <strong>no</strong> <strong>jogo</strong><br />

veiculado por alguns pensadores do século XVIII: “De maneira geral, o <strong>jogo</strong> é uma escola,<br />

26 Segundo Santos e Araújo ( 2003), o <strong>jogo</strong> de xadrez é mile<strong>na</strong>r . foi criado <strong>na</strong> Índia, passou pela Pérsia e pela<br />

Arábia, chegando a Europa pelos mouros. Modificou-se as formas, as peças de jogar e os movimentos destas ,<br />

incorporando-lhe aspectos dessas diferentes <strong>cultura</strong>s ( In FERREIRA COSTA, 2003)<br />

66


pois pressupõe e estimula a atenção, qualidade essencial do espírito inventivo <strong>que</strong> só o é<br />

por<strong>que</strong> é primeiro espírito atento” (Id<strong>em</strong>, p.25).<br />

Duflo (1999) aponta ainda <strong>que</strong> Johan Cristoph von Schiller, poeta e filósofo al<strong>em</strong>ão<br />

do século XVIII, fundador <strong>na</strong> história da <strong>no</strong>ção do <strong>jogo</strong> <strong>em</strong> filosofia, faz de sua obra “As<br />

cartas sobre a educação estética do hom<strong>em</strong>” um marco importante e revelador do<br />

princípio filosófico sobre ao <strong>jogo</strong>. Segundo Schiller, “ o hom<strong>em</strong> não joga senão quando,<br />

<strong>na</strong> ple<strong>na</strong> concepção da palavra, é hom<strong>em</strong>, e não é totalmente hom<strong>em</strong> senão quando joga”<br />

(apud DUFLO, 1999, p.77) A partir desta reflexão foi atribuído ao <strong>jogo</strong> um <strong>no</strong>vo olhar<br />

<strong>que</strong> gerou um marco significativo <strong>na</strong> história: o século XVIII foi o século das Luzes e das<br />

teorias sobre <strong>jogo</strong>. Buscava-se o entendimento racio<strong>na</strong>l do <strong>jogo</strong> como manifestação social,<br />

pois, até então, o <strong>jogo</strong> era discutido e investigado por seu valor ético e por aspectos<br />

epist<strong>em</strong>ológicos da <strong>que</strong>stão, onde, paradoxalmente, incentivavam e reprimiam suas práticas<br />

<strong>no</strong> contexto educacio<strong>na</strong>l e social <strong>em</strong> função de seus valores, ora de divertimento, ora como<br />

formador moral e físico, colocado-o assim <strong>em</strong> dois pólos distintos, independent<strong>em</strong>ente do<br />

tipo de <strong>jogo</strong> <strong>que</strong> se <strong>que</strong>ira pensar.<br />

Schiller (apud DUFLO, 1999) eleva a <strong>no</strong>ção de <strong>jogo</strong> a um grau, até então,<br />

inigualável. Na vertente antropológica o <strong>jogo</strong> não deve ser <strong>que</strong>stio<strong>na</strong>do ape<strong>na</strong>s por possuir<br />

um sist<strong>em</strong>a de regras e estratégias, mas, sobretudo, enquanto fenôme<strong>no</strong> <strong>que</strong> implica num<br />

comportamento de impulso lúdico, o <strong>que</strong> Schiller (id<strong>em</strong>) chama de tendência ao <strong>jogo</strong> e<br />

<strong>que</strong> posteriormente Huizinga (2004) veio chamar de instinto para o <strong>jogo</strong>, sendo <strong>que</strong><br />

Schiller não considerava esta tendência como um instinto.<br />

Não pod<strong>em</strong>os dizer, segundo Schiller, <strong>que</strong> encontramos <strong>na</strong> humanidade a tendência<br />

ao <strong>jogo</strong>, mas sim deduzir <strong>que</strong> ela existe a partir de uma exploração antropológica ao longo<br />

de séculos. Entendo <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> é parte da condição ontológica do ser huma<strong>no</strong>, sendo criado<br />

pelo hom<strong>em</strong> para atender suas necessidades de ludicidade, lazer e escape. O homo ludens<br />

<strong>está</strong> compreendido <strong>no</strong> homo complexus. Na conciliação entre a razão e a sensibilidade<br />

huma<strong>na</strong> surge a tendência ao <strong>jogo</strong>, como julga Schiller<br />

“O <strong>que</strong> se passa aqui é o pensamento de uma relação possível <strong>que</strong> não seja<br />

simplesmente de exclusão entre a sensibilidade e a razão , entre a<br />

passividade e a liberdade, a forma e a matéria, <strong>que</strong> cria um ser huma<strong>no</strong><br />

total , livre <strong>em</strong> sua sensibilidade e sensível <strong>em</strong> sua liberdade, um ser<br />

huma<strong>no</strong> <strong>que</strong> <strong>que</strong>ira a forma e seu conteúdo sensível, s<strong>em</strong> relação de<br />

67


assujeitamento de um ao outro, mas <strong>em</strong> relação de harmonia”. (Id<strong>em</strong>,<br />

p.74)<br />

Na visão de Schiller, o <strong>jogo</strong> é síntese livre e o trabalho é discipli<strong>na</strong>r e a<strong>na</strong>lítico. O<br />

<strong>jogo</strong> é harmonia entre a beleza e o equilíbrio, tanto para o físico quanto para o espírito<br />

huma<strong>no</strong>.<br />

O caráter de lazer, de divertimento, de seriedade e de trabalho, de Aristóteles a<br />

Schiller, vai dando ao <strong>jogo</strong> um <strong>no</strong>vo estatuto <strong>no</strong> campo educacio<strong>na</strong>l.<br />

Para muitos docentes, o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola é um momento de lazer e suas regras<br />

levam o alu<strong>no</strong> a uma certa discipli<strong>na</strong> <strong>que</strong> é imposta pelo próprio <strong>jogo</strong>, o <strong>que</strong> tor<strong>na</strong>-se um<br />

facilitador para incutir <strong>na</strong>s crianças princípios de <strong>no</strong>rmas sociais. No contexto educacio<strong>na</strong>l<br />

da atualidade, os <strong>jogo</strong>s têm caráter recreativo <strong>na</strong>s aulas de recreação, <strong>na</strong>s atividades de<br />

recreio e muitas vezes, para alguns professores, <strong>na</strong>s aulas de educação física. Seu valor<br />

educativo não é percebido para além do conceito de descanso, compensação das outras<br />

atividades e valores físicos e morais. Mesmo quando o professor do ensi<strong>no</strong> fundamental o<br />

utiliza com um conteúdo didático, o faz de forma a alegrar a turma, de forma a motivar os<br />

alu<strong>no</strong>s para o aprendizado do conteúdo programado. As raízes da concepção do <strong>jogo</strong> da era<br />

da racio<strong>na</strong>lidade ainda estão presentes <strong>no</strong> contexto educacio<strong>na</strong>l da modernidade, e, para<br />

tanto, é preciso um <strong>no</strong>vo olhar para a descoberta dos sentidos do ato de jogar.<br />

Da racio<strong>na</strong>lidade à complexidade<br />

Percorrendo as diferentes abordagens sobre a t<strong>em</strong>ática <strong>jogo</strong>, encontramos<br />

referências oportu<strong>na</strong>s de autores <strong>que</strong> serv<strong>em</strong> como janelas abertas à visões diferenciadas do<br />

t<strong>em</strong>a. A partir de uma visão sócio histórica de Áries, de uma postura filosófica trazida por<br />

Johan Huizinga, da associação de <strong>jogo</strong> e educação <strong>na</strong> abordag<strong>em</strong> de Gilles Brougère e<br />

ainda com as propostas de classificação dos <strong>jogo</strong>s apontadas por Roger Caillois, passarei<br />

para uma proposta de abordag<strong>em</strong> compreensiva <strong>que</strong> relacione o <strong>jogo</strong> à teoria da<br />

complexidade de Edgar Morin, compreendendo-o como um dos fenôme<strong>no</strong> sócio-<strong>cultura</strong>is<br />

<strong>que</strong> atravessa a existência huma<strong>na</strong> <strong>em</strong> suas práticas cotidia<strong>na</strong>s, <strong>que</strong> serão aqui<br />

compreendidas também sob a ótica de Michel Maffesoli.<br />

68


A polaridade prazer/trabalho incutida aos <strong>jogo</strong>s foi, ao longo dos séculos, se<br />

acentuando <strong>no</strong> contexto educacio<strong>na</strong>l e levando professores a entender estes momentos<br />

como distintos, ou de forma enga<strong>no</strong>sa, fazendo com <strong>que</strong> seus alu<strong>no</strong>s acredit<strong>em</strong> <strong>que</strong> estão<br />

brincando quando <strong>na</strong> verdade estão cumprindo tarefas por meio de <strong>jogo</strong>s. Professores<br />

passam a utilizar o <strong>jogo</strong> como atividade, mas com <strong>que</strong> sentido? Uma das maiores<br />

observações <strong>que</strong> tenho feito é <strong>que</strong> o t<strong>em</strong>po do <strong>jogo</strong> e o t<strong>em</strong>po das d<strong>em</strong>ais atividades, de um<br />

modo geral, têm aparecido de forma compartimentalizada <strong>no</strong> interior da escola, onde a<br />

hora de estudar e a hora de brincar têm t<strong>em</strong>pos distintos, ou, quando não, para estudar de<br />

forma prazerosa é preciso brincar, surgindo assim os <strong>jogo</strong>s educativos, <strong>que</strong> sendo uma<br />

tarefa ‘mascarada’, cumpr<strong>em</strong> com sua fi<strong>na</strong>lidade de transmissão de um conteúdo. O caráter<br />

sério, não-sério mescla-se de tal forma <strong>que</strong> tor<strong>na</strong>-se difícil apreender quando se <strong>está</strong><br />

fazendo uso de uma ou outra intenção. Os sentidos dos <strong>jogo</strong>s passam a ser, segunda esta<br />

concepção, divertir os alu<strong>no</strong>s enquanto executam uma atividade programada, ou, enquanto<br />

recreação, compensá-los das exigências das tarefas escolares. Abre-se espaço desta forma<br />

para os <strong>jogo</strong>s didáticos e para as atividades de recreação.<br />

Compreendo <strong>que</strong>, para além de se atribuir funções e objetivos para o <strong>jogo</strong>, é preciso<br />

interpretá-lo como fenôme<strong>no</strong> <strong>que</strong> revela a atitude lúdica do hom<strong>em</strong>. Envolvido por regras,<br />

acasos, competição, simulacros e outras tantas instâncias ligadas à razão e a <strong>em</strong>oção, o <strong>jogo</strong><br />

faz parte das atividades huma<strong>na</strong>s, principalmente infantis, sendo assim pertencente ao<br />

campo educacio<strong>na</strong>l. Escola também é espaço/t<strong>em</strong>po de <strong>jogo</strong>. O <strong>jogo</strong> é campo das fruições<br />

do hom<strong>em</strong>, t<strong>em</strong> sentido de evasão do real, permitindo aos jogadores vivenciar<strong>em</strong> um<br />

outro t<strong>em</strong>po/espaço, fazendo valer a liberdade e a sua criação. Vivido como <strong>em</strong> um<br />

‘lugar outro’ (Huizinga,2004), fora da mundanidade, o espaço do <strong>jogo</strong> assume uma<br />

dimensão ple<strong>na</strong> de escape como <strong>no</strong>s faz ver Ferreira:<br />

“O <strong>jogo</strong> para o ser huma<strong>no</strong> t<strong>em</strong> características próprias onde<br />

imagi<strong>na</strong>ção/razão/<strong>em</strong>oção <strong>no</strong>rteiam suas ações. Talvez seja uma<br />

das funções primordiais do lúdico para o hom<strong>em</strong>: a evasão da<br />

realidade; um lugar privilegiado de tensão onde <strong>em</strong>erg<strong>em</strong><br />

acontecimentos imprevisíveis”.( FERREIRA,s/d, p.3 )<br />

Na concepção de Brougère, o <strong>jogo</strong> se apóia <strong>na</strong> realidade para fazer dela outra. É<br />

criado um mundo imaginário levado a sério e com investimento de afetos. O <strong>jogo</strong> é um<br />

devaneio para aquém da realidade. O <strong>jogo</strong> é alimentado pelo desejo <strong>que</strong> acaba, por sua vez,<br />

contribuindo <strong>no</strong> desenvolvimento da criança, educando-a para crescer e preparando-a para a<br />

69


ealidades futuras. O <strong>jogo</strong> é a<strong>na</strong>lisado pelo <strong>que</strong> ele gera e não por si mesmo. Para além de<br />

se a<strong>na</strong>lisar o <strong>jogo</strong> é preciso <strong>que</strong> se a<strong>na</strong>lise o ato de jogar.<br />

Huizinga (2004) <strong>no</strong>s aponta algumas características, para ele fundamentais <strong>no</strong> <strong>jogo</strong>:<br />

o fato de ser livre; ser uma evasão da vida real; situar-se <strong>em</strong> certo limite de t<strong>em</strong>po e espaço<br />

e criar a ord<strong>em</strong>. A competição, as regras, a tensão, a incerteza e o acaso também faz<strong>em</strong><br />

parte de suas reflexões, o <strong>que</strong> faz com <strong>que</strong> sua obra torne-se um referencial importante <strong>na</strong><br />

relação <strong>jogo</strong>/educação. Para este autor "A criança joga e brinca dentro da mais perfeita<br />

seriedade, <strong>que</strong> a justo título pod<strong>em</strong>os considerar sagrado." (Id<strong>em</strong>, p. 11). Estando o <strong>jogo</strong><br />

intrínseco a criança, é exteriorizado pelas características extrínsecas <strong>que</strong> os <strong>jogo</strong>s possu<strong>em</strong>.<br />

Fazendo parte do crescimento e do desenvolvimento do indivíduo, o <strong>jogo</strong> é inerente ao ser<br />

huma<strong>no</strong>, sendo apresentado pelo autor uma <strong>no</strong>va desig<strong>na</strong>ção para a espécie huma<strong>na</strong>:<br />

"Creio <strong>que</strong>, depois de Homo faber e talvez ao mesmo nível de Homo sapiens, a expressão<br />

Homo ludens [!] merece um lugar <strong>em</strong> <strong>no</strong>ssa <strong>no</strong>menclatura”.(HUIZINGA,1996, prefácio).<br />

Caillois é autor de diversas obras <strong>que</strong> incid<strong>em</strong> sobre a criação artística, literária e os<br />

mitos sociais, com grandes contribuições <strong>na</strong>s reflexões sobre Imaginário e Imagi<strong>na</strong>ção<br />

Simbólica <strong>no</strong> Círculo de Era<strong>no</strong>s ( Asco<strong>na</strong>- Escócia) 27 . Suas obras mais importantes datam<br />

do fi<strong>na</strong>l da primeira metade do século XX 28 . Este pensador francês faleceu <strong>em</strong> 1978 e <strong>no</strong>s<br />

deixou um precioso registro sobre a t<strong>em</strong>ática <strong>jogo</strong> cujo objetivo principal é a compreensão<br />

do <strong>jogo</strong> como fenôme<strong>no</strong> sócio-<strong>cultura</strong>l.<br />

Para o autor, apesar de inúmeros entendimentos, o <strong>jogo</strong> <strong>em</strong> si se relacio<strong>na</strong> aos<br />

princípios de limite, liberdade e invenção, r<strong>em</strong>etendo-<strong>no</strong>s à idéia de facilidade, risco ou<br />

habilidade contribuindo para uma atmosfera de descontração e diversão, infalivelmente. O<br />

<strong>jogo</strong> opõe-se ao trabalho e ao caráter sério da vida real, portanto sendo considerado uma<br />

atividade frívola, <strong>que</strong> <strong>na</strong>da produz e <strong>que</strong> <strong>na</strong>da deixa de conseqüências <strong>na</strong> vida real. Para<br />

Caillois, este descompromisso e indiferença para com o <strong>jogo</strong> possibilitam a entrega do<br />

hom<strong>em</strong> a tal atividade.<br />

“Assim, desde o primeiro instante, cada um de nós se convence de <strong>que</strong> o<br />

<strong>jogo</strong> não passa de uma fantasia agradável e de uma vã distração, quais<strong>que</strong>r<br />

27 Ver sobre o Círculo de Era<strong>no</strong>s a apresentação da obra Variações Sobre o Imaginário de Alberto Filipe<br />

Araújo e Fer<strong>na</strong>ndo Paulo Baptista ( orgs.) - Instituto Piaget, 2003<br />

28 São obras de Roger Caillois com datas da primeiras edições: Os <strong>jogo</strong>s e os homens( 1958), O mito e o<br />

hom<strong>em</strong> ( 1938) e O hom<strong>em</strong> e o sagrado ( 1950)<br />

70


<strong>que</strong> sejam o cuidado <strong>que</strong> nele se ponha, as faculdades <strong>que</strong> nele se<br />

mobiliz<strong>em</strong>, o rigor <strong>que</strong> ele exija”. ( CAILLOIS, 1990, p.9)<br />

O autor <strong>no</strong>s adverte <strong>que</strong> mesmo sendo o <strong>jogo</strong> considerado divertimento e atividade<br />

me<strong>no</strong>r, inúmeros autores de diferentes áreas e diferentes épocas fizeram do <strong>jogo</strong> uma das<br />

molas principais do desenvolvimento de manifestações <strong>cultura</strong>is <strong>em</strong> cada sociedade com<br />

repercussões <strong>na</strong> educação moral, ou seja, atribuíram-lhe valores <strong>cultura</strong>is e educacio<strong>na</strong>is.<br />

O <strong>jogo</strong> aparece como uma <strong>no</strong>ção complexa, e Caillois tenta compreendê-lo da<br />

seguinte forma:<br />

“Todo <strong>jogo</strong> é um sist<strong>em</strong>a de regras <strong>que</strong> defin<strong>em</strong> o <strong>que</strong> é e o <strong>que</strong> não é do<br />

<strong>jogo</strong>, ou seja, o permitido e o proibido. Estas convenções são<br />

simultaneamente arbitrárias, imperativas e i<strong>na</strong>peláveis. Não pod<strong>em</strong> ser<br />

violadas sob nenhum pretexto, pois, se assim for, o <strong>jogo</strong> acaba<br />

imediatamente e é destruído por esse facto. Por<strong>que</strong> a única coisa <strong>que</strong> faz<br />

impor a regra é a vontade de jogar, ou seja, a vontade de a respeitar”.<br />

(id<strong>em</strong> ,p.11)<br />

O ato de jogar r<strong>em</strong>ete a idéia de movimento onde fica implícita a liberdade <strong>que</strong><br />

deve permanecer <strong>no</strong> seio do próprio rigor do <strong>jogo</strong> para <strong>que</strong> ele conserve sua eficácia. Estar<br />

<strong>no</strong> <strong>jogo</strong> é estar livre e ao mesmo t<strong>em</strong>po preso a seu mecanismo “ o <strong>que</strong> se desig<strong>na</strong> por <strong>jogo</strong><br />

surge, desta vez, como um conjunto de restrições voluntárias, aceites de bom grado e <strong>que</strong><br />

estabelec<strong>em</strong> uma ord<strong>em</strong> <strong>está</strong>vel, por vezes uma legislação tácita num universo s<strong>em</strong> lei”<br />

(Id<strong>em</strong>,p.12). Os limites do <strong>jogo</strong> estimulam a faculdade inventiva dentro destes próprios<br />

limites. O <strong>jogo</strong> é o campo para a criatividade <strong>que</strong> objetiva alcançar a vitória, o triunfo,<br />

dependentes de fatores aleatórios (sorte ou azar) e de combi<strong>na</strong>ções imperiosas.<br />

O <strong>jogo</strong> é tensão dos opostos, onde há uma relação <strong>que</strong> se mantém entre um e outro,<br />

onde “essas estruturas, essas concorrências são, igualmente, modelos para as instituições<br />

e para os comportamentos individuais”. ( Id<strong>em</strong>, p.13). No próprio âmbito escolar esta<br />

tensão se faz presente fazendo com <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> seja ora aceito, ora negado, dependendo da<br />

intencio<strong>na</strong>lidade pedagógica <strong>que</strong> lhe <strong>que</strong>iram atribuir.<br />

Para Caillois, o <strong>jogo</strong> não é aprendizag<strong>em</strong> para o trabalho. Por mais <strong>que</strong> as crianças<br />

brin<strong>que</strong>m simulando situações da vida dos adultos, não significa necessariamente uma<br />

preparação para tal. O <strong>jogo</strong> “introduz o indivíduo <strong>na</strong> vida, <strong>no</strong> seu todo, aumentando-lhe as<br />

capacidades para ultrapassar os obstáculos ou para fazer face às dificuldades”<br />

(Id<strong>em</strong>,p.16).<br />

71


Estas análises r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> à compreensão de <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> leva-<strong>no</strong>s a descoberta de nós<br />

mesmos e a um brotar de atitudes <strong>que</strong> se revelam para nós e para o corpo social <strong>que</strong> <strong>no</strong>s<br />

cerca.<br />

Se a vida é um <strong>jogo</strong>, é <strong>no</strong> <strong>jogo</strong> <strong>que</strong> valores para a vida são vividos pelos jogadores.<br />

A complexidade huma<strong>na</strong> se potencializa de forma prazerosa, contribuindo então para seu<br />

desenvolvimento bio-psico-socio-<strong>cultura</strong>l.<br />

Sendo o <strong>jogo</strong> um estado de efervescência, fica conde<strong>na</strong>do à função de não produzir<br />

<strong>na</strong>da enquanto a ciência e o trabalho capitalizam resultados <strong>que</strong> muito ou pouco<br />

transformam o mundo. Se <strong>na</strong>da produz, se é só divertimento, o <strong>que</strong> de atrativo há <strong>no</strong> <strong>jogo</strong>?<br />

Por <strong>que</strong> tantas tentativas de definições, <strong>no</strong>ções e classificações? Por <strong>que</strong> é uma prática <strong>que</strong>,<br />

individual ou coletivamente, não se extermi<strong>na</strong>? Caminho <strong>na</strong> busca de seus sentidos<br />

acompanhada das idéias de Caillois.<br />

“Numa palavra, o <strong>jogo</strong> assenta indubitavelmente <strong>no</strong> prazer de vencer o<br />

obstáculo, mas um obstáculo arbitrário, quase fictício, feito à medida do<br />

jogador e por ele aceite. A realidade não t<strong>em</strong> estas atenções”. (1990, p.18).<br />

Caillois, ao elaborar sua tese sobre <strong>jogo</strong>, passa por definições e classificações <strong>que</strong><br />

poderão contribuir <strong>na</strong> busca do <strong>no</strong>sso entendimento sobre os sentidos do <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> contexto<br />

educacio<strong>na</strong>l e socioantropológico.<br />

Para definir <strong>jogo</strong> o autor recorre a Johan Huizinga (2004), fazendo-lhe grandes<br />

elogios e diversas críticas. Reconhece sua presença e influência como abertura fecunda para<br />

pesquisas e reflexões, assim como valoriza a importância dada por este autor ao papel do<br />

<strong>jogo</strong> <strong>no</strong> próprio desenvolvimento civilizacio<strong>na</strong>l e de sua predominância <strong>na</strong>s manifestações<br />

essenciais de toda e qual<strong>que</strong>r <strong>cultura</strong>.<br />

A falha apontada por Caillois <strong>na</strong> obra de Huizinga , Homo ludens, é <strong>que</strong> esta omite a<br />

descrição e a classificação dos próprios <strong>jogo</strong>s, o <strong>que</strong> r<strong>em</strong>ete a idéia de <strong>que</strong> todos respond<strong>em</strong><br />

as mesmas necessidades e exprim<strong>em</strong> a mesma atitude psicológica. “ a sua obra não é um<br />

estudo dos <strong>jogo</strong>s, mas uma pesquisa sobre a fecundidade do espírito do <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> domínio da<br />

<strong>cultura</strong> e, mais precisamente, do espírito <strong>que</strong> preside a uma determi<strong>na</strong>da espécie de <strong>jogo</strong>s-<br />

os <strong>jogo</strong>s de competição regrada”. (CAILLOIS, 1990, p.23)<br />

Para uma melhor compreensão da crítica de Caillois a Huizinga transcreverei as<br />

definições deste autor usadas como base investigativa:<br />

72


Pass<strong>em</strong>os à outra definição:<br />

“Sob o ponto de vista da forma, pode resumidamente, definir-se <strong>jogo</strong><br />

como uma ação livre, vivida como fictícia e situada para além da vida<br />

corrente, capaz, contudo, de absorver completamente o jogador; uma ação<br />

destituída de todo e qual<strong>que</strong>r interesse material e toda e qual<strong>que</strong>r utilidade;<br />

<strong>que</strong> se realiza num t<strong>em</strong>po e num espaço expressamente circunscritos,<br />

decorrendo orde<strong>na</strong>damente e segundo regras dadas e suscitando relações<br />

grupais <strong>que</strong> ora se rodeiam propositadamente de mistério ora acentuam,<br />

pela simulação, a sua estranheza <strong>em</strong> relação ao mundo habitual”.<br />

(HUIZINGA,2004 p. 16 )<br />

“O <strong>jogo</strong> é uma ação ou uma atividade voluntária, realizada dentro de<br />

certos e determi<strong>na</strong>dos limites de t<strong>em</strong>po e de espaço, segundo regras<br />

livr<strong>em</strong>ente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim<br />

<strong>em</strong> si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de<br />

uma consciência de ser diferente da vida cotidia<strong>na</strong>”. (Id<strong>em</strong>,, 2004, p.33)<br />

Na opinião de Caillois, a definição dada por Huizinga para o <strong>jogo</strong> é fecunda por ter<br />

detectado a afinidade existente entre o <strong>jogo</strong> e o sagrado, ou o mistério, <strong>no</strong> entanto, não pode<br />

esta relação estabelecer-se como definição. “Tudo o <strong>que</strong> é <strong>na</strong>turalmente mistério ou<br />

simulacro <strong>está</strong> próximo do <strong>jogo</strong>. Mas é também preciso <strong>que</strong> o componente de ficção e de<br />

divertimento prevaleça, isto é, <strong>que</strong> o mistério não seja venerado e <strong>que</strong> o simulacro não seja<br />

início ou si<strong>na</strong>l de metamorfose e de possessão”.(CAILLOIS, 1990, p.24)<br />

Além do <strong>que</strong>, continua Caillois, a definição de Huizinga para <strong>jogo</strong> é d<strong>em</strong>asiado<br />

ampla e d<strong>em</strong>asiado restrita, apresentando-o como excludente de apostas por tratar-se de<br />

uma ação destituída de qual<strong>que</strong>r interesse material. Caillois se contrapõe ex<strong>em</strong>plificando:<br />

“...as casas de <strong>jogo</strong>s, os cassi<strong>no</strong>s, os hipódromos, as loterias <strong>que</strong>, para o<br />

b<strong>em</strong> ou para o mal, ocupam precisamente uma parte importante <strong>na</strong><br />

eco<strong>no</strong>mia e <strong>na</strong> vida quotidia<strong>na</strong> de vários povos, sob formas, é certo,<br />

infinitamente diversas, mas <strong>em</strong> <strong>que</strong> a constância da relação azar e lucro é<br />

assaz impressio<strong>na</strong>nte”.(Id<strong>em</strong>, p.24)<br />

Todavia, Caillois aproxima-se do pensamento de Huizinga <strong>na</strong> definição de <strong>que</strong> o<br />

<strong>jogo</strong> é uma atividade livre e voluntária, fonte de alegria e divertimento cujo jogador se<br />

entrega espontaneamente por puro prazer podendo a qual<strong>que</strong>r momento optar pelo<br />

abando<strong>no</strong>. Só existe <strong>jogo</strong> quando os jogadores <strong>que</strong>r<strong>em</strong> jogar e jogam. Estes dois autores<br />

concordam <strong>que</strong> “o <strong>jogo</strong> é essencialmente uma ocupação separada, cuidadosamente isolada<br />

do resto da existência, e realizada, <strong>em</strong> geral dentro de limites precisos de t<strong>em</strong>po e de lugar.<br />

73


Há um espaço próprio para o <strong>jogo</strong>” (CAILLOIS, 1990, p.26), portanto o domínio do <strong>jogo</strong><br />

é reservado, protegido, é um autêntico espaço.<br />

Para Caillois, o <strong>jogo</strong> mesmo tendo regras e leis, substitui as leis da vida ordinária<br />

cotidia<strong>na</strong> ocupando um espaço <strong>que</strong>, para Huizinga, é considerado como um ‘lugar outro’,<br />

<strong>que</strong> permite uma atividade livre e incerta. A incerteza <strong>no</strong> <strong>jogo</strong> é <strong>que</strong> o alimenta. “A dúvida<br />

acerca do resultado deve permanecer até o fim. Quando, numa partida de cartas, o<br />

resultado já não oferece dúvida, não se joga mais, os jogadores põ<strong>em</strong> as suas cartas <strong>na</strong><br />

mesa” (CAILLOIS,1990, p.27).<br />

A previsibilidade de um resultado ou a discrepância de igualdades entre os<br />

jogadores leva o <strong>jogo</strong> à perda da ludicidade. “ O <strong>jogo</strong> consiste <strong>na</strong> necessidade de encontrar,<br />

de inventar imediatamente uma resposta <strong>que</strong> é livre dentro dos limites das regras. Essa<br />

liberdade de acção do jogador, essa marg<strong>em</strong> concedida à acção, é essencial ao <strong>jogo</strong> e<br />

explica <strong>em</strong> parte, o prazer <strong>que</strong> ele suscita.” (Id<strong>em</strong>, p.28)<br />

Caillios, essencialmente, define o <strong>jogo</strong> como uma atividade livre, cuja obrigação<br />

levaria à perda da diversão; delimitada, pois t<strong>em</strong> limites de t<strong>em</strong>po e espaço previamente<br />

estabelecidos; incerta, s<strong>em</strong> resultado prévio e dependente da liberdade de inventar do<br />

jogador; improdutiva, por não gerar bens e conduzir a uma situação idêntica ao início da<br />

partida; regulamentada, pois t<strong>em</strong> uma única legislação <strong>que</strong> conta e é fictícia, por ser uma<br />

outra realidade, ou seja uma irrealidade <strong>em</strong> relação a vida <strong>no</strong>rmal. Trata-se, portanto, de<br />

uma atividade complexa.<br />

A infinidade de <strong>jogo</strong>s de <strong>que</strong> se t<strong>em</strong> conhecimento <strong>que</strong> existam, segundo o autor,<br />

dificulta um princípio de classificação, visto <strong>que</strong> apresentam aspectos tão diversos: <strong>jogo</strong>s de<br />

cartas, de destreza, <strong>jogo</strong>s sociais, de competição ou de azar r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> a diferentes<br />

possibilidades classificatórias. Caillois se deterá <strong>em</strong> quatro rubricas principais conforme a<br />

predominância da competição, da sorte, do simulacro e da vertig<strong>em</strong>, chamando-as<br />

respectivamente de agôn, alea , mimicry e ilinx .<br />

Os <strong>jogo</strong>s, como afirma Caillois, se inscrev<strong>em</strong> <strong>na</strong> esfera da paidia e do ludus,<br />

entendendo-se <strong>que</strong> paidia é o estado de euforia, manifestação espontânea <strong>que</strong> leva o<br />

indivíduo a flutuações de sentidos <strong>que</strong> são controlados pelo ludus, <strong>que</strong> pode ser entendido<br />

como o elo <strong>no</strong>rteador do <strong>jogo</strong>, a regra <strong>que</strong> controla a euforia. Desta forma, o ludus adestra<br />

a paidia.<br />

74


Costa (1999)<br />

Pod<strong>em</strong>os compreender melhor o <strong>que</strong> Caillios diz utilizando-<strong>no</strong>s das palavras de<br />

“Os <strong>jogo</strong>s transitam entre dois pólos, duas maneiras de jogar: a paidia e o<br />

ludus. A paidia tende à diversão, à turbulência, às improvisação, às<br />

proezas, às manifestações espontâneas do instinto do <strong>jogo</strong> e à expansão; o<br />

caráter desregrado, inesperado, é a única razão de ser da paidia. Já o ludus<br />

é compl<strong>em</strong>ento e adestramento da paidia, e propende a uma intenção<br />

civilizadora dos comportamentos, à discipli<strong>na</strong>rização, à subordi<strong>na</strong>ção as<br />

regras convencio<strong>na</strong>is. O ludus tende à satisfação pela tranqüilidade, ao<br />

autodomínio, à capacidade de resistir à fadiga, ao sofrimento”. (COSTA,<br />

2000,p.115)<br />

O ludus, assim como a paidia, não são categorias de <strong>jogo</strong>, mas sim maneiras de se<br />

jogar. Neste sentido priorizarei a análise dos <strong>jogo</strong>s <strong>no</strong> espaço escolar sob estas duas<br />

categorias por sobressaír<strong>em</strong> e se aproximar<strong>em</strong> mais do contexto das aulas de recreação,<br />

educação física e <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> hora do recreio, cuja motivação é grande e os padrões de<br />

comportamento impostos para <strong>que</strong>m joga são desejáveis.<br />

Para Caillois, todas estas rubricas (agôn, alea, mimicry e ilinx) se inser<strong>em</strong> <strong>no</strong><br />

domínio dos <strong>jogo</strong>s, mas, <strong>no</strong> entanto, não abrang<strong>em</strong> por inteiro todo o universo do <strong>jogo</strong> e<br />

ainda pode-se hierarquizá-las, simultaneamente entre pólos antagônicos: paidia e ludus.<br />

“Numa extr<strong>em</strong>idade, rei<strong>na</strong>, quase absolutamente, um princípio comum de<br />

diversão, turbulência, improviso e despreocupada expansão, através do<br />

qual se manifesta uma certa fantasia contida <strong>que</strong> se pode desig<strong>na</strong>r por<br />

paidia. Na extr<strong>em</strong>idade oposta, essa turbulência alegre e impensada é<br />

praticamente absorvida, ou pelo me<strong>no</strong>s discipli<strong>na</strong>da, por uma tendência<br />

compl<strong>em</strong>entar, contrária <strong>na</strong>lguns pontos, ainda <strong>que</strong> não <strong>em</strong> todos, à sua<br />

<strong>na</strong>tureza anárquica e caprichosa: uma necessidade crescente de a<br />

subordi<strong>na</strong>r a regras convencio<strong>na</strong>is, imperiosas e incômoda, de cada vez<br />

mais a contrariar criando-lhe incessantes obstáculos com o propósito de he<br />

dificultar a consecução do objetivo desejado. Este tor<strong>na</strong>-se, assim,<br />

perfeitamente inútil, uma vez <strong>que</strong> exige um número s<strong>em</strong>pre crescente de<br />

tentativas, de persistência, de habilidade ou de artifício. Desig<strong>no</strong> por ludus<br />

esta segunda componente”. (CAILLOIS, 1990,p.32)<br />

Paidia e ludus , mesmo estando <strong>em</strong> pólos antagônicos, como aponta Caillos,<br />

tor<strong>na</strong>m-se compl<strong>em</strong>entares e concorrentes, aproximando-se do paradigma da complexidade<br />

de Morin 29 .<br />

29 No Primeiro t<strong>em</strong>po deste trabalho apresento o paradigma da complexidade de Edgar Morin.<br />

75


O autor tentou, <strong>em</strong> cada rubrica da classificação de <strong>jogo</strong>s, realçar as s<strong>em</strong>elhanças e<br />

diferenças <strong>em</strong> diversos <strong>jogo</strong>s, independent<strong>em</strong>ente de ser<strong>em</strong> desti<strong>na</strong>dos às crianças ou aos<br />

adultos, cabendo um aligeiramento nesta classificação <strong>que</strong> permita combi<strong>na</strong>ções de<br />

rubricas, podendo cada uma delas se encontrar, por seu termo, associada a uma das outras<br />

três. O autor a isto de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong> de ‘teoria alargada dos <strong>jogo</strong>s’.<br />

Pass<strong>em</strong>os agora à compreensão de cada uma das rubricas apresentadas por Caillois.<br />

- AGÔN : São <strong>jogo</strong>s sob a forma de competição com igualdades de oportunidades criadas<br />

para <strong>que</strong> os jogadores se defront<strong>em</strong> <strong>na</strong>s mesmas condições ideais, mas sujeitas<br />

incontestavelmente a dar o triunfo a um vencedor.<br />

Trata-se de uma rivalidade <strong>que</strong> se baseia <strong>em</strong> qualidades como rapidez; resistência;<br />

vigor; m<strong>em</strong>ória; habilidade; engenho, exercendo-se <strong>em</strong> limites definidos e s<strong>em</strong> auxiliar<br />

exterior. É dada a igualdade <strong>na</strong> busca da desigualdade. Um jogador deverá se sobrepor ao<br />

outro <strong>em</strong> vantag<strong>em</strong>. Ressalta o autor <strong>que</strong> é uma igualdade de oportunidade absoluta, mas<br />

<strong>que</strong>, “ por mais cuidadosos <strong>que</strong> sejamos ao criá-la, uma igualdade absoluta nunca é<br />

inteiramente realizável.” (Id<strong>em</strong>, p.34)<br />

O <strong>que</strong> caracteriza a prática do agôn é <strong>que</strong> “o interesse do <strong>jogo</strong> é para cada um dos<br />

concorrentes o desejo de ver reconhecida a sua excelência num determi<strong>na</strong>do domínio”<br />

(Id<strong>em</strong>,p.35). O agôn exige atenção persistente, trei<strong>no</strong> apropriado, muito esforço e vontade<br />

de vencer <strong>que</strong> manifesta-se pelo mérito pessoal <strong>na</strong> tentativa de garantir o melhor resultado.<br />

Para a criança, segundo o autor, jogar é agir, por esta razão ela se distancia mais dos<br />

<strong>jogo</strong>s de alea e se aproxima dos <strong>jogo</strong>s de agôn.<br />

-ALEA: Para Caillois são os <strong>jogo</strong>s baseados <strong>em</strong> clara oposição ao agôn.<br />

“Alea, ao invés, surge como uma aceitação prévia, incondicio<strong>na</strong>l, do<br />

veredicto do desti<strong>no</strong>. Essa renúncia significa <strong>que</strong> o jogador confia numa<br />

jogada de dados e <strong>que</strong> se limita a lançá-los e a ver o resultado. A regra é<br />

ele abster-se de agir a fim de não falsear ou forçar a decisão da<br />

sorte“.(Id<strong>em</strong>, p.98).<br />

A decisão não depende dos jogadores e sim do desti<strong>no</strong> para vencer o adversário. O<br />

desti<strong>no</strong> é o único artifício da vitória, o <strong>que</strong> significa <strong>que</strong> ape<strong>na</strong>s o vencedor será bafejado<br />

pela sorte.<br />

76


Nesta rubrica, Caillois coloca os <strong>jogo</strong>s como dados, roleta, loterias e outros, cujo<br />

interesse do <strong>jogo</strong> é a arbitrariedade do acaso. O jogador é passivo face ao desti<strong>no</strong>, não<br />

fazendo uso de recursos como habilidade, inteligência ou força. “Limita-se a aguardar,<br />

expectante e receoso, as imposições da sorte. Arrisca uma aposta”. (Id<strong>em</strong>, p.37). É uma<br />

entrega ao desti<strong>no</strong>. As habilidades <strong>na</strong>turais são abolidas e todos ficam submetidos ao acaso,<br />

<strong>em</strong> pé de igualdades.<br />

O autor explica <strong>que</strong> há casos <strong>que</strong> agôn combi<strong>na</strong>-se com alea, onde há uma simetria<br />

surgida entre estas <strong>na</strong>turezas sendo paralelas e compl<strong>em</strong>entares “Ambas exig<strong>em</strong> uma<br />

equidade absoluta, uma igualdade mat<strong>em</strong>ática de probabilidades <strong>que</strong>, pelo me<strong>no</strong>s, se<br />

aproxima o mais possível de um perfeito rigor” (Id<strong>em</strong>, p.96). Alea e agôn, a este nível,<br />

ocupam o domínio da regra. Neste ex<strong>em</strong>plo combi<strong>na</strong>tório de rubricas inclu<strong>em</strong>-se <strong>jogo</strong>s<br />

como dominó, gamão e a maioria dos <strong>jogo</strong>s de cartas. Pod<strong>em</strong>os observar <strong>que</strong> esta é uma<br />

combi<strong>na</strong>ção muito freqüente <strong>na</strong> maioria dos <strong>jogo</strong>s escolares, mesmo <strong>que</strong> apareçam <strong>em</strong><br />

<strong>jogo</strong>s <strong>que</strong> envolvam mais o es<strong>que</strong>ma motor.<br />

- MIMICRY: Para o autor, o <strong>que</strong> caracteriza os <strong>jogo</strong>s de mimicry é sua entrada para um<br />

universo imaginário. O <strong>jogo</strong> pode pautar-se, sobretudo, <strong>na</strong> evocação de um perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong><br />

ilusório, <strong>na</strong> adoção de um respectivo comportamento.<br />

“Encontramo-<strong>no</strong>s, então perante uma variada série de manifestações <strong>que</strong><br />

têm como característica comum a de se basear<strong>em</strong> <strong>no</strong> facto de o sujeito<br />

jogar a crer a si próprio ou fazer crer aos outros <strong>que</strong> é outra pessoa.<br />

Es<strong>que</strong>ce, despoja-se t<strong>em</strong>porariamente da sua perso<strong>na</strong>lidade para fingir<br />

uma outra”. (Id<strong>em</strong>, p.40)<br />

Nesta rubrica, a mímica e o disfarce são fundamentais. Na criança esta característica<br />

manifesta-se pela imitação do adulto, de um herói, de uma perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> ou mesmo de um<br />

animal. As brincadeiras de simulação do cotidia<strong>no</strong>, os brin<strong>que</strong>dos <strong>em</strong> miniatura são<br />

condutas de mimicry. “Abrang<strong>em</strong> igualmente toda a diversão a <strong>que</strong> <strong>no</strong>s entregamos,<br />

mascarados ou travestidos, e <strong>que</strong> consista <strong>no</strong> próprio fato de o jogador/actor estar<br />

mascarado ou travestido, b<strong>em</strong> como <strong>na</strong>s suas conseqüências”(Id<strong>em</strong>, p.41)<br />

O prazer é ser ou passar-se por outro, não abando<strong>na</strong>ndo o verdadeiro sentido de ser<br />

ele próprio. É por isso <strong>que</strong>, por ex<strong>em</strong>plo, por mais <strong>que</strong> a criança imite uma ave ao brincar<br />

não desconhece as limitações de voar, portanto simbolizando o vôo. E como coloca<br />

77


Caillois, a criança “sente-se a representar, sente-se obrigada a jogar o melhor possível, ou<br />

seja, por um lado, com uma total correção, esforçando-se ao máximo para conseguir a<br />

vitória” (Id<strong>em</strong>,p.96).<br />

“A mimicry consiste <strong>na</strong> representação deliberada de um perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>, o<br />

<strong>que</strong> facilmente se tor<strong>na</strong> uma obra de arte, de cálculo e de astúcia. O actor<br />

deve compor o seu papel e criar a ilusão dramática. É forçado a estar<br />

atento e a manter uma presença de espírito contínua, exatamente como<br />

<strong>que</strong>m disputa uma competição”. (Id<strong>em</strong>, p.98)<br />

Para a criança, a identificação com um campeão constitui-se <strong>em</strong> mimicry, mesmo<br />

<strong>que</strong> ela esteja <strong>na</strong> condição de espectadora e não de jogadora. É s<strong>em</strong>elhante ao telespectador<br />

se identificar com o herói de um filme <strong>que</strong> assiste.<br />

A mimicry apresenta características de <strong>jogo</strong> como liberdade, suspensão da realidade<br />

e espaço e t<strong>em</strong>po delimitado onde só as regras se mantém imperativas.<br />

- ILINX: A característica desses <strong>jogo</strong>s é à busca da vertig<strong>em</strong> <strong>que</strong><br />

“... consiste numa tentativa de destruir, por um instante, a estabilidade da<br />

percepção e infligir à consciência lúcida uma espécie de voluptuoso<br />

pânico. Em todos os casos, trata-se de atingir uma espécie de espasmo, de<br />

transe ou de estonteamento <strong>que</strong> desvanece a realidade com uma imensa<br />

brusquidão”. (Id<strong>em</strong>,p.43)<br />

A perturbação é procurada com um fim <strong>em</strong> si mesma. Muitas brincadeiras infantis<br />

têm esta característica de ilinx. Marcar o t<strong>em</strong>po para se manter o máximo possível<br />

submerso <strong>na</strong> água, rolar num pla<strong>no</strong> incli<strong>na</strong>do para ver <strong>que</strong>m chega primeiro, girar sobre um<br />

dos calcanhares ou girar de braços esticados e mãos dadas com um colega sobre um dos<br />

pés com a impulsão do outro (currupio), correr <strong>em</strong> fuga, são ex<strong>em</strong>plos de brincadeiras<br />

praticadas pelas crianças <strong>na</strong> busca da vertig<strong>em</strong> de forma competitiva como num <strong>jogo</strong>.<br />

Pode ocorrer o ilinx também <strong>em</strong> brincadeiras não competitivas como <strong>em</strong><br />

brin<strong>que</strong>dos como o carrossel, balanço, tobogã, escorrega, montanha russa e outros. São<br />

sensações e fruições <strong>que</strong> levam a um atordoamento ao mesmo t<strong>em</strong>po físico e psíquico.<br />

“O essencial reside <strong>na</strong> busca deste distúrbio, desse pânico momentâneo<br />

<strong>que</strong> o termo vertig<strong>em</strong> define e das indubitáveis características do <strong>jogo</strong> <strong>que</strong><br />

lhe estão associadas, ou seja, liberdade de aceitar ou de recusar a prova,<br />

limites precisos e imutáveis, separação da restante realidade”.<br />

(Id<strong>em</strong>,p..47).<br />

78


Para o autor, os aspectos fundamentais do <strong>jogo</strong> são identificáveis,<br />

independent<strong>em</strong>ente das rubricas a <strong>que</strong> se aproxim<strong>em</strong>, por se tratar<strong>em</strong> de atividade<br />

voluntária, convencio<strong>na</strong>das, separadas e dirigidas onde há gosto pelas regras <strong>na</strong> forma de<br />

uma submissão teimosa.<br />

A tendência para a competição conduz ao estabelecimento de regras. Algumas<br />

brincadeiras infantis tor<strong>na</strong>m-se <strong>jogo</strong>s competitivos, principalmente <strong>no</strong> âmbito escolar onde<br />

exist<strong>em</strong> diversos parceiros com a mesma intenção, caracterizando a vocação social dos<br />

<strong>jogo</strong>s mencio<strong>na</strong>da por Caillois.<br />

“A maioria deles, efectivamente, suger<strong>em</strong> pergunta e resposta, desafio e<br />

réplica, provocação e contágio, efervescência ou tensão partilhada. Têm<br />

necessidade de presenças cativas e aderentes. E é verdade <strong>que</strong> nenhuma<br />

categoria de <strong>jogo</strong>s escapa a esta lei. Até os <strong>jogo</strong>s de azar parec<strong>em</strong> ter<br />

maior atractivo <strong>no</strong> meio de uma multidão, para não dizer <strong>no</strong> meio da<br />

confusão”. (Id<strong>em</strong>, p.61)<br />

A partir destas exposições do autor, ao longo de sua obra, fica-<strong>no</strong>s a seguinte<br />

pergunta: Como surg<strong>em</strong> as dimensões de agôn, alea, mimicry e ilinx <strong>no</strong>s <strong>jogo</strong>s praticados<br />

<strong>na</strong>s escolas? Parece-<strong>no</strong>s <strong>que</strong> aceita-se ou recusa-se a competição, a sorte, a mímica e a<br />

vertig<strong>em</strong> <strong>em</strong> função dos princípios <strong>cultura</strong>is e comportamentais estabelecidos por cada<br />

sociedade, independent<strong>em</strong>ente de ser<strong>em</strong> a própria <strong>na</strong>tureza dos <strong>jogo</strong>s, o <strong>que</strong> de certa forma<br />

impossibilita o reconhecimento do seu valor educativo <strong>em</strong> seus múltiplos aspectos.<br />

O princípio de alea trazido por Caillois, como vimos, não pode ser desprezado, pois<br />

segundo diferentes pensadores sobre <strong>jogo</strong>s, a competição é a essência da grande maioria<br />

dos <strong>jogo</strong>s. O desafio, a vontade de superar-se a si e aos outros são atitudes intrínsecas a<br />

<strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>. Culturalmente a luta por melhores condições econômicas, políticas e<br />

sociais acompanham o ser huma<strong>no</strong> <strong>na</strong>s mais r<strong>em</strong>otas formas de organizações, o <strong>que</strong> não<br />

pode, desta forma, ser negado <strong>no</strong> interior do próprio <strong>jogo</strong>, visto <strong>que</strong> este <strong>está</strong> <strong>em</strong><br />

consonância com a <strong>cultura</strong>. O <strong>que</strong> dev<strong>em</strong>os refletir é a forma como os diferentes tipos de<br />

competição aparec<strong>em</strong> <strong>no</strong> interior da escola (e não só <strong>na</strong>s atividades de <strong>jogo</strong>s), para,<br />

conscientes disto, trabalhar a inclusão, as diferenças <strong>cultura</strong>is, a solidariedade e outros<br />

princípios <strong>que</strong> elimi<strong>na</strong>m da competição o individualismo e o egocentrismo. Desta forma,<br />

79


faz-se necessário a intervenção do professor <strong>na</strong>s atividades de <strong>jogo</strong>s direcio<strong>na</strong>ndo-as de<br />

modo a tor<strong>na</strong>r a competição algo positivo 30 .<br />

Quanto a mimicry, o simulacro e as personificações de heróis, mitos e ídolos, ficam<br />

mais próximos do ato de brincar de faz-de-conta 31 do <strong>que</strong> da atitude de <strong>jogo</strong>, <strong>em</strong>bora este<br />

também a envolva, pois ser o melhor jogador, o ídolo da turma, amado e venerado é desejo<br />

da grande maioria dos <strong>que</strong> jogam, levando-os a imitar ícones de alguns esportes. Vive-se<br />

uma fantasia onde a representação é mola mestra.<br />

A ilinx <strong>está</strong> mais presente <strong>em</strong> atividades de brincadeiras <strong>na</strong> escola <strong>que</strong> dependam de<br />

um segundo el<strong>em</strong>ento, <strong>no</strong>rmalmente o escorrega, o balanço e outros brin<strong>que</strong>dos <strong>que</strong> faz<strong>em</strong><br />

parte do parquinho, o <strong>que</strong> não elimi<strong>na</strong> formas de competição <strong>que</strong> levam à vertig<strong>em</strong> e ao<br />

pânico como forma de superação. Disputar <strong>que</strong>m consegue superar por mais t<strong>em</strong>po ou da<br />

melhor forma uma situação de risco são atividades <strong>que</strong> atra<strong>em</strong> as crianças <strong>que</strong>, por sua vez,<br />

pod<strong>em</strong> levá-las ao simulacro, considerando-se o herói de tal sacrifício, um deus do <strong>jogo</strong>.<br />

Conta-<strong>no</strong>s Caillois <strong>que</strong> o simulacro e a vertig<strong>em</strong> por muito t<strong>em</strong>po foram associados<br />

ao universo aluci<strong>na</strong>do e, <strong>no</strong> entanto percebe-se <strong>que</strong> <strong>na</strong> sociedade moder<strong>na</strong> há uma tendência<br />

de se praticar atividades <strong>que</strong> façam fruir estas sensações. Refiro-me à busca por esportes<br />

radicais <strong>que</strong> surg<strong>em</strong> <strong>em</strong> diferentes modalidades como montanhismo, ca<strong>no</strong>ag<strong>em</strong>, rafiting,<br />

pesca submari<strong>na</strong>, saltos, corredeiras e outros 32 . No entanto, <strong>no</strong> interior da escola, os <strong>jogo</strong>s<br />

não valorizam estas sensações, talvez pelos riscos acidentais <strong>que</strong> elas possam provocar ou<br />

por não se compreender, principalmente a vertig<strong>em</strong>, como pertencente a <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>,<br />

associando-a ao não-racio<strong>na</strong>l, não-lógico.<br />

A obra de Caillois permite-<strong>no</strong>s uma excelente entrada para a compreensão dos<br />

sentidos dos <strong>jogo</strong>s e das funções implicadas <strong>no</strong> ato de jogar, possibilitando-<strong>no</strong>s refletir<br />

sobre a utilização dos <strong>jogo</strong>s <strong>no</strong> contexto educacio<strong>na</strong>l. A classificação realizada por esta<br />

autor não é definitiva n<strong>em</strong> fechada, <strong>no</strong>s r<strong>em</strong>etendo a compreender o <strong>jogo</strong> por um paradigma<br />

complexo (Morin) e como fenôme<strong>no</strong> sócioantropológico (Maffesoli) <strong>que</strong> perpassa o<br />

cotidia<strong>no</strong> escolar <strong>no</strong>s alertando para a relação <strong>jogo</strong>/educação.<br />

30<br />

Vale ressaltar <strong>que</strong> hoje a competição é muito discutida, principalmente <strong>no</strong> âmbito da educação física<br />

surgindo inúmeras propostas de <strong>jogo</strong>s cooperativos <strong>que</strong> buscam sua elimi<strong>na</strong>ção. A este respeito, consultar<br />

BROWN ( 1995), SOLER ( 2002) e CORREIA ( 2006)<br />

31<br />

Expressão usada por autores como B. Bettlh<strong>em</strong> (1988), Kishimoto (1993) e Winnicott (1971) <strong>que</strong> se<br />

refer<strong>em</strong> aos <strong>jogo</strong>s de simulacros.<br />

32<br />

Diversos trabalhos de pesquisa <strong>no</strong> Programa de Pós Graduação de Educação Física da Universidade Gama<br />

Filho v<strong>em</strong> abordando esta t<strong>em</strong>ática<br />

80


Jogo e educação<br />

Quando a educação é ligada ao <strong>jogo</strong>, é a própria maneira de pensá-lo <strong>que</strong> se<br />

transforma profundamente. Por isso, não é possível haver interesse pelo <strong>jogo</strong>, <strong>na</strong> prática<br />

pedagógica, se não houver informações sobre os fundamentos de tal associação.<br />

Brougère (1998), autor francês mundialmente consagrado neste campo, faz uma<br />

análise das diferentes formas de pensar a relação <strong>jogo</strong> e educação <strong>na</strong> tentativa de entender<br />

esta relação e as <strong>no</strong>ções <strong>que</strong> perpassam o meio educativo. Ele vai colocando-<strong>no</strong>s outras<br />

<strong>que</strong>stões instigantes para análise: “Todos a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> falam de educação e <strong>jogo</strong> falam da<br />

mesma coisa? Qual o sentido real dessa associação? Como passamos da atividade do <strong>jogo</strong><br />

como atividade fútil à idéia de seu valor educativo? É possível conciliar essas duas visões<br />

do <strong>jogo</strong> aparent<strong>em</strong>ente opostas? (Id<strong>em</strong>, p.9). Para este autor, a relação <strong>jogo</strong> e educação<br />

oscila constant<strong>em</strong>ente entre a frivolidade e a seriedade, evidenciando um pensamento<br />

paradoxal, <strong>no</strong>s r<strong>em</strong>etendo às <strong>no</strong>ções de sério e não-sério e <strong>jogo</strong> como brincadeira e /ou<br />

trabalho. Ainda segundo o autor, “ A oposição <strong>jogo</strong>-trabalho <strong>que</strong> estrutura <strong>no</strong>ssa<br />

representação do <strong>jogo</strong> é encontrada operando <strong>em</strong> outro lugares além da linguag<strong>em</strong><br />

cotidia<strong>na</strong>. Com efeito, expressa-se <strong>em</strong> textos fundadores do pensamento ocidental”.(p.26).<br />

Aponta, então, <strong>que</strong> desde o pensamento aristotélico a <strong>no</strong>ção de <strong>jogo</strong> como oposição e<br />

compl<strong>em</strong>entaridade do trabalho já se delineava, pois o <strong>jogo</strong> relacio<strong>na</strong>do à exaltação da<br />

criança, ao imaginário e ao artista passa a ser compreendido como espontâneo e <strong>na</strong>tural,<br />

levando-o pouco a pouco a ser considerado educativo, mas parece <strong>que</strong> <strong>no</strong>s t<strong>em</strong>pos<br />

moder<strong>no</strong>s a lógica social subjacente ao termo ainda o mantém ligado à oposição ao trabalho<br />

e à utilidade. Possivelmente a matriz deste entendimento venha do período <strong>em</strong> <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong>,<br />

por conta de um pensamento racio<strong>na</strong>lista provocado pelo avanço das ciências, foi<br />

r<strong>em</strong>etido ao caráter de fútil divertimento.<br />

Percebe o autor <strong>que</strong> estamos diante de uma concepção complexa do <strong>que</strong> seja <strong>jogo</strong>,<br />

visto a gama de significações diferentes <strong>que</strong> o rodeiam, sendo assim uma <strong>no</strong>ção aberta e<br />

passível de <strong>no</strong>vas possibilidades de análise. Deparamo-<strong>no</strong>s com um paradigma <strong>que</strong> ora se<br />

fixa <strong>em</strong> definições negativas <strong>em</strong> relação ao trabalho, à seriedade e à utilidade e ora<br />

reivindica o sério ao associá-lo às atividades educativas. Esta é a tensão <strong>que</strong> circunda o<br />

81


t<strong>em</strong>a, segundo Brougère: “ Fi<strong>que</strong>mos por enquanto com a <strong>no</strong>ção de <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> se expressa<br />

socialmente sob o sig<strong>no</strong> da frivolidade e da futilidade, e <strong>que</strong> essa dimensão não desaparece<br />

totalmente sob o <strong>no</strong>vo paradigma surgido <strong>no</strong> século XIX” (Id<strong>em</strong>, p.32).<br />

O <strong>jogo</strong> passa a ser marcado por um duplo sig<strong>no</strong>: frivolidade e aposta, traduzindo-se<br />

<strong>no</strong> espírito huma<strong>no</strong> de <strong>no</strong>ssa sociedade. A Época das Luzes constrói este discurso científico<br />

sobre o <strong>jogo</strong> <strong>que</strong> se reflete <strong>no</strong> termo jogar e <strong>jogo</strong> e <strong>em</strong> suas significações atribuídas nesta<br />

época, mas o <strong>que</strong> vale para o autor é <strong>que</strong><br />

“...não se trata de se ocupar do <strong>que</strong> ele significa, mas ver, entre as<br />

múltiplas ações e comportamentos aos quais r<strong>em</strong>ete, a<strong>que</strong>las <strong>que</strong> são<br />

objeto de uma elaboração do pensamento, de uma reflexão organizada,<br />

a<strong>que</strong>las <strong>que</strong> são assumidas pelo discurso, pelo conhecimento”. (Id<strong>em</strong>,<br />

p.46).<br />

O <strong>no</strong>sso sist<strong>em</strong>a de a<strong>na</strong>logias t<strong>em</strong> uma dependência histórica, <strong>que</strong> resulta <strong>em</strong><br />

<strong>no</strong>ssas práticas sociais relativas ao <strong>jogo</strong> <strong>que</strong>, segundo Brougére, não são verdades absolutas<br />

e eter<strong>na</strong>s: ”Em suma, cada sociedade determi<strong>na</strong> um espaço social e <strong>cultura</strong>l onde o <strong>jogo</strong><br />

pode existir legitimamente e tomar sentido” (Id<strong>em</strong>, p.49)<br />

Ainda <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> esteja associado à frivolidade, seu valor educativo t<strong>em</strong> sido<br />

evocado <strong>no</strong> decorrer dos últimos dois séculos. A partir do pensamento romântico do século<br />

XIX, o <strong>jogo</strong> passa a ser visto por seu valor educativo, o <strong>que</strong> Brougère chama de ‘ruptura<br />

romântica’, ou seja, um <strong>no</strong>vo olhar <strong>que</strong> rompe com o olhar anterior de divertimento e<br />

frivolidade, trazendo um <strong>no</strong>vo paradigma com uma <strong>no</strong>va concepção de criança e <strong>na</strong>tureza<br />

<strong>que</strong> passa a considerar o <strong>jogo</strong> uma atividade 33 . Até então, não se pensava <strong>no</strong> <strong>jogo</strong> com<br />

intenção educativa e lhe era atribuído o caráter de frivolidade principalmente por conta dos<br />

<strong>jogo</strong>s de apostas (considerados como <strong>jogo</strong> por excelência) e <strong>que</strong> se caracterizavam como<br />

atividades inúteis, até mesmo profa<strong>na</strong>s e por vezes compulsivos 34 .<br />

Brougère (1998) constrói um pensamento <strong>que</strong> associa <strong>jogo</strong> e educação e descobre<br />

<strong>em</strong> tais atividades valores educativos, dando a estas um caráter sério, pelo me<strong>no</strong>s para as<br />

crianças. O <strong>que</strong> desencadeou esta mudança paradigmática foi o pensamento romântico e a<br />

33 As idéias de J.J. Rousseau trouxeram ao <strong>jogo</strong> um <strong>no</strong>vo estatuto <strong>no</strong> campo educacio<strong>na</strong>l. A este respeito ver<br />

Colas Duflo, (1999) e Gilles Brougére, (1998)<br />

34 Sobre <strong>jogo</strong>s de apostas <strong>no</strong> século XVIII ver Duflo, (1999) e sobre <strong>jogo</strong>s compulsivos ver Retondar,<br />

(2004).<br />

82


partir desta fundamentação, este autor apresenta três modos de estabelecer relações entre<br />

<strong>jogo</strong> e educação:<br />

1º - caráter recreativo e compensador das d<strong>em</strong>ais tarefas. “ o <strong>jogo</strong> é o relaxamento<br />

indispensável ao esforço <strong>em</strong> geral, o esforço físico <strong>em</strong> Aristóteles, <strong>em</strong> seguida esforço<br />

intelectual, e, enfim, muito especificamente, o esforço escolar. O <strong>jogo</strong> contribui<br />

indiretamente à educação, permitindo ao alu<strong>no</strong> relaxado ser mais eficiente <strong>em</strong> seus<br />

exercícios e <strong>em</strong> sua atenção”. A idéia de <strong>jogo</strong> como recreação, desde os t<strong>em</strong>pos de<br />

Aristóteles e Tomás de Aqui<strong>no</strong>, subsiste ainda hoje <strong>no</strong> âmbito educacio<strong>na</strong>l, concebido<br />

como repouso necessário para a retomada dos trabalhos escolares. “ O <strong>jogo</strong> não pode ter<br />

um fim <strong>em</strong> si mesmo, não pode ter valor próprio , ele vale <strong>em</strong> função de sua submissão ao<br />

trabalho, aos estudos” . O abuso <strong>na</strong>s práticas de <strong>jogo</strong>s levaria o indivíduo a perda de<br />

energia e vigor, por isso deve ser controlado, <strong>no</strong> caso escolar, encerrado <strong>no</strong> espaço da<br />

recreação e da educação física. A oposição entre recreação e ensi<strong>no</strong> revela a oposição<br />

entre <strong>jogo</strong> e seriedade. Desde muito t<strong>em</strong>po o lugar do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola se limitou a estes dois<br />

espaços: recreação e educação física, por estar presente <strong>no</strong> imaginário dos sujeitos escolares<br />

esta concepção de caráter contraditório entre <strong>jogo</strong> e trabalho. Ao se associar <strong>jogo</strong> e<br />

educação rompe-se a lógica de recreação, de <strong>jogo</strong> como relaxamento.<br />

2º - a motivação para jogar: “ o interesse <strong>que</strong> a criança manifesta pelo <strong>jogo</strong> deve poder<br />

ser utilizado para uma boa causa” .<br />

O <strong>que</strong> favorece a aproximação do <strong>jogo</strong> à educação é a sedução <strong>que</strong> ele provoca <strong>na</strong><br />

criança, desta forma as informações de intencio<strong>na</strong>lidade educativa pod<strong>em</strong> ser transmitidas<br />

de forma prazerosa e motivadora. “ É preciso enga<strong>na</strong>r a criança para fazê-la trabalhar,<br />

s<strong>em</strong> <strong>que</strong> se dê conta realmente disso. Para a criança, o trabalho deve ass<strong>em</strong>elhar-se, de<br />

maneira subjetiva, ao <strong>jogo</strong>, porém não se trata de um <strong>jogo</strong>, só guarda sua aparência”.<br />

Desta forma o <strong>jogo</strong>, <strong>em</strong> si, não t<strong>em</strong> valor educativo, suas virtudes básicas não são<br />

<strong>que</strong>stio<strong>na</strong>das. O <strong>jogo</strong> é, <strong>na</strong> verdade, uma ilusão da qual faz uso o professor como trabalho,<br />

de certa forma agradável, mas <strong>que</strong> <strong>na</strong> verdade carrega uma intenção pedagógica.<br />

No fi<strong>na</strong>l do século XVIII professores propunham exercícios divertidos como <strong>jogo</strong>,<br />

influência dos pensamentos de Rousseau, <strong>que</strong> sugere um ensi<strong>no</strong> mais próximo do real e<br />

propõe um método baseado <strong>no</strong>s <strong>jogo</strong>s de conversação, de <strong>imagens</strong>, de lições das coisas de<br />

83


maneira sist<strong>em</strong>ática. Os <strong>jogo</strong>s serviriam para exercitar a inteligência facilitando a<br />

aprendizag<strong>em</strong> das crianças de forma <strong>na</strong>tural.<br />

Brougère se r<strong>em</strong>ete a Erasmo, <strong>que</strong> já apontava uma desconfiança <strong>na</strong> relação <strong>jogo</strong> e<br />

educação, pois, para este pensador não se deve inserir o <strong>jogo</strong> à educação, isto seria como<br />

acrescentar um trabalho a outro, e segundo ele esta pedagogia não se baseia <strong>na</strong> valorização<br />

do <strong>jogo</strong> enquanto atividade espontânea, trata-se de dar a ele um sentido de recuperação.<br />

Este método, cujo centro é o <strong>jogo</strong>, não é aprovado sob a perspectiva de Erasmo, da qual<br />

concorda Brougère com as seguintes palavras: “ O <strong>jogo</strong> faz parte da instrução, t<strong>em</strong> um<br />

valor, mas é controlado <strong>em</strong> uma lógica do artifício pedagógico” ( BROUGÈRE, 1990,<br />

p.56). Ao se aproveitar da <strong>na</strong>tureza da criança de manifestação para o <strong>jogo</strong>, o <strong>jogo</strong> passa<br />

a ser imposto pelos educadores com um conteúdo a ser transmitido, onde a seleção dos<br />

<strong>jogo</strong>s dentre os disponíveis <strong>na</strong> <strong>cultura</strong> lúdica infantil, correspondam aos objetivos<br />

pedagógicos identificáveis.<br />

3º - o <strong>jogo</strong> como revelador do comportamento infantil: “o <strong>jogo</strong> permite ao pedagogo<br />

explorar a perso<strong>na</strong>lidade infantil e eventualmente adaptar a esta o ensi<strong>no</strong> e a orientação<br />

do alu<strong>no</strong>” . Esta relação, segundo o autor, se vincula à educação física, <strong>que</strong>, fazendo uso de<br />

certos <strong>jogo</strong>s, os consideram, sobretudo, como atividades físicas para uma educação<br />

completa <strong>que</strong> não omite o corpo.<br />

Favorecendo o desenvolvimento físico, intelectual, a m<strong>em</strong>ória e até futuras verdades<br />

(valor moral), o <strong>jogo</strong> passa a ser organizado e incentivado pelos educadores<br />

proporcio<strong>na</strong>ndo uma oportunidade de testar e observar as crianças <strong>em</strong> suas atividades<br />

<strong>na</strong>turais e espontâneas. Como diz este autor, “ aqui o <strong>jogo</strong> não é formador, mas revelador.<br />

Esta concepção, pautada <strong>no</strong>s pressupostos da psicologia, leva o <strong>jogo</strong> para a marg<strong>em</strong> da<br />

educação sendo utilizado como meio de transformação do comportamento infantil.<br />

O texto a seguir resume os três princípios apresentados <strong>que</strong> deram orig<strong>em</strong> a<br />

‘ruptura romântica’ concebida por Gilles Brougère <strong>que</strong> resgata o valor educativo do <strong>jogo</strong>:<br />

“Todos esses ex<strong>em</strong>plos mostram, de um lado, <strong>que</strong> a consideração pela<br />

criança <strong>no</strong> processo de aperfeiçoamento da pedagogia implica um olhar<br />

sobre o <strong>jogo</strong>, <strong>em</strong>bora este permaneça fundamentalmente uma atividade<br />

fútil <strong>que</strong> só t<strong>em</strong> valor educativo se valorizado pelo educador. O <strong>jogo</strong> não é<br />

educativo <strong>em</strong> si mesmo, é um dado da <strong>na</strong>tureza infantil <strong>que</strong> deve ser<br />

utilizado para aprimorar a eficácia pedagógica do professor. O <strong>jogo</strong> pode<br />

84


ser usado para permitir um relaxamento necessário cujo objetivo é<br />

propiciar um <strong>no</strong>vo esforço intelectual, ou então tor<strong>na</strong>r lúdico um exercício<br />

didático, tal como o aprendizado do alfabeto. O educador pode<br />

compreender seus alu<strong>no</strong>s, observando seus <strong>jogo</strong>s, ou utilizar, <strong>na</strong> falta de<br />

algo melhor, os <strong>jogo</strong>s coletivos tradicio<strong>na</strong>is para não es<strong>que</strong>cer a<br />

educação do corpo, aliás isso pode ser feito durante a recreação”.<br />

(CAILLOIS, 1990, p.58)<br />

Não se pode julgar o <strong>jogo</strong> somente por seus objetivos, e n<strong>em</strong> tampouco ape<strong>na</strong>s por<br />

suas funções. Para a escola, o objetivo do <strong>jogo</strong> é descansar, compensar a seriedade do<br />

ritmo de trabalho escolar ou atribuir prazer a uma tarefa planejada, já para a psicologia o<br />

objetivo do <strong>jogo</strong> é compreender e favorecer o desenvolvimento da criança.<br />

Mas qual será então a função do <strong>jogo</strong>? Poderíamos arriscar aqui uma imensa lista<br />

de funções do <strong>jogo</strong> <strong>que</strong> passam por divertimento, cooperação, valores morais e sociais,<br />

competição, socialização, controle e extravasamento de <strong>em</strong>oções, respeito a regras e ao<br />

próximo, transgressão, resolução de conflitos, solução de probl<strong>em</strong>as, ord<strong>em</strong>, etc...<br />

Huizinga (2004) aponta uma gama de divergências <strong>na</strong>s funções <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> envolve,<br />

pois encontram-se definições como: descarga de energia, instinto de imitação, preparação<br />

para tarefas da vida , exercício de auto-controle para o indivíduo, impulso i<strong>na</strong>to para a<br />

competição, escape para impulsos prejudiciais, restaurador de energia, realização de<br />

desejos dentre tantas outras funções.<br />

Busca-se, através de suas funções, a compreensão racio<strong>na</strong>l do por<strong>que</strong> se joga, para<br />

<strong>que</strong> se joga, quando se joga, onde se joga<br />

Para a maioria das teorias existentes, o <strong>jogo</strong> <strong>está</strong> ligado a fi<strong>na</strong>lidades biológicas e<br />

passa a ser a<strong>na</strong>lisado pela racio<strong>na</strong>lidade científica, s<strong>em</strong> considerar seu caráter estético. A<br />

fasci<strong>na</strong>ção <strong>que</strong> ele exerce <strong>na</strong>s pessoas, a motivação para o <strong>jogo</strong>, não encontra explicações<br />

racio<strong>na</strong>is via teorias existentes. Como explicar o divertimento produzido pelo <strong>jogo</strong> como<br />

uma função não só biológica e funcio<strong>na</strong>l? Esta é a tentativa de Huizinga, pois para ele, o<br />

divertimento não aparece como resposta mecânica do organismo para atender às<br />

necessidades biológicas do hom<strong>em</strong>. O divertimento é uma chave para a análise do <strong>jogo</strong> <strong>em</strong><br />

si, considerando-se ainda a tensão e a alegria <strong>que</strong> o acompanham.<br />

Huizinga aponta um el<strong>em</strong>ento comum a todas as teorias existentes sobre <strong>jogo</strong>s:<br />

“todas part<strong>em</strong> do pressuposto de <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> se acha ligado a alguma coisa <strong>que</strong> não seja o<br />

próprio <strong>jogo</strong> , <strong>que</strong> nele deve haver uma espécie de fi<strong>na</strong>lidade biológica”(2004,p.4). Para o<br />

85


autor, o <strong>que</strong> leva o ser huma<strong>no</strong> ao <strong>jogo</strong> transcende explicações a nível biológico, para ele há<br />

<strong>no</strong> <strong>jogo</strong> uma fasci<strong>na</strong>ção <strong>que</strong> pode ser a própria essência do <strong>jogo</strong>. Joga-se por<strong>que</strong> se <strong>que</strong>r<br />

jogar. Na tensão e <strong>na</strong> alegria do <strong>jogo</strong> pod<strong>em</strong>os, pela própria <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>, cumprir com<br />

as funções do <strong>jogo</strong> apontadas pelas inúmeras teorias existentes. Huizinga define a essência<br />

do <strong>jogo</strong> relacio<strong>na</strong>da ao divertimento, ao agrado e a alegria Há, para o autor, uma absoluta<br />

independência do conceito de <strong>jogo</strong> por aproximação ou afastamento a conceitos como<br />

divertimento, beleza, vivacidade, graça, ritmo, harmonia. Para ele estas categorias estão ou<br />

não explícitas <strong>no</strong>s <strong>jogo</strong>s, mas não são capazes de contribuir incisivamente para sua<br />

definição.<br />

“... o <strong>jogo</strong> é uma função da vida , mas não é passível de definição exata <strong>em</strong><br />

termos lógicos , biológicos ou estéticos. O conceito de <strong>jogo</strong> deve<br />

permanecer distinto de todas as outras formas de pensamento Através as<br />

quais exprimimos a estrutura da vida espiritual e social”. (HUIZINGA,<br />

2004,p.10).<br />

Não há conceito de <strong>jogo</strong> pronto para o uso, seus objetivos e suas funções também<br />

são complexos, desta forma <strong>no</strong>s aproximamos, não só das idéias de Huizinga, como das<br />

idéias <strong>que</strong> Brougére apresenta como as características do <strong>jogo</strong> e <strong>que</strong> aqui enunciar<strong>em</strong>os:<br />

1- “ O <strong>jogo</strong> é o resultado de relações interindividuais, portanto de <strong>cultura</strong>”<br />

2- “O <strong>jogo</strong> pressupõe uma aprendizag<strong>em</strong> social. Aprende-se a jogar. O <strong>jogo</strong> não é<br />

i<strong>na</strong>to, pelo me<strong>no</strong>s <strong>na</strong>s formas <strong>que</strong> assume <strong>no</strong> hom<strong>em</strong>”<br />

3- “ Para <strong>que</strong> haja <strong>jogo</strong> , é preciso <strong>que</strong> os parceiros entr<strong>em</strong> <strong>em</strong> acordo sobre as<br />

modalidades de sua comunicação e indi<strong>que</strong>m (é o conteúdo dessa<br />

metacomunicação) <strong>que</strong> se trata de um <strong>jogo</strong>”<br />

4- ” O <strong>jogo</strong> é uma mutação do sentido, da realidade: nele as coisas se tor<strong>na</strong>m outras.<br />

É um espaço à marg<strong>em</strong> da vida comum <strong>que</strong> obedece a regras criadas pela<br />

circunstância”<br />

5- “ S<strong>em</strong> livre escolha, isto é, possibilidade real de decidir, não há mais <strong>jogo</strong>, e sim<br />

sucessão de comportamentos <strong>que</strong> têm sua orig<strong>em</strong> fora do jogador. Se um jogador<br />

de xadrez não é livre para decidir sua próxima jogada , não é mais ele <strong>que</strong>m joga”<br />

6- “ A decisão pode resultar de uma elaboração coletiva <strong>que</strong> supõe negociação e, por<br />

vezes, aceitação da decisão do outro, o <strong>que</strong> também é decidir”<br />

86


7- “Para jogar, há acordo sobre as regras (caso dos <strong>jogo</strong>s clássicos preexistentes,<br />

mas cujos jogadores, de comum acordo, pod<strong>em</strong> transformar certos aspectos das<br />

regras) ou criação de regras”<br />

8- “O <strong>jogo</strong> é um espaço de experiência único para o jogador. Ele pode tentar, s<strong>em</strong><br />

t<strong>em</strong>or, a sanção do real”.<br />

9- “ Sério ou frívolo, o <strong>jogo</strong> é ao mesmo t<strong>em</strong>po ambos, sério por<strong>que</strong> é este espaço<br />

essencial de frivolidade”<br />

10- “ Se o <strong>jogo</strong> permite experimentar, e talvez aprender, é por se opor ao sério, por<br />

estar do lado do frívolo, do fútil”<br />

11- “ O <strong>jogo</strong> é então um espaço social, já <strong>que</strong> não é criado por <strong>na</strong>tureza, mas após uma<br />

aprendizag<strong>em</strong> social e supõe uma significação conferida por vários jogadores ( um<br />

acordo). Nada mantém o acordo senão o desejo de todos os parceiros. Na falta de<br />

acordo, <strong>que</strong> pode ser negociado longamente, o <strong>jogo</strong> desmoro<strong>na</strong>”<br />

12- “ A regra produz um mundo específico marcado pelo exercício, pelo faz-de-conta,<br />

pelo imaginário. S<strong>em</strong> riscos se pode inventar, criar, experimentar este universo”<br />

13- “ O <strong>jogo</strong> é um mundo aberto e incerto. Não se sabe de ant<strong>em</strong>ão o <strong>que</strong> se<br />

encontrará; o <strong>jogo</strong> t<strong>em</strong> uma dimensão aleatória.”<br />

14- “O <strong>jogo</strong> não dá uma importância excessiva aos resultados:” A atividade lúdica se<br />

caracteriza por uma articulação muito frouxa entre o fim e os meios “(p.189-193)”.<br />

Para além destas características, é consenso de <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> se inscreve <strong>na</strong> esfera do<br />

simulacro, de um viver paralelo à vida real, mas <strong>que</strong> dela não se desprende. O <strong>jogo</strong> evoca a<br />

imagi<strong>na</strong>ção e a liberdade exercidas dentro de padrões de comportamentos partilhados. Jogo<br />

envolve fantasia, <strong>em</strong>oção e razão. No <strong>jogo</strong> as trocas de vivências e experiências acontec<strong>em</strong><br />

<strong>na</strong>turalmente, sendo um espaço de <strong>no</strong>vas aprendizagens e ensi<strong>na</strong>mentos. A competição <strong>no</strong><br />

<strong>jogo</strong> envolve esforço, trabalho e seriedade o <strong>que</strong> leva o indivíduo a um comprometimento<br />

pessoal e coletivo. O <strong>jogo</strong> é prazer, frivolidade, desejo de uma ação e facilitador de<br />

fruições. O <strong>jogo</strong> é uma forma de expressão onde o hom<strong>em</strong> manifesta seus modos de sentir,<br />

pensar e agir <strong>no</strong> mundo. Jogar é entregar-se ao acaso, a um devir imprevisível <strong>que</strong> de uma<br />

forma ou de outra (ganhando ou perdendo), impulsio<strong>na</strong> o sujeito a <strong>no</strong>vas tentativas,<br />

87


exercendo assim uma espécie de fasci<strong>na</strong>ção pelo ato de jogar. O <strong>jogo</strong> passa a ser um<br />

desafio <strong>que</strong> envolve superações. O <strong>jogo</strong> é um fenôme<strong>no</strong> onde jogar passa a ser uma atitude.<br />

O <strong>jogo</strong> é um espaço/t<strong>em</strong>po <strong>que</strong> se concretiza <strong>na</strong>s práticas escolares e tende a ser<br />

negado. A racio<strong>na</strong>lidade nega a importância da imagi<strong>na</strong>ção, do simulacro, da desord<strong>em</strong> e<br />

do acaso e, neste sentido, os <strong>jogo</strong>s atend<strong>em</strong> a estas manifestações. Mas até <strong>que</strong> ponto elas<br />

são ou não parte do processo de ensi<strong>no</strong>-aprendizag<strong>em</strong>? Que espaço a imagi<strong>na</strong>ção e as<br />

manifestações espontâneas ocupam <strong>no</strong> processo educativo? Não abrangeria o <strong>jogo</strong>, à luz do<br />

paradigma da complexidade de Morin (1996), a ord<strong>em</strong>, a desord<strong>em</strong>, o acaso estando <strong>em</strong><br />

constante reorganização? E por esta mesma razão não seria el<strong>em</strong>ento colaborador <strong>na</strong><br />

formação bio-psico-sócio-<strong>cultura</strong>l dos sujeitos escolares?<br />

O presente estudo aproxima-se da intenção dos referidos autores <strong>na</strong> busca da<br />

<strong>na</strong>tureza do <strong>jogo</strong>, das suas características, suas leis, os instintos <strong>que</strong> o pressupõ<strong>em</strong> e a<br />

satisfação por eles proporcio<strong>na</strong>da. Daí a intenção de compreender os sentidos dos <strong>jogo</strong>s e<br />

mais particularmente a inscrição destes sentidos <strong>no</strong> universo dos professores <strong>em</strong> formação.<br />

Cabe-<strong>no</strong>s, assim, refletir sobre o lugar do lúdico <strong>no</strong> contexto escolar e apreender<br />

como os professores <strong>no</strong> seu processo de formação o a<strong>na</strong>lisam, o discut<strong>em</strong>, o faz<strong>em</strong> de<br />

metodologia e o utilizam <strong>em</strong> práticas pedagógicas.<br />

Terceiro t<strong>em</strong>po<br />

88


Faculdade de Formação de Professores - Universidade do Estado do Rio de Janeiro<br />

Terceiro t<strong>em</strong>po<br />

__________________________________________________________________<br />

O Time: os participantes da pesquisa<br />

Formação de professores: onde e para <strong>que</strong> pensamos e faz<strong>em</strong>os a docência<br />

89


“Não há ensi<strong>no</strong> de qualidade n<strong>em</strong> reforma educativa, n<strong>em</strong> i<strong>no</strong>vações<br />

pedagógicas, s<strong>em</strong> uma adequada formação de professores”.<br />

António Nóvoa (1991).<br />

O processo de formação de professores v<strong>em</strong> sofrendo diversas tentativas de<br />

delineamento há várias décadas. Leis, ideologias, interesses políticos e econômicos e o<br />

próprio imaginário <strong>que</strong> cerca a profissão docente v<strong>em</strong> contribuindo, ora com avanços e ora<br />

com retrocessos <strong>que</strong> acabam por alterar as percepções sobre o papel social do professor,<br />

seja ele de educação física ou das d<strong>em</strong>ais áreas da educação básica. Desde as <strong>que</strong>stões<br />

relativas ao lócus de sua formação, passando por propostas de currículos e diretrizes para os<br />

cursos de formação de professores, as discussões vão se acalorando e <strong>no</strong>s levando cada vez<br />

mais a tentar compreender como ocorre este processo formativo e o <strong>que</strong> se espera do papel<br />

<strong>que</strong> des<strong>em</strong>penha este profissio<strong>na</strong>l, sobretudo <strong>no</strong> <strong>que</strong> tange á sua prática <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong><br />

escolar. Estarei desta forma, tecendo trajetórias da docência <strong>em</strong> formação, o <strong>que</strong> englobará<br />

a área de educação física, buscando apreender os contextos sócio-políticos <strong>que</strong><br />

influenciaram tais trajetórias.<br />

Quando penso <strong>em</strong> ‘formação de professores’ uma das primeiras indagações <strong>que</strong> me<br />

chega é sobre como se formam sujeitos para exercer esta função. Neste ‘como’, de forma<br />

abrangente, poderia incluir o ‘onde’ e o ‘para <strong>que</strong>’ se formam sujeitos <strong>que</strong> contribuirão <strong>na</strong><br />

formação de outros sujeitos. O <strong>que</strong> se tor<strong>na</strong> necessário fazer para se preparar este<br />

profissio<strong>na</strong>l para exercer esta complexa função? Quais as exigências para isto? O <strong>que</strong> se<br />

espera destes profissio<strong>na</strong>is?<br />

Construindo um campo reflexivo a respeito de tais interrogativas, percorrerei um<br />

caminho <strong>que</strong> não se pretende linear e cro<strong>no</strong>lógico, mas <strong>que</strong> r<strong>em</strong>etido à complexidade dos<br />

contextos sócio-históricos do processo de formação docente, poderão contribuir para o<br />

<strong>no</strong>sso ‘pensar’ e o <strong>no</strong>sso ‘fazer’ enquanto professores <strong>que</strong> formam professores, ou melhor,<br />

enquanto sujeitos <strong>que</strong> formam sujeitos <strong>que</strong> formarão sujeitos.<br />

Na perspectiva do ‘onde’ se formam professores da educação básica, encontrar<strong>em</strong>os<br />

uma gama de espaços (escola <strong>no</strong>rmal de nível médio, escola <strong>no</strong>rmal de nível superior,<br />

faculdades de pedagogia, faculdade de educação, licenciaturas, curso <strong>no</strong>rmal superior e a<br />

90


própria escola) <strong>que</strong>, <strong>em</strong> diferentes épocas e diferentes contextos históricos, acabaram por<br />

contribuir para dificuldade atual de se definir o perfil do professor (educador / docente /<br />

mestre/ pedagogo / profissio<strong>na</strong>l de ensi<strong>no</strong> / professor).<br />

Numa rápida retrospectiva histórica, tentarei buscar pistas <strong>que</strong> facilit<strong>em</strong> a<br />

compreensão das tramas do sist<strong>em</strong>a educacio<strong>na</strong>l brasileiro e suas relações com o contexto<br />

histórico, apreendendo os diferentes lócus de formação docente e a intencio<strong>na</strong>lidade com<br />

<strong>que</strong> esta se dá, tanto <strong>na</strong> educação fundamental, de modo geral, como <strong>na</strong> formação <strong>em</strong><br />

educação física, de forma mais específica.<br />

Do Brasil colônia até o a<strong>no</strong> de 1808, período <strong>em</strong> <strong>que</strong> o país sofreu a primeira<br />

reforma revolucionária, Mar<strong>que</strong>s de Pombal, o sist<strong>em</strong>a de ensi<strong>no</strong> modelou-se por princípios<br />

religiosos da educação jesuíta, sobretudo elitista, vocacio<strong>na</strong>l e segregadora. A escola era<br />

freqüentada somente pelos filhos homens de uma mi<strong>no</strong>ria de do<strong>no</strong>s de terras e senhores de<br />

engenho, excluindo-se os primogênitos, já <strong>que</strong> a estes cabia uma educação rudimentar a<br />

fim de <strong>que</strong> pudess<strong>em</strong> assumir a direção do clã, da família e dos negócios futuros, e como<br />

aponta Romanelli, “ Era, portanto, a um limitado grupo de pessoas pertencentes à classe<br />

domi<strong>na</strong>nte <strong>que</strong> estava desti<strong>na</strong>da a educação escolarizada” (1995, p.33). Importavam-se<br />

formas de pensamentos e as idéias domi<strong>na</strong>ntes da <strong>cultura</strong> medieval européia. A <strong>cultura</strong><br />

humanista era ministrada <strong>no</strong>s colégios secundários para uma elite, porém, não havia <strong>em</strong><br />

nível superior instituições para preparar professores a fim de ministrar esta <strong>cultura</strong> clássica.<br />

Esta educação, dada pelos jesuítas, atravessou o período colonial e imperial atingindo o<br />

período republica<strong>no</strong> s<strong>em</strong> sofrer mudanças <strong>em</strong> suas bases, o <strong>que</strong> <strong>no</strong>s leva a entender <strong>que</strong> a<br />

educação dos pe<strong>que</strong><strong>no</strong>s <strong>que</strong> não chegavam às instituições escolares dava-se de forma não<br />

sist<strong>em</strong>atizada. Os valores e conceitos do poder heg<strong>em</strong>ônico, <strong>que</strong> eram transmitidos <strong>na</strong><br />

escola pela figura do professores, ficavam a cargo das pessoas <strong>que</strong> pertenciam ao âmbito<br />

familiar e social das crianças. Era, assim, uma educação mais <strong>na</strong>tural e espontânea<br />

transmitida cotidia<strong>na</strong>mente <strong>na</strong>s relações sociais, onde os <strong>jogo</strong>s e as brincadeiras<br />

perpassavam a educação infantil e <strong>que</strong>, por sua <strong>na</strong>tureza, tor<strong>na</strong>vam-se também el<strong>em</strong>entos<br />

formativos, a ex<strong>em</strong>plo do <strong>que</strong> acontecia <strong>na</strong> Europa <strong>no</strong>s séculos anteriores 35 . O brincar era<br />

35 Na obra de Philippe Áries (1978) e <strong>no</strong> capítulo 2 deste trabalho se encontram melhores esclarecimentos<br />

sobre este processo formativo da criança <strong>na</strong> Europa <strong>no</strong>s séculos XVII e XVIII.<br />

91


mais intenso e mais permitido pela ausência do esquadrinhamento do t<strong>em</strong>po e do espaço<br />

escolar e tinha raízes <strong>no</strong> próprio processo de colonização <strong>no</strong> Brasil. 36<br />

Só a partir do início do século XIX, quando surge uma estratificação social mais<br />

complexa <strong>que</strong> a predomi<strong>na</strong>nte <strong>no</strong> período colonial, é <strong>que</strong>, segundo Cunha (1981), surg<strong>em</strong><br />

os cursos desti<strong>na</strong>dos a formar burocratas de bens simbólicos e ainda, formar profissio<strong>na</strong>is<br />

liberais, despertando as primeiras críticas ao sist<strong>em</strong>a educacio<strong>na</strong>l vigente.<br />

Mesmo com a criação dos cursos superiores, após a Independência do Brasil, não<br />

havia preocupação com a formação de professores, do intelectual da área educacio<strong>na</strong>l, e o<br />

ensi<strong>no</strong> universitário limitava-se ao ensi<strong>no</strong> profissio<strong>na</strong>l, desti<strong>na</strong>do principalmente à<br />

administração e à política.<br />

As primeiras escolas <strong>no</strong>rmais brasileiras 37 , criadas <strong>na</strong>s províncias para formar<br />

professores, marcam o início do movimento de formação de professores <strong>no</strong> Brasil, <strong>que</strong> vai<br />

surgindo paulati<strong>na</strong>mente marcado pelas instabilidades do período anterior.<br />

“Não tinham, porém, essas escolas, organização fundada <strong>em</strong> diretrizes<br />

estabelecidas pelo Gover<strong>no</strong> Federal. Tal como o ensi<strong>no</strong> primário, o ensi<strong>no</strong><br />

<strong>no</strong>rmal era assunto da alçada dos Estados, ficando restritas as reformas até<br />

então efetuadas aos limites geográficos dos Estados <strong>que</strong> as<br />

promovess<strong>em</strong>”. (ROMANELLI, 1995, p.163)<br />

Mesmo com acanhadas e restritas reformas educativas, a formação do magistério<br />

antes do período republica<strong>no</strong> efetivava-se, de fato, <strong>na</strong> Escola Normal <strong>que</strong>, com raras<br />

exceções, consistia <strong>em</strong> cursos anexos aos já criados liceus 38 .<br />

A instabilidade sofrida durante o período imperial impedia o cumprimento maior da<br />

função das Escolas Normais, qual era a de formar professores primários. Vale destacar <strong>que</strong><br />

<strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 1879 a reforma Leôncio de Carvalho acentuou a pseudo-profissio<strong>na</strong>lização do<br />

professor com a permissão para o exercício da profissão do ‘professor leigo’. Em pari<br />

passu com este profissio<strong>na</strong>l <strong>que</strong> atua <strong>na</strong> área educacio<strong>na</strong>l, surge a figura do ‘médico<br />

higienista’ <strong>no</strong> campo da educação física, como responsável pela educação do corpo das<br />

crianças e jovens <strong>na</strong>s escolas, delineando uma ação social <strong>que</strong> tinha por intenção cuidar da<br />

36 A este respeito consultar a obra Jogos tradicio<strong>na</strong>is infantis: o <strong>jogo</strong>, a criança e a educação de Kishimoto,<br />

1993, <strong>que</strong> aponta a orig<strong>em</strong> dos <strong>jogo</strong>s <strong>no</strong> Brasil influenciado pelas matrizes européias, indíge<strong>na</strong>s e africa<strong>na</strong>s.<br />

37 A primeira escola <strong>no</strong>rmal foi criada <strong>em</strong> 1830, <strong>em</strong> Niterói, sendo a pioneira <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong> e de caráter<br />

público ( ROMANELLI,1995), hoje IEPIC- Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho<br />

38 Os liceus eram escolas públicas de nível médio, de cunho propedêutico <strong>que</strong> atendiam as elites, sobretudo<br />

masculi<strong>na</strong>s, e <strong>que</strong> tinham o intuito de reunir diversos professores num mesmo ambiente escolar.<br />

92


saúde física e mental, como regeneradora da raça, das virtudes e da moral. Desta forma a<br />

dicotomia corpo e mente se instala <strong>no</strong> campo da recreação, via educação física, então<br />

de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong>da ginástica. “O adestramento físico e a discipli<strong>na</strong> do corpo faziam parte de uma<br />

política higienista <strong>que</strong> procurava alterar o corpo produzido por quase três séculos de<br />

colonização”. (OLIVEIRA, 2005,p.25).<br />

A educação física escolar surge, assim, para atender as propostas de discipli<strong>na</strong>mento<br />

dos corpos, dos hábitos e da vida dos indivíduos. Exigia-se uma recreação formativa com a<br />

escolha ‘correta’ das brincadeiras, dos exercícios e do entretenimento <strong>no</strong> interior das<br />

escolas. O exercício físico sist<strong>em</strong>atizado, pautado <strong>no</strong> método francês de ginástica 39 ,<br />

passava a ser o fator capital <strong>na</strong> (trans)formação social.<br />

Os objetivos da educação são determi<strong>na</strong>dos politicamente conforme os interesses<br />

<strong>em</strong> <strong>jogo</strong> <strong>na</strong>s relações sociais. A burguesia à época ace<strong>na</strong>va o l<strong>em</strong>a ‘escola para todos’<br />

expressando seus interesses e o das d<strong>em</strong>ais classes. A <strong>no</strong>va sociedade capitalista contava,<br />

então, com a escola para atender as necessidades de uma <strong>no</strong>va sociedade, preparando-a não<br />

só política e intelectualmente, mas também fisicamente. Nestas bases o cuidado com o<br />

corpo ficava também a cargo da escola, pois a sociedade industrial exigia corpos<br />

preparados para o trabalho e livre de doenças. Recrear-se passa a ser sinônimo de exercitar-<br />

se. Mas <strong>que</strong> preparação deveria ter o profissio<strong>na</strong>l responsável para tal função? N<strong>em</strong> b<strong>em</strong><br />

fixavam-se os cursos de formação de professores primários, n<strong>em</strong> b<strong>em</strong> se refletia sobre as<br />

bases de sua formação e já se pensava num outro profissio<strong>na</strong>l ocupando o espaço escolar.<br />

A Educação Física, enquanto discipli<strong>na</strong> escolar para tender tais fi<strong>na</strong>lidades sociais, surge de<br />

forma totalmente dissociada do projeto da escola e, com caráter formativo, pauta-se <strong>na</strong> área<br />

médica s<strong>em</strong> estar engajada numa discussão mais ampla de formação de professores.. A<br />

visão positivista do fi<strong>na</strong>l do século XIX e início do século XX, faz-se presente <strong>no</strong> contexto<br />

educacio<strong>na</strong>l, também nesta área de conhecimento.<br />

Segundo Romanelli (1995), o ensi<strong>no</strong> superior <strong>no</strong> Brasil, criado desde 1808, foi<br />

sofrendo transformações acarretadas pela influência positivista <strong>na</strong> política educacio<strong>na</strong>l<br />

marcada pela atuação de Benjamim Constant <strong>que</strong> consagrou o ensi<strong>no</strong> seriado, o currículo<br />

39 O método francês era conhecido como Regulamento nº 7 (GHIRALDELLI JR, 1998), <strong>que</strong> oficialmente<br />

obrigatório como diretriz pedagógica da educação física escolar brasileira, consistia <strong>em</strong> cuidar das instâncias<br />

físicas, morais e psicológicas dos indivíduos <strong>no</strong> campo educacio<strong>na</strong>l para a formação do cidadão e<br />

conse<strong>que</strong>nt<strong>em</strong>ente melhoramento da espécie huma<strong>na</strong>. Seu fundador foi D. Francisco de Amoros y Ondeaño ,<br />

baseado <strong>na</strong>s idéias dos al<strong>em</strong>ães Jahn e Guts Muths ( SOARES, 1994)<br />

93


enciclopédico, reformas <strong>na</strong>s escolas primárias, secundárias, superiores e <strong>no</strong>rmais, sobretudo<br />

com a criação do Pedagogium , <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s de 1890 e 1891. Este foi instalado com o objetivo<br />

de ser o primeiro centro de aperfeiçoamento do magistério organizado <strong>no</strong> país após a<br />

Proclamação da República e constituía a primeira iniciativa de organização pelo poder<br />

central dos estudos pedagógicos de nível superior, porém, de duração efêmera. Experiência<br />

s<strong>em</strong>elhante teve a Escola Normal Superior criada <strong>em</strong> São Paulo <strong>em</strong> 1892, cuja exigência de<br />

sua criação desapareceu dos textos regulamentares (Cunha, 1986). Dentre as principais<br />

políticas educacio<strong>na</strong>is deste período, por iniciativa de Rui Barbosa, o decreto n º7.247 de<br />

19 de abril de 1879 tor<strong>na</strong> obrigatório o ensi<strong>no</strong> de ginástica <strong>na</strong> grade curricular das escolas<br />

primárias e secundárias ( SOARES, 2001). No a<strong>no</strong> de 1882, pelo parecer n º 224 sobre a<br />

Reforma do Ensi<strong>no</strong> Primário e Várias Instituições Compl<strong>em</strong>entares da Instituição Pública<br />

(Id<strong>em</strong>) a ginástica se sist<strong>em</strong>atiza <strong>no</strong>s currículos escolares <strong>em</strong> horário distinto da hora do<br />

recreio, sendo considerada não pelo seu caráter recreativo, mas sim formativo e<br />

discipli<strong>na</strong>dor , ficando <strong>na</strong> responsabilidade do ‘médico higienista’ este componente<br />

curricular.<br />

Quanto à preocupação com o professor primário, <strong>em</strong> 1901 cria-se a primeira<br />

faculdade de filosofia, ciências e letras <strong>em</strong> São Paulo, com intuito de educação anexo <strong>em</strong><br />

decorrência de debates e congressos católicos, mas <strong>que</strong> não chegou a atender as condições<br />

para o preparo de mestres nesses campos, ficando o país até 1930 s<strong>em</strong> perspectivas efetivas<br />

de formação de professores. Os cursos particulares assum<strong>em</strong> essa formação com mais<br />

vigor <strong>que</strong> os cursos oficiais e a desvalorização do magistério fica marcada, desde o início,<br />

pela oficialização da atuação do leigo <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong>. O Brasil defendia uma educação superior<br />

utilitária e restrita à profissio<strong>na</strong>lização, es<strong>que</strong>cendo-se da função formadora da <strong>cultura</strong> e<br />

dando pouca importância à formação de professores.<br />

A orig<strong>em</strong> do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, elaborado por Francisco<br />

Campos e publicado <strong>em</strong> 1932, marca a práxis de reformadores e de movimentos de luta<br />

pela organização dos educadores da década de 30. Desse modo, as décadas de 20 e 30<br />

foram palco de movimentos da educação e do ensi<strong>no</strong> <strong>no</strong> Brasil <strong>em</strong> defesa da escola pública,<br />

obrigatória, laica e gratuita, e, ainda, com o intuito de afirmar o caráter profissio<strong>na</strong>l das<br />

Escolas Normais. Como <strong>no</strong>s aponta Nunes “A qualificação passaria, dentro dessa<br />

estratégia, pela articulação dos centros de formação com as escolas primárias, <strong>que</strong> servia<br />

94


de campo de aplicação de estudos e técnicas ali aprendidos pelos alu<strong>no</strong>s <strong>no</strong>rmalistas”<br />

(2004, p.30). Os <strong>está</strong>gios nestas escolas surg<strong>em</strong> <strong>em</strong> desta<strong>que</strong> <strong>na</strong> formação de professores,<br />

mas longe de ser<strong>em</strong> uma reflexão sobre o ‘fazer’ e o ‘pensar’ da prática docente, tomam o<br />

caráter de laboratório de aplicação das teorias estudadas, pautadas <strong>no</strong> modelo dos<br />

laboratórios da psicologia experimental, caracterizando um paradigma de racio<strong>na</strong>lidade<br />

técnica. Nos dizeres de Nunes (2004) compreend<strong>em</strong>os este princípio formativo de<br />

professores:<br />

“O <strong>que</strong> distinguia os laboratórios desses cursos superiores, nesse<br />

momento histórico, era justamente a presença da pesquisa. A partir dos<br />

laboratórios foi sendo articulada uma vertente psicológica de<br />

interpretação da realidade, mais a<strong>na</strong>lítica do <strong>que</strong> sintética, apoiada <strong>na</strong><br />

experiência e <strong>que</strong>, portanto, fazia prevalecer os dados <strong>em</strong>píricos sobre as<br />

generalizações. Essa vertente tor<strong>no</strong>u-se heg<strong>em</strong>ônica <strong>na</strong> construção da<br />

secularização do campo educacio<strong>na</strong>l ou, <strong>em</strong> <strong>no</strong>sso país, de<br />

profissio<strong>na</strong>lização docente” ( id<strong>em</strong>, p.30)<br />

Algumas capitais brasileiras tiveram estas Escolas Normais transformadas <strong>em</strong><br />

Institutos de Educação por conta das reformas republica<strong>na</strong>s.<br />

Com o início da política educacio<strong>na</strong>l da Era Vargas, desencadeada <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 30 e 31,<br />

o Brasil viveu uma efervescência ideológica marcada de forma muito rica pela diversidade<br />

de projetos distintos, incluindo-se uma política educacio<strong>na</strong>l <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l (Ghiraldelli Júnior,<br />

2001), <strong>que</strong> acarretou <strong>na</strong> expansão do sist<strong>em</strong>a de ensi<strong>no</strong> como conseqüência da d<strong>em</strong>anda<br />

social, <strong>que</strong>, até então, estava pautado num modelo antigo <strong>que</strong> não acompanhava o<br />

desenvolvimento <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Nesta ocasião, surgiram diferentes pensamentos pedagógicos<br />

importados da Europa e dos Estados Unidos <strong>que</strong> influenciaram o campo da educação como<br />

um todo, o <strong>que</strong> engloba a área da educação física. Por um lado os conhecidos ‘profissio<strong>na</strong>is<br />

da educação’, pioneiros, apoiados <strong>no</strong> ideário da Escola Nova do america<strong>no</strong> John Dewey,<br />

com propostas <strong>que</strong> enfatizavam o ensi<strong>no</strong> ativo e criativo, baseado <strong>na</strong> iniciativa e<br />

experiência do alu<strong>no</strong>. O principal articulador deste projeto <strong>no</strong> Brasil foi, segundo Cunha<br />

(1986), Anísio Teixeira. Este grupo era composto por reconhecidos intelectuais liberais<br />

<strong>que</strong> desejavam a construção de um país <strong>em</strong> bases urba<strong>no</strong>-industriais d<strong>em</strong>ocráticas, com um<br />

pla<strong>no</strong> educacio<strong>na</strong>l de bases pedagógicas re<strong>no</strong>vadas e uma proposta de reformulação da<br />

política educacio<strong>na</strong>l e, por outro lado, por católicos conservadores, entusiastas,<br />

95


considerados utópicos idealistas e defensores da pedagogia tradicio<strong>na</strong>l de base<br />

ultraconservadora <strong>que</strong> se opunham às teses escola<strong>no</strong>vistas.<br />

Com o crescimento dos sist<strong>em</strong>as de ensi<strong>no</strong>, com as mudanças políticas e o<br />

movimento dos educadores, surg<strong>em</strong> propostas <strong>na</strong> área educacio<strong>na</strong>l <strong>que</strong> reivindicavam <strong>que</strong> a<br />

educação passasse a ter um caráter de reconstrução social identificada com os progressos<br />

técnicos advindos do avanço científico. Os olhares se voltam para a educação física, <strong>que</strong><br />

tendo como referencial os princípios de Escola Nova, produto do pensamento liberal 40 ,<br />

vê<strong>em</strong> nesta área a possibilidade da construção social pelo viés da formação do corpo, corpo<br />

este manipulável, hábil e multiplicador de força. Pela metodologia do trei<strong>na</strong>mento físico, as<br />

aulas de educação física passam a adotar, além da ginástica, as práticas desportivas como<br />

promotoras da saúde física e moral, muito mais do <strong>que</strong> mental. Assim atividades ligadas ao<br />

esporte e a ginástica <strong>na</strong>tural como <strong>jogo</strong>s ao ar livre, corridas, saltos, <strong>na</strong>tação, r<strong>em</strong>o,<br />

passeios, etc. passaram ao campo de práticas pedagógicas, correspondendo aos princípios<br />

higienistas <strong>na</strong> vertente eugênica do ideário de Fer<strong>na</strong>ndo de Azevedo 41 .<br />

No <strong>que</strong> se refere a preocupação com a formação de professores da educação básica,<br />

as inúmeras tentativas <strong>em</strong>ancipatórias para a educação da década de 30, particularmente as<br />

reformas educacio<strong>na</strong>is de Fer<strong>na</strong>ndo de Azevedo e Francisco Campos, estiveram mais à<br />

marg<strong>em</strong> do <strong>que</strong> <strong>no</strong> centro das preocupações gover<strong>na</strong>mentais, e, a formação de professores,<br />

não parecia estar efetivamente inserida num consenso das <strong>no</strong>vas propostas políticas<br />

apresentadas.<br />

Criadas <strong>na</strong> década de 30, as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras respaldavam<br />

a formação de professores secundários. Por iniciativa do educador Anísio Teixeira, cria-se<br />

<strong>em</strong> 1935, a primeira faculdade própria para a educação, o Instituo de Educação e a<br />

Faculdade de Filosofia e Letras do Distrito Federal <strong>que</strong> foi incorporado à Universidade do<br />

Distrito Federal (UDF), hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, configurando-se num<br />

projeto pioneiro de formação intelectual e de elevação dos estudos pedagógicos de nível<br />

superior <strong>que</strong> incluía a formação dos professores primários. No entanto, foi extinto <strong>no</strong> fi<strong>na</strong>l<br />

da década de 30, pelo então Ministro Gustavo Capan<strong>em</strong>a, por interesses da Igreja t<strong>em</strong>erosa<br />

40 Segundo Ghiraldelli Júnior, o liberalismo do início do século XX <strong>em</strong> <strong>no</strong>sso país acreditou <strong>na</strong> educação, e<br />

particularmente <strong>na</strong> escola, como redentora da humanidade (1998, p.22)<br />

41 Para este educador o desta<strong>que</strong> dado á educação física seria fundamental <strong>na</strong> regeneração e revigoramento da<br />

raça brasileira. ( SOARES, 2001, p.119)<br />

96


de uma diss<strong>em</strong>i<strong>na</strong>ção da mentalidade científica e d<strong>em</strong>ocrática. “ Essa decisão retirou do<br />

professor a instância mais prestigiada da consagração intelectual e esvaziou o significado<br />

de sua atuação. O professor não mais foi visto como pesquisador das sua prática, mas<br />

como técnico à serviço do Estado”<br />

( NUNES, 2004, 31).<br />

O lócus de formação de professores, ainda não definido, não tirava até então, o<br />

status da profissão docente do imaginário social 42 . Até o início dos a<strong>no</strong>s 30, a função<br />

profissio<strong>na</strong>l do professor era quase sacerdotal, exigindo além de conhecimentos, uma<br />

extraordinária vocação. (Ferreira, 2002). Talvez se deva a isto o não abando<strong>no</strong> das<br />

tentativas de se estabelecer os princípios e o locus da formação docente.<br />

No entanto, segundo Nunes (2002), com o boicote do Ministro Capan<strong>em</strong>a, o<br />

professor foi destituído da instância de consagração intelectual impedindo a melhoria da<br />

qualidade de formação deste profissio<strong>na</strong>l e frustrando a instituição de educação como área<br />

de investigação acadêmica. Em 1939, i<strong>na</strong>ugura-se a Faculdade de Educação, Ciências e<br />

Letras <strong>que</strong> abrangia o curso de Pedagogia, instituído a partir da organização da Faculdade<br />

Nacio<strong>na</strong>l de Filosofia, da Universidade do Brasil pelo Decreto-Lei nº 1190 de 4 de abril de<br />

1939, com a fi<strong>na</strong>lidade de formar bacharéis, <strong>que</strong> dirigiam-se aos cargos técnicos e os<br />

licenciados para várias áreas com a função de preparar candidatos ao magistério do ensi<strong>no</strong><br />

secundário e <strong>no</strong>rmal. Esta dupla formação gera um perfil dicotômico voltado para a<br />

racio<strong>na</strong>lidade técnica, <strong>que</strong> ao invés de clarear, obscureceu a função docente. O mesmo<br />

acontece com o professor de educação física <strong>que</strong>, além do ‘médico higienista’ como técnico<br />

corporal, vai contar com as instituições militares 43 para atender as d<strong>em</strong>andas da área,<br />

sobretudo pela inclusão do desporto <strong>no</strong> currículo escolar. Têm-se, <strong>na</strong> compreensão de<br />

Ghiraldelli Júnior (1998) a ‘educação física militarista’, onde, pelo desporto, alcança-se a<br />

formação do hom<strong>em</strong> obediente e adestrado ( Id<strong>em</strong>, p.26), continuando a instância recreativa<br />

como atividade formativa.<br />

42 Na visão de Ferreira ( 2002 ) o imaginário social , enquanto sist<strong>em</strong>a de representação, existe <strong>em</strong> toda e<br />

qual<strong>que</strong>r sociedade expressando e reproduzindo as necessidades de um grupo, seus objetivos, seus desejos e<br />

sua <strong>cultura</strong>. Ele é instituído e legitimado por uma comunidade <strong>que</strong> se faz heg<strong>em</strong>ônica.<br />

43 Em 1933 foi fundada a Escola de Educação Física do Exército como pólo agluti<strong>na</strong>dor e coorde<strong>na</strong>dor do<br />

pensamento sobre educação física existente até o fi<strong>na</strong>l da década de 60 ( GHIRALDELLI JÙNIOR, 1998).<br />

Logo após a Reforma Universitária de 1968, a resolução 69/69 do CFE organiza os cursos de Educação<br />

Física , até então fundados , estabelecendo a carga horária, a duração e o currículo mínimo.<br />

97


Observa-se <strong>que</strong> não havia um entendimento sobre as funções dos professores de um modo<br />

geral, n<strong>em</strong> sobre o campo de atuação destes profissio<strong>na</strong>is, acentuando a tendência<br />

profissio<strong>na</strong>lizante. Esta visão <strong>na</strong> atuação profissio<strong>na</strong>l, principalmente dos professores da<br />

escola primária, contribuiu para uma segregação institucio<strong>na</strong>l da seção de pedagogia da<br />

Faculdade de Educação Ciências e Letras (assim chamadas as instituições <strong>que</strong> formavam<br />

professores <strong>em</strong> nível de graduação), o <strong>que</strong>, por muitos, foi visto como uma valorização,<br />

mas <strong>que</strong> resultou, <strong>na</strong> verdade, <strong>em</strong> perda dos efeitos positivos oriundos da interação com<br />

outras seções, <strong>em</strong> especial de filosofia, história, ciências sociais, psicologia e letras.<br />

Conforme <strong>no</strong>s aponta Nunes:<br />

“Nas décadas de quarenta e cinqüenta do século XX, sob a égide das Leis<br />

Orgânicas, vai-se consolidando uma organização técnica do trabalho<br />

escolar com a presença de funções especializadas <strong>que</strong> segmentaram o ato<br />

de educar, as responsabilidades educativas, as áreas de atuação dos<br />

profissio<strong>na</strong>is da educação, levando-as a criar e reforçar representações<br />

muito fortes de divisão inter<strong>na</strong> <strong>na</strong> própria prática de trabalho”.( NUNES,<br />

2004, p.34)<br />

Como vimos, esta fragmentação do ato de educar também incluiu o professor de<br />

educação física, <strong>que</strong> de forma isolada cumpre com seu trabalho técnico <strong>no</strong> campo<br />

educativo.<br />

A partir de 1940, com a expansão do ensi<strong>no</strong> primário, os espaços de formação de<br />

professores entram <strong>em</strong> expansão por faculdades, escolas <strong>no</strong>rmais, institutos de educação e<br />

inserções <strong>em</strong> universidades. As Leis Orgânicas do Ensi<strong>no</strong>, promulgadas entre 1942 e 1946<br />

e <strong>que</strong> abrangiam todos os ramos do ensi<strong>no</strong> primário e médio, pela primeira vez <strong>em</strong> nível<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, organizavam o ensi<strong>no</strong> de formação de professores e o fizeram de uma forma<br />

diferenciada ao incorporar as escolas <strong>no</strong>rmais de nível médio e os Institutos de Educação<br />

<strong>que</strong> formavam regentes do ensi<strong>no</strong> primário. Chegava-se à década de 50 com deze<strong>na</strong>s de<br />

instituições formadoras de docentes <strong>que</strong> não passavam, muitas vezes, de precárias escolas<br />

<strong>no</strong>rmais de preparo do professor. Ressalto <strong>que</strong> esta década marca a área de educação física<br />

escolar pelo caráter pedagogicista, segundo Ghiraldelli Júnior (1998), compreendendo <strong>que</strong>,<br />

como atividade prioritariamente educativa, a educação física passa a fazer parte, enquanto<br />

discipli<strong>na</strong>, do currículo escolar. “ A Educação Física Pedagogicista é, pois, a concepção<br />

<strong>que</strong> vai reclamar da sociedade a necessidade de encara a Educação Física não somente<br />

98


como um prática capaz de promover saúde ou discipli<strong>na</strong>r a juventude, mas de encarar a<br />

Educação Física como uma prática <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente educativa” ( Id<strong>em</strong>, p.19) .<br />

O respeito às peculiaridades <strong>cultura</strong>is, físico-morfológicas e psicológicas é<br />

colocado, então, <strong>na</strong> pauta das discussões das diretrizes para o campo da educação física.<br />

Voltando a pensar <strong>na</strong> formação de professores primários, aponta-<strong>no</strong>s Romanelli<br />

(1995), <strong>que</strong> a fi<strong>na</strong>lidade do ensi<strong>no</strong> <strong>no</strong>rmal era prover a formação do pessoal docente<br />

necessário às escolas primárias, habilitar administradores escolares desti<strong>na</strong>dos às mesmas<br />

escolas, desenvolver e propagar os conhecimentos e técnicas relativas à educação da<br />

infância. Estes pressupostos de multifuncio<strong>na</strong>lidade levaram a uma degradação progressiva<br />

da formação docente e do locus de formação, sobretudo, um distanciamento da prática<br />

enquanto vivência, se direcio<strong>na</strong>ndo para a técnica e para a racio<strong>na</strong>lidade a condição de ser<br />

professor. Como <strong>no</strong>s faz ver Nunes,<br />

“A prática de ensi<strong>no</strong> e os <strong>está</strong>gios, com raras exceções, viram-se cada vez<br />

mais esvaziados da reflexão substantiva sobre os probl<strong>em</strong>as pedagógicos<br />

concretos vividos <strong>na</strong> escola [...] e os estagiários transformaram-se <strong>em</strong><br />

meros executores de tarefas solicitadas pelos professores regentes”. (2004,<br />

p.31).<br />

Percebe-se <strong>que</strong>, a partir da década de 50, os espaços de formação de professores<br />

entram <strong>em</strong> expansão por faculdades, escolas <strong>no</strong>rmais e inserções <strong>em</strong> universidades, e o<br />

lugar social do professor passa a ocupar posição de desta<strong>que</strong> até o início dos a<strong>no</strong>s 60.<br />

Vejamos como se destaca este profissio<strong>na</strong>l <strong>no</strong> trabalho de pesquisa realizado por Ferreira,<br />

tendo por base as <strong>no</strong>tícias veiculadas <strong>no</strong>s jor<strong>na</strong>is da época.<br />

“O professor t<strong>em</strong>, quase s<strong>em</strong>pre, a sua imag<strong>em</strong> relacio<strong>na</strong>da ao sacerdócio,<br />

à missão <strong>no</strong>bre, ao sacrifício, ao dom, à vocação. Por diversas vezes a<br />

figura do mestre é r<strong>em</strong>etida a algo de transcendental, chegando até mesmo<br />

a ser comparada aos anjos e a Deus”. ( FERREIRA, 2002, p.71)<br />

Independent<strong>em</strong>ente da imag<strong>em</strong> positiva deste profissio<strong>na</strong>l, pod<strong>em</strong>os compreender<br />

<strong>que</strong> os estudos pedagógicos de nível superior tiveram uma evolução lenta e irregular, pois<br />

sab<strong>em</strong>os <strong>que</strong> a educação é um dos setores da sociedade <strong>em</strong> <strong>que</strong> os mecanismos de<br />

resistência a mudanças atuam com mais intensidade. Acrescenta-se à resistência, o<br />

tradicio<strong>na</strong>l desprestígio desses estudos desti<strong>na</strong>dos à formação de professores <strong>em</strong> relação às<br />

outras áreas do saber. As escolas <strong>que</strong> se dedicavam a tais estudos não eram especialmente<br />

99


instaladas para des<strong>em</strong>penhar<strong>em</strong> essa função. Adaptações sucessivas foram sendo feitas <strong>na</strong>s<br />

escolas <strong>no</strong>rmais e institutos de educação, <strong>que</strong>, a cada decreto reformador do ensi<strong>no</strong>, se<br />

ajustavam ou se elevavam progressivamente ao nível superior. Ao considerarmos a<br />

expansão do ensi<strong>no</strong> superior, dev<strong>em</strong>os ter <strong>em</strong> vista <strong>que</strong> ela se fez ao correr das<br />

circunstâncias, s<strong>em</strong> pla<strong>no</strong>s de previsão ou mesmo propósito deliberado.<br />

Instituiu-se um longo período de reflexões e debates <strong>na</strong> área educacio<strong>na</strong>l iniciado <strong>na</strong><br />

década de 20, não mais se interrompendo até a votação da Lei da Educação, <strong>em</strong> 1961, fruto<br />

da Constituição de 46, inspirada <strong>no</strong>s princípios de liberdade e <strong>no</strong>s ideais de solidariedade<br />

huma<strong>na</strong>. Vale ressaltar <strong>que</strong> a lei 4.024 de 20 de dez<strong>em</strong>bro de 1961 <strong>no</strong> Artigo 22, tor<strong>na</strong><br />

obrigatória a educação física <strong>em</strong> todos os níveis e ramos de escolarização, alinhando-se aos<br />

ditames da época. No entanto, como infere Romanelli, “nenhuma lei é capaz, por si só, de<br />

operar transformações profundas, por mais avançada <strong>que</strong> seja... enfim, a eficácia de uma<br />

lei depende dos homens <strong>que</strong> a aplicam” (1995, p.179) Como acreditar numa lei <strong>que</strong> levou<br />

13 a<strong>no</strong>s para ser promulgada? O anteprojeto foi encaminhado à Câmara Federal <strong>em</strong> 1948,<br />

marcado por longas lutas, veio a resultar <strong>na</strong> Lei 4.024/61 <strong>que</strong> acabou sendo ‘atropelada’<br />

pelo golpe militar de 1964. Foi um verdadeiro ‘cala boca’ <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, como afirmam Cunha e<br />

Góes (2002, p.13).<br />

No entanto, os propósitos políticos e econômicos deste período faz<strong>em</strong> <strong>em</strong>ergir a<br />

Educação Física Competitivista (pós 64) à serviço de uma hierarquização e elitização social<br />

onde o “seu objetivo fundamental é a caracterização da competição e da superação<br />

individual como valores fundamentais e desejados para uma sociedade moder<strong>na</strong>”<br />

(GHIRALDELLI JÙNIOR, 1998,p.20). O desporto ganha terre<strong>no</strong> <strong>no</strong> campo da educação<br />

física escolar alinhavando-se à ideologia domi<strong>na</strong>nte de ‘Brasil Gigante’.<br />

No decorrer da década de 60, as representações simbólicas <strong>que</strong> a sociedade faz do<br />

professor primário apresentam indícios de mudanças e esta atividade passa a ser<br />

compreendida como profa<strong>na</strong> 44 . Para Ferreira, “ a intensidade das referências <strong>que</strong> tomam o<br />

magistério enquanto atividade sagrada se dialetiza e começa a aparecer, também, <strong>na</strong>s <strong>que</strong><br />

a admit<strong>em</strong> enquanto atividade profa<strong>na</strong>” (2002,p.78). Ainda, segundo este autor, as<br />

freqüentes reivindicações por melhores salários e melhores condições de trabalho pod<strong>em</strong><br />

44 Segundo Ferreira(2002) , pautado <strong>no</strong>s pressupostos de Émile Durkheim e Mircea Eliade, o sagrado e o<br />

profa<strong>no</strong> estão presentes <strong>na</strong>s manifestações das representações coletivas de toda e qual<strong>que</strong>r sociedade, logo a<br />

imag<strong>em</strong> do professor pode ser associada a uma dessas duas situações existenciais.<br />

100


ter contribuído para a ‘profa<strong>na</strong>ção’ da profissão. Nota-se <strong>que</strong>, mesmo s<strong>em</strong> ter se definido<br />

o papel do professor e o lócus de sua formação, a categoria lutava para se profissio<strong>na</strong>lizar.<br />

Este período traz uma perspectiva de adaptação do pedagogo, e, de um modo geral, ao<br />

trabalho especializado e tec<strong>no</strong>crático, enquanto <strong>que</strong> o professor de educação física tor<strong>na</strong>-se<br />

técnico desportivo <strong>no</strong> campo educativo. Esta concepção tecnicista gera uma dicotomia<br />

materializada <strong>na</strong> formação de professores das diferente áreas, sobretudo, para o ensi<strong>no</strong><br />

<strong>no</strong>rmal e especialista para as áreas de administração, supervisão, inspeção e orientação<br />

educacio<strong>na</strong>l.<br />

Com a reforma universitária, promulgada <strong>em</strong> 1968, os cursos de licenciaturas,<br />

também <strong>em</strong> educação física, aparec<strong>em</strong> como mais uma oportunidade de formação docente<br />

e as universidades brasileiras têm sua estrutura regulamentada pela lei nº 5.540/68, <strong>no</strong><br />

entanto, a área pedagógica destas instituições s<strong>em</strong>pre foi percebida como objeto me<strong>no</strong>r,<br />

secundário. Esta reforma não se fez dentro da universidade pelo debate e resultante<br />

consenso do magistério, mas por atos legislativos, a princípio coercitivos, com proliferação<br />

de leis e decretos reformuladores numa perspectiva reestruturadora, pautada <strong>na</strong> ideologia<br />

tec<strong>no</strong>crática da ord<strong>em</strong> e pertencente a uma política heg<strong>em</strong>ônica originária do regime<br />

político militar autoritário. “ A educação física escolar alinhou-se facilmente a esses<br />

desígnios . Não foi por acaso <strong>que</strong> a Reforma Universitária de 1968, com a lei 5.540, veio<br />

acompanhada de um parecer <strong>que</strong> confere ao profissio<strong>na</strong>l de educação física o título de<br />

técnico desportivo” ( NHARY, 2005,p.137) . A lei da reforma universitária associa-se à Lei<br />

4.024 da educação, garantindo não só a educação física <strong>em</strong> todos os níveis escolares, como<br />

também <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior através do Capítulo III, Artigo 40 alíneas b e c <strong>que</strong> asseguram a<br />

realização de projetos <strong>cultura</strong>is, artísticos, físicos e desportivos estimulando a atividade<br />

física <strong>em</strong> diferentes modalidades desportivas (BRASIL, 1997 p.21). O campo de atuação do<br />

professor de educação física , até então s<strong>em</strong> definição quanto ao lócus de formação(escolas<br />

militares e faculdades de educação física), <strong>na</strong> vertente dos professores de um modo geral,<br />

não t<strong>em</strong> propósitos e n<strong>em</strong> papel sócio-educativo definidos, mas, <strong>no</strong> entanto, “surge o<br />

fenôme<strong>no</strong> da multiplicação exacerbada das escolas superiores, <strong>que</strong> se estendeu aos cursos<br />

de formação de professores de Educação Física”( OLIVEIRA, 2005,p.26)<br />

A trajetória de formação de professores dos diferentes campos continua confusa,<br />

tanto <strong>em</strong> seu lócus, quanto <strong>em</strong> seus eixos formadores.<br />

101


As faculdades de educação, com seus centros e departamentos, resultaram, como<br />

vimos, da obrigatória fragmentação da faculdade de filosofia, ciências e letras, abrindo<br />

caminho para uma instrumentalização da educação por uma compreensão psicologista e<br />

tecnicista <strong>na</strong> formação de professores e especialista <strong>em</strong> educação, onde este espaço, local<br />

próprio de produção da educação e de seu saber, acaba por consagrar a separação entre<br />

<strong>cultura</strong> e educação, entre teoria e prática. Ou seja, separou o <strong>que</strong> por <strong>na</strong>tureza é<br />

inseparável. No caso da educação física, mesmo com a lei 5.540/68 fazer alusão a<br />

programas <strong>cultura</strong>is e ter <strong>em</strong> seu bojo o desta<strong>que</strong> às práticas desportivas, a <strong>cultura</strong> lúdica<br />

infantil mantêm-se formativa, longe de focar a <strong>cultura</strong> popular, o <strong>que</strong> incluiria os <strong>jogo</strong>s,<br />

como viria a acontecer mais tarde <strong>na</strong>s leis de educação subseqüentes.<br />

Em decorrência da concepção e das fi<strong>na</strong>lidades da faculdade de educação para<br />

formação de professores, sua estrutura básica deveria abranger as áreas de graduação, com<br />

o oferecimento dos cursos de formação de professores primários, de professores da escola<br />

<strong>no</strong>rmal, de pedagogos especialistas e cursos de formação pedagógica dos licenciados; área<br />

de pós-graduação desti<strong>na</strong>da à pesquisa a fim de formar especialistas de altos estudos<br />

pedagógicos e para o magistério do ensi<strong>no</strong> superior e a área de capacitação supletiva, como<br />

era tratada <strong>na</strong> época, para formação permanente do professor, o <strong>que</strong> hoje compreend<strong>em</strong>os<br />

como educação continuada.<br />

O perfil do professor custa a se delinear,e , mesmo <strong>que</strong> surjam propostas legais<br />

mais concretas, a dicotomia das funções, s<strong>em</strong> uma proposta integradora e s<strong>em</strong> a proposição<br />

da docência como eixo formador, só proporcio<strong>na</strong> mais desprestígio para a profissão.<br />

A partir de 1971, com a promulgação da Lei 5.692/71, as escolas <strong>no</strong>rmais se<br />

r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> a cursos profissio<strong>na</strong>lizantes de habilitação para o magistério, perdendo sua<br />

identidade formadora e caminhando principalmente para o tecnicismo. O pensamento<br />

domi<strong>na</strong>nte apontava a formação através da universidade, dos cursos de pedagogia ou <strong>em</strong><br />

licenciaturas de discipli<strong>na</strong>s específicas. A formação do professor primário foi elevada<br />

legalmente ao nível superior <strong>no</strong>s cursos de licenciatura ple<strong>na</strong> (universidades, institutos<br />

superiores de educação e outras instituições congêneres). Esta lei também vinculou as<br />

r<strong>em</strong>unerações dos docentes <strong>em</strong> função do seu nível de formação e não ao nível de seu<br />

exercício profissio<strong>na</strong>l, possibilitando lutas de negociações. O antigo ensi<strong>no</strong> primário<br />

vincula-se ao ginásio numa perspectiva de orientação para o trabalho e tor<strong>no</strong>u compulsória<br />

102


a profissio<strong>na</strong>lização do ensi<strong>no</strong> médio, transformando o magistério numa das habilitações<br />

do ensi<strong>no</strong> de segundo grau. As Escolas Normais e os Institutos de Educação perd<strong>em</strong> suas<br />

características, o <strong>que</strong> acarreta uma procura pelas Faculdades de Educação <strong>que</strong> passavam a<br />

integrar o sist<strong>em</strong>a universitário. Ainda segundo Nunes,<br />

“O paradigma da racio<strong>na</strong>lidade técnica, <strong>que</strong> informara a prática de ensi<strong>no</strong><br />

e os <strong>está</strong>gios, <strong>em</strong>bora vivo, dava si<strong>na</strong>is de esgotamento. Foi ficando cada<br />

vez mais evidente <strong>que</strong> esse paradigma não oferecia instrumentos teóricos<br />

necessários para responder aos desafios do cotidia<strong>no</strong> escolar, mas não se<br />

ofereceram alter<strong>na</strong>tivas de mudanças”. (2004,p.32) .<br />

O distanciamento entre a prática e a teoria tor<strong>na</strong>ra-se evidente e o tecnicismo<br />

passou a ser a ‘ord<strong>em</strong> do dia ’<strong>no</strong>s diferentes campos educacio<strong>na</strong>is, onde “ A legislação<br />

autoritária da Educação Física entra <strong>no</strong> interior das escolas e <strong>na</strong> maioria delas parece<br />

vigorar até hoje” ( NHARY, 2005, p.138).<br />

Neste período, início da década de 70, surge a Faculdade de Formação de<br />

Professores do município de São Gonçalo. Por se tratar do local de realização desta<br />

pesquisa, ver<strong>em</strong>os mais adiante como ela se constituiu <strong>no</strong> cenário educacio<strong>na</strong>l.<br />

O enfo<strong>que</strong> mecânico-tecnicista vai predomi<strong>na</strong>r durante a década de 70 e só <strong>no</strong> fi<strong>na</strong>l<br />

desta a probl<strong>em</strong>ática educacio<strong>na</strong>l passa a re<strong>que</strong>rer mudanças, surgindo propostas de<br />

definição do perfil profissio<strong>na</strong>l do professor da educação básica e voltando-se para os<br />

professores de educação física escolar, abre-se espaço para sua interseção com os diferentes<br />

campos da escola, visto <strong>que</strong> a Lei 5.692/71, Artigo 7 aponta <strong>que</strong>, <strong>em</strong>bora ainda calcada <strong>na</strong><br />

proposta competitivista, a Educação Física se abre para a reflexão e a produção. A criação<br />

da Revista Brasileira de Educação Física do Ministério da Educação e Cultura,<br />

(OLIVEIRA, 2005) vai levá-la a uma <strong>no</strong>va concepção a partir do fi<strong>na</strong>l dos a<strong>no</strong>s 70 e início<br />

dos 80, r<strong>em</strong>etendo-a para <strong>que</strong>stões do lazer e da ludicidade.<br />

Na década de 80, afirmam-se movimentos de educadores enri<strong>que</strong>cendo os debates<br />

educacio<strong>na</strong>is mais amplos, fruto do processo de abertura política <strong>que</strong> se instala <strong>no</strong> Brasil,<br />

permitindo um <strong>no</strong>vo olhar sobre a educação , a educação física e suas práticas.<br />

Associações e entidades de educadores foram fundadas (Anped, Ande, etc.) 45<br />

criando espaço para a discussão teórica e para a mobilização política, levando os<br />

profissio<strong>na</strong>is da educação a uma participação mais efetiva e eficaz <strong>no</strong> encaminhamento de<br />

45 Anped - Associação Nacio<strong>na</strong>l dos Profissio<strong>na</strong>is da Educação ; Ande- Associação Nacio<strong>na</strong>l de Educadores<br />

103


muitos probl<strong>em</strong>as <strong>que</strong> afligiam a área. É a fase do incr<strong>em</strong>ento à pesquisa, publicação<br />

científica e organizações <strong>em</strong> associações <strong>que</strong> buscam reflexão teórica, análise crítica e<br />

debates <strong>no</strong> campo da educação, onde <strong>na</strong> educação física, a psicomotricidade e a <strong>cultura</strong><br />

corporal levam à reflexões quanto as teorias pedagógicas. “ A produção teórica da<br />

Educação Física brasileira sofreu um impulso significativo a partir do início dos a<strong>no</strong>s 80.<br />

A Educação Física tor<strong>no</strong>u-se,efetivamente, um espaço multidiscipli<strong>na</strong>r <strong>em</strong> busca da sua<br />

compreensão como prática social.” ( OLIVEIRA, 2005, p.31)<br />

Em conferência realizada <strong>na</strong> FFP/UERJ 46 , a Professora Ângela Martins, <strong>em</strong> breves<br />

reflexões sobre o trabalho do professor da educação básica e a política para sua formação,<br />

l<strong>em</strong>bra-<strong>no</strong>s <strong>que</strong> a fim de revitalizar os cursos de formação de professores <strong>na</strong>s escolas<br />

<strong>no</strong>rmais e <strong>na</strong>s faculdades de educação, surg<strong>em</strong> movimentos , sobretudo a Comissão<br />

Nacio<strong>na</strong>l de Reformulação dos Cursos de Formação de Professores (CONARCFE), <strong>em</strong><br />

1983, dando orig<strong>em</strong> à Associação Nacio<strong>na</strong>l pela Formação de Profissio<strong>na</strong>is <strong>em</strong> Educação<br />

(ANFOPE), <strong>que</strong> reivindica uma ‘ base comum <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l’. A proposta pautava-se <strong>na</strong><br />

formação do educador, tendo como núcleo integrador a relação teoria/prática e a docência<br />

como base da identidade profissio<strong>na</strong>l de todo educador, entendo-se por ‘base comum<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l’ o conjunto de conhecimentos imprescindíveis à formação do educador,<br />

fundamentado <strong>em</strong> áreas correlatas á educação (filosofia, sociologia, psicologia, história,<br />

eco<strong>no</strong>mia e política), possibilitando a articulação dialética entre teoria e prática, o mesmo<br />

ocorrendo <strong>no</strong> campo da educação física<br />

A década de 90 cont<strong>em</strong>plou discussões sobre políticas de formação docente, o <strong>que</strong><br />

também vai perpassar a área de educação física escolar <strong>na</strong> Lei de Diretrizes e Bases (LDB)<br />

nº 9.394/96 <strong>que</strong> <strong>em</strong> seu inciso 3º integra a Educação Física como componente curricular à<br />

proposta pedagógica da escola, assim como os Pla<strong>no</strong>s Curriculares Nacio<strong>na</strong>is ( PCNs)<br />

reconhec<strong>em</strong> a importância da educação física, não só <strong>no</strong> aspecto fisiológico, como por sua<br />

dimensão <strong>cultura</strong>l, política, afetiva e social. Com base nestas concepções privilegiam-se os<br />

<strong>jogo</strong>s, o esporte, a dança, a ginástica e a luta como conteúdos curriculares por<strong>que</strong> são<br />

pertencentes a <strong>cultura</strong> huma<strong>na</strong>. Os objetivos propostos <strong>no</strong>s PCNs das diferentes áreas se<br />

46 MARTINS, in A<strong>na</strong>is II S<strong>em</strong>inário Educação Faculdade de Formação de Professores da Universidade do<br />

Estado do Rio de Janeiro, 2004, p.43-51.<br />

104


defin<strong>em</strong> <strong>em</strong> termos de capacidades de ord<strong>em</strong> cognitiva, física, afetiva, de relações<br />

interpessoais e inserção social, ética e estética como formação ampla. Então, como de<br />

forma interdiscipli<strong>na</strong>r, preparar os professores dos diferentes campos para atender tais<br />

objetivos a partir dos pressupostos apontados pelos PCNs e pela <strong>no</strong>va LDB? Como ‘pensar’<br />

e ‘fazer’ não só a docência <strong>em</strong> si como a própria formação para ela? Como não<br />

dicotomizar os saberes dos diferentes campos? Não seriam as diferentes capacidades<br />

definidas <strong>no</strong>s PCNs concepções de educação comuns aos diferentes campos de ensi<strong>no</strong>?<br />

Os sist<strong>em</strong>as educacio<strong>na</strong>is, como um todo, apresentam uma e<strong>no</strong>rme defasag<strong>em</strong> com<br />

relação às d<strong>em</strong>andas da sociedade. Uma ‘t<strong>em</strong>pestade de leis’, como diz<strong>em</strong> Linhares e Silva<br />

(2003, p.16), veicula a pretensão de uma reforma educativa.<br />

O aceleramento das leis <strong>que</strong> se deu <strong>no</strong> período FHC (mandato do presidente<br />

Fer<strong>na</strong>ndo Henri<strong>que</strong> Cardoso), a complexidade dos processos políticos e históricos <strong>na</strong> are<strong>na</strong><br />

de disputas de interesses <strong>na</strong> formação de professores se traduz<strong>em</strong> numa variada gama de<br />

concepções e leis <strong>que</strong> <strong>no</strong>rteiam este campo. As reformas educacio<strong>na</strong>is tor<strong>na</strong>m-se alvo das<br />

políticas neoliberias e as propostas de formação de professores receb<strong>em</strong> uma ‘t<strong>em</strong>pestade<br />

de leis’ <strong>que</strong> envolv<strong>em</strong> as suas diretrizes.<br />

Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Nº 9394 de 1996, é dado ênfase à<br />

formação de professores para atuar <strong>na</strong> educação básica, através do decreto 3.276 de 06 de<br />

dez<strong>em</strong>bro de 1999, <strong>que</strong> deverá ocorrer <strong>em</strong> nível superior, <strong>em</strong> cursos de licenciaturas de<br />

graduação ple<strong>na</strong>, <strong>em</strong> universidades e institutos superiores de educação. Não é retirada a<br />

universidade como instância formadora. , mas colocado outros lócus de formação deste<br />

profissio<strong>na</strong>l, alterando o caráter de obrigatoriedade desta formação <strong>em</strong> nível superior, <strong>que</strong><br />

acaba por ser substituído pelo termo preferencialmente por despacho do ministro da<br />

Educação pelo decreto 3.554 de 04/08/00. Linhares e Silva interrogam: “ teria sido essa<br />

substituição um ganho momentâneo e circunstancial, s<strong>em</strong> maiores desdobramentos, dentro<br />

de uma orientação de políticas públicas marcadas pelas opções do neoliberalismo e<br />

neoconservadorismo?” (2003,p.17). Isto instiga-me a compartilhar reflexões e<br />

compromissos com a educação, sobretudo enquanto formadora de professores, <strong>na</strong> busca de<br />

uma revitalização das concepções <strong>que</strong> abarcam as perspectivas do perfil do professor <strong>que</strong><br />

desejamos formar. Alicerçando-me <strong>na</strong>s palavras dos autores:<br />

105


“É s<strong>em</strong>pre bom voltar a l<strong>em</strong>brar <strong>que</strong> <strong>na</strong> construção deste espaço público<br />

de debates sobre os rumos da educação <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l também cabe a nós, como<br />

professores pesquisadores, ocuparmos territórios <strong>em</strong> <strong>que</strong> possamos exercer<br />

discussões e formular propostas, <strong>que</strong> <strong>no</strong> exercício de <strong>no</strong>ssa auto<strong>no</strong>mia<br />

pedagógica, escolar e universitária, represent<strong>em</strong> as necessidades<br />

específicas de cada setor educacio<strong>na</strong>l, s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> diálogo com os<br />

interesses maiores da sociedade”. (id<strong>em</strong>, p.25)<br />

Na perspectiva do ‘para <strong>que</strong>’ se formam professores, <strong>que</strong> se entrecruzam com as<br />

perspectivas do ‘onde’, dúvidas também eclod<strong>em</strong>. A sociedade parece <strong>que</strong> deixou de<br />

acreditar <strong>na</strong> educação como promessa de um futuro melhor, os professores enfrentam sua<br />

profissão com desilusão e desinteresse. A vocação docente vai perdendo espaço para a<br />

educação enquanto mercadoria. Estamos caminhando para a mercantilização do ensi<strong>no</strong>. O<br />

lugar social do professor, <strong>que</strong> era sagrado, vai tor<strong>na</strong>ndo-se profa<strong>no</strong> pelo desprestigio da<br />

categoria (Ferreira, 2002). O julgamento social tende a considerar o professor como<br />

principal responsável pelas múltiplas deficiências do sist<strong>em</strong>a de ensi<strong>no</strong>. O professor precisa<br />

esclarecer suas incertezas e dificuldades para reencontrar sentido e significado para suas<br />

práticas.<br />

Como pud<strong>em</strong>os observar, a probl<strong>em</strong>ática da formação inicial de professores não é<br />

atual, o mesmo ocorrendo com o professor de educação física. Indefinições quanto ao papel<br />

social destes professores atropelam seus ‘fazeres’. As Diretrizes Nacio<strong>na</strong>is dos Cursos de<br />

Pedagogia, aprovadas <strong>em</strong> 13/12/2005 pelo parecer CNE/CP n º 5/2005, colocam a docência<br />

<strong>em</strong> Educação Infantil e Séries Iniciais como eixo <strong>na</strong> formação do professor, incorporando a<br />

esta formação a gestão educacio<strong>na</strong>l ( supervisão, orientação , administração e inspeção),<br />

ampliando o campo de atuação do docente. Ampliação esta <strong>que</strong> chega a atribuir a estas<br />

profissio<strong>na</strong>is, além do ensi<strong>no</strong> de Língua Portuguesa, Mat<strong>em</strong>ática, Ciências, História,<br />

Geografia e Artes, a Educação Física. Volto, então, a indagar: Que formação deve ter este<br />

profissio<strong>na</strong>l para assumir tais funções? Quais as expectativas para isto? O <strong>que</strong> se espera<br />

desses profissio<strong>na</strong>is?<br />

Acredito <strong>que</strong> a formação de professores envolve a própria complexidade huma<strong>na</strong>.<br />

Para além de um pensamento simplificador e redutor <strong>que</strong> acompanha o paradigma<br />

racio<strong>na</strong>lista, compreendo <strong>que</strong> a construção do perfil do professor se entrelaça <strong>na</strong>s<br />

dimensões pessoal e profissio<strong>na</strong>l, não sendo o trabalho pedagógico ape<strong>na</strong>s um ato<br />

educativo intencio<strong>na</strong>l. As propostas de formação de professores dev<strong>em</strong>, desta forma,<br />

106


compreender os diferentes campos de atuação deste profissio<strong>na</strong>l, como espaços formativos,<br />

onde as vivências proporcio<strong>na</strong>das pelos cursos lev<strong>em</strong>-<strong>no</strong>s a entrelaçar os diferentes campos<br />

de conhecimentos resignificando seus saberes e fazeres.<br />

O professor aprende também com suas práticas e interagindo com outros, refletindo<br />

sobre suas dificuldades e seus êxitos, avaliando sua forma de proceder cotidia<strong>na</strong>mente,<br />

interagindo com os modos de sentir, pensar e agir de seus discentes. Assim como Nóvoa,<br />

acredito <strong>que</strong> “ a formação do professor não se constrói por acumulação ( de cursos,<br />

conhecimentos ou técnicas), mas sim por meio das práticas e de reconstrução permanente<br />

de uma identidade pessoal”( 1991,p.108)<br />

É preciso desmistificar a situação <strong>que</strong> v<strong>em</strong> se tor<strong>na</strong>ndo comum quando se fala <strong>em</strong><br />

profissão docente. O processo de sua formação deve identificar o local desta, passando pela<br />

própria escola, pela educação superior e pela pesquisa constante dos princípios de sua<br />

formação, não rompendo teoria e prática e buscando a compreensão das relações simbólicas<br />

de opressão <strong>que</strong> acabam por atrofiar a auto<strong>no</strong>mia intelectual, institucio<strong>na</strong>l e profissio<strong>na</strong>l.<br />

Tor<strong>na</strong>-se imperioso, como saída, os movimentos instituintes 47 <strong>que</strong> possibilit<strong>em</strong> a<br />

reinvenção da escola (Linhares e Silva, 2003) como lugar de trocas, afetos e prazeres, onde<br />

as experiências pedagógicas instituintes sejam concebidas como um tipo de invenção social<br />

e política <strong>que</strong> (re)considera projetos margi<strong>na</strong>is ou derrotados como espaços abertos para<br />

<strong>no</strong>vas aprendizagens. Estes são desafios e enigmas cont<strong>em</strong>porâneos, onde também os <strong>jogo</strong>s<br />

e as atividades lúdicas, não só ligados à educação física, mas as diferentes áreas de atuação<br />

dos d<strong>em</strong>ais professores, tor<strong>na</strong>m-se campos educativos.<br />

É preciso ‘estar aberto’ a tudo o <strong>que</strong> se passa <strong>no</strong> ambiente escolar, tor<strong>na</strong>r-se<br />

sensível às <strong>que</strong>stões não só patentes, mas, também às <strong>que</strong>stões latentes reveladoras da<br />

complexidade <strong>que</strong> é a escola. Dev<strong>em</strong>os incitar propostas a todo instante <strong>no</strong>s cursos de<br />

formação <strong>que</strong> lev<strong>em</strong> o alu<strong>no</strong>-professor a (re)organizar pensamentos, fazer e refazer<br />

fazeres, r<strong>em</strong><strong>em</strong>orar suas histórias de vida, <strong>que</strong>stio<strong>na</strong>r sobre suas vivências e<br />

experiências.”Quando investigam o significado do ensi<strong>no</strong>, dão início à tarefa árdua,<br />

47 Para Linhares (2002), as experiências instituintes constitu<strong>em</strong>-se como circuitos de vida...alimentam-se de<br />

trânsitos incessantes de religações entre passado e futuro, entre diferentes esferas da atuação huma<strong>na</strong> , entre<br />

afetos e produções de linguagens, saberes e conhecimentos materializados <strong>no</strong>s intercâmbios produzidos pela<br />

vida (p.118).<br />

107


tonificante e reconstituinte, de se localizar<strong>em</strong> a si próprios e aos seus alu<strong>no</strong>s <strong>em</strong> contextos<br />

sociais, históricos e políticos mais latos” (HOLLY, 1995, p.90).<br />

O papel social do professor assume, assim, uma complexidade escolar e não-escolar<br />

<strong>que</strong> o r<strong>em</strong>ete à função de sujeito <strong>que</strong> contribui <strong>na</strong> formação de outros sujeitos, e não mais<br />

simplesmente <strong>na</strong> função de um professor <strong>que</strong> ensi<strong>na</strong> aos alu<strong>no</strong>s. Resignificar o papel social<br />

do professor significa dar visibilidade a todas as suas dimensões, o <strong>que</strong> inclui as pessoais,<br />

como o ex<strong>em</strong>plo dos poucos <strong>que</strong> hoje atuam como professores invisíveis, a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> por<br />

vocação, por mistério, magia ou mestria 48 , acreditam num futuro melhor, mais afetuoso e<br />

prazeroso.<br />

Nesta perspectiva, proponho <strong>que</strong> se reflita sobre as atuais e propagadas relações<br />

entre o ‘pensar’ e o ‘fazer’ docente, <strong>que</strong> <strong>em</strong> linhas gerias não atend<strong>em</strong> à compreensão do<br />

complexo cotidia<strong>no</strong> escolar, sobretudo <strong>no</strong> <strong>que</strong> diz respeito a ludicidade, <strong>que</strong> podendo ser<br />

considerada como um movimento instituinte, é silenciada <strong>em</strong> <strong>no</strong>me da ord<strong>em</strong> e das tarefas<br />

escolares da racio<strong>na</strong>lidade educativa. R<strong>em</strong>etendo-<strong>no</strong>s à Foucault (1987), é como se os<br />

corpos precisass<strong>em</strong> estar quietos e controlados para o momento do aprendizado. Como <strong>no</strong>s<br />

diz Linhares: “ É impressio<strong>na</strong>nte como a escola ainda retém concepções e práticas <strong>que</strong><br />

mais parec<strong>em</strong> alinhadas à idéia de sujeito cartesia<strong>no</strong>- <strong>que</strong> faz da plenitude de sua razão<br />

um penhor não só de sua existência, mas de sua onipotência” (2003, p.50). Reinventar o<br />

<strong>jogo</strong> e sua relação com e <strong>na</strong> escola, parece-me possível. Como se coloca o professor diante<br />

das atividades <strong>que</strong> envolv<strong>em</strong> <strong>jogo</strong>s? Como compreend<strong>em</strong> o lúdico <strong>na</strong> <strong>cultura</strong> huma<strong>na</strong>? O<br />

<strong>que</strong> aprend<strong>em</strong> as crianças quando jogam? Que sentimentos o <strong>jogo</strong> envolve? A condição<br />

das atividades lúdicas infantis e do <strong>jogo</strong> como el<strong>em</strong>ento de <strong>cultura</strong>, promotor de relações<br />

sociais, como ri<strong>que</strong>za e diversidade do imaginário social e revelador de uma multiplicidade<br />

de sentidos, <strong>no</strong>s impulsio<strong>na</strong>m a compreendê-lo numa rede de significados postos <strong>no</strong><br />

processo de formação de docentes das diferentes áreas. O ‘fazer’ docente é<br />

multidimensio<strong>na</strong>l e os ‘saberes’ dev<strong>em</strong> ser complexos <strong>no</strong> entendimento morinia<strong>no</strong>,<br />

valendo-<strong>no</strong>s mais uma ‘cabeça b<strong>em</strong> feita’ do <strong>que</strong> uma ‘cabeça b<strong>em</strong> cheia’ (Morin, 2004)<br />

<strong>no</strong> sentido de acúmulo de informações<br />

A década de 70, cunhada pelo tecnicismo, deixou marcas <strong>que</strong> ainda impulsio<strong>na</strong>m o<br />

48 Ferreira refere-se à “mestria” como sendo não ape<strong>na</strong>s talento, mas a manifestação de uma vocação (2003,<br />

p.42)<br />

108


professor para um fazer sist<strong>em</strong>atizado, onde o <strong>jogo</strong> passa a ser visto como atividade<br />

programada, útil para o aprendizado de um conteúdo (<strong>jogo</strong>s didáticos), como b<strong>em</strong> estar<br />

físico e mental (ligados à educação física) ou como recreação (hora do recreio, intervalos<br />

de aluas e o próprio horário desti<strong>na</strong>do à recrear as crianças). Romper com esta visão é<br />

associar as atividades lúdicas à fenôme<strong>no</strong>s sócio-<strong>cultura</strong>is reveladores dos modos de sentir,<br />

pensar e agir <strong>no</strong> mundo. Para tal, tor<strong>na</strong>-se necessário <strong>que</strong> o professor compreenda sua<br />

função social, reflita sobre seus modos de ‘pensar’ e ‘fazer’ a docência, compreendendo<br />

<strong>que</strong> o lócus de sua formação, seja qual for, deve conduzi-lo à uma práxis consciente e<br />

transformadora.<br />

Acredito numa formação de professores <strong>que</strong> os estimul<strong>em</strong> como partícipes de um<br />

processo onde o ‘dever-ser’ <strong>na</strong> lógica escolar coexista com o ‘estar-junto’ <strong>na</strong>s<br />

manifestações cotidia<strong>na</strong>s. Uma mudança paradigmática <strong>na</strong> concepção de formação de<br />

professor passa pela busca de um olhar sensível, capaz de captar as partes, os sujeitos, as<br />

relações, as manifestações latentes <strong>que</strong> se expressam <strong>no</strong> todo, <strong>na</strong>s regras, <strong>na</strong>s <strong>no</strong>rmas, <strong>no</strong><br />

instituído. Captar esta rede de relações e compreendê-las para transformá-las é também<br />

papel social do professor. Neste sentido, esta <strong>no</strong>va trama paradigmática pode constituir-se<br />

pela religação de saberes <strong>que</strong> entend<strong>em</strong>os <strong>em</strong> Edgar Morin, saberes instituídos e instituintes<br />

(LINHARES, 2004) <strong>que</strong> se entrecruzam <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> escolar.<br />

Na busca deste ‘estar-junto-com’ <strong>no</strong> ambiente escolar, como proposto por<br />

Maffesoli ( 1998), precisamos <strong>no</strong>s distanciar da força simbólica da homogenização <strong>que</strong> <strong>no</strong>s<br />

conduz como máqui<strong>na</strong>s capazes de dar <strong>no</strong>ssas aulas s<strong>em</strong> perceber o <strong>que</strong> pensam e como<br />

ag<strong>em</strong> <strong>no</strong>ssos alu<strong>no</strong>s. Buscar relações com outros sujeitos, se envolver efetivamente com os<br />

projetos da comunidade escolar e fora-escolar, perceber como sent<strong>em</strong> , pensam e ag<strong>em</strong> os<br />

atores da escola <strong>em</strong> suas mais simples e cotidia<strong>na</strong>s manifestações é religar saberes, não<br />

necessariamente os científicos, mas os saberes huma<strong>no</strong>s complexos, carregados de<br />

sentidos, <strong>em</strong>oções, conflitos e afetos. Formar professores passa a ser sensibilizá-los para<br />

acolher as diferenças, estabelecer trocas, refletir sobre suas experiências e vivências,<br />

veicular afetos, superar conflitos, <strong>que</strong>stio<strong>na</strong>r mais do <strong>que</strong> responder, criar, imagi<strong>na</strong>r, sonhar.<br />

É ‘viver-sentir-estar-junto-com’ a comunidade escolar (CHAVES, 2000). Neste sentido,<br />

esta autora, pautada <strong>em</strong> Morin, <strong>no</strong>s move a uma tomada de consciência de <strong>que</strong> a formação<br />

de professores deve sair desta visão simplificadora, unidimensio<strong>na</strong>l, parcelarizada, <strong>que</strong> <strong>no</strong>s<br />

109


coloca como máqui<strong>na</strong>s <strong>que</strong> faz<strong>em</strong> e produz<strong>em</strong> <strong>em</strong> prol dos ditames escolares, para uma<br />

mudança paradigmática multidimensio<strong>na</strong>l, de conhecimentos integradores capazes de<br />

transformar as relações da escola e de seus sujeitos.<br />

Defendo a perspectiva de compreender o professor como sujeito de transformação<br />

aplicada às várias dimensões da sua existência e da complexa realidade <strong>que</strong> o cerca, desde a<br />

pessoal até a social mais ampla. Imbricam-se sujeito e professor<br />

A realidade educacio<strong>na</strong>l leva o professor à procura de <strong>no</strong>vas formas de lidar com a<br />

relação ensi<strong>no</strong>-aprendizag<strong>em</strong>, o <strong>que</strong> revela a complexidade das ações docentes. Muitas<br />

destas ações são revestidas por um caráter lúdico, sendo o <strong>jogo</strong> uma atividade motivante e<br />

socializadora, onde o aprender e o ensi<strong>na</strong>r manifestam-se <strong>na</strong>turalmente. São práticas <strong>que</strong><br />

envolv<strong>em</strong> conceitos, <strong>imagens</strong>, produção de valores, idéias, deveres, direitos, visão de<br />

mundo, decifração e desvelamento da realidade, propostas <strong>que</strong> abarcam a (re)construção e a<br />

(trans)formação de sujeitos <strong>em</strong> desenvolvimento. O professor lida com o conhecimento<br />

historicamente elaborado, o <strong>que</strong> implica, entre outras coisas, <strong>na</strong> (re)(des)construção de<br />

conhecimentos , <strong>na</strong> (re)leitura da realidade dada e sobretudo <strong>na</strong> produção de sentidos.<br />

Buscar os sentidos dos <strong>jogo</strong>s passa a ser também educar. O processo formativo deste<br />

profissio<strong>na</strong>l e também do professor de educação física, deve, então, se pautar numa<br />

proposta amplificada de interatividade entre a teoria e a prática, ou seja, entre os saberes<br />

acad<strong>em</strong>icamente adquiridos e os socialmente construídos <strong>no</strong> ‘chão da escola’. Da<br />

articulação destes campos do saber poderá surgir um fazer transformador <strong>que</strong> possibilite<br />

uma <strong>cultura</strong> de sentimentos baseada <strong>em</strong> valores também não-racio<strong>na</strong>is como o sonho, o<br />

afeto, o prazer e a efervescência lúdica.<br />

Aceit<strong>em</strong>os o convite de Linhares “ para cada um de nós procurar conhecer,<br />

entender, mas, sobretudo, participar de reinvenção da escola, abrindo e compartilhando<br />

experiências, como as <strong>que</strong> irromp<strong>em</strong> <strong>em</strong> tantos e tão diferentes espaços” (2002,p.128)<br />

Tendo como suporte o paradigma da complexidade de Edgar Morin e a<br />

socioantropologia de Michel Maffesoli, buscarei compreender os sentidos do <strong>jogo</strong> para<br />

<strong>que</strong>m joga e os diferentes espaços onde se joga e sua relação com a educação. O <strong>jogo</strong>, <strong>na</strong><br />

esfera do vivido, é interpretado como movimento instituinte <strong>que</strong> aproxima sujeitos, <strong>que</strong><br />

possibilita trocas de afetos, de prazeres, de conhecimentos e idéias e <strong>que</strong>, marcado por<br />

ord<strong>em</strong>, desord<strong>em</strong>, incerteza e interações atinge a esfera da complexidade bio-psico-sócio-<br />

110


<strong>cultura</strong>l dos sujeitos <strong>em</strong> desenvolvimento. Sendo assim, a t<strong>em</strong>ática <strong>jogo</strong> passa a ser uma<br />

reflexão importante <strong>no</strong> processo de formação de professores <strong>que</strong> pod<strong>em</strong> dele se utilizar <strong>em</strong><br />

seu ‘fazer’ e seu ‘pensar’ <strong>na</strong>s práticas cotidia<strong>na</strong>s escolares mais complexas, reinventando<br />

a escola de forma alegre e prazerosa, não rompendo com a lógica tecnicista, racio<strong>na</strong>l, mas<br />

associando e compreendendo o não-racio<strong>na</strong>l, o onírico , o lúdico.<br />

Formação de professores <strong>na</strong> FFP/UERJ<br />

Com a intenção de dar maior visibilidade ao campo desta pesquisa, apresento alguns<br />

dados, informações e documentos pesquisados <strong>que</strong> contam o caminhar e a história vivida<br />

pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro<br />

(FFP/UERJ). Fazendo parte desta história desde 1981, recordo-me, ao escrever este<br />

capítulo, das lutas e das manifestações <strong>que</strong> pleiteavam garantir a sobrevivência desta<br />

Instituição de Ensi<strong>no</strong> <strong>no</strong> cenário educacio<strong>na</strong>l brasileiro. Desta forma, compreendendo<br />

melhor a política educacio<strong>na</strong>l <strong>em</strong> <strong>no</strong>sso país, me envolvendo com estas <strong>que</strong>stões e<br />

adquirindo maturidade profissio<strong>na</strong>l fui ....<br />

Entre tantas jogadas...<br />

49 Metáforas da canção Vivendo e aprendendo a jogar de Guilherme Arantes<br />

Vivendo e aprendendo a jogar<br />

Vivendo e aprendendo a jogar 49<br />

111


Em pari passu com as concepções trazidas com a LBD 5.692/71, sobretudo<br />

o artigo 30 <strong>que</strong> aponta a qualificação de pessoal docente para o ensi<strong>no</strong> de 1 o e 2 o Graus, e,<br />

<strong>no</strong> bojo da proposta, estando contida a necessidade de existir<strong>em</strong> cursos, <strong>em</strong> nível de 3 º<br />

Grau para a formação de docentes de 5 ª a 8 ª séries do 1 º grau (assim desig<strong>na</strong>do o ensi<strong>no</strong><br />

fundamental à época), surge <strong>no</strong> cenário educacio<strong>na</strong>l do Estado do Rio de Janeiro, mais<br />

especificamente <strong>no</strong> município de São Gonçalo, a Faculdade de Formação de Professores<br />

-FFP- s<strong>em</strong> grandes interesses por parte dos representantes das políticas de formação de<br />

professores, o <strong>que</strong> acarretou algumas idas e vindas com relação aos órgãos mantenedores<br />

desta Instituição.<br />

Na década de 70 o gover<strong>no</strong> do Estado do Rio de Janeiro cria o Centro de<br />

Trei<strong>na</strong>mento de Professores do Estado do Rio de Janeiro – CETRERJ-, regulamentado pela<br />

Lei nº 6.598 de 20/08/71, organizado como fundação e vinculado à Secretaria de Educação<br />

e Cultura com o objetivo de aperfeiçoar e atualizar os professores da rede de ensi<strong>no</strong>,<br />

tor<strong>na</strong>ndo-se, assim, a primeira instituição mantenedora da FFP.<br />

Começando seu funcio<strong>na</strong>mento <strong>em</strong> set<strong>em</strong>bro de 1973, autorizada pelo Decreto nº<br />

75.525, de 25 /07/73, <strong>no</strong> gover<strong>no</strong> do Presidente Médice, com instalação e funcio<strong>na</strong>mento<br />

<strong>no</strong> bairro do Paraíso <strong>no</strong> município de São Gonçalo (local <strong>em</strong> <strong>que</strong> se mantém até hoje) e<br />

atendendo a diversos municípios vizinhos, a FFP vai iniciando uma história de lutas <strong>no</strong><br />

contexto educativo.<br />

Fazendo parte de uma política <strong>que</strong> objetivava oferecer certificação com vistas a<br />

alteração do nível de atuação dos professores da rede estadual de ensi<strong>no</strong> e com conseqüente<br />

mudança de nível salarial, a FFP é concebida como uma instituição para capacitar<br />

professores através de cursos de curta duração, cuja ideologia era de formar os<br />

profissio<strong>na</strong>is <strong>que</strong> iriam implantar <strong>em</strong> seus municípios de orig<strong>em</strong>, atividades de supervisão<br />

escolar, conforme indicativos da LDB nº 5692/71. Com esta estrutura inicial, a<br />

FFP/CETRERJ cumpre seu papel de formar multiplicadores, assim de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong>dos os<br />

docentes ali preparados. Com a marca da formação e capacitação, oferecendo trei<strong>na</strong>mento<br />

para professores do interior do estado e cursos regulares para os professores do Município<br />

de São Gonçalo e vizinhanças, a FFP surge, <strong>no</strong> cenário de formação de professores, com a<br />

implantação de cursos de licenciatura de 1 º grau <strong>em</strong> Letras, Ciências e Estudos Sociais,<br />

reconhecidos pelo Decreto n º 79.679, de 10/05/77, do então Presidente Ernesto Geisel.<br />

112


Com a fusão dos antigos Estados da Gua<strong>na</strong>bara e do Rio de Janeiro e com<br />

propostas de reorganização do <strong>no</strong>vo estado, esta Instituição é pela primeira vez <strong>em</strong><br />

11/04/75 incorporada à Universidade do Estado do Rio de Janeiro, condição esta <strong>que</strong> durou<br />

ape<strong>na</strong>s três meses, visto <strong>que</strong> este ato foi revogado <strong>em</strong> 15/07/75.<br />

Nesta mesma ocasião, com perspectivas de desenvolvimento de recursos huma<strong>no</strong>s,<br />

o CETRERJ t<strong>em</strong> ampliado seu objetivo para o atendimento a uma clientela tanto de dentro<br />

como de fora da rede estadual de ensi<strong>no</strong>, o <strong>que</strong> acarretou a passag<strong>em</strong> de sua de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong>ção<br />

para Fundação Centro de Desenvolvimento de Recursos Huma<strong>no</strong>s da Educação e Cultura<br />

(CDRH), mantendo a FFP <strong>em</strong> sua estrutura básica. Desta forma, a Faculdade Formação de<br />

Professores mantém-se vinculada ao CDRH ampliando sua forma de atuação, mantendo os<br />

cursos de licenciatura curta, mas atingindo uma maior clientela de professores de todas as<br />

redes de ensi<strong>no</strong> público ou particular.<br />

Vinculada ao CDRH, o Decreto Presidencial n º 81.905 de 10/07/78 e o parecer n º<br />

11/78 do Conselho Estadual de Educação (CEE) levam as Licenciaturas <strong>em</strong> Letras e<br />

Ciências a se converter<strong>em</strong> <strong>em</strong> Licenciaturas ple<strong>na</strong>s. A primeira com habilitação <strong>em</strong><br />

Português/Literatura e Português/Inglês e a segunda com habilitação <strong>em</strong> Biologia e<br />

Mat<strong>em</strong>ática. Esta transformação implicou <strong>na</strong> ampliação do currículo com o acréscimo das<br />

discipli<strong>na</strong>s de Metodologia <strong>na</strong>s áreas específicas e também a inclusão da discipli<strong>na</strong> de<br />

Prática de Ensi<strong>no</strong> voltada para o 2º Grau.<br />

O início da década de 80 é marcado por uma instabilidade e por um esvaziamento<br />

institucio<strong>na</strong>l provocado pela saída significativa de docentes qualificados e comprometidos<br />

com a Licenciatura, mas <strong>que</strong>, por medidas restritivas, não poderiam acumular cargos, pois<br />

da união do CDRH com a Fundação Instituto de Desenvolvimento Econômico Social do<br />

Rio de Janeiro - FIDERJ -, <strong>na</strong>sce, <strong>em</strong> 20/06/80 pelo Decreto 3.290/80, a Fundação de<br />

Amparo à pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ -, <strong>que</strong> <strong>em</strong>bora sendo uma<br />

instituição voltada para a pesquisa, passa a ser a mantenedora da FFP <strong>que</strong> agora, como<br />

parte de um sist<strong>em</strong>a fundacio<strong>na</strong>l, corre o risco de perder seu caráter gratuito.<br />

Percebe-se <strong>que</strong> o período entre 1971 e 1982 caracterizou-se como a época de<br />

instalação e luta pela manutenção da Faculdade de São Gonçalo, período este <strong>em</strong> <strong>que</strong> passei<br />

a fazer parte do quadro docente desta Instituição <strong>em</strong> 1981.<br />

113


Nos primeiros a<strong>no</strong>s da década de 80 todo o quadro docente é surpreendido com<br />

medidas gover<strong>na</strong>mentais inesperadas, o <strong>que</strong> acarreta lutas pela manutenção da FFP <strong>no</strong><br />

município de São Gonçalo, culmi<strong>na</strong>ndo num confronto entre gover<strong>no</strong> do Estado e os<br />

professores, pautados <strong>na</strong> garantia da auto<strong>no</strong>mia acadêmica institucio<strong>na</strong>l. Ao fi<strong>na</strong>l do<br />

gover<strong>no</strong> Chagas Freitas, com dez a<strong>no</strong>s de existência da Faculdade de São Gonçalo, <strong>em</strong><br />

função das articulações políticas do estado, acontece a segunda tentativa de vinculação da<br />

FFP à UERJ através do Decreto Estadual nº 6.570 de 05/03/83, o <strong>que</strong> não se efetivou.<br />

Transcorridos 10 dias, <strong>na</strong> tentativa de enquadramento <strong>no</strong> sist<strong>em</strong>a escolar, o gover<strong>no</strong><br />

do Estado, <strong>na</strong> figura de Leonel Brizola, altera a vinculação da FFP integrando-a à<br />

Secretaria Estadual de Educação através do art.7 o do Decreto 6625, de 15/3/83. Porém,<br />

como se trata de uma instituição de formação <strong>em</strong> graduação, logo a seguir a FFP é<br />

<strong>no</strong>vamente reintegrada à FAPERJ pelo Decreto 6.229/83.<br />

A política educacio<strong>na</strong>l <strong>no</strong> primeiro gover<strong>no</strong> Brizola <strong>no</strong> Rio de Janeiro, entre 1983 e<br />

1986, é marcada por concepções e conduções dos princípios educacio<strong>na</strong>is do professor<br />

Darcy Ribeiro, vice-gover<strong>na</strong>dor e presidente da FAPERJ, com forte vínculo com a<br />

Secretaria Estadual de Educação. Surg<strong>em</strong>, então, <strong>que</strong>stões e impasses quanto às vinculações<br />

e inserção administrativa da FFP e <strong>em</strong> dez<strong>em</strong>bro de 1983 é criado um grupo de trabalho<br />

para avaliar a impl<strong>em</strong>entação do Complexo Educacio<strong>na</strong>l São Gonçalo - CESG-, onde<br />

passariam a fazer parte deste conjunto a FFP, O Centro Interescolar Walter Orlandine e a<br />

Escola Estadual Coronel Tarcísio Bue<strong>no</strong>, todos vizinhos do mesmo lado da calçada da Rua<br />

Francisco Portela, com o objetivo de oferecer educação do pré-escolar ao 3º grau, b<strong>em</strong><br />

como o Curso Normal Superior. “O período de estudos, planejamento e funcio<strong>na</strong>mento do<br />

CESG confund<strong>em</strong>-se com sua efetiva implantação, já <strong>que</strong> estas escolas funcio<strong>na</strong>vam<br />

regularmente”. ( PIERRO, 2005, p.57)<br />

Na concepção dos gover<strong>na</strong>ntes, a inserção da FFP neste complexo educacio<strong>na</strong>l<br />

facilitaria a <strong>que</strong>stão da alocação de verbas, dado o vínculo com a FAPERJ. Outro aspecto<br />

favorável com a integração da FFP ao complexo educacio<strong>na</strong>l era a <strong>que</strong>stão do espaço físico<br />

e da relação de pessoal, já <strong>que</strong> a FFP poderia disponibilizar salas, espaços e funcionários<br />

para o CESG. Tanto foi assim <strong>que</strong>, por ex<strong>em</strong>plo, todo o material <strong>que</strong> atendia as atividades<br />

desportivas da FFP vinculadas à discipli<strong>na</strong> de Educação Física foi cedido ao Complexo<br />

114


Educacio<strong>na</strong>l de São Gonçalo, assim como foi proposto um rodízio <strong>no</strong> uso dos espaços da<br />

quadra desportiva e da sala de ginástica 50 .<br />

No entanto, a comunidade acadêmica da FFP não aceita sua subordi<strong>na</strong>ção ao<br />

Complexo Educacio<strong>na</strong>l, já <strong>que</strong> sua luta estava voltada para a garantia da gratuidade de<br />

todos os seus cursos, para a criação e implantação de <strong>no</strong>vas propostas curriculares para as<br />

Licenciaturas, pla<strong>no</strong> de carreira docente e oferta de concursos públicos. As duas primeiras<br />

reivindicações foram conquistadas <strong>em</strong> 1984 51 .<br />

Como se pode perceber, neste <strong>jogo</strong> de interesses políticos, a proposta do Complexo<br />

Educacio<strong>na</strong>l parece não vir ao encontro dos anseios de professores e funcionários da<br />

Instituição, além de <strong>que</strong> com o seu funcio<strong>na</strong>mento a ocupação das salas de aulas e a<br />

convivência de alu<strong>no</strong>s da educação infantil até o ensi<strong>no</strong> superior, trouxeram certa<br />

desorganização <strong>no</strong> andamento das atividades da faculdade. Neste momento também, a<br />

situação administrativa <strong>na</strong> FFP referente à definição e pla<strong>no</strong> de carreira para professores e<br />

funcionários gerava movimentos de greve de alu<strong>no</strong>s e professores. Ocorre uma<br />

desestabilização do cro<strong>no</strong>grama de oferecimento de cursos diur<strong>no</strong>s ao invés dos <strong>no</strong>tur<strong>no</strong>s e<br />

de fim de s<strong>em</strong>a<strong>na</strong> e o possível risco, por parte do corpo docente e discente, de fechamento<br />

dos cursos existentes <strong>na</strong> faculdade.<br />

“Além das reações ocorridas <strong>na</strong> FFP, várias foram as dificuldades <strong>que</strong> não<br />

favoreceram com <strong>que</strong> o Complexo Educacio<strong>na</strong>l de São Gonçalo fosse<br />

adiante, dificuldades estas <strong>na</strong>scidas inclusive <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> das instituições<br />

escolares <strong>que</strong> compunham esta proposta e suas relações políticoadministrativas<br />

com o Estado”. ( PIERRO, 2005 p.59)<br />

Num processo de estruturação inter<strong>na</strong>, a FFP realiza a avaliação de seus cursos<br />

pautada <strong>no</strong> Encontro Nacio<strong>na</strong>l do Projeto de Reformulação dos Cursos de Preparação de<br />

Recursos Huma<strong>no</strong>s para a Educação, realizado <strong>em</strong> <strong>no</strong>v<strong>em</strong>bro de 1983 <strong>em</strong> Belo Horizonte,<br />

dando início à reformulação de seus currículos de Licenciatura, <strong>que</strong>, a ex<strong>em</strong>plo dos<br />

anteriores, mantém como princípio <strong>no</strong>rteador para esta reformulação, a preocupação de<br />

50<br />

Situação por mim vivenciada <strong>no</strong> período <strong>em</strong> <strong>que</strong>stão, enquanto professora da discipli<strong>na</strong> de Educação Física<br />

da FFP.<br />

51<br />

Vale ressaltar <strong>que</strong>, neste mesmo a<strong>no</strong>, compúnhamos um quadro docente de 53 professores, <strong>que</strong> juntamente<br />

com os funcionários técnico-administrativos, receb<strong>em</strong>os carta de d<strong>em</strong>issão <strong>em</strong> ple<strong>no</strong> processo de negociação<br />

com o Gover<strong>no</strong> do Estado. Em face destas lutas, as cartas acabaram sendo desconsideradas pelo Gover<strong>no</strong> e as<br />

negociações foram retomadas.<br />

115


garantir a articulação entre teoria-prática-teoria, com as discipli<strong>na</strong>s didático-pedagógicas<br />

integradas aos conteúdos específicos do primeiro ao último período de seus cursos. ( ASSIS<br />

& SILVA, UERJ, 2000)<br />

Esta reformulação, implantada <strong>em</strong> 1984, ocorre de forma a repensar a estrutura dos<br />

cursos e a incluir também a discipli<strong>na</strong> de Prática Pedagógica <strong>no</strong> módulo da educação, <strong>no</strong><br />

caso das Licenciaturas Ple<strong>na</strong>s <strong>que</strong> já funcio<strong>na</strong>vam desde 1978, <strong>na</strong>s habilitações <strong>em</strong><br />

Português/Literatura; Português/Inglês; Mat<strong>em</strong>ática e Biologia. A licenciatura curta <strong>em</strong><br />

Estudos Sociais <strong>que</strong> ainda vigorava, a partir desse processo de reformulação, é alterada e<br />

<strong>em</strong> outubro de 1985 houve a conversão deste curso <strong>em</strong> Ciências Sociais <strong>em</strong> Licenciatura<br />

Ple<strong>na</strong> com habilitação <strong>em</strong> História e Geografia, seguindo os princípios <strong>no</strong>rteadores e a<br />

concepção de curso da unidade.<br />

No período de 1985 a 1987 a FFP vive <strong>no</strong>vamente uma fase de acentuado <strong>em</strong>bate <strong>na</strong><br />

relação com o gover<strong>no</strong> do Estado, acarretando um <strong>no</strong>vo e maior esvaziamento institucio<strong>na</strong>l,<br />

com a suspensão de seus vestibulares e a redução de seu quadro docente.<br />

Em julho de 1986, sobrevivendo aos ata<strong>que</strong>s das instituições privadas do município<br />

e ao desinteresse do Estado, a comunidade acadêmica congrega esforços e com a<br />

autorização do Conselho Estadual de Educação – CEE -, organiza e realiza o concurso<br />

vestibular para ingresso de alu<strong>no</strong>s, ocorrido <strong>em</strong> janeiro de 1987, caracterizando-se como o<br />

último processo seletivo realizado pela FAPERJ.<br />

Através da Lei Estadual nº 1.175, de 21/7/87, <strong>no</strong> início do gover<strong>no</strong> de Moreira<br />

Franco, a Faculdade de Formação de Professores, como unidade acadêmica, foi vinculada<br />

definitivamente à Universidade do Estado do Rio de Janeiro -UERJ -.<br />

Comprometida com o desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro e com uma<br />

proposta de interiorização da Universidade, a UERJ incorpora a FFP, condição <strong>que</strong><br />

permanece até os dias de hoje, oferecendo especificamente licenciaturas ple<strong>na</strong>s e<br />

consolidando sua organização pedagógico-administrativa.<br />

A partir da incorporação da FFP, a UERJ passou a ser a única universidade pública<br />

do município de São Gonçalo, exercendo um importante papel <strong>na</strong> reflexão e debates sobre<br />

os probl<strong>em</strong>as educacio<strong>na</strong>is, sobretudo <strong>na</strong> formação de professores.<br />

“Este período de aproximadamente 15 a<strong>no</strong>s <strong>na</strong> história da FFP, da sua<br />

fundação à sua vinculação pela UERJ, <strong>está</strong> marcado por diferentes<br />

vínculos administrativos assumidos <strong>no</strong> Estado, porém s<strong>em</strong>pre reafirmando<br />

116


sua vocação institucio<strong>na</strong>l com a formação docente tendo como fi<strong>na</strong>lidade<br />

superar a insuficiência de professores com formação superior,<br />

especialmente <strong>no</strong> interior do Estado do Rio de Janeiro”. ( PIERRO, 2005,<br />

p.60)<br />

Passando por uma <strong>no</strong>va reforma curricular <strong>em</strong> 1987, alguns cursos sofreram<br />

transformações <strong>em</strong> suas estruturas. As licenciaturas <strong>em</strong> Ciências e Estudos Sociais foram<br />

desm<strong>em</strong>bradas <strong>em</strong> Licenciatura <strong>em</strong> Mat<strong>em</strong>ática e <strong>em</strong> Biologia, <strong>no</strong> primeiro caso, e <strong>no</strong><br />

segundo caso, <strong>em</strong> Licenciaturas <strong>em</strong> Geografia e <strong>em</strong> História. Ape<strong>na</strong>s o Curso de Letras<br />

manteve o formato anterior, de um curso com dupla habilitação: Língua<br />

Portuguesa/Literatura e Língua Portuguesa/Inglês. Estes currículos foram implantados <strong>em</strong><br />

1991, com a realização do primeiro vestibular <strong>na</strong> FFP <strong>na</strong> gestão da UERJ. Atualmente os<br />

cursos oferecidos estão <strong>em</strong> reformulação, com vistas a se adequar<strong>em</strong> às <strong>no</strong>vas exigências<br />

legais.<br />

Hoje, a FFP conta com mais de três mil alu<strong>no</strong>s distribuídos <strong>em</strong> sete licenciaturas,<br />

seis mencio<strong>na</strong>das acima e o Curso de Pedagogia Habilitação <strong>em</strong> Magistério das Series<br />

Iniciais do Primeiro Grau onde o ingresso a estes cursos ocorre por Concurso Vestibular,<br />

promovido anualmente pela UERJ.. A FFP/UERJ também oferece cursos de pós-<br />

graduação lato sensu: História Social do Brasil, Estudos Literários , Língua Portuguesa,<br />

Língua Inglesa e Educação Básica. O curso de pós-graduação stricto sensu, Mestrado<br />

<strong>em</strong> Educação, <strong>está</strong> atualmente tramitando <strong>na</strong>s instâncias competentes <strong>no</strong> aguardo de sua<br />

aprovação para início de atividades. O ingresso <strong>no</strong> programa de pós-graduação se dá<br />

por processo seletivo realizado <strong>na</strong> própria FFP.<br />

Funcio<strong>na</strong>ndo com uma estrutura de seis Departamentos, a FFP se volta como um<br />

todo para a formação de professores do Ensi<strong>no</strong> Básico “considerando <strong>que</strong> a<br />

construção/reconstrução de saberes fundamentais para sua atuação deve dar lugar às<br />

múltiplas conexões produzidas <strong>na</strong>s zo<strong>na</strong>s de contato entre as discipli<strong>na</strong>s de conteúdo<br />

específico e as discipli<strong>na</strong>s da área didático-pedagógica”. (Assis & Silva, 2000, p.96)<br />

Com base neste pressuposto, estas discipli<strong>na</strong>s distribu<strong>em</strong>-se uniforme e<br />

seqüencialmente, <strong>no</strong>s currículos dos cursos oferecidos pela FFP, do primeiro ao último<br />

s<strong>em</strong>estre, atingindo os diferentes momentos da formação dos licenciandos.<br />

117


Vivendo um <strong>no</strong>vo processo de reestruturação curricular, desta vez provocada pela<br />

<strong>no</strong>va regulamentação do Conselho Nacio<strong>na</strong>l de Educação, a FFP ainda atravessa<br />

probl<strong>em</strong>as relacio<strong>na</strong>dos à falta de pessoal, <strong>que</strong>r <strong>no</strong> quadro de docentes, <strong>que</strong>r <strong>no</strong> quadro<br />

técnico-administrativo, <strong>que</strong>stões estas enfrentadas pelas Universidades Públicas <strong>em</strong><br />

geral, e o crescimento da d<strong>em</strong>anda trouxe como conseqüência a necessidade de<br />

ampliação do espaço físico. Por outro lado a FFP, cada vez mais, se fortalece <strong>no</strong>s três<br />

níveis do ensi<strong>no</strong> superior: a graduação, a extensão e a pesquisa.<br />

A FFP pauta-se <strong>no</strong> princípio e <strong>no</strong> compromisso com a formação dos professores,<br />

como afirma um texto escrito pelos componentes da Direção <strong>no</strong> período 2000 - 2003:<br />

“Essa possibilidade de formação docente <strong>em</strong> um espaço <strong>no</strong> qual o<br />

magistério não é co<strong>no</strong>tado pejorativamente como opção secundária, abre<br />

um campo de possibilidades muito rico <strong>na</strong> abordag<strong>em</strong> dos probl<strong>em</strong>as,<br />

desejos e sonhos sobre a educação, a educação de qualidade <strong>que</strong> tanto<br />

<strong>que</strong>r<strong>em</strong>os como projeto para <strong>no</strong>ssas cidades e <strong>no</strong>sso país. Cabe ressaltar<br />

<strong>que</strong>, uma vez <strong>que</strong> os cursos estão distribuídos <strong>em</strong> um mesmo espaço<br />

físico, eles pod<strong>em</strong> estabelecer relações diretas entre si, além de poder<strong>em</strong><br />

usufruir contatos imediatos e permanentes com o Departamento de<br />

Educação, responsável pelas discipli<strong>na</strong>s didático-pedagógicas”. (ASSIS &<br />

SILVA, 2001,p. 94).<br />

O Departamento de Educação - DEDU-, criado desde as origens da Instituição como<br />

integrador das atividades administrativas e acadêmicas da FFP, atende a todas as<br />

licenciaturas da Unidade com o oferecimento de discipli<strong>na</strong>s didático-pedagógicas <strong>no</strong>s<br />

diversos cursos de Licenciatura da FFP/UERJ. Quanto à integralização curricular para os<br />

cursos da Unidade <strong>em</strong> Letras Português/Literaturas, Letras Portugês/Inglês, Mat<strong>em</strong>ática,<br />

Biologia, História e Geografia, o DEDU oferece discipli<strong>na</strong>s de <strong>na</strong>tureza obrigatória <strong>que</strong><br />

são: Filosofia da Educação, Psicologia da Educação, Sociologia da Educação, Didática,<br />

Políticas Públicas, Prática Pedagógica e Estágio Supervisio<strong>na</strong>do e de <strong>na</strong>tureza eletivas: Arte<br />

e Educação, Educação Física, Educação Popular, História Eletiva, Tópicos de Filosofia e<br />

Linguag<strong>em</strong>, Ensi<strong>no</strong> Supletivo, Metodologia Científica e Política Educacio<strong>na</strong>l.<br />

Pautados numa proposta de interdepartamentalidade, o <strong>que</strong> favorece uma<br />

interlocução entre as diferentes licenciaturas da Faculdade de Formação de Professores, os<br />

d<strong>em</strong>ais departamentos da FFP, igualmente oferec<strong>em</strong> discipli<strong>na</strong>s obrigatórias para a<br />

118


integralização do currículo do Curso de Pedagogia, o mais recente Curso da FFP, <strong>que</strong> será<br />

apresentado <strong>no</strong> próximo tópico deste capítulo.<br />

As discipli<strong>na</strong>s oferecidas pelo DEDU são agregadas <strong>em</strong> Núcleos de Referência, com<br />

a intenção de <strong>que</strong> estes núcleos sejam instâncias de diálogo, debate, organização e acúmulo<br />

compartilhado sobre cada grupo de discipli<strong>na</strong>s. Neles, os professores poderão encontrar<br />

orientação e interlocução a respeito das discipli<strong>na</strong>s sob sua responsabilidade e, certamente,<br />

nesta relação, estarão também enri<strong>que</strong>cendo com suas contribuições e ajudando a perceber<br />

por onde ainda se pode crescer e caminhar <strong>na</strong> construção de projetos mais integrados.<br />

Quanto ao seu quadro docente, o Departamento de Educação conta atualmente com<br />

mais de 60 % de professores Doutores e o restante <strong>em</strong> processo institucio<strong>na</strong>l de formação<br />

<strong>em</strong> Programas de Pós-graduação de excelência acadêmica.<br />

Com relação à estruturação e à consolidação das áreas de pesquisa e extensão, <strong>no</strong><br />

DEDU, exist<strong>em</strong> os seguintes Grupos de Pesquisa: Núcleo de Pesquisa e Extensão: Vozes<br />

da Educação: m<strong>em</strong>ória e história das escolas de São Gonçalo; Práticas de Ensi<strong>no</strong> e<br />

Formação de Professores; Educação, Políticas Públicas, Novas Tec<strong>no</strong>logias; Cultura,<br />

Subjetividade, Linguag<strong>em</strong> e Educação.<br />

Os projetos de extensão articulados com a comunidade, principalmente <strong>em</strong> São<br />

Gonçalo e <strong>no</strong> seu entor<strong>no</strong>, são oferecidos <strong>em</strong> diferentes especificidades, a saber: Educação<br />

de Jovens e Adultos; Políticas Educacio<strong>na</strong>is e Poder local; A <strong>que</strong>stão das etnias e dos afro-<br />

descendentes; Estatuto da Criança e do Adolescente; Imagens e Representações; Arte e<br />

Ludicidade; Taekwondo; Qu<strong>em</strong> dança faz Arte; Tec<strong>no</strong>logias e Informatização, <strong>que</strong> são<br />

coorde<strong>na</strong>dos pelos professores do departamento, <strong>que</strong> <strong>em</strong> sua maioria contam com alu<strong>no</strong>s-<br />

bolsistas. Há ainda projetos acadêmicos, subordi<strong>na</strong>dos à Sub-reitoria de Graduação dentre<br />

os quais ‘Iniciação à Docência’ <strong>que</strong> desde 1994, oportunizando a vivência <strong>em</strong> atividades<br />

docentes dos alu<strong>no</strong>s das licenciaturas <strong>em</strong> escolas do município de São Gonçalo.<br />

Como um espaço único voltado exclusivamente para a formação de professores, a<br />

FFP têm possibilitado experiências i<strong>no</strong>vadoras <strong>na</strong> área, onde o Departamento de Educação<br />

t<strong>em</strong> tido como ponto de partida, <strong>em</strong> sua roti<strong>na</strong> cotidia<strong>na</strong>, o crescimento da produção, seja<br />

<strong>em</strong> termos da pesquisa, da extensão ou da necessidade de ampliar os espaços de docência.<br />

Desta forma este departamento v<strong>em</strong> assumindo desde 1994 o Curso de Pedagogia com<br />

Habilitação <strong>em</strong> Magistério das Séries Iniciais do Ensi<strong>no</strong> Fundamental, ou como é mais<br />

119


conhecido, Curso de Pedagogia da FFP, levando assim esta Unidade Acadêmica da UERJ<br />

a assumir sete Licenciaturas.<br />

Uma bela jogada...<br />

A história de criação do Curso de Pedagogia: Habilitação das Séries Iniciais do<br />

Ensi<strong>no</strong> Fundamental - Licenciatura Ple<strong>na</strong> da FFP/UERJ não poderia deixar de ser contada,<br />

pois além de ter um papel representativo não só <strong>no</strong> município de São Gonçalo, como <strong>na</strong><br />

própria estrutura organizativa da UERJ, os alu<strong>no</strong>s deste Curso são o foco do presente<br />

trabalho, mais precisamente os graduandos do quinto período <strong>em</strong> diante <strong>que</strong> já cursaram a<br />

discipli<strong>na</strong> de Recreação e Jogos I e II e <strong>que</strong> contribuirão para esta pesquisa com respostas<br />

dadas a um <strong>que</strong>stionário investigativo e com seus relatos <strong>em</strong> forma de <strong>na</strong>rrativas.<br />

Em consulta recente aos dados estatísticos do IBGE 52 , têm-se o a<strong>no</strong> de 2000 como<br />

a<strong>no</strong> base de referência sobre os dados do Município de São Gonçalo <strong>que</strong> passarei a<br />

descrever.<br />

O Município de São Gonçalo possui uma área de 251 km2 e apresenta uma<br />

população totalmente urba<strong>na</strong> constituída de 429.404 homens e 461.715 mulheres. A taxa de<br />

alfabetizados, considerando a população residente de 10 a<strong>no</strong>s ou mais, é de 94,5%. Quanto<br />

aos estabelecimentos de ensi<strong>no</strong>, registram-se 177 de Educação Infantil; 311 de Ensi<strong>no</strong><br />

Fundamental e 81 de Ensi<strong>no</strong> Médio. Tanto <strong>no</strong> Ensi<strong>no</strong> Fundamental quanto <strong>na</strong> Educação<br />

Infantil, registra-se maior índice de matriculados <strong>na</strong> rede pública estadual. Quanto ao<br />

quantitativo de docentes <strong>no</strong> Ensi<strong>no</strong> Fundamental, concentram-se <strong>em</strong> maior número da rede<br />

estadual, já <strong>na</strong> Educação Infantil <strong>na</strong> rede privada. Os dados estatísticos, mas<br />

especificamente o conhecimento acerca da realidade, aponta a grande d<strong>em</strong>anda por ações<br />

educativas <strong>no</strong> campo de formação de professores para atuação <strong>no</strong>s sist<strong>em</strong>as de ensi<strong>no</strong>. Num<br />

contexto concreto surge a necessidade de implantação de um curso de Pedagogia<br />

compromissado com as políticas educativas e consciente do papel a des<strong>em</strong>penhar <strong>no</strong> quadro<br />

52 Consulta realizada ao site do IBGE <strong>em</strong> fevereiro de 2006<br />

120


educacio<strong>na</strong>l, não só do Município de São Gonçalo, mas <strong>no</strong> Estado do Rio de Janeiro como<br />

um todo.<br />

Concebido sob a influência do Curso de Pedagogia de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong>do Magistério<br />

(CPM) 53 , da Faculdade de Educação da UERJ <strong>no</strong> campus Maracanã, o curso de Pedagogia<br />

<strong>na</strong> Faculdade de Formação de Professores -FFP- iniciou sua primeira turma <strong>no</strong> 2º s<strong>em</strong>estre<br />

de 1994. Para compreendermos melhor, o CPM surgiu <strong>na</strong> UERJ <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1980 54 , através de<br />

um convênio firmado com a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, para formação <strong>em</strong><br />

nível superior dos profissio<strong>na</strong>is <strong>que</strong> atuavam <strong>na</strong>s séries iniciais do antigo 1 º Grau, por isso a<br />

sigla CPM significava Convênio com a Prefeitura Municipal. Mesmo com o térmi<strong>no</strong> do<br />

convênio, e a mudança de de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong>ção da sigla, o CPM continuou a funcio<strong>na</strong>r.<br />

Forjado sob o princípio de educação continuada, esta graduação era oferecida<br />

somente aos professores das redes de ensi<strong>no</strong> Municipal. Na FFP, foi implantado sob a<br />

responsabilidade do Departamento de Educação, mesmo s<strong>em</strong> a unidade ter firmado<br />

convênio com nenhuma das redes de ensi<strong>no</strong> público da região. No entanto, como exigência<br />

para a inscrição via exame de vestibular isolado 55 , era necessário <strong>que</strong> os candidatos foss<strong>em</strong><br />

professores <strong>em</strong> exercício <strong>na</strong>s séries iniciais do Ensi<strong>no</strong> Fundamental <strong>na</strong> rede pública ou <strong>na</strong><br />

rede privada, <strong>que</strong> retomando os estudos, graduavam-se <strong>em</strong> nível superior à docência<br />

da<strong>que</strong>las mesmas séries. Em suma, era necessária a diplomação <strong>no</strong> curso de formação de<br />

professores ao nível do ensi<strong>no</strong> profissio<strong>na</strong>l de 2 º Grau, atual Ensi<strong>no</strong> Médio, para o ingresso<br />

<strong>na</strong> FFP.<br />

Em 2002, o ingresso <strong>no</strong> curso passa a fazer parte do vestibular geral da FFP/UERJ,<br />

perdendo o caráter de vestibular isolado, como também se abando<strong>na</strong> à exigência de<br />

comprovação de exercício do magistério, modificando claramente o perfil dos alu<strong>no</strong>s <strong>que</strong><br />

agora, não mais sendo obrigatoriamente professores antes de ingressar <strong>na</strong> FFP, atuam <strong>na</strong>s<br />

mais diferentes áreas profissio<strong>na</strong>is.<br />

A criação deste curso não se limitou ao Município de São Gonçalo, e <strong>em</strong> 17 de<br />

<strong>no</strong>v<strong>em</strong>bro de 1994 foi firmado um convênio com a Prefeitura Municipal de Araruama -<br />

53 - A sigla CPM, abreviação de Convênio com a Prefeitura Municipal, foi reinterpretada para Curso de<br />

Pedagogia: Magistério, após a interrupção do acordo com a prefeitura do Rio.<br />

54 - Sobre o CPM/ Maracanã, ver CARNEIRO DA SILVA, W, Tese de doutorado, Sorbonne, Paris, 1997<br />

55 - Vestibular isolado refere-se a um procedimento de seleção organizado pelos órgãos competentes da<br />

universidade, porém acontecendo <strong>em</strong> período diferenciado da seleção geral, e <strong>que</strong> segue regras específicas.<br />

121


PMA - com a intenção de qualificar seu quadro docente do 1º segmento do Ensi<strong>no</strong><br />

Fundamental, quando então, esta Prefeitura, através de sua Secretaria de Educação<br />

recorreu a FFP/UERJ para o oferecimento do Curso Superior <strong>em</strong> Pedagogia. Prontamente<br />

o Departamento de Educação desta Unidade concorda <strong>em</strong> aceitar o desafio de gerenciar um<br />

curso de graduação fora de seu ‘campus’, acreditando numa experiência enri<strong>que</strong>cedora para<br />

uma instituição comprometida com a formação de professores. Desta forma, este convênio<br />

contribuiu para <strong>que</strong> a UERJ pudesse atender uma clientela <strong>que</strong> não se concentra tão<br />

somente <strong>no</strong> Município de Araruama, mas também <strong>no</strong>s municípios adjacentes como<br />

Saquar<strong>em</strong>a, Cabo Frio, São Pedro D’Aldeia, Iguaba, Rio Bonito, Itaboraí e outros. Inicia-se<br />

o convenio com o primeiro vestibular realizado <strong>em</strong> junho de 1995 e com o oferecimento de<br />

uma primeira turma com quarenta vagas para o referido curso, <strong>que</strong> funcio<strong>no</strong>u até o fi<strong>na</strong>l do<br />

último convênio <strong>em</strong> 2000 graduando um total de 156 professores com a mesma estrutura<br />

curricular do Curso de Pedagogia: Habilitação das Séries Iniciais do Ensi<strong>no</strong> Fundamental -<br />

Licenciatura Ple<strong>na</strong>- de São Gonçalo 56 .<br />

Desde a implantação do Curso de Pedagogia, o DEDU v<strong>em</strong> perseguindo o desafio<br />

de formar professores do primeiro segmento do ensi<strong>no</strong> fundamental, compromissados com<br />

a reflexão <strong>na</strong>/sobre a prática, sendo protagonistas da impl<strong>em</strong>entação de políticas educativas,<br />

sujeitos de práxis transformadoras e conscientes do papel <strong>que</strong> ocupam <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> escolar.<br />

Tendo passado por recente reformulação a concepção curricular o curso de Pedagogia da<br />

FFP atua <strong>em</strong> sist<strong>em</strong>a seriado 57 (para atender aos alu<strong>no</strong>s do currículo antigo) e sist<strong>em</strong>a de<br />

crédito (para os alu<strong>no</strong>s <strong>que</strong> ingressaram <strong>no</strong> primeiro s<strong>em</strong>estre de 2006 e para os <strong>que</strong><br />

solicitaram migração de currículo – do antigo para o <strong>no</strong>vo). Integraliza atualmente uma<br />

carga horária de 3.245 h/a <strong>no</strong> currículo <strong>no</strong>vo e 2430 horas/aula <strong>no</strong> currículo antigo. Esta<br />

última distribuída <strong>em</strong> oito períodos num fluxograma 58 composto por discipli<strong>na</strong>s<br />

obrigatórias de fundamentação teórica e prática onde o DEDU t<strong>em</strong> sob sua condução e<br />

planejamento as discipli<strong>na</strong>s de: Alfabetização I e II; Avaliação Educacio<strong>na</strong>l; Didática;<br />

Educação e Cultura Brasileira II; Estrutura e Funcio<strong>na</strong>mento do Ensi<strong>no</strong> de 1º e 2º graus;<br />

56 Tive a oportunidade de atuar como docente neste curso desde a primeira até última turma formada <strong>em</strong> 2004,<br />

assim como também por um período de aproximadamente três a<strong>no</strong>s pude contribuir <strong>na</strong> coorde<strong>na</strong>ção do Curso,<br />

não ape<strong>na</strong>s <strong>em</strong> Araruma, como também <strong>em</strong> São Gonçalo<br />

57 Com a reformulação o Curso de Pedagogia passará a funcio<strong>na</strong>r sob o sist<strong>em</strong>a de créditos e não mais<br />

seriado.<br />

58 Ver fluxograma <strong>em</strong> anexo.<br />

122


Filosofia da Educação; Fundamentos da Educação Artística; História da Educação II;<br />

Educação Brasileira; Metodologias do Ensi<strong>no</strong> das Séries Iniciais; Pesquisa <strong>em</strong> Educação I,<br />

II e III; Políticas Públicas; Prática de Ensi<strong>no</strong> I e II; Psicologia da Educação I e II;<br />

Recreação I e II; Sociologia da Educação; Técnicas de Estudo I; Tópicos Especiais I, II, III,<br />

IV, V e VI.<br />

Faz<strong>em</strong> parte também do fluxograma de discipli<strong>na</strong>s obrigatórias à<strong>que</strong>las relativas às<br />

áreas do conhecimento ensi<strong>na</strong>das <strong>na</strong>s séries iniciais do Ensi<strong>no</strong> Fundamental e <strong>que</strong> são de<br />

responsabilidade dos outros departamentos da FFP (Ciências, Geografia, História, Letras,<br />

Mat<strong>em</strong>ática e Ciências Huma<strong>na</strong>s). Essas discipli<strong>na</strong>s são oferecidas <strong>no</strong>s primeiros a<strong>no</strong>s do<br />

curso e têm carga horária de 480 horas. São elas: Fundamentos das Ciências da Natureza I e<br />

II; Fundamentos do Trabalho de Leitura e Expressão Escrita <strong>no</strong> Ensi<strong>no</strong> de 1ºgrau I e II;<br />

Fundamentos do Trabalho com o Texto Literário <strong>no</strong> Ensi<strong>no</strong> de 1º grau I e II; Geografia;<br />

História; Língua Portuguesa I e II e Mat<strong>em</strong>ática I e II. A discipli<strong>na</strong> Tópicos Especiais,<br />

apresentada como uma discipli<strong>na</strong> de <strong>em</strong>enta livre e também obrigatória, é oferecida <strong>em</strong> seis<br />

períodos ao longo do curso num total de 210 horas/aula.<br />

O Curso de Pedagogia passou recent<strong>em</strong>ente por um processo de reformulação <strong>que</strong><br />

t<strong>em</strong> como intuito ampliar a oferta da docência também para Educação Infantil e Ensi<strong>no</strong><br />

Médio (Normal), b<strong>em</strong> como <strong>no</strong> campo da Gestão Educacio<strong>na</strong>l através de múltipla<br />

habilitação. A proposta, implantada <strong>no</strong> primeiro s<strong>em</strong>estre de 2006, reafirma a centralidade<br />

da docência e a Universidade como lócus da formação de Professores. Este projeto de<br />

reformulação <strong>na</strong>sceu do debate entre os professores <strong>que</strong> compunham o Departamento de<br />

Educação e, trazia <strong>em</strong> seu bojo, a busca da inclusão da pesquisa como eixo <strong>no</strong>rteador do<br />

curso, já <strong>que</strong> o currículo anterior, além de muito reduzido, não enfatizava os d<strong>em</strong>ais<br />

campos da formação universitária. O desejo dos alu<strong>no</strong>s coadu<strong>no</strong>u-se à idéia dos<br />

professores, pois os mesmos reivindicavam uma formação mais ampla do <strong>que</strong> somente a<br />

Licenciatura das Séries Iniciais.<br />

Estas foram as primeiras modificações impl<strong>em</strong>entadas para dar um <strong>no</strong>vo caráter à<br />

formação de professores das séries iniciais do Ensi<strong>no</strong> Fundamental <strong>na</strong> FFP. Interessa-<strong>no</strong>s<br />

dar ênfase a este processo de reformulação do Curso por estar diretamente ligado a esta<br />

pesquisa o processo de transformação da discipli<strong>na</strong> de Recreação e Jogos I e II <strong>em</strong><br />

Educação, Artes e Ludicidade I, II e III. As <strong>em</strong>entas e programas <strong>que</strong> se encontram <strong>em</strong><br />

123


anexo apontam uma mudança de enfo<strong>que</strong> <strong>que</strong> veio sofrendo a discipli<strong>na</strong>, onde destaco a<br />

consagração de 2/3 da carga horária desti<strong>na</strong>dos à pratica. A <strong>no</strong>va proposta t<strong>em</strong> a intenção<br />

de não se distanciar da t<strong>em</strong>ática ludicidade e manter como foco a integração dos princípios<br />

cognitivos, afetivos, psicomotores, sociais e <strong>cultura</strong>is, compreendendo o <strong>jogo</strong> como<br />

fenôme<strong>no</strong> <strong>que</strong> faz parte de movimentos instituídos (aulas de educação física e recreação) e<br />

instituintes ( atividades espontâneas e desejadas) vivenciadas não ape<strong>na</strong>s <strong>no</strong> interior das<br />

escolas, assim como relacio<strong>na</strong>ndo-as com a arte e a educação e reconhecendo estes campos<br />

como importantes <strong>no</strong> processo de formação huma<strong>na</strong>.<br />

Passarei, assim, a alguns esclarecimentos da grade curricular do Curso de Pedagogia<br />

<strong>que</strong> se faz<strong>em</strong> necessários: A discipli<strong>na</strong> de Recreação e Jogos I é oferecida <strong>no</strong> 5 º período<br />

com 30 horas/aulas distribuídas <strong>em</strong> dois t<strong>em</strong>pos s<strong>em</strong>a<strong>na</strong>is, o mesmo ocorrendo com a<br />

discipli<strong>na</strong> Recreação e Jogos II, oferecida <strong>no</strong> 6 º período, também com 30 horas/aula,<br />

perfazendo-se um total de 60 horas/aulas desta t<strong>em</strong>ática <strong>no</strong> Curso. Com a reformulação ela<br />

se fundiu com a discipli<strong>na</strong> Fundamentos da Educação Artística, <strong>que</strong> também integraliza<br />

uma carga horária de 60 horas/aula oferecida <strong>no</strong> 4 º período. T<strong>em</strong>os, assim, o<br />

oferecimento das discipli<strong>na</strong>s Educação, Artes e Ludicidade I, II e III <strong>no</strong> três primeiros<br />

s<strong>em</strong>estres letivos com carga horária total de 135 horas ( 45h/aulas cada).<br />

Entendendo <strong>que</strong> o currículo deva ser pensado como uma estratégia <strong>que</strong> concretize<br />

os princípios e o perfil do profissio<strong>na</strong>l, objetivados <strong>na</strong> proposta de reformulação, identifica-<br />

se como grande eixo do <strong>no</strong>vo currículo a formação do professor/pedagogo/pesquisador <strong>que</strong><br />

se dá <strong>na</strong> articulação inter e transdiscipli<strong>na</strong>r através da organização de sub-eixos <strong>que</strong><br />

integram as discipli<strong>na</strong>s <strong>na</strong> busca de interlocução com diferentes saberes.<br />

Com base nestes indicativos, as discipli<strong>na</strong>s do curso <strong>no</strong> currículo <strong>no</strong>vo de<br />

Pedagogia arrolam-se <strong>no</strong>s seguintes eixos t<strong>em</strong>áticos: Docência e Pedagogia <strong>na</strong> Educação<br />

Básica, Fundamentos Teóricos e Educação, Gestão e Organização do trabalho <strong>na</strong> Escola,<br />

T<strong>em</strong>áticas Cont<strong>em</strong>porâneas <strong>na</strong> Educação, Atividades Compl<strong>em</strong>entares, Pesquisa <strong>em</strong><br />

Educação, Estágio Supervisio<strong>na</strong>do e Conhecimento e linguag<strong>em</strong> <strong>na</strong> Educação Básica, do<br />

qual faz<strong>em</strong> parte as discipli<strong>na</strong>s de Educação, Artes e Ludicidade I, II e III, pois<br />

compreende-se <strong>que</strong> as múltiplas linguagens da arte, da ciência, da técnica, da filosofia vão<br />

constituindo a <strong>cultura</strong> <strong>que</strong> simultaneamente é processo e produto, onde as relações<br />

estabelecidas entre educação e <strong>cultura</strong>, sobretudo artística e lúdica, abr<strong>em</strong> caminho para o<br />

124


entendimento da educação como prática permanent<strong>em</strong>ente atenta aos movimentos, não só<br />

instituídos como também aos movimentos instituintes <strong>que</strong> afloram <strong>no</strong> contexto<br />

educacio<strong>na</strong>l. Neste sentido, a <strong>no</strong>va proposta para a t<strong>em</strong>ática<br />

ludicidade/<strong>jogo</strong>/recreação/artes/educação atende a perspectiva do currículo e do professor<br />

<strong>que</strong> se pretende formar <strong>no</strong> Curso de Pedagogia da FFP.<br />

A complexidade da trama social cont<strong>em</strong>porânea <strong>no</strong>s coloca diante do desafio de<br />

repensar a formação de professores b<strong>em</strong> como avaliarmos, num processo contínuo, o <strong>no</strong>sso<br />

‘fazer’ e o <strong>no</strong>sso ‘pensar’ a docência. Não <strong>no</strong>s cabe mais ape<strong>na</strong>s uma ‘cabeça b<strong>em</strong> cheia’<br />

onde o saber é acumulado não dispondo de uma organização <strong>que</strong> lhe dê sentido,<br />

necessitamos de uma “cabeça b<strong>em</strong> feita” <strong>no</strong> sentido morinia<strong>no</strong> (MORIN, 2004), onde o<br />

mais importante é dispor ao mesmo t<strong>em</strong>po de uma aptidão geral para colocar e tratar os<br />

probl<strong>em</strong>as, permitindo ligar saberes atribuindo-lhes sentido. Pautada nestes pressupostos,<br />

a reformulação do Curso de Pedagogia pretende ter a docência como eixo da formação do<br />

pedagogo, o atravessamento teoria-prática e a formação do professor pesquisador com<br />

ple<strong>no</strong> domínio e compreensão da realidade de seu t<strong>em</strong>po, com consciência <strong>que</strong> lhe permita<br />

a<strong>na</strong>lisar, interferir e transformar.<br />

Nesta perspectiva, a proposta do Curso para a t<strong>em</strong>ática recreação e <strong>jogo</strong>s/<br />

ludicidade e artes é de grande importância , pois passa a atender as prerrogativas das<br />

Diretrizes Curriculares Nacio<strong>na</strong>is para os Cursos de Pedagogia <strong>que</strong> <strong>em</strong> seu Artigo 5º inciso<br />

VI, aponta a educação física como parte do programa deste curso.<br />

Na busca da superação das dicotomias <strong>na</strong> formação dos profissio<strong>na</strong>is da educação,<br />

procuramos adquirir um olhar sensível e uma escuta atenta, tor<strong>na</strong>ndo-<strong>no</strong>s capazes de<br />

perceber a ‘socialidade <strong>em</strong> ato’ de Michel Maffesoli (1984), entendida como um conjunto<br />

de práticas cotidia<strong>na</strong>s <strong>que</strong> constitu<strong>em</strong> o substrato de toda vida <strong>em</strong> sociedade. É a<br />

socialidade <strong>que</strong> faz a sociedade, onde também “ é preciso ver a complexidade onde ela<br />

parece <strong>em</strong> geral ausente como, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>na</strong> vida quotidia<strong>na</strong>” ( MORIN, 2004, p.83).<br />

A realidade é complexa e para a compreendermos, <strong>no</strong>sso pensamento t<strong>em</strong> <strong>que</strong> seguir a<br />

mesma linha de complexidade. Morin reivindica uma percepção global e integradora da<br />

realidade através da ciência. É importante <strong>que</strong> não se deixe de lado el<strong>em</strong>entos fundamentais<br />

do conhecimento: o contexto, o global, o multidimensio<strong>na</strong>l, o complexo. Enquanto<br />

125


educadores, percebendo e compreendendo a efervescência do cotidia<strong>no</strong> social dentro e fora<br />

da escola, tor<strong>na</strong>mo-<strong>no</strong>s mais aptos <strong>na</strong> formação de sujeitos.<br />

O “hom<strong>em</strong> complexo” de Edgar Morin (2003), com suas facetas bio-psico-sócio-<br />

<strong>cultura</strong>is, vivencia atividades coletivas cotidia<strong>na</strong>s dentro e fora da escola e de outras<br />

instituições, incentivando e gerando a formação <strong>cultura</strong>l e artística de forma dialética,<br />

possibilitando a construção permanente de saberes fundamentais ao professor<br />

transformador, onde as discipli<strong>na</strong>s <strong>que</strong> abordam o lado lúdico do ser huma<strong>no</strong><br />

redimensio<strong>na</strong>m a compreensão de mundo e de hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> sociedade. Sendo assim,<br />

‘aposto’ <strong>na</strong> reformulação do Curso de Pedagogia da FFP como um campo privilegiado de<br />

formação de professores comprometidos com a sociedade brasileira.<br />

A Súmula<br />

126


Aulas de Recreação e Jogos - FFP/UERJ - 2005<br />

A Súmula<br />

__________________________________________________________________<br />

Afi<strong>na</strong>l o espaço pedagógico é um texto para ser<br />

constant<strong>em</strong>ente “lido” , interpretado, “escrito” e “relido”.<br />

Paulo Freire (1996)<br />

127


No campo dos <strong>jogo</strong>s desportivos, a súmula é uma espécie de relatório onde ficam<br />

registrados todos os acontecimentos de uma partida, tor<strong>na</strong>ndo-se um documento importante<br />

para posterior avaliação dos fatos transcorridos 59 . É um registro para ser lido e relido de<br />

forma <strong>que</strong>, para além de registrar oficialmente o <strong>jogo</strong> jogado, possa servir de el<strong>em</strong>ento<br />

<strong>no</strong>rteador para <strong>jogo</strong>s futuros, principalmente quando a<strong>na</strong>lisados por técnicos, árbitros,<br />

dirigentes e pelo próprio jogador.<br />

Ao apresentar esta parte do trabalho intitulada Súmula, pretendo levar o leitor à<br />

observar os dados da pesquisa coletados por meio de <strong>que</strong>stionários e por duas entrevistas<br />

numa abordag<strong>em</strong> qualitativa.<br />

Nos últimos a<strong>no</strong>s, os procedimentos experimentais e de análises estatísticas de<br />

dados, têm levado as pesquisas quantitativas a um crescente desuso, principalmente <strong>na</strong> área<br />

de ciências sociais. Percebe-se, então, um maior interesse de pesquisadores das áreas<br />

huma<strong>na</strong>s e sociais pelo uso de pesquisa qualitativa, tor<strong>na</strong>ndo-se esta uma das metodologias<br />

para ler, interpretar, escrever e reler os espaços pedagógicos, conforme apontado <strong>na</strong><br />

epígrafe supracitada. Fontoura (1997) entende <strong>que</strong> este estilo de pesquisa “t<strong>em</strong> como fonte<br />

direta de seus dados o ambiente onde acontec<strong>em</strong> os eventos e o pesquisador como agente,<br />

pressupondo um contato direto do pesquisador com o ambiente e com a situação<br />

investigada”. (FONTOURA, 1997, p.68). No presente estudo, tor<strong>no</strong>-me este<br />

pesquisador/agente, pois trata-se de uma investigação a partir de minha práxis docente <strong>na</strong><br />

discipli<strong>na</strong> de Recreação e Jogos I e II do Curso de Pedagogia da FFP/UERJ. Seguindo esta<br />

linha de compreensão, a autora citada entende <strong>que</strong> “sujeito e objeto são da mesma<br />

<strong>na</strong>tureza, e suas relações são portadoras de significado”. (Id<strong>em</strong>, p. 64)<br />

“A preocupação maior da pesquisa qualitativa é com o processo, portanto,<br />

ao estudar um determi<strong>na</strong>do probl<strong>em</strong>a, o interesse do pesquisador<br />

concentra-se <strong>em</strong> verificar como este processo se manifesta <strong>na</strong>s atividades<br />

observadas, <strong>no</strong>s procedimentos e <strong>na</strong>s interações cotidia<strong>na</strong>s”.<br />

(FONTOURA, 1997, p.68)<br />

Nesta visão, t<strong>em</strong>os uma abordag<strong>em</strong> dialética, cujas etapas de investigação,<br />

interpretação, análise e suas contradições, são parte do processo social a<strong>na</strong>lisado <strong>no</strong><br />

cotidia<strong>no</strong>, devendo ser incorporadas a este trabalho investigativo. Fontoura (1997) ainda<br />

59 Ao fi<strong>na</strong>l das aulas de Recreação e Jogos <strong>no</strong> Curso de Pedagogia da FFP/UERJ, as alu<strong>na</strong>s faziam<br />

comentários e apontamentos sobre as atividades vivenciadas, uma espécie de súmula para ser lida e<br />

interpretada. A imag<strong>em</strong> de abrtura desta parte do trabalho revela um destes momentos<br />

128


<strong>no</strong>s alerta <strong>que</strong> “há o limite de <strong>no</strong>ssa capacidade de investigação e a certeza da dinâmica <strong>no</strong><br />

fazer ciência, s<strong>em</strong> reduzi-la à experiência” (p.68) <strong>no</strong>s levando a buscar os significados<br />

latentes <strong>que</strong> <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> de <strong>no</strong>ssas vivências profissio<strong>na</strong>is e a interpretação destes como<br />

forma importante de análise. O resultado de uma pesquisa pode ser considerado como um<br />

momento da práxis do pesquisador reveladora de seus próprios condicio<strong>na</strong>mentos. As<br />

pesquisas qualitativas têm adotado diferentes métodos para análise-interpretação do<br />

contexto social e suas dimensões multifacetadas.<br />

O estudo da t<strong>em</strong>ática “<strong>jogo</strong>” e a sensibilidade por mim desenvolvida <strong>no</strong>s últimos<br />

a<strong>no</strong>s de observações e reflexões sobre as aulas e as fruições d<strong>em</strong>onstradas pelos alu<strong>no</strong>s-<br />

professores, constituíram-se numa “m<strong>em</strong>ória de campo” <strong>que</strong> levou-me a optar pela pesquisa<br />

qualitativa cuja “investigação social enquanto processo de produção e enquanto produto é<br />

ao mesmo t<strong>em</strong>po uma objetivação da realidade e uma objetivação do investigador <strong>que</strong> se<br />

tor<strong>na</strong> também produto de sua própria produção” (FONTOURA, 1997, p.69). Assim, sigo<br />

com ‘espírito do vale’ ( MORIN, 2005, p.39), ou seja, a<strong>que</strong>le <strong>que</strong> recebe todas as águas <strong>que</strong><br />

derramam dele, buscando desta viag<strong>em</strong> uma articulação da educação com a t<strong>em</strong>ática <strong>jogo</strong><br />

pelo viés da socioantropologia do cotidia<strong>no</strong>.<br />

Parta tal, a metodologia desta pesquisa se utilizou de duas heurísticas mais<br />

específicas: <strong>que</strong>stionários investigativos e <strong>na</strong>rrativas. A expressão ‘sumula’, encampa estas<br />

heurísticas, ou seja, um registro do <strong>que</strong> ocorreu <strong>em</strong> campo de forma a ser escrito, lido,<br />

relido e interpretado como sugerido por Freire (1996), levando-me a entender, apreender<br />

e interpretar O <strong>que</strong> <strong>está</strong> <strong>em</strong> <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> <strong>jogo</strong>.<br />

Questionários: O <strong>que</strong> <strong>está</strong> <strong>em</strong> <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> <strong>jogo</strong><br />

129


Nesta parte do trabalho, apresento algumas respostas dadas às oito <strong>que</strong>stões do<br />

<strong>que</strong>stionário <strong>que</strong> apontam os t<strong>em</strong>as mais significativos <strong>na</strong> relação <strong>jogo</strong>/educação, servindo<br />

assim de base para análise.<br />

A categoria central investigada é a relação entre <strong>jogo</strong> e educação, revelando de <strong>que</strong><br />

forma o <strong>jogo</strong> é (re)significado a partir da participação <strong>em</strong> vivências lúdicas durante o<br />

processo de formação do professor e a relação das mesmas com os aportes teóricos<br />

discutidos <strong>na</strong> discipli<strong>na</strong> Recreação e Jogos I e II, concretizando a relação prática-teoria-<br />

prática <strong>na</strong>s atividades lúdicas.<br />

A partir dos dados obtidos, bus<strong>que</strong>i compreender o significado do <strong>jogo</strong>, enquanto<br />

uma prática pedagógica, como os alu<strong>no</strong>s-professores o pensam e o utilizam <strong>em</strong> suas práxis,<br />

as sensações <strong>que</strong> dele <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> e as marcas <strong>que</strong> estes sujeitos traz<strong>em</strong> das atividades<br />

lúdicas <strong>que</strong> experimentaram <strong>na</strong> infância <strong>na</strong>s escolas <strong>em</strong> <strong>que</strong> estudaram, transferidas, ou não,<br />

para a função docente.<br />

A categoria de escolha para a participação <strong>na</strong> pesquisa <strong>na</strong> seção <strong>que</strong>stionário<br />

obedeceu ao seguinte critério: alu<strong>no</strong>s voluntários do quinto período <strong>em</strong> diante do Curso de<br />

Pedagogia da FFP/UERJ, com ou s<strong>em</strong> experiência <strong>na</strong> docência.<br />

Foram distribuídos cinqüenta <strong>que</strong>stionários <strong>na</strong>s turmas de Recreação I e Recreação<br />

II, dos quais trinta e cinco foram respondidos e devolvidos. Estes <strong>que</strong>stionários contêm oito<br />

perguntas <strong>que</strong> serão aqui apresentadas <strong>em</strong> blocos <strong>que</strong> cont<strong>em</strong>pl<strong>em</strong> um mesmo eixo de<br />

análise.<br />

investigados 60 .<br />

Sobre o <strong>jogo</strong><br />

Apresento os t<strong>em</strong>as recorrentes <strong>na</strong>s respostas dadas aos <strong>que</strong>stionários<br />

Pergunta 1- O <strong>que</strong> você entende por <strong>jogo</strong>?<br />

60 Apresento as respostas dadas pelos alu<strong>no</strong>s-professores coletadas a cada pergunta das <strong>que</strong>stões formuladas,<br />

s<strong>em</strong>, <strong>no</strong> entanto, apresentar todas as respostas <strong>na</strong> íntegra, trazendo as mais significativas e evitando repetições.<br />

Os t<strong>em</strong>as recorrentes estão destacados <strong>em</strong> negrito.<br />

130


A associação de <strong>jogo</strong> aos termos lúdico e ludicidade foi recorrente <strong>em</strong> doze das<br />

respostas dadas.<br />

Entendendo-se ludicidade como uma atividade prazerosa, quatorze investigados a<br />

relacio<strong>na</strong>ram à prazer, diversão, lazer, entretenimento, sonhos e a <strong>em</strong>oções, s<strong>em</strong><br />

necessariamente usar<strong>em</strong> os termos lúdico ou ludicidade.<br />

Sendo assim, poderíamos identificar esta categoria como a mais relevante <strong>na</strong>s respostas<br />

desta primeira <strong>que</strong>stão, pois perfaz<strong>em</strong> um total de vinte e seis incidências <strong>no</strong> mesmo t<strong>em</strong>a:<br />

prazer/ludicidade..<br />

Observ<strong>em</strong>os algumas das respostas:<br />

“ Atividades lúdicas <strong>que</strong> têm por objetivo entreter, ensi<strong>na</strong>r atitudes e algumas vezes os<br />

conteúdos escolares.” (P, 5º p.)<br />

“ Ludicidade, prazer, momento único <strong>em</strong> <strong>que</strong> só interessa brincar.....”( S, 5º p.)<br />

“ É uma atividade lúdica competitiva” (A ,6 º p.)<br />

“ Atividade lúdica sist<strong>em</strong>atizada” (F, 6 º p.)<br />

“ uma atividade lúdica <strong>que</strong> envolve regras, ord<strong>em</strong>,competição, fantasias e grandes<br />

<strong>em</strong>oções” (J, 6 º p.)<br />

“o <strong>jogo</strong> é uma atividade lúdica onde todos se integram ,..”.(I, 8 º p.)<br />

“ Jogo é aquilo <strong>que</strong> r<strong>em</strong>ete a interação e a diversão” .( B, 5º p.)<br />

“Algo <strong>que</strong> traz prazer. È uma atividade <strong>na</strong>tural <strong>que</strong> faz parte principalmente da infância,<br />

onde o sonho vivido <strong>no</strong> <strong>jogo</strong> é socialmente aceito”. (M, 5º p.)<br />

“ É uma forma de ensi<strong>na</strong>r o alu<strong>no</strong>, transformando assim a aula prazerosa e também a<br />

oportunidade de trabalhar coorde<strong>na</strong>ção motora. ( K, 7º p.)<br />

“É um tipo de lazer onde seus participantes possu<strong>em</strong> a flexibilidade de mudar regras”.<br />

(M,7 º p.)<br />

“Atividades competitivas, com regras, <strong>que</strong> <strong>no</strong>s dão muita <strong>em</strong>oção e ao mesmo t<strong>em</strong>po<br />

ansiedades e alegrias”. (L, 7º p.)<br />

“Atividade física ou metal <strong>em</strong> <strong>que</strong> a criança se diverte e adquire conhecimento. O <strong>jogo</strong> é<br />

baseado <strong>em</strong> regras <strong>que</strong> defin<strong>em</strong> <strong>que</strong>m ganha ou perde. (A, 8º p.)<br />

131


“O <strong>jogo</strong> é uma atividade lúdica onde todos se integram, como forma participativa e<br />

prazerosa. (I, 8 º p.)<br />

Uma das características do <strong>jogo</strong> apontada por Huizinga (2004), é a de <strong>que</strong> esta atividade<br />

é fonte de alegria e divertimento. O jogador decide espontaneamente se entregar <strong>em</strong> busca<br />

de prazer. A frivolidade é uma característica fundamental do <strong>jogo</strong> para Brougère (1998), o<br />

<strong>que</strong> não exclui a seriedade do ato de jogar. Há <strong>no</strong> <strong>jogo</strong> um estado de euforia, a paidia<br />

(CAILLOIS, 1990), <strong>que</strong> o garante. Como se pode perceber, as palavras diversão, lazer,<br />

prazer e alegria foram as marcas do <strong>que</strong> estes sujeitos entend<strong>em</strong> por <strong>jogo</strong><br />

Ainda <strong>na</strong> primeira <strong>que</strong>stão, pod<strong>em</strong>os observar <strong>que</strong> algumas respostas pautam-se <strong>na</strong><br />

relação <strong>jogo</strong>/trabalho, onde o <strong>jogo</strong> pode ser compreendido <strong>no</strong> sentido de uma tarefa<br />

escolar, ou seja, com intencio<strong>na</strong>lidade pedagógica, o <strong>que</strong> ficou evidente <strong>em</strong> quinze<br />

respostas.<br />

Para estes alu<strong>no</strong>s-professores, o <strong>jogo</strong> pode ser utilizado como método de ensi<strong>no</strong> de um<br />

conteúdo do programa, ligado diretamente ao processo ensi<strong>no</strong> aprendizag<strong>em</strong>, e <strong>que</strong> ainda<br />

proporcio<strong>na</strong> os desenvolvimentos físicos, intelectuais e mentais das crianças, onde, <strong>na</strong><br />

maioria das vezes, possibilita também a diversão.<br />

“Uma forma de aprender brincando. É uma <strong>no</strong>va forma de ensi<strong>na</strong>r.( C, 5º p.)<br />

“Uma forma mais divertida de ensi<strong>na</strong>r”. (M, 5º p.)<br />

“Jogo ajuda <strong>na</strong> construção do raciocínio lógico e <strong>na</strong> aprendizag<strong>em</strong>”(S, 7º p.)<br />

“É uma forma de ensi<strong>na</strong>r o alu<strong>no</strong>, transformando assim a aula prazerosa e também a<br />

oportunidade de trabalhar coorde<strong>na</strong>ção motora.” (K, 7p)<br />

“É uma forma de diversão e de aprendizag<strong>em</strong>, pois <strong>no</strong> <strong>jogo</strong> se é capaz de adquirir<br />

habilidades motoras, intelectuais, etc..”. (J, 8º p.)<br />

“Atividades lúdicas <strong>que</strong> t<strong>em</strong> por objetivo entreter e ensi<strong>na</strong>r atitudes e algumas vezes os<br />

conteúdos escolares”.( P, 5º p.)<br />

“Jogo é uma ação lúdica onde o professor pode mediar aquisições de conhecimento tanto<br />

curricular quanto comportamentalistas e até mesmo de regras para a vida social. Já para<br />

a criança acredito <strong>que</strong> ela o entenda como meio de extravasar o <strong>que</strong> não pode ser feito <strong>na</strong><br />

sala de aula, trata-se ape<strong>na</strong>s de diversão”. (S, 7º p.)<br />

132


A relação <strong>jogo</strong>-trabalho foi muito b<strong>em</strong> apontada por Brougère (1990). Para este<br />

autor quando o <strong>jogo</strong> tor<strong>na</strong>-se ferramenta metodológica <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> de um conteúdo, acaba<br />

adquirindo um sentido de tarefa a ser realizada pelos alu<strong>no</strong>s. Esta é uma <strong>no</strong>ção muito<br />

freqüente <strong>na</strong>s práticas educativas <strong>que</strong> faz<strong>em</strong> opção pelo uso do <strong>jogo</strong>. Na intenção de<br />

motivar o alu<strong>no</strong> e julgando não estar desperdiçando o t<strong>em</strong>po de aula desti<strong>na</strong>dos aos<br />

conteúdos, o professor leva o alu<strong>no</strong> à aprender brincando, não levando <strong>em</strong> conta <strong>que</strong> a<br />

recíproca é verdadeira, ou seja, brincando e jogando também se aprende.<br />

No sentido de Competição encontramos treze respostas dadas a primeira <strong>que</strong>stão<br />

<strong>que</strong> envolv<strong>em</strong> disputa, regras, <strong>no</strong>rmas e sist<strong>em</strong>atização das atividades.<br />

“Uma atividade de recreação <strong>que</strong> possui regras”. (K, 5º p.)<br />

“... Antes eu pensava <strong>no</strong> <strong>jogo</strong> como competição, disputa e entretenimento..”. (G, 6º p.)<br />

“É uma atividade lúdica competitiva” (A, 6º p)<br />

“Toda brincadeira <strong>em</strong> grupo com regras” (R, 6º p.)<br />

“Atividade lúdica sist<strong>em</strong>atizada” ( F, 6º p.)<br />

“Uma atividade lúdica <strong>que</strong> envolve regras, ord<strong>em</strong>, competição, fantasias e grandes<br />

<strong>em</strong>oções”. (J, 6º p.)<br />

“Entendo como uma atividade lúdica <strong>que</strong> possui regras existindo um ganhador” (G, 7º p.)<br />

“Atividades competitivas, com regras, <strong>que</strong> <strong>no</strong>s dão muita <strong>em</strong>oção e ao mesmo t<strong>em</strong>po<br />

ansiedades e alegrias”. (L. ,7º p.)<br />

“O <strong>jogo</strong> é baseado <strong>em</strong> regras <strong>que</strong> defin<strong>em</strong> <strong>que</strong>m ganha ou perde”. (A, 8º p.)<br />

“Um conjunto de regras” (K, 8º p.)<br />

O <strong>jogo</strong> só é <strong>jogo</strong> por<strong>que</strong> existe um sist<strong>em</strong>a de regras (ludus) <strong>que</strong> <strong>no</strong>rteia as ações de<br />

<strong>que</strong>m joga. Este sist<strong>em</strong>a permitirá <strong>que</strong> os jogadores, <strong>em</strong> iguais condições, sejam submetidos<br />

à prova. A superação de si próprio como limite para superar o outro dá ao <strong>jogo</strong> um caráter<br />

de competitividade. Esta é uma característica importante do ato de jogar <strong>que</strong> me leva a<br />

133


apontar uma tênue distinção entre <strong>jogo</strong> e brincadeira, pois nesta o sentido competitivo não é<br />

tão marcante.<br />

A <strong>que</strong>stão da competição <strong>no</strong>s <strong>jogo</strong>s v<strong>em</strong> sendo muito discutida <strong>na</strong> atualidade,<br />

surgindo diferentes propostas de <strong>jogo</strong>s cooperativos 61 . Concorrer e competir são propostas<br />

de análise de conceituação para compreensão do <strong>jogo</strong> com intencio<strong>na</strong>lidade pedagógica.<br />

Não me proponho aqui a enveredar por esta <strong>que</strong>stão, mas compreendo <strong>que</strong> dependendo de<br />

como o educador se utiliza do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola, este pode ter o caráter mais de concorrência<br />

do <strong>que</strong> de competição. No sentido de concorrência, cria-se laços, pois joga-se com os<br />

outros e não contra os outros. O compromisso não <strong>está</strong> <strong>na</strong> vitória, mas com o jogar com o<br />

outro. O outro oportuniza o momento do <strong>jogo</strong>.<br />

No sentido de competição, o jogador é levado ‘até as raias’ para elimi<strong>na</strong>r seus<br />

oponentes. O prazer maior da disputa <strong>está</strong> <strong>em</strong> vencer, onde as regras “defin<strong>em</strong> <strong>que</strong>m ganha<br />

e <strong>que</strong>m perde”, como mencio<strong>no</strong>u o alu<strong>no</strong>-professor entrevistado, ou ainda “existindo um<br />

ganhador”, como inferiu outro.<br />

Seja <strong>no</strong> sentido de cooperação, ou <strong>no</strong> sentido de competição, o <strong>jogo</strong> deve ser<br />

utilizado de forma consciente por parte dos professores, sejam estes de educação física, ou<br />

não. Deve-se levar <strong>em</strong> conta <strong>que</strong>, para muitas crianças, o prazer maior <strong>está</strong> <strong>no</strong> movimento<br />

<strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> gera, e n<strong>em</strong> tanto <strong>no</strong> resultado fi<strong>na</strong>l deste.<br />

Das l<strong>em</strong>branças dos <strong>jogo</strong>s<br />

Pergunta 2- Na sua formação de educação básica você participava de atividades de<br />

<strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> escola? Que l<strong>em</strong>branças isto lhe traz?<br />

Nas respostas dadas, perceb<strong>em</strong>os <strong>que</strong> a maioria t<strong>em</strong> boas l<strong>em</strong>branças, onde treze<br />

alu<strong>no</strong>s-professores associam o <strong>jogo</strong> ao prazer, alegrias, sentimentos positivos e fortes<br />

<strong>em</strong>oções. Para muitos o <strong>jogo</strong> era vivido num ‘lugar outro’, fora do mundo real e duro dos<br />

afazeres escolares, representado um escape da realidade proporcio<strong>na</strong>do, <strong>na</strong> maioria das<br />

vezes, pelas aulas de educação física e <strong>no</strong>s momentos do recreio, como se vê <strong>no</strong>s relatos<br />

<strong>que</strong> se segu<strong>em</strong>:<br />

61 A este respeito consultar BROWN ( 1995), SOLER ( 2002) e CORREIA ( 2006)<br />

134


“Sim, são muito boas as l<strong>em</strong>branças. Eu era livre, s<strong>em</strong> medo de ser feliz , fazia amigos,<br />

inventava , sonhava, ria e até brigava. Tudo acontecia mais <strong>no</strong> recreio <strong>que</strong> <strong>na</strong>s aulas”.<br />

(M, 5 º p.)<br />

“ Sim, me recordo das horas do recreio <strong>em</strong> <strong>que</strong> cada dia uma do grupo era a responsável<br />

pela brincadeira. Dias e momentos gostosos eram a<strong>que</strong>les...” (S, 5º p.)<br />

“Eu adorava as aulas de educação física, s<strong>em</strong>pre curtia tudo”. (C, ,5º p.)<br />

“ Participava de todos <strong>que</strong> pudesse. L<strong>em</strong>bro-me dos amigos, dos apelidos, da<br />

gargalhadas” (A, 5º p.)<br />

“ Sim, l<strong>em</strong>branças muito boas”. (K, 5º p.)<br />

“O <strong>jogo</strong> para nós era o momento mais esperado”. (G, 6º p.).<br />

“A hora mais agradável era a educação física onde brincávamos e jogávamos diversos<br />

<strong>jogo</strong>s. Ainda sinto alegria só de pensar <strong>na</strong><strong>que</strong>las aulas. Parece <strong>que</strong> ainda ouço as risadas<br />

dos meus colegas brincando”. (J, 6 º p.)<br />

“ Sim , e as l<strong>em</strong>branças <strong>que</strong> tenho são as melhores possíveis , ainda mais pelo motivo de<br />

eu não estar nestes momentos dentro de uma sala de aula”. (A, 7 º p.)<br />

“Sim e muito. Tive professores maravilhosos como Chalés, Marquinhos e Kátia. A prendia<br />

a jogar handebol, vôlei, bas<strong>que</strong>te e o tão amado <strong>que</strong>imando. Por ser a mais velha da<br />

turma, eu s<strong>em</strong>pre escolhia o time e todos <strong>que</strong>riam ficar comigo. Éramos uma turma muito<br />

unida e <strong>no</strong>s v<strong>em</strong>os s<strong>em</strong>pre (s<strong>em</strong>pre <strong>que</strong> possível até hoje). Em relação as l<strong>em</strong>branças são<br />

as melhores possíveis. Que saudade!!! “(L, 7ºp.)<br />

“No recreio, <strong>na</strong> chegada e <strong>na</strong> saída com alguém s<strong>em</strong>pre pedindo para parar. As<br />

l<strong>em</strong>branças são de liberdade, alegrias de poder viver um momento a parte, onde tudo vale<br />

para ser feliz”. (L, 7 º p.)<br />

“Brincava <strong>no</strong> recreio, são as l<strong>em</strong>branças mais agradáveis <strong>que</strong> possuo da escola”. (K, 8 º<br />

p.)<br />

A alegria <strong>na</strong> escola, <strong>no</strong>rmalmente, <strong>está</strong> associada às atividades lúdicas. Talvez por esta<br />

razão o professor de educação física, <strong>em</strong> diversas escolas, seja uma figura tão <strong>que</strong>rida. A<br />

concepção de educação física escolar pauta-se <strong>na</strong> <strong>cultura</strong> corporal <strong>na</strong> perspectiva de<br />

ludicidade. Seus conteúdos compreend<strong>em</strong> o <strong>jogo</strong>, o esporte, a dança, a ginástica e a luta<br />

(BRASIL, 1997, p.26) como representação corporal da <strong>cultura</strong> huma<strong>na</strong>, assim, a educação<br />

física cont<strong>em</strong>pla múltiplos conhecimentos produzidos e usufruídos pela sociedade a<br />

respeito do corpo e do movimento com fi<strong>na</strong>lidades de lazer, expressão de sentimentos,<br />

135


afetos, <strong>em</strong>oções e com possibilidade de promoção, recuperação e manutenção da saúde<br />

(id<strong>em</strong>, p.27)<br />

Perceb<strong>em</strong>os <strong>que</strong>, para muitos dos sujeitos desta pesquisa, as aulas de educação física<br />

foram associadas a boas l<strong>em</strong>branças da escola, alguns l<strong>em</strong>brando até mesmo o <strong>no</strong>me de<br />

seus professores. No entanto, <strong>no</strong>ve investigados n<strong>em</strong> se<strong>que</strong>r l<strong>em</strong>braram do <strong>que</strong> brincavam<br />

ou jogavam <strong>na</strong> escola e alguns deles apontam falta de espaço e oportunidades para tal como<br />

pod<strong>em</strong>os observar:<br />

“Ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> educação infantil. Não me recordo”. (P, 5º p.)<br />

“Não l<strong>em</strong>bro de atividades de <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> minha formação”. (A, 6º p.)<br />

“ Na educação básica eu não possuí aulas de educação física, e n<strong>em</strong> de recreação e por<br />

isso não me l<strong>em</strong>bro de nenhum <strong>jogo</strong> feito <strong>em</strong> sala de aula”. (G, 7º p.)<br />

“ Não l<strong>em</strong>bro de ter participado de nenhum tipo de <strong>jogo</strong>”. (K, 7 º p.)<br />

“Não” (H, 8 º p.)<br />

“Não”. (A, 8 º p.)<br />

“Sim, minha l<strong>em</strong>brança é <strong>que</strong> a única atividade era o <strong>que</strong>imado” (S,, 6 º p.)<br />

“Ape<strong>na</strong>s <strong>no</strong> recreio” (F, 6 º p.)<br />

“Pouco. O t<strong>em</strong>po e o espaço do <strong>jogo</strong> eram muito restritos” (J, 6 º p.)<br />

Parece-me <strong>que</strong> se a criança não teve oportunidades de brincar e de jogar <strong>na</strong> escola,<br />

as boas l<strong>em</strong>branças não pod<strong>em</strong> ser r<strong>em</strong><strong>em</strong>oradas com facilidade.<br />

Encontramos ainda, <strong>na</strong> segunda <strong>que</strong>stão, sete respostas <strong>que</strong> ligam o <strong>jogo</strong> à<br />

vergonha, humilhação, sacrifício e obrigação, o <strong>que</strong> tor<strong>na</strong> estas l<strong>em</strong>branças ruins:<br />

“Sim, l<strong>em</strong>bro do calor <strong>na</strong> quadra, das regras do <strong>jogo</strong>, da vergonha de errar”. (R, 6º p.)<br />

“Sim , não muito boas, pois eu era gordinho e ninguém gostava de me escolher”. (M, 6 º<br />

p.)<br />

“Sim, era massacrante pelo fato de ser algo imposto, obrigatório”. (B, 5º p.)<br />

136


“Sim ,l<strong>em</strong>branças de humilhação e inferioridade <strong>na</strong> qual não consegui me desprender<br />

desde os dias atuais”. (M, 7 º p.)<br />

“No ensi<strong>no</strong> fundamental das séries inicias os <strong>jogo</strong>s eram <strong>que</strong>imado, handebol, vôlei ( 5ª a<br />

8ª ). As minhas l<strong>em</strong>branças ficam marcadas pelas disputas entre as equipes onde muitas<br />

vezes eu ficava com sentimento de raiva por ter perdido”. (I, 8 º p.)<br />

“Não. Era tímida e não gostava”. (J ,8 º p.)<br />

O <strong>jogo</strong> imposto não é <strong>jogo</strong>, é tarefa, e, as vezes, duramente cumprida. O <strong>jogo</strong> só é<br />

prazeroso se o sentimento <strong>que</strong> o jogador tiver por ele for de desejo e entrega. Estar <strong>no</strong> <strong>jogo</strong><br />

é entrar <strong>na</strong> ‘alma do <strong>jogo</strong>’, do contrário é penitência e sacrifício. Tor<strong>na</strong>-se necessário, <strong>no</strong><br />

contexto escolar, <strong>que</strong> os professores, sejam de educação física ou não, tenham sensibilidade<br />

para motivar os alu<strong>no</strong>s à jogar, assim como perceber se a atividade proposta <strong>está</strong> sendo<br />

desagradável ou <strong>está</strong> causando algum constrangimento para os participantes. O uso do <strong>jogo</strong><br />

<strong>na</strong> escola, por parte de qual<strong>que</strong>r professor, depende de uma postura crítico-reflexiva de<br />

modo a torná-lo educativo e promotor do desenvolvimento huma<strong>no</strong>.<br />

Pergunta 3 - Antes de ingressar <strong>no</strong> Curso de Pedagogia da FFP/UERJ como você<br />

entendia/percebia o uso do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola?<br />

Das respostas dadas a esta <strong>que</strong>stão, quatorze se refer<strong>em</strong> ao <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola como<br />

diversão, lazer, recreação, atividade livre e <strong>na</strong>tural da criança e s<strong>em</strong> grandes significados<br />

para a educação. Nos relatos <strong>que</strong> se segu<strong>em</strong> isto fica evidente:<br />

“Entendia como lazer, o puro brincar, ou mesmo como o desenvolvimento de alguma<br />

habilidade física”. (S, 5º p.)<br />

“Como diversão”. (Â, 5º p.)<br />

“ Como recreativo ou parte das aulas de educação física como desporto”.(M, 5 º p.)<br />

“Como uma forma de passat<strong>em</strong>po <strong>na</strong> escola”. (S, 6º p.)<br />

“Como algo “<strong>no</strong>rmal”. Não entendia a sua parte social”. (M, 6 º p.)<br />

“Eu entendia o <strong>jogo</strong> como sendo ape<strong>na</strong>s lúdico não vendo outra importância”. (S, 6 º p.)<br />

137


“ Somente como brincadeira”. (S, 7 º p.)<br />

“Compreendia como uma maneira de passar o t<strong>em</strong>po de fazer com <strong>que</strong> as pessoas<br />

ficass<strong>em</strong> quietas”. (M, 7 º p.)<br />

“Como uma atividade <strong>que</strong> dava alegria às crianças, mas <strong>que</strong> era controlada, só sendo<br />

aceita <strong>na</strong> educação física”. (L, 7 º p.)<br />

“Como uma atividade <strong>em</strong> <strong>que</strong> ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> <strong>que</strong> havia a diversão, havia também a<br />

aprendizag<strong>em</strong> pois através do <strong>jogo</strong> a criança desenvolve várias habilidades” (A, 8 º p.)<br />

“Via ape<strong>na</strong>s como uma forma de recreação, s<strong>em</strong> fundamentos” (H, 8 º p.)<br />

“Uma brincadeira s<strong>em</strong> importância”. (E, 8 º p.)<br />

Novamente aqui a <strong>que</strong>stão do prazer se destaca, mas, <strong>no</strong> entanto, dissociada de<br />

princípios educativos. Quando a educação <strong>está</strong> ligada ao <strong>jogo</strong>, a maneira de pensá-lo se<br />

modifica. Os entrevistados não percebiam a relação <strong>jogo</strong>-educação, não lhe atribuíam outro<br />

sentido <strong>que</strong> não fosse o de lazer.<br />

Entendendo o <strong>jogo</strong> como recurso pedagógico ou ferramenta metodológica <strong>no</strong><br />

processo ensi<strong>no</strong>-aprendizag<strong>em</strong>, encontramos doze dos participantes da pesquisa.<br />

“Como mero mecanismo de aprendizag<strong>em</strong>” (B, 5º p.)<br />

“ Como professora já entendia <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> era um recurso pedagógico muito importante,<br />

principalmente para as crianças, pois elas aprend<strong>em</strong> conteúdos escolares através do<br />

divertimento”. (J, 5º p.)<br />

“ ...conheço todo o benefício, padrão cognitivo do alu<strong>no</strong>, conheço também a metodologia<br />

para a aplicação do <strong>jogo</strong> <strong>em</strong> várias discipli<strong>na</strong>s para auxiliar <strong>na</strong> assimilação dos conteúdos<br />

propostos de uma maneira lúdica.”(G, 6 º p.)<br />

“S<strong>em</strong>pre achei <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> seria uma boa opção de aprender”.( K, 7 º p.)<br />

“Como uma atividade <strong>em</strong> <strong>que</strong> ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>que</strong> havia a diversão , havia também a<br />

aprendizag<strong>em</strong> pois através do <strong>jogo</strong> a criança desenvolve várias habilidades” (A, 8 º p.)<br />

“Como uma das regras de avaliar o alu<strong>no</strong>” (J, 8 º p.)<br />

138


Um número significativo de alu<strong>no</strong>s-professores associa <strong>jogo</strong> à ferramenta<br />

metodológica. Na maioria das respostas percebe-se <strong>que</strong> alguns dos sujeitos se colocam <strong>na</strong><br />

condição de docente quando respond<strong>em</strong> e outros deixam isto subentendido 62 .<br />

Não davam importância ao <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola oito participantes da pesquisa, pois não<br />

pensavam <strong>no</strong> assunto, ou não percebiam se atividades lúdicas aconteciam neste contexto.<br />

Apresentamos alguns ex<strong>em</strong>plos:<br />

“Nunca havia pensado <strong>no</strong> <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola”. (M, 5º p.)<br />

“Não dava importância”. (A, 6º p.)<br />

“Como desnecessário” (A, 8 º p.)<br />

“Uma brincadeira s<strong>em</strong> importância”. (E, 8 º p.)<br />

Ligados ape<strong>na</strong>s a discipli<strong>na</strong> de educação física t<strong>em</strong>os sete respostas, das quais<br />

algumas apresentamos a seguir:<br />

“Ape<strong>na</strong>s com a fi<strong>na</strong>lidade de educação física”. (P, 5º p.)<br />

“... Achava <strong>que</strong> <strong>jogo</strong> só era feito <strong>na</strong> educação física”. (C, 5º p.)<br />

“Como recreativo ou parte das aulas de educação física como desporto”. (M, 5 º p.)<br />

“Como atividades das aulas de educação física ou atividades controladas por inspetores,<br />

diretores e professores”. (J, 6º p.)<br />

“... só sendo aceita <strong>na</strong> educação física”. (L, 7 º p.)<br />

Nestas respostas, <strong>no</strong>vamente a educação física aparece como área de conhecimento<br />

mais próxima do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola paraalguns entrevistados.<br />

Do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> formação de professores<br />

62 Dos trinta e cinco alu<strong>no</strong>s-professores <strong>que</strong> participaram desta fase da pesquisa, ape<strong>na</strong>s <strong>no</strong>ve nunca tiveram<br />

experiência <strong>na</strong> docência. Fato <strong>que</strong> fica evidente <strong>na</strong>s respostas da pergunta seis, como ver<strong>em</strong>os mais adiante.<br />

139


Pergunta 4 - Durante seu processo de formação <strong>na</strong> FFP/UERJ, <strong>que</strong> experiências com<br />

<strong>jogo</strong>s lhe foram proporcio<strong>na</strong>das? Relate-as identificando <strong>que</strong> sentimentos, <strong>em</strong>oções e<br />

sensações lhe despertaram.<br />

Respondendo <strong>que</strong> participaram de alguma experiência com <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> FFP, tiv<strong>em</strong>os<br />

u<strong>na</strong>nimidade, visto <strong>que</strong> todos os entrevistados foram alu<strong>no</strong>s da discipli<strong>na</strong> de Recreação e<br />

Jogos. Destacamos <strong>que</strong> algumas das respostas dadas a esta <strong>que</strong>stão e a <strong>que</strong>stão anterior,<br />

ostram uma mudança de olhar <strong>em</strong> relação ao <strong>jogo</strong> após o ingresso <strong>no</strong> Curso de Pedagogia.<br />

Quanto aos sentimentos expressados pelos alu<strong>no</strong>s-rofessores <strong>na</strong>s vivências lúdicas,<br />

t<strong>em</strong>os as seguintes respostas:<br />

“ Nas aulas de Recreação I. Foram boas, fizeram sentir-me criança <strong>no</strong>vamente”. (P, 5º p.)<br />

“As melhores possíveis, com certeza virei criança <strong>em</strong> muitos momentos, aliás, como todos<br />

<strong>na</strong> sala. Pod<strong>em</strong>os gritar, pular, reclamar, torcer, rir, até mesmo implicar com o grupo<br />

adversário, tudo numa boa. E com certeza saíamos da sala mais relaxadas, o corpo até<br />

poderia estar cansado, porém o <strong>em</strong>ocio<strong>na</strong>l estava b<strong>em</strong>”. (S, 5º p.)<br />

“Somente <strong>na</strong>s aulas de Recreação. Quando brinco <strong>na</strong>s aulas de Recreação volto a ser<br />

criança, me <strong>em</strong>polgo, grito, rio, faço tudo o <strong>que</strong> fazia quando era criança. É ótimo, adoro<br />

brincar!” (C, 5º p.)<br />

“Participei de alguns <strong>jogo</strong>s <strong>em</strong> Recreação e compreendi a importante função dos <strong>jogo</strong>s<br />

como, por ex<strong>em</strong>plo, desenvolver a criatividade, a socialização, aprimorar o senso crítico e<br />

etc... mas basicamente o <strong>que</strong> sinto é o prazer <strong>em</strong> me divertir”. (A, 5º p.)<br />

“Durante o curso de Pedagogia t<strong>em</strong>os tido várias oportunidades de trabalharmos com<br />

recreação, especialmente <strong>na</strong>s aulas de Recreação e Jogos. A partir dessas atividades<br />

t<strong>em</strong>os recordado um pouco da <strong>no</strong>ssa infância, quando ficamos inseguros ou <strong>no</strong>s<br />

concentramos <strong>na</strong>s atividades. Também t<strong>em</strong>os vivenciado sentimentos de companheirismo<br />

e cooperação”. (K, ,5º p.)<br />

“Me proporcio<strong>na</strong>ram um olhar mais profundo sobre os <strong>jogo</strong>s, <strong>no</strong> <strong>que</strong> tange aos seus<br />

objetivos e benefícios. B<strong>em</strong> vivenciando os <strong>jogo</strong>s tive momentos de alegria, de disputa (<strong>na</strong>s<br />

atividades de competição) e de superação”. (J, 5º p.)<br />

“ Nas aulas de Recreação . Foram experiências maravilhosas e ines<strong>que</strong>cíveis. Volt<strong>em</strong>os a<br />

ser crianças e passamos a entender o quanto faz b<strong>em</strong> ao corpo , mente e espírito. Foram<br />

fortes <strong>em</strong>oções, o coração disparava, eu suava, gritava, sorria e ficava muito feliz”. (M, 5<br />

º p.)<br />

140


“Muitas experiências boas, entre elas tor<strong>na</strong>r as aulas mais agradáveis , trabalhar vários<br />

conflitos entre os alu<strong>no</strong>s , trabalhar discipli<strong>na</strong> <strong>em</strong> sala, respeito às regras, além disso há<br />

uma sensação de liberdade , é o momento <strong>em</strong> <strong>que</strong> todas as <strong>em</strong>oções são extravasadas , não<br />

há nenhum tipo de censuras , todas as pessoas tor<strong>na</strong>m-se iguais da mesma idade, com os<br />

mesmos objetivos , além do elo de amizade <strong>que</strong> se forma durante o <strong>jogo</strong> e até<br />

cumplicidade”. (G, 6º p.)<br />

“As mais variadas possíveis, s<strong>em</strong>pre participei e me sentia uma criança. Só nesses<br />

momentos é <strong>que</strong> pude perceber <strong>que</strong> a criança não é diferente, ela grita, fica ansiosa, “ cola<br />

do outro” , enfim, busca recursos assim como eu e minhas colegas fiz<strong>em</strong>os, para s<strong>em</strong>pre<br />

ganhar, ninguém <strong>que</strong>ria perder”. (S, 6º p.)<br />

“As únicas experiências <strong>que</strong> tive aconteceram a partir do 5 º período <strong>em</strong> Recreação”. (A,<br />

6º p.)<br />

“Experiências maravilhosas de libertação, de competitividade, de es<strong>que</strong>cimento dos<br />

probl<strong>em</strong>as de satisfação de vencer e vontade de gritar e ser feliz”. (R, 6 º p.)<br />

“Inúmeras <strong>na</strong>s aulas de Recreação. Voltamos a ser crianças e passamos a respeitálas<br />

mais ainda, pois as compreend<strong>em</strong>os melhor. Suas <strong>em</strong>oções, fantasias, sonhos, alegrias,<br />

angústias, passaram a ser percebidas por nós professores”. (J, 6º p.)<br />

“Acho <strong>que</strong> não existe ninguém <strong>que</strong> não goste de participar de <strong>jogo</strong>s. No começo pode<br />

haver um pouco de timidez, ou também o medo de errar, por isso se faz necessário<br />

trabalhar <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong>s escolas e se possível a todo momento para <strong>que</strong> o indivíduo torne-se um<br />

ser social. Fiz<strong>em</strong>os <strong>na</strong> FFP vários tipos de <strong>jogo</strong>s, os quais <strong>no</strong>s proporcio<strong>na</strong>ram o prazer<br />

de reviver brincadeiras/<strong>jogo</strong>s de <strong>no</strong>ssa infância. É b<strong>em</strong> legal sentir a adre<strong>na</strong>li<strong>na</strong> de<br />

<strong>no</strong>vo, o corre-corre do dia -a dia <strong>no</strong>s faz es<strong>que</strong>cer o quanto as atividades como essas<br />

faz<strong>em</strong> b<strong>em</strong> para o corpo r para a mente” (L, 7º p.)<br />

“O <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> FFP me proporcio<strong>no</strong>u voltar <strong>no</strong> t<strong>em</strong>po, <strong>na</strong> época <strong>em</strong> <strong>que</strong> era garota e<br />

<strong>que</strong> brincava <strong>na</strong> rua com os meus amigos, s<strong>em</strong> medo de errar e com muita vontade de<br />

vencer.Acredito <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> seja igual a um bom livro, por<strong>que</strong> a cada t<strong>em</strong>po vivido a<br />

interpretação tor<strong>na</strong>-se diferenciada e melhor. O lúdico proporcio<strong>na</strong> um sentimento de<br />

liberdade, um sorriso <strong>na</strong> voz, um grito <strong>no</strong> peito e uma ansiedade <strong>em</strong> como será a<br />

próxima etapa do <strong>jogo</strong>”. (G, 7 º p.)<br />

“Entre todas as atividades, a <strong>que</strong> eu mais gostei foi os trabalhos fi<strong>na</strong>is do 5 º período, pois<br />

todas a<strong>que</strong>las brincadeiras me fizeram l<strong>em</strong>brar de como era ser criança e reconhecer<br />

todas as habilidades <strong>que</strong> eu não desenvolvi por falta de <strong>jogo</strong>s”. (K, 7º p.)<br />

“Aprendi muito com Recreação, principalmente relacio<strong>na</strong>ndo a teoria com a prática .<br />

Hoje vejo o <strong>jogo</strong> de forma diferente , como algo <strong>na</strong>tural e <strong>que</strong> é importante para o<br />

desenvolvimento geral da criança” . (L, 7 º p.)<br />

141


“ Experiências práticas e teóricas. Estas experiências <strong>que</strong> tive com <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> discipli<strong>na</strong> de<br />

Recreação me proporcio<strong>no</strong>u vivenciar momentos de diversão, alegria e prazer, os quais<br />

não tive <strong>na</strong> minha fase de criança <strong>em</strong> educação básica”. (J, 8º p.)<br />

“As experiências adquiridas <strong>na</strong> discipli<strong>na</strong> de Recreação me proporcio<strong>na</strong>ram momentos de<br />

descontração, prazer, ... e muitas reflexões pois a cada <strong>jogo</strong> ( brincadeira) <strong>que</strong> ia<br />

sendo apresentada eu já pensava <strong>em</strong> <strong>que</strong> momentos eu poderia utilizá-los”. (A, 8º p.)<br />

“Só <strong>na</strong> discipli<strong>na</strong> de Recreação como uma criança”. (A, 8º p.)<br />

“Vários <strong>na</strong> aula de Recreação” (M, 8º p.)<br />

“Foram várias situações. Todas elas despertavam sentimentos de alegria “. (M, 8º p.)<br />

-<br />

“ Experiências prazerosas”. (K, 8º p.)<br />

“As atividades com <strong>jogo</strong>s forma ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong>s aulas de Recreação . Esta aula era uma forma<br />

de resgatar o prazer pelas atividades”. (H, 8º p.)<br />

“ Alegria, excitação e surpresas”. (C, 8º p.)<br />

“Corporal, sentimental, sentimento de prazer”. (E, 8º p.)<br />

“Somente <strong>na</strong> aula de Recreação com <strong>jogo</strong>s s<strong>em</strong> a preocupação de avaliar o alu<strong>no</strong> e <strong>na</strong><br />

aula de metodologia de mat<strong>em</strong>ática. (J, ,8º p.)<br />

A relação teoria e prática, proporcio<strong>na</strong>da pela discipli<strong>na</strong> Recreação e Jogos, foi um<br />

marco significativo <strong>no</strong> entendimento do <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> processo educativo. A partir das fruições<br />

provocadas pelos <strong>jogo</strong>s, foi possível ao alu<strong>no</strong>-professor perceber o <strong>que</strong> sent<strong>em</strong> as crianças<br />

quando jogam: “todas a<strong>que</strong>las brincadeiras me fizeram l<strong>em</strong>brar de como era ser criança “<br />

Nas repostas dadas, também encontramos evidências <strong>na</strong> mudança de olhar com<br />

relação ao <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> âmbito escolar, como <strong>no</strong>s ex<strong>em</strong>plos <strong>que</strong> se segu<strong>em</strong>:<br />

“Não tinha o conhecimento da importância do <strong>jogo</strong> <strong>que</strong> tenho hoje, admito <strong>que</strong> o curso de<br />

pedagogia muito me acrescentou e hoje conheço todo o benefício, padrão cognitivo do<br />

alu<strong>no</strong>, conheço também a metodologia para a aplicação do <strong>jogo</strong> <strong>em</strong> várias discipli<strong>na</strong>s para<br />

auxiliar <strong>na</strong> assimilação dos conteúdos propostos de uma maneira lúdica”. (G, 6 º p.)<br />

“ Não via como importante, pois vivenciei pouco durante todo o meu período escolar.<br />

Porém hoje consigo ver a necessidade do <strong>jogo</strong> associado a outras discipli<strong>na</strong>s <strong>que</strong> não seja<br />

somente a educação física”. (G, 7 º p.)<br />

142


“ Mesmo antes de ingressar <strong>na</strong> FFP já entendia <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> é algo <strong>que</strong> ajuda muito <strong>no</strong><br />

desenvolvimento pessoal <strong>em</strong> várias áreas, pois fiz o curso <strong>no</strong>rmal, por isso já tinha essa<br />

opinião formada”. (A, 7 º p.)<br />

“Como fiz um Pedagógico muito bom, ou seja, onde os profissio<strong>na</strong>is procuraram <strong>no</strong>s<br />

formar com uma gama de recursos <strong>que</strong> pod<strong>em</strong> ser utilizados <strong>em</strong> sala de aula , juntamente<br />

com as teorias cabíveis. Portanto, tive uma boa introdução do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> educação, como<br />

meio de aprendizag<strong>em</strong> e uma forma lúdica de melhor apresentar os conteúdos”. (J, 8 º p.)<br />

“Durante a formação fui tendo a consciência <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> é uma atividade <strong>que</strong> desenvolver<br />

as diversas capacidades físicas, <strong>em</strong>ocio<strong>na</strong>is, cognitivas. E <strong>na</strong>s atividades realizadas com<br />

dinâmicas fica caracterizado a proteção com os amigos”. (I, 8 º p.)<br />

Relacio<strong>na</strong>ndo o <strong>jogo</strong> ao processo ensi<strong>no</strong>-aprendizag<strong>em</strong>, obtiv<strong>em</strong>os cinco respostas,<br />

das quais duas se referiam às atividades da discipli<strong>na</strong> Metodologia de Mat<strong>em</strong>ática e outras<br />

referiam-se a recurso pedagógico e metodologias de aulas. Apresentar<strong>em</strong>os as repostas<br />

referentes a este enfo<strong>que</strong>:<br />

“Jogos educativos <strong>na</strong> discipli<strong>na</strong> Metodologia de Mat<strong>em</strong>ática e vários tipos <strong>na</strong> discipli<strong>na</strong><br />

de Recreação, onde pud<strong>em</strong>os vivenciar momentos de descontração, prazer e<br />

interação”. (F, 6º p.)<br />

“Somente <strong>na</strong> aula de Recreação com <strong>jogo</strong>s s<strong>em</strong> a preocupação de avaliar o alu<strong>no</strong> e <strong>na</strong><br />

aula de metodologia de mat<strong>em</strong>ática”. (J, 8º p.)<br />

“Descobri <strong>que</strong> pod<strong>em</strong>os <strong>em</strong> <strong>no</strong>ssas aulas utilizar o <strong>jogo</strong> como recurso e isso foi uma<br />

descoberta importante”. (M, 5º p.)<br />

“ Muitos foram os momentos <strong>em</strong> <strong>que</strong> <strong>no</strong>s envolv<strong>em</strong>os neste tipo de atividade. Atividades<br />

lúdicas com material concreto para o desenvolvimento do processo de ensi<strong>no</strong>aprendizag<strong>em</strong>.<br />

Tiv<strong>em</strong>os sentimentos de alegria, curiosidade, satisfação, liberdade,<br />

competitividade”. (B, 5º p.)<br />

A flutuação de sentidos dos <strong>jogo</strong>s pod<strong>em</strong> provocar uma mudança de olhar <strong>que</strong><br />

permite uma (re)significação <strong>na</strong> relação <strong>jogo</strong>-educação. O professor, através das vivências<br />

143


<strong>na</strong>s atividades de <strong>jogo</strong>s <strong>em</strong> seu processo de formação, pode ser levado a uma trans-forma-<br />

ação de suas práticas pedagógicas lúdicas.<br />

Pergunta 5 - Qual a importância destas experiências com <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> sua formação para sua<br />

prática pedagógica atual ou futura?<br />

Todos os entrevistado reconhec<strong>em</strong> a importância do <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> contexto educativo:<br />

“ Essencial. Acredito <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> seja uma ótima forma de trazer a criança para a<br />

fi<strong>na</strong>lidade pretendida pelo professor”. (P, 5º p.)<br />

“ Muito importante, a partir do momento <strong>em</strong> <strong>que</strong> vivenciei essas <strong>em</strong>oções contidas <strong>no</strong>s<br />

<strong>jogo</strong>s e gostei, percebo o quanto é importante o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola , para <strong>que</strong> os alu<strong>no</strong>s<br />

também particip<strong>em</strong> de atividades <strong>que</strong> o ajud<strong>em</strong> <strong>na</strong> descarga <strong>em</strong>ocio<strong>na</strong>l, etc.. “ (S, 5º p.)<br />

“Estes <strong>jogo</strong>s têm uma grande importância, principalmente por<strong>que</strong> adquiro experiência<br />

com a prática, logo sei exatamente <strong>que</strong> atitudes e <strong>que</strong> sentimentos os meus alu<strong>no</strong>s terão.<br />

Graças ao curso de Recreação conheci muitas brincadeiras <strong>que</strong> não irei es<strong>que</strong>cer e <strong>que</strong> me<br />

ajudará muito <strong>em</strong> minha prática <strong>na</strong> sala de aula”. (C, 5º p.)<br />

“Essas experiências são de suma importância para minha formação, pois pretendo<br />

proporcio<strong>na</strong>r aos meus alu<strong>no</strong>s um ambiente educacio<strong>na</strong>l <strong>que</strong> trabalhe com bastantes<br />

<strong>jogo</strong>s”. (K, 5º p.)<br />

“ Acho muito importante, pois tenho a oportunidade de vivenciar algo <strong>que</strong> futuramente<br />

trabalharei com meus alu<strong>no</strong>s de forma <strong>que</strong> terei uma sensação de prazer, até por<strong>que</strong> eu já<br />

tive a chance de sentir o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> pele”. (J, 5º p.)<br />

“É de muita importância, agora eu posso trabalhar o <strong>jogo</strong> com consciência, com<br />

objetivos, sabendo <strong>que</strong> objetivos alcançar, como e por quê alcançar”. (G, 6º p.)<br />

“Só vivenciando, praticando é <strong>que</strong> aprend<strong>em</strong>os, é <strong>que</strong> conseguimos sentir as mesmas<br />

coisas <strong>que</strong> a criança. S<strong>em</strong>pre considerei o <strong>jogo</strong> importante, agora então n<strong>em</strong> se fala”. (S,<br />

6º p.)<br />

“Para a minha prática t<strong>em</strong> a importância de poder estar observando as estratégias<br />

utilizadas pelas crianças para a competição”. (A, 6º p.)<br />

144


Considerando o valor do <strong>jogo</strong> enquanto recreação, obtiv<strong>em</strong>os dezesseis respostas<br />

<strong>que</strong> também o consideraram um fenôme<strong>no</strong> espontâneo <strong>na</strong> criança <strong>que</strong> leva ao prazer e a<br />

alegria. M


Graças ao curso de Recreação conheci muitas brincadeiras <strong>que</strong> não irei es<strong>que</strong>cer e <strong>que</strong> me<br />

ajudará muito <strong>em</strong> minha prática <strong>na</strong> sala de aula”. (C, 5º p.)<br />

“Aplicar <strong>na</strong>s minhas aulas com as crianças”. (A, 5º p.)<br />

“Como disse posso utilizar o <strong>jogo</strong> como recurso <strong>em</strong> sala”. (M, 5º p.)<br />

“É de muita importância, agora eu posso trabalhar o <strong>jogo</strong> com consciência, com<br />

objetivos, sabendo <strong>que</strong> objetivos alcançar, como e por quê alcançar. (G, 6º p.)<br />

“Aprendi a utilizar os <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> sala de aula”. (M, 6º p.)<br />

“ O <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola precisa estar associado a um fundo didático/pedagógico para <strong>que</strong> se<br />

possa ser aplicado <strong>em</strong> sala , s<strong>em</strong> sermos observados pela diretora”. (G, 7º p.)<br />

“A importância é saber o quanto o <strong>jogo</strong> pode ajudar a aprendizag<strong>em</strong> de <strong>no</strong>ssos alu<strong>no</strong>s.<br />

Na brincadeira é mais fácil assimilar certos conteúdos”.(L, 7º p.)<br />

“Que pude perceber <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> não serve ape<strong>na</strong>s como uma atividade recreadora,<br />

pod<strong>em</strong>os introduzi-lo <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso dia a dia como ajuda <strong>no</strong> processo de aprendizag<strong>em</strong>” (A, 8º<br />

p.)<br />

Após as discussões sobre a t<strong>em</strong>ática <strong>jogo</strong> durante o processo formativo, os alu<strong>no</strong>s-<br />

professores passam a compreender a diversão, o lazer e o prazer como dimensões<br />

imbricadas <strong>no</strong> processo educativo. Tendo um fim e si mesmo, pelo aspecto recreativo,<br />

e/ou sendo um meio de ensi<strong>no</strong>aprendizag<strong>em</strong>, os <strong>jogo</strong>s passam a ser entendidos como<br />

parte do processo de formação huma<strong>na</strong>. De forma mais consciente, o professor passa a<br />

pensar <strong>no</strong> uso de <strong>jogo</strong>s e brincadeiras <strong>em</strong> sua práxis educativas.<br />

Do uso do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola<br />

Pergunta 6 - Enquanto docente, <strong>em</strong> <strong>que</strong> momentos você utiliza <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> escola? Relate<br />

um ex<strong>em</strong>plo desta utilização.<br />

146


Nove dos participantes não tiveram oportunidade de promover o <strong>jogo</strong> para alu<strong>no</strong>s por<br />

não atuar<strong>em</strong> <strong>na</strong> docência e os vinte e seis participantes restantes manifestaram-se<br />

favoravelmente ao uso do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola. Destacamos os depoimentos dos <strong>que</strong> já atuam <strong>na</strong><br />

docência:<br />

“Na alfabetização utilizei para <strong>que</strong>brar um pouco a timidez de alguns alu<strong>no</strong>s, ex; um<br />

alu<strong>no</strong> sai da sala e quando volta t<strong>em</strong> <strong>que</strong> adivinhar o <strong>que</strong> mudou <strong>na</strong> sala”. (C, 5º p.)<br />

“ No início ou <strong>no</strong> fi<strong>na</strong>l da aula, ou <strong>no</strong> recreio”. (K, 5º p.)<br />

“S<strong>em</strong>pre <strong>que</strong> tenho horário para recreação, mas depois do curso me interesso também<br />

pelo <strong>que</strong> os alu<strong>no</strong>s faz<strong>em</strong> <strong>no</strong> recreio. Meu olhar para o brincar mudou , eu valorizo os<br />

<strong>jogo</strong>s como educativos e socialmente importantes”. (M, 5 º p.)<br />

“Na sala de aula, as vezes <strong>na</strong> quadra. Sou professora ape<strong>na</strong>s de mat<strong>em</strong>ática e ciências,<br />

não lecio<strong>no</strong> recreação, por isso, s<strong>em</strong>pre procuro as aulas dessas discipli<strong>na</strong>s com o <strong>jogo</strong>.<br />

Tenho obtido resultados positivos”.(S, 6º p.)<br />

“Depois das aulas de Recreação, s<strong>em</strong>pre <strong>que</strong> possível ( horas livres com meus alu<strong>no</strong>s) eu<br />

levo as atividades <strong>que</strong> vivenciamos <strong>na</strong> FFP”.(L, 7 º p.)<br />

“A princípio utilizava como estratégia para aplicar algum conteúdo e <strong>na</strong> hora da<br />

recreação, agora <strong>que</strong> sei da importância do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola, ele se faz mais presente com<br />

intuito de divertimento, prazer, energia”. (S, 5º p.)<br />

“Hoje utilizo com mais freqüência, principalmente <strong>na</strong>s aulas de mat<strong>em</strong>ática. (A, 8º p.)<br />

Nas respostas acima, percebe-se <strong>que</strong> mesmo <strong>que</strong> haja uma intencio<strong>na</strong>lidade, o<br />

aspecto de prazer, de recreação faz parte da preocupação do professor <strong>que</strong> se propõ<strong>em</strong> a<br />

usar o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola.<br />

Compreendendo o <strong>jogo</strong> enquanto recreação, obtiv<strong>em</strong>os onze respostas, dentre os<br />

vinte e seis <strong>que</strong> já atuam <strong>na</strong> docência. Estes docentes utilizam os <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> escola também<br />

com o intuito de proporcio<strong>na</strong>r prazer e divertimento. As respostas <strong>que</strong> se segu<strong>em</strong> são alguns<br />

ex<strong>em</strong>plos.<br />

147


“A princípio utilizava como estratégia para aplicar algum conteúdo e <strong>na</strong> hora da<br />

recreação, agora <strong>que</strong> sei da importância do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola, ele se faz mais presente com<br />

intuito de divertimento, prazer, energia”.(S, 5º p.)<br />

“Em sala de aula quando a turma pede, mesmo s<strong>em</strong> falar. O professor consciente e<br />

sensível percebe a hora de alegrar as crianças e também a hora de fazê-las prestar<br />

atenção. Uso muito as dinâmicas <strong>que</strong> vivenciei <strong>em</strong> Recreação”. (J, 6 º p.)<br />

“Na hora do lazer, recreação ou <strong>em</strong> sala para trabalhar e fixar um conteúdo”. (G, 6º p.)<br />

“Estou dando aula para Jardim III, ou seja, o <strong>jogo</strong> é muito importante. Gosto de jogar com<br />

eles próximo a hora da saída para <strong>que</strong> possam ir mais animados para casa. O <strong>jogo</strong> <strong>que</strong><br />

mais gostam é boliche”. (A, 7º p.)<br />

“No início ou <strong>no</strong> fi<strong>na</strong>l da aula, ou <strong>no</strong> recreio”. (K, 5º p.)<br />

“S<strong>em</strong>pre <strong>que</strong> tenho horário para recreação , mas depois do curso me interesso também<br />

pelo <strong>que</strong> os alu<strong>no</strong>s faz<strong>em</strong> <strong>no</strong> recreio. Meu olhar para o brincar mudou , eu valorizo os<br />

<strong>jogo</strong>s como educativos e socialmente importantes”. (M, 5 º p.)<br />

“<br />

“Eu utilizaria <strong>em</strong> uma sexta feira para trabalhar recreação ajudando o alu<strong>no</strong> a aprender<br />

s<strong>em</strong> cansar”. ( K, 7º p.)<br />

Dos vinte e seis <strong>que</strong> já atuam <strong>na</strong> docência, dez associaram o <strong>jogo</strong> a um processo<br />

formativo definido, ou seja, como <strong>jogo</strong>s didáticos. As respostas comprovam isto:<br />

“Utilizo para introduzir várias matérias como, por ex<strong>em</strong>plo, o alfabeto. Ele proporcio<strong>na</strong><br />

aumento <strong>no</strong> rendimento escolar das crianças pelo fato de envolvê-las mais profundamente<br />

<strong>na</strong>s atividades”. (B, 5º p.)<br />

“ Como professora trabalhei com <strong>jogo</strong>s <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> de alguns conteúdos sobre mat<strong>em</strong>ática/<br />

ciências ( dominó mat<strong>em</strong>ático, <strong>jogo</strong> da m<strong>em</strong>ória sobre animais). Enfim, houve também a<br />

aplicação de <strong>jogo</strong>s <strong>em</strong> outras discipli<strong>na</strong>s”. (J, 5º p.)<br />

“Como disse, posso utilizar como recurso <strong>em</strong> aula”. ( M, 5º p.)<br />

“Na hora do lazer, recreação ou <strong>em</strong> sala para trabalhar e fixar um conteúdo”. (G, 6º p.)<br />

148


“ Na sala de aula, as vezes <strong>na</strong> quadra. Sou professora ape<strong>na</strong>s de mat<strong>em</strong>ática e ciências,<br />

não lecio<strong>no</strong> recreação, por isso, s<strong>em</strong>pre procuro adaptar partes das aulas dessas<br />

discipli<strong>na</strong>s com o <strong>jogo</strong>. Tenho obtido resultados positivos”. (S, 6º p.)<br />

“Durante a aula de mat<strong>em</strong>ática uso dados ou boliche”. (A, 6º p.)<br />

“Muitas vezes atualmente utilizo através da leitura, figuras geométricas, números,<br />

..”. ( S, 7º p.)<br />

“Como trabalho com Educação Infantil, não existe método melhor <strong>que</strong> a utilização de<br />

<strong>jogo</strong>s para ensi<strong>na</strong>r os conteúdos para crianças de três a<strong>no</strong>s. Eles adoram e eu também,<br />

pois os dias não viram roti<strong>na</strong>. Utilizo <strong>jogo</strong>s com garrafas ( boliche) para ensi<strong>na</strong>r números<br />

e cores “. (L, 7º p.)<br />

“ No momento de recreação e <strong>em</strong> aula , como <strong>em</strong> <strong>no</strong>ções mat<strong>em</strong>áticas. Ex: ensi<strong>na</strong>r a<br />

contar de 0 a 10. Utilizei o <strong>jogo</strong> de tabuleiro <strong>no</strong> qual para chegar ao fim do percurso era<br />

preciso contar as casas e enfrentar os obstáculos. Um <strong>jogo</strong> simples e de acordo com a<br />

idade das crianças”. (J, 8º p.)<br />

“Hoje utilizo com mais freqüência, principalmente <strong>na</strong>s aulas de mat<strong>em</strong>ática”. (A, 8º p.)<br />

“Como estratégia <strong>em</strong> algumas discipli<strong>na</strong>s”. (A, 8º p.)<br />

“Jogos mat<strong>em</strong>áticos, dominó, <strong>que</strong>bra-cabeças”. (C, 8º p.)<br />

Como recreação ou como alavanca metodológica, tiv<strong>em</strong>os um número de reposta quase<br />

<strong>na</strong> mesma proporção. Onze <strong>no</strong> primeiro caso, e dez <strong>no</strong> segundo. E <strong>em</strong> algumas respostas<br />

pod<strong>em</strong>os observar <strong>que</strong> as duas preocupações ( recreação e ensi<strong>no</strong> de conteúdo) estão<br />

presentes. Essa polarização aparece <strong>na</strong>s <strong>imagens</strong> <strong>que</strong> faz<strong>em</strong> dos <strong>jogo</strong>s escolares como um<br />

meio <strong>em</strong> <strong>que</strong> constelam sentidos de motivar/organizar/discipli<strong>na</strong>r e/ou como um fim com os<br />

sentidos de recreação/êxtase/escape. Observamos <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> educação transita entre este<br />

dois pólos: lazer/tarefa. Brougère (1998) aponta <strong>que</strong> esta é uma das formas mais clássica de<br />

se associar <strong>jogo</strong> e educação. Talvez por força do pensamento racio<strong>na</strong>l, simplificador, o<br />

professor acredita <strong>que</strong> ao utilizar o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola deve haver uma intencio<strong>na</strong>lidade<br />

pedagógica, logo, o t<strong>em</strong>po deste tor<strong>na</strong>-se produtivo.<br />

Pergunta 7-Como reag<strong>em</strong> os alu<strong>no</strong>s e os outros sujeitos da escola quando você utiliza<br />

<strong>jogo</strong>s com a turma?<br />

149


Dentre os vinte e seis alu<strong>no</strong>s-professores <strong>que</strong> já lecio<strong>na</strong>m vinte e uma respostas<br />

afirmam <strong>que</strong> as crianças adoram participar de atividades lúdicas <strong>no</strong> ambiente escolar.<br />

Vejamos as respostas:<br />

“Gostam bastante, pois além de divertir, educa”. (Â, 5º p.)<br />

“ Momentos de euforia, <strong>que</strong>r<strong>em</strong> saber logo qual será o <strong>jogo</strong> apresentado. E <strong>na</strong> hora da<br />

aplicação, não acontece <strong>na</strong>da diferente do <strong>que</strong> aconteceu <strong>na</strong>s <strong>no</strong>ssas aulas <strong>na</strong> FFP .<br />

Pud<strong>em</strong>os perceber <strong>que</strong> somos s<strong>em</strong>pre crianças”. (S, 5º p.)<br />

“Os alu<strong>no</strong>s interag<strong>em</strong> mais do <strong>que</strong> <strong>na</strong>s aulas tradicio<strong>na</strong>is e a diretora gosta muito, pois é<br />

algo <strong>que</strong> ela cobra muito”. (B, 5º p.)<br />

“As crianças adoram, principalmente quando se trabalha com <strong>jogo</strong>s de competição”. (J,<br />

5º p.)<br />

“ Os alu<strong>no</strong>s adoram, ficamos mais próximos. O diretor e os outros s<strong>em</strong>pre comentam <strong>que</strong><br />

eu faço muita “ farra” com as crianças, mas com o <strong>que</strong> aprendi <strong>na</strong> Pedagogia consigo<br />

fazê-los entender o <strong>que</strong> acontece <strong>na</strong> prática”. (M, 5 º p.)<br />

“ Os alu<strong>no</strong>s ficam <strong>em</strong>polgados, se interessam, o rendimento das aulas só têm aumentado.<br />

Tenho total liberdade para utilizar quais<strong>que</strong>r recursos deste tipo. Trabalho <strong>em</strong> equipe com<br />

outros professores trocamos estratégias metodológicas”.(S, 6º p.)<br />

“Eles gostam muito”. (M,, 6º p.)<br />

“Percebo <strong>que</strong> há alegria, satisfação e a necessidade da utilização do <strong>jogo</strong> constant<strong>em</strong>ente<br />

<strong>na</strong> escola, para formação contínua”. (S, 6º p.)<br />

“As crianças amam, e de tanto fazê-lo já ganhei a fama de professora brincalho<strong>na</strong>.<br />

Defendo tanto a importância disso com base <strong>no</strong> <strong>que</strong> aprendi <strong>no</strong> curso, <strong>que</strong> hoje já<br />

entend<strong>em</strong> a relação do <strong>jogo</strong> com a educação”. (J, 6 º p.)<br />

“As crianças adoram e a escola onde trabalho, a pedagoga e a psicóloga ajudam muito a<br />

trabalhar com <strong>jogo</strong>s”. ( S, 7º p.)<br />

“Os meus alu<strong>no</strong>s adoram, minha relação com eles ficou até melhor. A escola ainda se<br />

preocupa com estas atividades por<strong>que</strong> pode parecer liberdade d<strong>em</strong>ais, alegria d<strong>em</strong>ais”. (L,<br />

7 º p.)<br />

“Se divert<strong>em</strong> , ri<strong>em</strong>, e assimilam o conteúdo <strong>que</strong> <strong>está</strong> <strong>em</strong>butido <strong>no</strong> <strong>jogo</strong>”. (J, 8º p.)<br />

150


O <strong>jogo</strong> é uma forma de expressão da criança <strong>que</strong> possibilita diferentes fruições. São<br />

expressões cujos sentidos r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> à sonhos, desafios e alegrias. “A criança se<br />

expande <strong>em</strong> instantes de encontro consigo mesma, <strong>na</strong> percepção do <strong>que</strong> é capaz de<br />

fazer”. (FERREIRA, 2003,p.148). Jogo, brincadeira e infância caminham juntas.<br />

Doze alu<strong>no</strong>s-professores com experiência <strong>na</strong> docência, dentre os vinte e seis,<br />

observaram <strong>que</strong> o uso do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola é visto pelos d<strong>em</strong>ais sujeitos (diretores, pais, outros<br />

professores, etc.) com desprezo, com reclamações, limitações ou só são praticados e<br />

aceitos via educação física . Este percentual representa quase a metade das respostas<br />

dadas. Esta é uma das grandes barreiras <strong>que</strong> limita o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola: compreender <strong>que</strong> o<br />

di<strong>na</strong>mismo do <strong>jogo</strong> gera uma grande gama de significações <strong>que</strong> potencializam o<br />

aprendizado para a vida.<br />

“Olharam com desprezo, achando <strong>que</strong> é perda de t<strong>em</strong>po”. (C, 5º p.)<br />

“ Os alu<strong>no</strong>s adoram, ficamos mais próximos. O diretor e os outros s<strong>em</strong>pre comentam <strong>que</strong><br />

eu faço muita “ farra” com as crianças, mas com o <strong>que</strong> aprendi <strong>na</strong> Pedagogia consigo<br />

fazê-los entender o <strong>que</strong> acontece <strong>na</strong> prática”. (M, 5 º p.)<br />

“Os alu<strong>no</strong>s s<strong>em</strong>pre gostam, não há nenhuma dúvida. A coorde<strong>na</strong>ção e os pais nunca<br />

entend<strong>em</strong> por falta do conhecimento da importância de trabalhar com <strong>jogo</strong>s. As pessoas<br />

erram por falta do conhecimento da verdade, por ser<strong>em</strong> simplesmente arbitrários”. (G, 6º<br />

p.)<br />

“Os alu<strong>no</strong>s ficam entusiasmados, os colegas de trabalho duvidam do aprendizado com<br />

<strong>jogo</strong>s”. (A, 6º p.)<br />

“As outras pessoas da escola não tomam conhecimento , pois como é uma escola pública,<br />

graças a Deus , não tenho a direção a todo momento “ <strong>no</strong> meu pé” , mas os alu<strong>no</strong>s<br />

adoram”. (A, 7º p.)<br />

“ Quando comecei a trabalhar <strong>na</strong> escola <strong>que</strong> lecio<strong>no</strong>, todas as professoras começar<strong>em</strong> a<br />

introduzir <strong>jogo</strong>s <strong>em</strong> sala de aula. Muitas vezes o professor não utiliza certas maneiras de<br />

ensi<strong>na</strong>r, não por <strong>que</strong> não goste, mas sim por falta de estímulo e apoio”. (L, 7º p.)<br />

“Os meus alu<strong>no</strong>s adoram, minha relação com eles ficou até melhor. A escola ainda se<br />

preocupa com estas atividades por<strong>que</strong> pode parecer liberdade d<strong>em</strong>ais, alegria d<strong>em</strong>ais”.<br />

(L, 7 º p.)<br />

151


“Os alu<strong>no</strong>s adoram, não <strong>que</strong>r<strong>em</strong> parar. Já os outros sujeitos da escola, às vezes reclamam<br />

por causa do barulho”. (A, 8º p.)<br />

Ape<strong>na</strong>s quatro dos vinte e seis professores responderam ter apoio para utilizar o<br />

<strong>jogo</strong> <strong>em</strong> suas atividades <strong>na</strong> escola. O reconhecimento da importância dos <strong>jogo</strong>s <strong>no</strong> contexto<br />

escolar, nesta pesquisa, ainda <strong>está</strong> aquém do desejado.<br />

“Eu não estou atuando como professora atualmente, mas quando atuava as pessoas<br />

geralmente viam com bons olhos essas atividades”. (K, 5º p.)<br />

“Os alu<strong>no</strong>s interag<strong>em</strong> mais do <strong>que</strong> <strong>na</strong>s aulas tradicio<strong>na</strong>is e a diretora gosta muito, pois é<br />

algo <strong>que</strong> ela cobra muito”. (B, 5º p.)<br />

“Os alu<strong>no</strong>s ficam <strong>em</strong>polgados, se interessam, o rendimento das aulas só têm aumentado.<br />

Tenho total liberdade para utilizar quais<strong>que</strong>r recursos deste tipo. Trabalho <strong>em</strong> equipe<br />

com outros professores trocamos estratégias metodológicas”. (S, 6º p.)<br />

“ As crianças adoram e a escola onde trabalho, a pedagoga e a psicóloga ajudam muito<br />

a trabalhar com <strong>jogo</strong>s”. ( S, 7º p.)<br />

Reconhecendo <strong>que</strong> a escola não tinha espaço, material ou t<strong>em</strong>po para atividades de<br />

<strong>jogo</strong>s, tiv<strong>em</strong>os três relatos:<br />

“ Na escola <strong>em</strong> <strong>que</strong> trabalho não há <strong>jogo</strong>s durante as aulas, só <strong>na</strong> aula de educação<br />

física”. (C, 5º p.)<br />

“Na instituição eram feitos pouquíssimos <strong>jogo</strong>s s<strong>em</strong> nenhum objetivo produtivo”. (M, 7º p.)<br />

“ Na educação infantil trabalhava brin<strong>que</strong>dos cantados como forma de interação entre os<br />

alu<strong>no</strong>s. Os <strong>jogo</strong>s eram poucos, pois a escola era pe<strong>que</strong><strong>na</strong> e não possuía espaço<br />

adequado”. (I, 8º p.)<br />

Num pa<strong>no</strong>rama das respostas dadas a esta <strong>que</strong>stão, pod<strong>em</strong>os perceber <strong>que</strong> os<br />

sentidos dos <strong>jogo</strong>s flutuam e vibram dentro de um espaço intermediário entre o desejo das<br />

crianças e o controlo dos sujeitos da escola.<br />

152


Das marcas deixadas pelo <strong>jogo</strong><br />

Pergunta 8-Que marcas positivas e/ou negativas a utilização de <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> escola pode trazer?<br />

Observou-se <strong>que</strong> alguns responderam sobre as suas próprias marcas enquanto alu<strong>no</strong>s do<br />

ensi<strong>no</strong> fundamental, enquanto outros compreenderam <strong>que</strong> as marcas referiam-se ao seu<br />

trabalho enquanto docente, desta forma, todos os participantes encontraram marcas<br />

positivas como: criatividade; liberdade; descontração; diversão; formação de hábitos e<br />

atitudes; b<strong>em</strong> estar físico e mental; desinibição; cooperação; alegria, fortes <strong>em</strong>oções;<br />

solidariedade, senso crítico; formação de opinião; interação entre os alu<strong>no</strong>s; superação de<br />

limites; convívio com regras; espontaneidade; segurança; motivação; aprendizagens.<br />

Apresentar<strong>em</strong>os algumas respostas <strong>que</strong> evidenciam estas marcas positivas:<br />

“ Acredito <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> só pode trazer benefícios, tanto para o professor quanto<br />

(principalmente) para as crianças. O lúdico <strong>no</strong>s permite trabalhar e identificar<br />

dificuldades vividas <strong>em</strong> sala de aula, desenvolvendo habilidades e descobrindo <strong>no</strong>vas<br />

habilidades, socialização e cooperação despertando sentimentos e <strong>em</strong>oções”. (C, 5º p.)<br />

“ Não sei se foi por<strong>que</strong> me apaixonei pelas atividades, <strong>que</strong> percebi marcas positivas e não<br />

negativas. Marcas essas <strong>que</strong> destacam alegria, solidariedade mesmo <strong>que</strong> as vezes, senso<br />

crítico, expor opiniões, criatividade, formação de hábitos e atitudes sócio-<strong>em</strong>ocio<strong>na</strong>is,<br />

habilidades físicas , intelectuais e sociais. Talvez o aspecto negativo seja o alu<strong>no</strong> não<br />

<strong>que</strong>re parar mais”. (S, 5º p.)<br />

“Acredito <strong>que</strong> seja positivo para a formação discente, mas algumas escolas interpretam<br />

esse tipo de atividade como algazarra e vetam a sua realização intra muros escolares”. (P,<br />

5º p.)<br />

“Positivas: Pois eu me divertia e aprendi muito através dessas atividades”. (K, 5º p.)<br />

“As marcas positivas são <strong>que</strong> as crianças interag<strong>em</strong> e aprend<strong>em</strong> melhor. Não há marcas<br />

negativas, pois a escola possui material suficiente para a realização das mesmas”. ( B, 5 º<br />

p.)<br />

“Práticas pedagógicas com <strong>jogo</strong>s traz mais marcas positivas do <strong>que</strong> negativas. Tendo o<br />

olhar sobre o alu<strong>no</strong> t<strong>em</strong>os como marcas positivas: superação, prazer, alegria, medo e<br />

outros” (J, 5º p.)<br />

153


“A socialização e a cooperação”. (M, 5º p.)<br />

“Mais marcas positivas <strong>que</strong> negativas. Quando o professor entende <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> é um<br />

fenôme<strong>no</strong> social importante <strong>que</strong> faz parte da viva da criança ele passa a valorizar o<br />

lúdico <strong>na</strong> escola, logo vi muitas coisas positivas”. (M, 5 º p.)<br />

“Positivos s<strong>em</strong>pre, se for b<strong>em</strong> <strong>em</strong>pregado . ...O <strong>jogo</strong> assim, pod<strong>em</strong>os dizer <strong>que</strong> deve fazer<br />

parte da vida escolar e social da criança. O <strong>jogo</strong> trabalha o indivíduo como um todo, a<br />

mente, o corpo, o psicológico, e <strong>que</strong> os adultos possam conhecer a importância do <strong>jogo</strong> e<br />

não se culpar por separar um t<strong>em</strong>po para prática tão gostosa”. (G, 6º p.)<br />

“Os alu<strong>no</strong>s de hoje precisam aprender regras, especialmente de convivências, amizade,<br />

respeito para com ele e outros, aí acredito <strong>que</strong> os <strong>jogo</strong>s contribu<strong>em</strong> muito para tal, pois<br />

viv<strong>em</strong>os <strong>em</strong> um mundo tão egoísta, cheio de si, de orgulho e <strong>na</strong> hora do <strong>jogo</strong> não vejo<br />

coisas como essas acontecer<strong>em</strong>, as crianças sent<strong>em</strong>-se prazerosamente obrigados a<br />

cooperar<strong>em</strong> para vencer determi<strong>na</strong>das competições <strong>que</strong> rixas, invejas, egoísmo ficam para<br />

trás , essa é uma marca positiva”.(S, 6º p.)<br />

“As marcas positivas: socialização entre as crianças e as d<strong>em</strong>ais séries <strong>na</strong> escola”. (A, 6º<br />

p.)<br />

“Crianças mais soltas, espontâneas, criativas, dispostas, felizes, seguras, etc..”. (R, 6º p.)<br />

“Ajuda muito o grupo a se conhecer, além de proporcio<strong>na</strong>r momentos de diversão”. (M,<br />

6º p.)<br />

“A socialização, e o prazer <strong>que</strong> tais atividades proporcio<strong>na</strong>m são de suma importância<br />

para <strong>que</strong> os alu<strong>no</strong>s se sintam motivados e descarregu<strong>em</strong> o excesso de energia e não<br />

entendam o espaço escolar como um lugar entediante e opressor”. (F, 6º p.)<br />

“Só reconheço marcas positivas <strong>na</strong> utilização do <strong>jogo</strong>, desenvolvendo habilidades físicas,<br />

intelectuais e sociais”. (S, 6º p.)<br />

“ Positivas, as melhores possíveis desde desenvolvimento físico e mental até a<br />

socialização”. (A, 7º p)<br />

“Para mim acho <strong>que</strong> traz marcas positivas, pois ajuda o alu<strong>no</strong> <strong>no</strong> seu processo de<br />

aprendizag<strong>em</strong> e de socialização com alu<strong>no</strong>s e a professora”. ( S, 7º p.)<br />

Muitos alu<strong>no</strong>s-professores manifestaram-se destacando como marcas negativas a<br />

resistência ao uso do <strong>jogo</strong> por falta de t<strong>em</strong>po; falta de material; falta de apoio da escola, o<br />

desconhecimento de sua importância, insegurança dos professores <strong>em</strong> usá-lo ou por causar<br />

<strong>na</strong>s crianças sentimentos de frustração.<br />

154


Observ<strong>em</strong>os estas respostas:<br />

“ Negativo: conflitos com os pais de alu<strong>no</strong>s” (C, 5º p.)<br />

“ Marcas negativas: tristeza ao perder o <strong>jogo</strong>, frustração. Mas, <strong>na</strong> verdade essas marcas<br />

negativas as quais me dirigi são importantes <strong>na</strong> vida”. (J, 5º p.)<br />

“Negativo, se o <strong>jogo</strong> não atingir um objetivo, for dado ape<strong>na</strong>s para preencher um espaço<br />

de t<strong>em</strong>po ocioso, quando não t<strong>em</strong> outra coisa para dar”. (G, ,6º p.)<br />

“Negativas - é visto como passat<strong>em</strong>po e não como a forma lúdica de aprendizado”. (G, 7º<br />

p.)<br />

“ ...e negativas, bom, quando acaba <strong>em</strong> briga, como vi várias vezes, aí não é legal, pois<br />

deixa de ser uma atividade descontraída e vira algo s<strong>em</strong> graça”. (A, 7º p.)<br />

“...já o ponto negativo seria alguns alu<strong>no</strong>s não levar<strong>em</strong> mais a sério a aula tradicio<strong>na</strong>l,<br />

<strong>que</strong>rer <strong>na</strong>s horas erradas”. (K, 7º p.)<br />

“... Negativos: discrimi<strong>na</strong>ção pelo meu peso, nunca ganhei um <strong>jogo</strong> ( inferioridade), várias<br />

marcas dentro e fora <strong>no</strong> meu corpo”. (M, 7º p.)<br />

“ ...Marcas negativas: exagerar e só permitir brincadeiras . A ord<strong>em</strong> também é importante<br />

dentro e fora do <strong>jogo</strong>”. (L, 7 º p.)<br />

“ ... Negativas: excesso de competitividade, não saber perder”. (J, 8º p.)<br />

“ ...Negativas: competitividade ( não gostam de perder)”. (A, 8º p.)<br />

“ ...Negativas: possíveis frustrações por perdas”. (K, 8º p.)<br />

“ ...Negativas: só brincadeiras, s<strong>em</strong> objetivos”. (E, 8º p.)<br />

“... O lado negativo é o despreparo e o desconhecimento de muitos sobre a importância<br />

da criança pelo <strong>jogo</strong> ser feliz também <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> da escola”. ( M, 5º p.)<br />

“...já <strong>em</strong> relação a negativa é <strong>que</strong> se o professor não estiver b<strong>em</strong> estruturado, domi<strong>na</strong>ndo<br />

a turma e a proposta de trabalho com o <strong>jogo</strong> não estiver enraizado <strong>no</strong> professor, a aula<br />

vira uma total desord<strong>em</strong> <strong>que</strong> por sua vez , implica <strong>em</strong> <strong>no</strong>vos probl<strong>em</strong>as com direção, pais,<br />

etc”. (S, 6° p.)<br />

155


Em linhas gerais, pelas respostas dadas ao <strong>que</strong>stionário pode-se perceber alguns indícios:<br />

- <strong>jogo</strong> também é diversão, lazer e prazer<br />

- a escola é l<strong>em</strong>brada, muitas vezes, como lugar da alegria dos <strong>jogo</strong>s e das brincadeiras.<br />

- o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola pode ser usado pelos professores de forma recreativa ou como<br />

metodologia de ensi<strong>no</strong><br />

- reflexões e vivências sobre os <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> formação de professores, pode re-significar o<br />

entendimento da relação <strong>jogo</strong>-educação<br />

- criança adora jogar, mas ainda há resistência, por parte de diferentes atores da escola,<br />

quanto ao uso do <strong>jogo</strong><br />

Narrativas: (re)visitando o ato de jogar<br />

Apresento aqui duas entrevistas realizadas <strong>na</strong> pesquisa <strong>em</strong> forma de relatos de<br />

fragmentos de história de vida. Estes entrevistados foram escolhidos, dentre os <strong>que</strong> já<br />

haviam cursado pelo me<strong>no</strong>s o quinto período do Curso de Pedagogia da FFP/UERJ e <strong>que</strong><br />

tivess<strong>em</strong> alguma experiência <strong>na</strong> docência. Sendo assim, foi possível escolher dentre os<br />

interessados, a<strong>que</strong>les com maior disponibilidade de t<strong>em</strong>po para uma conversa-entrevista.<br />

Na voz destes alu<strong>no</strong>s-professores foi possível apreender seus modos de sentir, pensar e agir<br />

156


<strong>na</strong>s atividades de <strong>jogo</strong>s e brincadeiras por eles vivenciadas <strong>em</strong> suas vidas de infância e <strong>em</strong><br />

suas vidas de professores.<br />

O ato de <strong>na</strong>rrar tor<strong>na</strong>-se um importante referencial para o pesquisador por permitir<br />

<strong>que</strong> se veja para além do patente, da <strong>no</strong>rma, também o latente, a vida. A partir de uma<br />

escuta sensível, pode-se objetivar a subjetividade das histórias de vida e apreender, a<strong>na</strong>lisar<br />

e interpretar os aspectos <strong>em</strong>a<strong>na</strong>dos nessas histórias transformando-as <strong>em</strong> <strong>na</strong>rrativas, logo,<br />

dialogando <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> <strong>cultura</strong>l com aquilo <strong>que</strong> <strong>em</strong>erge das falas dos entrevistados. Chaves<br />

(2000) compreende <strong>que</strong>:<br />

“A <strong>na</strong>rrativa, como fenôme<strong>no</strong> e como método, t<strong>em</strong> um papel central <strong>no</strong><br />

desenvolvimento pessoal e profissio<strong>na</strong>l. Através de contar, escrever e<br />

ouvir histórias de vida - as suas e as dos outros - pod<strong>em</strong>os penetrar <strong>na</strong>s<br />

barreiras <strong>cultura</strong>is, descobrir o poder do “self” e a integridade do outro e<br />

ainda, aprofundar o entendimento de suas perspectivas e possibilidades.<br />

Além do mais, todas as formas de <strong>na</strong>rrativa assum<strong>em</strong> o interesse <strong>em</strong><br />

construir e comunicar significado. O significado da prática, da vida.”<br />

(CHAVES, 2000, p.122)<br />

A pesquisa <strong>na</strong>rrativa, como fenôme<strong>no</strong> ou como método, floresce <strong>no</strong> meio acadêmico<br />

atribuindo um significado ao vivido, entrelaçando conhecimentos, sentimentos, condutas,<br />

pensamentos e ações dos <strong>na</strong>rradores. Pela voz do sujeito, relatando e comunicando suas<br />

experiências, pode-se refletir sobre suas práticas, suas crenças e seus valores. (Id<strong>em</strong>, p.123).<br />

A flexibilidade e a ri<strong>que</strong>za de interpretações possibilitadas pelas histórias de vida<br />

como metodologia de pesquisa, t<strong>em</strong> se constituído, ao longo das últimas décadas como<br />

produção científica com uma poderosa e refi<strong>na</strong>da lente de percepção e compreensão das<br />

visões de mundo dos diferentes contextos sócio-históricos. Vejo, assim, a <strong>na</strong>rrativa como<br />

uma via capaz de me levar à compreender a vida como obra, como uma trajetividade<br />

singular envolta <strong>em</strong> uma teia de significados expressos <strong>no</strong> ato de contar uma história de<br />

vida, pois “A <strong>na</strong>rrativa é uma forma artesa<strong>na</strong>l de comunicação”. (BENJAMIM,<br />

1987,p.205).<br />

Para além do <strong>na</strong>rrado pela voz, t<strong>em</strong>os <strong>que</strong> estar sensíveis para perceber o não dito, o<br />

<strong>que</strong> os corpos falam, o <strong>que</strong> o olhar revela, o <strong>que</strong> o silêncio diz. Estamos <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> da<br />

subjetividade resignificando <strong>na</strong>rrações, dialogando com a fala do outro de forma respeitosa,<br />

crítica e profunda. Não me limito aqui a contar histórias, busco compreendê-las, para isto<br />

preciso estar ‘afetada’ pelo vivido do outro percebendo as tatuagens <strong>que</strong> ele traz e se<br />

revelam para mim.<br />

157


Na carpintaria destas <strong>na</strong>rrativas, recorri a literatura infantil como viés interpretativo<br />

das histórias <strong>na</strong>rradas, onde obra e vida tor<strong>na</strong>m-se fontes para o entendimento dos fatos<br />

subjetivos, revelando a ‘segunda pele’( NÒVOA, 1995) dos sujeitos entrevistados. Desta<br />

‘revelação’ fui captando as <strong>imagens</strong> <strong>que</strong> <strong>em</strong>ergiam das falas dos sujeitos relacio<strong>na</strong>ndo-as à<br />

alguns sentidos dos <strong>jogo</strong>s. Imagens <strong>que</strong> <strong>no</strong>s convidam a uma poliss<strong>em</strong>ia de sentidos ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> <strong>que</strong> expressam traços, formas e cores da ‘vida do <strong>jogo</strong>’, do <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> vida<br />

dos alu<strong>no</strong>s-professores 63 . Estas <strong>imagens</strong>, como expressões simbólicas, traduz<strong>em</strong> e<br />

decifram o vivido e ao relacioná-las às falas dos sujeitos, bus<strong>que</strong>i r<strong>em</strong>eter o leitor as idéias,<br />

crenças, <strong>em</strong>oções e sentimentos destes com relação ao mundo dos <strong>jogo</strong>s vividos <strong>em</strong><br />

diferentes contextos de suas vidas.<br />

MEMÓRIAS DE EMÍLIA<br />

63 Este neologismo usado <strong>no</strong> decorrer desta pesquisa se r<strong>em</strong>ete aos sujeitos investigados (graduandos de<br />

pedagogia), mas, aqui, faz também alusão a estes sujeitos enquanto alu<strong>no</strong>s <strong>na</strong>s escolas por onde estudaram e<br />

brincaram, e enquanto professores, passíveis e possíveis brincantes <strong>na</strong> escola.<br />

158


Maricá - RJ<br />

M<strong>em</strong>órias de Emília<br />

________________________________________________________________________________________<br />

Minhas m<strong>em</strong>órias, explicou Emília, são diferentes de todas as outras. Eu<br />

conto o <strong>que</strong> houve e o <strong>que</strong> deveria haver.<br />

Monteiro Lobato (1950)<br />

As políticas públicas <strong>em</strong> Educação não têm, <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s, favorecido a<br />

contento o desenvolvimento das universidades, tampouco os outros segmentos de ensi<strong>no</strong>.<br />

Manifestações, paralisações, atos públicos e greves passam a ser alguns instrumentos de<br />

luta <strong>na</strong>s reivindicações de inúmeras instituições de ensi<strong>no</strong>, principalmente das<br />

159


universidades públicas. A Faculdade de Formação de Professores da UERJ t<strong>em</strong> uma<br />

história de resistência, de lutas <strong>que</strong> foram aqui apontadas <strong>no</strong> Terceiro t<strong>em</strong>po deste trabalho-<br />

“Time: os participantes da pesquisa”.<br />

Foi justamente num período de greve da UERJ, mais precisamente <strong>no</strong> início de abril<br />

de 2006 64 , <strong>que</strong> mar<strong>que</strong>i o encontro com Emília para a entrevista da pesquisa.<br />

Fazia uma manhã de sol típica de outo<strong>no</strong>, o <strong>que</strong> deixava o dia com um brilho<br />

especial <strong>que</strong> se refletia <strong>no</strong>s espaços gramados da FFP, tor<strong>na</strong>ndo-os ainda mais verdes. Eu<br />

cheguei ao jardim inter<strong>no</strong> pela entrada lateral e Emília teve acesso a este jardim pela<br />

escadaria principal do prédio. Nos encontramos assim, inicialmente, neste pe<strong>que</strong><strong>no</strong> pátio-<br />

jardim. Ela com a<strong>que</strong>le sorriso largo de s<strong>em</strong>pre me cumprimentou e foi logo exclamando:<br />

“Olha, professora, como a <strong>no</strong>ssa faculdade <strong>está</strong> linda hoje!<br />

Atravessando o período de greve e s<strong>em</strong> a travessia de alu<strong>no</strong>s de um prédio a outro,<br />

tor<strong>na</strong>va-se possível ter uma visão melhor dos prédios, pátios e jardim <strong>que</strong> compunham a<br />

paisag<strong>em</strong> da FFP. Minha escuta sensível si<strong>na</strong>lizou de pronto o sentimento de pertença de<br />

Emília por esta Instituição. Em poucos minutos, ali parada, ela comentou dos momentos<br />

bonitos <strong>que</strong> viveu <strong>na</strong><strong>que</strong>le pe<strong>que</strong>ni<strong>no</strong> jardim. L<strong>em</strong>brou <strong>que</strong> algumas das fotos para o álbum<br />

de formatura foram tiradas ali, o <strong>que</strong> me levou também a l<strong>em</strong>brar <strong>que</strong> participei deste<br />

ritual de registro. Ritual de registro de partida. Fora ali <strong>que</strong>, s<strong>em</strong>a<strong>na</strong>s antes, Emília havia<br />

me entregue uma caixinha muito b<strong>em</strong> confeccio<strong>na</strong>da, com uma mensag<strong>em</strong>/convite para<br />

participar como professora home<strong>na</strong>geada <strong>na</strong> formatura de sua turma. Ali, <strong>na</strong><strong>que</strong>le jardim e<br />

<strong>na</strong><strong>que</strong>la ocasião, tiramos uma foto. Marcamos e registramos um t<strong>em</strong>po <strong>no</strong> qual Emília<br />

pertenceu à Instituição com muito orgulho. Isto foi percebido <strong>em</strong> suas palavras: “Fazer<br />

uma UERJ para mim, <strong>no</strong>ssa eu me sinto assim... não <strong>que</strong> eu fi<strong>que</strong> me gabando, de maneira<br />

nenhuma , mas eu me orgulho de estar aqui. É a minha casa, eu não admito <strong>que</strong> ninguém<br />

fale mal. Pode ter todas as dificuldades, como t<strong>em</strong> <strong>em</strong> todos os lugares, mas essa é a minha<br />

faculdade”<br />

Nos dirigimos para a sala de reuniões do Departamento de Educação <strong>que</strong> eu havia<br />

reservado para <strong>no</strong>ssa conversa. A faculdade vazia, poucos sons <strong>no</strong> ar. Não se escutava<br />

batidas de portas, murmúrios de alu<strong>no</strong>s, passos apressados <strong>no</strong>s corredores. Ouvia-se ape<strong>na</strong>s<br />

a voz alta de Emília, doce como ela.<br />

64 Esta greve da UERJ estendeu-se de 03 de abril a 04 de julho de 2006.<br />

160


Emília, com seus 34 a<strong>no</strong>s de idade, estava cursando o oitavo e último período do<br />

Curso de Pedagogia e, por dois s<strong>em</strong>estres consecutivos, fui sua professora <strong>na</strong>s discipli<strong>na</strong>s<br />

de Recreação e Jogos I e II. Chamava-me a atenção seu jeito mole<strong>que</strong>, brejeiro e ativo.<br />

Participava com entusiasmo das atividades práticas da discipli<strong>na</strong> e estava s<strong>em</strong>pre<br />

dialogando, fazendo perguntas, buscando respostas, colaborando <strong>no</strong> entendimento dos<br />

t<strong>em</strong>as tratados <strong>em</strong> aula. Emília fazia trocas, trocas de afetos, de sorrisos, de conhecimentos,<br />

de experiências, angústias e sonhos. Vivia, a sua maneira, o estar-junto-com maffesolia<strong>no</strong> 65 .<br />

Iniciamos a conversa falando sobre sua infância. Eu buscava colher dela<br />

informações quanto à sua <strong>cultura</strong> lúdica infantil. Assim como a Emília de Monteiro Lobato,<br />

a Emília da Pedagogia passou boa parte do período das traquinices de criança num sítio <strong>em</strong><br />

Itaipu, bairro do município de Niterói <strong>na</strong> Região Fluminense do Estado do Rio de Janeiro 66 .<br />

Emília fora para lá com sua mãe para se esconder de seu pai. “Por<strong>que</strong> meu pai não era lá<br />

essas coisas. Meu pai não tinha muita atenção comigo. Meu pai <strong>que</strong>ria me seqüestrar, me<br />

pegar”. Isso mesmo, Emília precisava de um esconderijo por<strong>que</strong> seu pai <strong>que</strong>ria seqüestrá-<br />

la. Em fuga, Emília perdeu o direito de estudar: “<strong>na</strong> época eu não ia n<strong>em</strong> para a escola<br />

por<strong>que</strong> quando meus pais se separaram o juiz me proibiu de ir para a escola por<strong>que</strong> meu<br />

pai <strong>que</strong>ria me seqüestrar, me pegar. Então, eu fi<strong>que</strong>i muito t<strong>em</strong>po s<strong>em</strong> ir para a escola. Os<br />

meus primos iam para a escola, a<strong>que</strong>la coisa toda, e eu ficava <strong>em</strong> casa brincando de<br />

amarelinha”.<br />

Com a separação dos pais, Emília, aos quatro a<strong>no</strong>s de idade, foi viver neste sítio de<br />

parentes <strong>em</strong> Itaipu e foi este o período da vida <strong>em</strong> <strong>que</strong> ela mais brincou. Este foi, para ela, o<br />

período mágico da infância envolto <strong>em</strong> brincadeiras proporcio<strong>na</strong>das pela sua imagi<strong>na</strong>ção e<br />

pela <strong>na</strong>tureza ao redor.<br />

“Era o sítio do meu tio e lá tinha muito mato. É, árvores. Eu s<strong>em</strong>pre fui assim, moleca<br />

mesmo, de brincar, de pular, subir <strong>em</strong> árvore. Brincava com a<strong>que</strong>las brincadeirinhas <strong>que</strong> a<br />

gente faz de lata de leite. Sabe, essa foi mesmo a minha infância. Gostava muito de<br />

brincar de Tarzan e Jane , jogar manga <strong>no</strong>s outros quando a manga estava madura.<br />

Brincava de onça, brincava pelas pedreiras e a<strong>que</strong>las coisas todas <strong>que</strong> tinha por lá. O<br />

sítio foi o meu jardim da infância. Esse jardim representa a melhor fase da minha<br />

meninice”.<br />

65<br />

Para Michel Meffesoli o sentimento de alteridade r<strong>em</strong>ete a uma prox<strong>em</strong>ia amalgamada por trocas <strong>que</strong><br />

cimentam as relações huma<strong>na</strong>s.<br />

66<br />

A imag<strong>em</strong> de abertura desta parte da pesquisa, <strong>em</strong>bora não seja o referido sítio de Emília , representa o<br />

lugar por ela vivido.<br />

161


A idéia de jardim r<strong>em</strong>ete-<strong>no</strong>s a idéia de resumo do mundo. “ É ele o sítio do<br />

crescimento, do cultivo dos fenôme<strong>no</strong>s vitais e interiores” (Chevalier e Gueerbrant<br />

,2005,p.514 ). O jardim representa um sonho do mundo, <strong>que</strong> transporta para fora do mundo.<br />

Como símbolo do paraíso terrestre, é a representação dos estados espirituais, das vivências<br />

paradisíacas. Mesmo vivendo num ambiente paradisíaco, Emília foi uma criança <strong>que</strong><br />

conheceu de perto a aspereza da vida. Filha de uma mulher pobre e recém separada, a mãe<br />

de Emília, s<strong>em</strong> condições de manter a filha, refugiou-se <strong>no</strong> sítio do irmão. Essa passag<strong>em</strong><br />

de sua vida foi l<strong>em</strong>brada por ela com muita tristeza:<br />

“A minha infância foi muito triste. É, todo mundo tinha um monte de brin<strong>que</strong>dos, um monte<br />

de coisas e eu não podia ter. Todos tinham uma televisão para ver, eu não tinha”.<br />

Como bonequinha de pa<strong>no</strong>, feita do <strong>que</strong> sobrava dos outros, Emília, jogada de lá<br />

para cá, tentava ape<strong>na</strong>s ser criança. E como foi difícil para ela contar isso para mim.... Ela<br />

foi uma criança <strong>que</strong> pouco comia, por<strong>que</strong> quase não tinha mesmo o <strong>que</strong> comer, mas <strong>que</strong><br />

muito sonhava, muito inventava.:<br />

“Por<strong>que</strong> eu s<strong>em</strong>pre fui assim, a mais, vamos dizer, a <strong>que</strong> não tinha muito, como eu vou<br />

falar isso? Ah, meu Deus!... Eu não tinha muitos recursos. Eu era a mais pobrezinha da<br />

família, eu era a mais coitadinha. Sabe, tudo para mim era resto. Se viesse para mim era<br />

uma boneca s<strong>em</strong> per<strong>na</strong>, nunca uma inteira. Até <strong>em</strong> relação à alimentação, sabe? Todo<br />

mundo comia, me<strong>no</strong>s eu. Eu não tinha como falar para minha mãe, o <strong>que</strong> eu vou falar? Ela<br />

também estava ali se sujeitando para me criar. Então, por isso, por isso <strong>que</strong> eu s<strong>em</strong>pre fui<br />

muito sozinha. Eu morava <strong>no</strong> sítio da tia da minha mãe, ali de favor, o sítio era deles. Eles<br />

são os do<strong>no</strong>s até hoje. Eu estava ali como penetra até <strong>na</strong>s brincadeiras. Eu não podia<br />

andar de bicicleta por<strong>que</strong> a bicicleta não era minha. Eu não podia escutar rádio por<strong>que</strong> o<br />

rádio não era meu. Eu não podia mexer <strong>na</strong><strong>que</strong>las bonecas, por<strong>que</strong> a minha prima, a<br />

Simone, ela tinha bonecas loirinhas. Eu não cobiçava, eu estava satisfeita com o <strong>que</strong> tinha,<br />

sabe? Eu tinha a minha boneca, tinha a mão da minha mãe, eu tinha as minhas pedrinhas<br />

<strong>que</strong> eu pintava. Se ela tinha, ótimo. Você t<strong>em</strong> a sua, eu tenho a minha. Eu tinha coisas <strong>que</strong><br />

eles não tinham e <strong>que</strong> eram muito mais importantes”.<br />

A primeira boneca, talvez uma das mais importantes para ela, foi a mão de sua mãe.<br />

Não era de pa<strong>no</strong>, de plástico, n<strong>em</strong> de papel. Era feita de dedicação, amor e aconchego <strong>na</strong><br />

hora de dormir. A mãe de Emília criava com suas próprias mãos uma bonequinha<br />

imaginária <strong>que</strong> ‘<strong>em</strong>balava o so<strong>no</strong>’ da filha. “Eu nunca tive brin<strong>que</strong>do mesmo, sabe, por<strong>que</strong><br />

162


assim, a minha mãe s<strong>em</strong>pre foi muito pobre, então a minha primeira boneca foi a mão de<br />

minha mãe <strong>que</strong> botava lá os dedinhos dela fechados. Colocava a minha chupeta e me<br />

ni<strong>na</strong>va”.<br />

Mesmo com tantas dificuldades, o mundo paradisíaco da infância de Emília <strong>no</strong> sítio<br />

tinha cor. O verde do mato, o azul do céu, o colorido das plantas e dos pássaros alegrava a<br />

pe<strong>que</strong><strong>na</strong> meni<strong>na</strong>-boneca “Depois <strong>que</strong> a gente foi morar <strong>em</strong> Itaipu eu fui mais livre, eu me<br />

soltava lá <strong>na</strong><strong>que</strong>le mato. Brincava de Sítio do Pica Pau Amarelo”.<br />

O imaginário lúdico ligado a el<strong>em</strong>entos do campo t<strong>em</strong> sido suscitado <strong>na</strong>s últimas<br />

décadas por Monteiro Lobato <strong>que</strong> ao criar o Sítio do Pica Pau Amarelo, grande obra da<br />

literatura infantil, criou também um vasto mundo imagi<strong>na</strong>tivo ligado a el<strong>em</strong>entos da<br />

<strong>na</strong>tureza.<br />

“Eu gostava de ficar lá <strong>no</strong> sítio mesmo, brincando de bonecos. Fazia boneco de milho,<br />

essas coisas. Minha infância foi assim mesmo de brincar mais como os animaizinhos, com<br />

as coisas da <strong>na</strong>tureza(...). Eu brincava também com os bichinhos. Eu dava banho <strong>em</strong><br />

formiga. Eu alimentava o formigueiro. Os meus amigos s<strong>em</strong>pre foram esses, os animais.”<br />

Brin<strong>que</strong>do mesmo, Emília quase não teve, até então. Sua primeira boneca de<br />

verdade foi feita pela tia com as sobras dos pa<strong>no</strong>s da casa, tal qual a Emília de Lobato.<br />

“A primeira boneca <strong>que</strong> eu tive foi uma bonequinha de pa<strong>no</strong> <strong>que</strong> eu tenho até hoje, <strong>que</strong><br />

minha tia fez de pedaço de pa<strong>no</strong>. Tinha duas faces. Jogava o cabelinho assim para trás, ela<br />

estava sorrindo. Jogava o cabelinho assim para o outro lado, ela estava chorando. Eu<br />

brin<strong>que</strong>i muito, muito. Era minha companhia, minha mesmo. Eu tenho até hoje a minha<br />

bonequinha de pa<strong>no</strong>. Ela foi o meu primeiro brin<strong>que</strong>do mesmo, o meu primeiro brin<strong>que</strong>do.<br />

Ela <strong>está</strong> comigo até hoje. Nela <strong>está</strong> depositada toda a minha infância, o <strong>que</strong> eu tive, o <strong>que</strong><br />

eu não tive e o <strong>que</strong> eu <strong>que</strong>ria ter.(...) Essa boneca de pa<strong>no</strong> eu ganhei com mais ou me<strong>no</strong>s<br />

5 a<strong>no</strong>s, mais ou me<strong>no</strong>s isso. Ela é toda cheia de tiras, até <strong>está</strong> sujinha por<strong>que</strong> ia para tudo<br />

quanto é canto comigo. Eu vejo ela direitinho. Ela é igual ao <strong>que</strong> a Emília 67 é hoje, só <strong>que</strong><br />

ela é pretinha, b<strong>em</strong> pretinha mesmo, e o cabelinho dela é verde com bolinhas brancas.”<br />

Como Emília brincante, tanto a de Lobato quanto a da Pedagogia, até os quinze<br />

a<strong>no</strong>s de idade as bonecas faziam parte do ritual lúdico. Nesta época, já vivendo <strong>em</strong> outro<br />

67 Referência à boneca Emília, perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> da obra de Monteiro Lobato.<br />

163


lugar e com melhores condições fi<strong>na</strong>nceiras, ela tinha diversas bonecas <strong>que</strong> davam vazão<br />

aos sonhos não realizados. Vivia imagi<strong>na</strong>riamente um outro mundo, um lugar outro. 68<br />

“ Na minha adolescência, até meus 15 a<strong>no</strong>s eu brincava de boneca por<strong>que</strong> eu acho <strong>que</strong><br />

nela eu podia ser tudo aquilo <strong>que</strong> eu <strong>que</strong>ria ser. Sabe, eu podia ir para todos os lugares<br />

<strong>que</strong> eu quisesse. Eu podia botar as roupas <strong>que</strong> eu quisesse. Eu podia comer o <strong>que</strong> eu<br />

<strong>que</strong>ria. O meu mundo era ali. Eu fazia roupas para minha boneca, dava banho”<br />

Emília viveu intensamente o imaginário lúdico infantil. Seu mundo de faz-de- conta<br />

era povoado por bonecas <strong>que</strong> viviam a vida <strong>que</strong> ela <strong>que</strong>ria ter, por cavalos <strong>que</strong> voavam, por<br />

formigas <strong>que</strong> conversavam, por anjinhos <strong>que</strong> pulavam amarelinha, por bonecos desenhados<br />

<strong>em</strong> paredes <strong>que</strong> falavam com ela, por árvores <strong>que</strong> entravam <strong>na</strong>s brincadeiras e<br />

principalmente por um ‘amigo imaginário’ chamado Alex.<br />

“Eu tinha meus amigos imaginários <strong>na</strong> infância. Eu tinha um amigo <strong>que</strong> o <strong>no</strong>me dele era<br />

Alex. Sabe, era Alex. Então, ele é <strong>que</strong> brincava comigo. Engraçado <strong>que</strong> eu tinha esses dois<br />

primos, mas não gostava de brincar com eles. Eu gostava de brincar com o Alex por<strong>que</strong> ele<br />

fazia tudo <strong>que</strong> eu <strong>que</strong>ria, né? A gente brincava de amarelinha. A gente brincava de latas,<br />

eu e o Alex. Eu botava umas latas, eu não l<strong>em</strong>bro b<strong>em</strong> se era de leite, ou não sei o <strong>que</strong>. Eu<br />

jogava umas pedras para derrubar as latas. Eu gostava muito de brincar disso”.<br />

O mundo imagi<strong>na</strong>tivo da infância envolve situações imaginárias <strong>que</strong> são acio<strong>na</strong>das<br />

pelo brincar e pelo jogar (KISHIMOTO, 2002). Este mundo do faz-de-conta envolve<br />

significações riquíssimas e reveladoras do imaginário infantil. A representação de papéis, a<br />

linguag<strong>em</strong>, as idéias e ações provêm do mundo social da criança e ao brincar de faz-de-<br />

conta ela aprende a criar símbolos a partir do <strong>que</strong> apreendeu <strong>no</strong> mundo <strong>que</strong> a cerca. “O faz-<br />

de-conta permite não só a entrada <strong>no</strong> imaginário, mas a expressão de regras implícitas <strong>que</strong><br />

se materializam <strong>no</strong>s t<strong>em</strong>as das brincadeiras.” ( Id<strong>em</strong>, p.39). É criando <strong>no</strong>vos significados<br />

<strong>no</strong> ato de brincar <strong>que</strong> a criança desenvolve a função simbólica, el<strong>em</strong>ento <strong>que</strong> garante a<br />

racio<strong>na</strong>lidade ao hom<strong>em</strong>. Em profunda relação com o meio, a brincadeira se expande <strong>no</strong><br />

viver criativo e <strong>em</strong> toda a vida <strong>cultura</strong>l do hom<strong>em</strong>. Brougère (1998 ) aposta <strong>na</strong> brincadeira<br />

como fruto da <strong>cultura</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong> o brincante <strong>está</strong> imerso.<br />

68 Para Johan Huizinga (2004) este lugar outro é um lugar <strong>que</strong> corre <strong>em</strong> paralelo com o mundo real. Para<br />

Roger Caillois( 1990) este lugar é espaço-t<strong>em</strong>po da fantasia, do simulacro ( mimcry)<br />

164


O imaginário lúdico de Emília, tal qual <strong>no</strong> sítio do Pica Pau Amarelo, <strong>está</strong> envolto<br />

por muita fantasia, imagi<strong>na</strong>ção e criatividade, sobretudo usando el<strong>em</strong>entos da <strong>na</strong>tureza. A<br />

criança adquire experiência brincando. Estas experiências <strong>que</strong> tanto pod<strong>em</strong> ser exter<strong>na</strong>s ( o<br />

brincar de outras crianças) como inter<strong>na</strong>s ( a invenção do seu próprio brincar) fornec<strong>em</strong><br />

uma organização para a iniciação de relações <strong>em</strong>ocio<strong>na</strong>is propiciando o desenvolvimento<br />

dos contatos sociais. A brincadeira é a prova evidente e constante da capacidade criadora,<br />

ou seja, brincadeira é vivência. 69<br />

O amigo Alex habitou a imagi<strong>na</strong>ção de Emília até a idade de treze a<strong>no</strong>s,<br />

aproximadamente. Ele <strong>na</strong>sceu do sentimento de exclusão <strong>que</strong> Emília viveu <strong>na</strong> infância. Ela<br />

não tinha com <strong>que</strong>m brincar. Sua mãe estava s<strong>em</strong>pre envolvida com o trabalho fora e dentro<br />

de casa, sobrando pouco t<strong>em</strong>po para lhe dar atenção. Este sentimento de solidão <strong>na</strong> infância<br />

tocou muito forte o coração de Emília e ela chorou <strong>no</strong> momento da entrevista ao l<strong>em</strong>brar<br />

das ausências, das carências <strong>que</strong> a infância deixou. Nenhum adulto sentava para brincar,<br />

conversar, ou contar histórias. Os primos do sítio viviam um outro mundo muito<br />

distanciado do seu <strong>no</strong> aspecto fi<strong>na</strong>nceiro e social. Eles tinham brin<strong>que</strong>dos, iam para escola,<br />

tinham amigos. Ela não tinha <strong>na</strong>da, mas tinha tudo, tinha a imagi<strong>na</strong>ção <strong>que</strong> alimenta a alma<br />

huma<strong>na</strong>. No seu mundo imagi<strong>na</strong>tivo as pedras foram as grandes companheiras. Ela adorava<br />

brincar com pedrinhas. Estava s<strong>em</strong>pre às voltas com elas.<br />

“Mas a maioria das vezes eu brincava sozinha, sabe. Eu gostava de brincar sozinha.<br />

Brincava, l<strong>em</strong>bro muito b<strong>em</strong>, de pedras. Eu adorava brincar com pedras. Jogava umas<br />

pedras para cima(...). Oh, eu gostava muito de brincar de amarelinha. Eu adorava. Eu<br />

fazia com as pedras. Eu s<strong>em</strong>pre com as pedrinhas. S<strong>em</strong>pre com as pedrinhas. As vezes<br />

quando estava com um pouco mais de paciência, eu fazia ela todinha de pedras pe<strong>que</strong><strong>na</strong>s,<br />

sabe”.<br />

rr<br />

A pedra des<strong>em</strong>penha um papel importante <strong>na</strong> relação entre o céu e a terra. “São<br />

símbolos da presença divi<strong>na</strong> ou, pelo me<strong>no</strong>s, suportes das influências espirituais”<br />

(Chevalier e Gueerbrant ,2005,p.606 ). Existe entre a alma e a pedra uma relação estreita.<br />

Em estado bruto ela desce do céu, transmutada ela se ergue <strong>em</strong> sua direção. Emília, neste<br />

sentido, dava vida as suas pedrinhas.<br />

69 A este respeito, consultar Winnicott (1965)<br />

165


“No sítio lá <strong>em</strong> Itaipu. Até a casa da minha tia era <strong>em</strong> cima de uma pedra. Em cima<br />

de uma pedra assim”. Emília apontou para a janela da sala de reunião onde fazíamos a<br />

entrevista. Desta janela é possível ver a pedreira íngr<strong>em</strong>e <strong>que</strong> fica atrás do prédio da FFP.<br />

Encoberta por muito verde, a pedreira l<strong>em</strong>brava o lugar onde foi construída a casa do sítio<br />

<strong>em</strong> <strong>que</strong> ela morou. Com o seu largo sorriso costumeiro, e percebendo <strong>que</strong> as pedras ainda a<br />

cercam, Emília abriu b<strong>em</strong> os braços para d<strong>em</strong>onstrar o tamanho da pedra onde ficava a casa<br />

da infância. Foi um gesto muito expressivo e revelador do seu fascínio por pedras.<br />

Das l<strong>em</strong>branças de infância, a brincadeira de amarelinha foi uma das mais<br />

marcantes para Emília. O movimento do <strong>jogo</strong> da amarelinha r<strong>em</strong>ete à idéia de jogar as<br />

pedras <strong>em</strong> diferentes quadrículas (as terrestres), até <strong>que</strong> a pedra atinja o céu. (seja devolvida<br />

a ele). Ela adorava brincar de amarelinha e até hoje pula amarelinha com seus alu<strong>no</strong>s. T<strong>em</strong><br />

algo <strong>no</strong> movimento do <strong>jogo</strong> <strong>que</strong> a atrai muito. “As pedras caídas do céu são, além disso,<br />

muitas vezes, pedras falantes, instrumentos de um oráculo ou de uma mensag<strong>em</strong>”<br />

(Chevalier e Gueerbrant ,2005,p.606 ). Ela acredita <strong>na</strong> possibilidade de usar pedrinhas e ir<br />

para o céu encontrar com diferentes coleguinhas, ou melhor, com coleguinhas diferentes –<br />

anjos, <strong>que</strong> a tiravam da sensação de solidão <strong>em</strong> <strong>que</strong> vivia. Como objetos sagrados, as pedras<br />

de Emília levavam-<strong>na</strong> imagi<strong>na</strong>riamente a ouvir os ‘anjos celestes’ onde as flores abriam<br />

brechas com o transcendente.<br />

“Quando eu brincava de amarelinha, <strong>no</strong> céu eu botava flores <strong>que</strong> minha mãe falava <strong>que</strong><br />

eram olhinhos de Jesus. Sei lá, um negócio meio azul, roxo. Eu botava s<strong>em</strong>pre isso. S<strong>em</strong>pre<br />

quando eu brincava, eu jogava a<strong>que</strong>las flores para cima. E s<strong>em</strong>pre minha mãe vinha e me<br />

chamava, mas <strong>no</strong> dia seguinte eu fazia a mesma coisa. Aí eu brincava disso. Eu gostava<br />

mesmo era dessa brincadeira de amarelinha de pedras”.<br />

O jardim da infância de Emília tinha flores, anjos, sonhos e desejos <strong>que</strong> a levavam a<br />

viver um mundo <strong>em</strong> paralelo onde a imagi<strong>na</strong>ção e a fantasia se consubstanciavam <strong>no</strong> jogar<br />

das pedras da amarelinha.<br />

“Eu nunca deixei de brincar o meu <strong>jogo</strong> de amarelinha. S<strong>em</strong>pre gostei. Era uma coisa <strong>que</strong><br />

eu não sei se era por<strong>que</strong> tinha o céu, sabe, eu não sei. Quando eu era pe<strong>que</strong><strong>na</strong>, assim<br />

voltando, quando falo de céu, eu realmente me l<strong>em</strong>bro vagamente <strong>que</strong> não tinha só o Alex.<br />

Tinha outras pessoas <strong>que</strong> eu não sei <strong>que</strong>m eram. Outros tipos de crianças imaginárias <strong>que</strong><br />

vinham brincar, <strong>que</strong> vinham de outro lugar. Eu não sei se era por<strong>que</strong> a minha mãe contava<br />

166


muitas histórias de anjinhos. Por<strong>que</strong> ela se sentia muito culpada por eu estar muito<br />

sozinha.”<br />

Diferentes <strong>jogo</strong>s infantis estão ligados a el<strong>em</strong>entos ar<strong>que</strong>tipais. Para Costa (s/d) 70 ,<br />

estudiosa <strong>na</strong> t<strong>em</strong>ática sobre o imaginário dos <strong>jogo</strong>s, sobretudo <strong>no</strong>s de esportes de aventura<br />

e de risco, <strong>jogo</strong>s como o garrafão e a amarelinha <strong>que</strong> têm o céu como el<strong>em</strong>ento de refúgio<br />

significando o “manto protetor e salvador”( Id<strong>em</strong>, p.3) , são fort<strong>em</strong>ente investidos de um<br />

imaginário judaico-cristão de purificação, travessia de sofrimento para chegada ao céu. O<br />

céu da amarelinha de Emília tinha ‘olhinhos de Jesus’ e ‘anjinhos’, caracterizando um<br />

espaço celestial. Estes <strong>jogo</strong>s representam um ritual de luta <strong>na</strong> tentativa de impedir <strong>que</strong> as<br />

forças do mal invadam a segurança do mundo interior (o do <strong>jogo</strong>), e cuja desobediência é o<br />

pecado origi<strong>na</strong>l. Voltar à casa de partida e repetir todas as jogadas como penitência para a<br />

chegada ao céu é uma experiência lúdica fasci<strong>na</strong>nte <strong>que</strong> garante a alma do <strong>jogo</strong>. Sacrificar-<br />

se repetindo jogadas, voltar casas, cuidar para a pedra não ficar fora do quadrado da vez,<br />

envolve gestuais lúdicos <strong>que</strong> garant<strong>em</strong> a transcendência. Chegar ao céu é garantia de<br />

segurança. Atravessar as quadrículas é sofrimento e trevas. Os rituais do sacrifício<br />

re<strong>no</strong>vam o potencial do <strong>jogo</strong>, dão-lhe uma alma <strong>que</strong> escapa do racio<strong>na</strong>l e sai <strong>em</strong> busca do<br />

onírico povoado de mitos e deuses. Emília vivia e revivia estes rituais de forma prazerosa e<br />

ines<strong>que</strong>cível.<br />

Brincando sozinha, Emília transitava entre a fantasia e a realidade até <strong>que</strong> esta<br />

trouxe um brin<strong>que</strong>dinho de verdade para ela. Um bonequinho de carne e osso chamado<br />

Eduardo, filho do segundo casamento de sua mãe e “apesar de ter <strong>na</strong>scido o meu irmão,<br />

Alex s<strong>em</strong>pre estava lá. S<strong>em</strong>pre fazíamos muitas brincadeiras.... O Eduardo conhecia o<br />

Alex, sabia <strong>que</strong> ele existia e às vezes até brincava comigo <strong>que</strong> a gente pegava o cavalo e<br />

ia. Era muito engraçado, sabe.” O mundo imagi<strong>na</strong>tivo de Emília passava agora a ser<br />

entr<strong>em</strong>eado pela roti<strong>na</strong> da vida <strong>que</strong> levava. Cuidar do irmão e brincar com o irmão não<br />

fazia muita diferença. Morando <strong>em</strong> São Gonçalo, <strong>em</strong> decorrência do casamento da mãe<br />

com o pai de Eduardo, Emília conseguia manter as brincadeiras do sítio <strong>em</strong> Itaipu por<strong>que</strong><br />

havia espaço para isso <strong>na</strong> casa onde agora morava. Tinha árvores, bichos e quase tudo com<br />

70 Do texto de Vera Lúcia Menezes Costa: O Jogo e o imaginário social, disponível <strong>no</strong> site do Programa de<br />

Pós-graduação da Universidade Gama Filho ( www.ugf.br/ppgef)<br />

167


<strong>que</strong> ela estava acostumada a brincar. A <strong>na</strong>tureza ainda estava ali à sua disposição para<br />

sonhar, inventar, criar e recriar saltitando entre a fantasia e o real.<br />

“Era uma casa da irmã desse <strong>que</strong> eu tenho como pai. É meu padrasto mas eu tenho como<br />

meu pai. Então, lá tinha muita árvore, tinha cachorro também, tinha essas coisas todas.<br />

Só sei <strong>que</strong> eu já brincava mais com meu irmão e com o Alex (...) Lá tinha uma varanda<br />

muito grande e era lá <strong>que</strong> eu brincava de cavalo. Amarrava um barbante <strong>na</strong> pilastra,<br />

brincava e ali se passava a minha brincadeira e a cuidar do meu irmão. Ele virou meu<br />

brin<strong>que</strong>do também. Eu comecei a brincar de professora, de mãe. Era eu <strong>que</strong> dava banho<br />

nele, era eu <strong>que</strong> fazia os brin<strong>que</strong>dos para ele. Fazia, mas não deixava minhas bonecas.<br />

Nessa época eu já tinha muitas bonecas”<br />

Percebendo esta trama <strong>que</strong> a vida lhe preparou, Emília reclama a ausência de uma<br />

infância <strong>que</strong> não foi vivida, pois com a segunda separação de sua mãe ela não pode ser<br />

mais criança. “ Minha infância foi interrompida, sabe. Minha infância foi interrompida<br />

por<strong>que</strong> o t<strong>em</strong>po <strong>que</strong> eu tinha para brincar não era muito. Durou pouco t<strong>em</strong>po a minha<br />

fase de criança”. Envolta <strong>em</strong> m<strong>em</strong>órias, sentidos, sentimentos, significados e l<strong>em</strong>branças<br />

ela foi tecendo a trama do vivido e trazendo as marcas <strong>que</strong> a vida deixou. A vida de Emília<br />

virou. Foi uma fase de sacrifício de tudo. Enquanto sua mãe estava vivendo com seu<br />

padrasto ela teve algumas regalias. Ele a enchia de brin<strong>que</strong>dos e tudo <strong>que</strong> seu irmão<br />

ganhasse ela ganhava também. Tinha diferentes bonecas, panelinhas e <strong>jogo</strong>s, vivia uma<br />

vida de criança <strong>que</strong> t<strong>em</strong> uma família feliz, mas depois....<br />

“Eu tive <strong>que</strong> me virar sozinha, sabe. Então eu trabalhava, eu lavava minha roupa, essas<br />

coisas todas. É, eu quase não tinha muito t<strong>em</strong>po de brincar, depois <strong>que</strong> eu vim para cá 71 e<br />

<strong>que</strong> minha mãe começou a trabalhar, já tinha o meu irmão, eu tive <strong>que</strong> es<strong>que</strong>cer um pouco<br />

da brincadeira. Eu tive <strong>que</strong> es<strong>que</strong>cer um pouco de ser criança. Eu tive <strong>que</strong> amadurecer<br />

muito rápido(...). Foi muito sacrifício de tudo. Era assim, eu tinha uns 9, 10 a<strong>no</strong>s. Então a<br />

brincadeira se tor<strong>no</strong>u do<strong>na</strong> de casa. Quando eles se separaram houve realmente briga,<br />

a<strong>que</strong>las coisas. Ele não dava pensão para a gente. Meu irmão era pe<strong>que</strong><strong>no</strong>, então eu tinha<br />

<strong>que</strong> tomar conta dele para minha mãe <strong>que</strong> trabalhava, chegava meia <strong>no</strong>ite, quase uma<br />

hora. Então era eu <strong>que</strong> tinha <strong>que</strong> fazer comida. Era eu <strong>que</strong> tinha <strong>que</strong> lavar roupa. Não <strong>que</strong><br />

ela me pedisse, entende? Não era a<strong>que</strong>las mães <strong>que</strong> ia fazer os filhos de escravos. É <strong>que</strong><br />

precisava e então eu tive <strong>que</strong> amadurecer muito rápido”.<br />

71 Neta fase Emília foi morar <strong>em</strong> Alcântara, bairro pertencente a cidade de São Gonçalo <strong>no</strong> <strong>no</strong>rte fluminense<br />

do Rio de Janeiro<br />

168


Com a sensação de infância interrompida, Emília acha <strong>que</strong> talvez não tenha<br />

desenvolvido tudo aquilo <strong>que</strong> a brincadeira desenvolve numa criança e <strong>que</strong> hoje ela<br />

reconhece como importante. Mas as oportunidades de brincar acabaram sendo supridas pela<br />

escola. Ela não l<strong>em</strong>bra b<strong>em</strong> <strong>que</strong> idade tinha quando a matricularam <strong>na</strong> escola pela primeira<br />

vez, mas, <strong>no</strong> entanto, l<strong>em</strong>bra dos coleguinhas <strong>que</strong> fez. Com a entrada <strong>na</strong> escola, aos poucos,<br />

o t<strong>em</strong>po do brincar ia sendo resgatado, muito <strong>em</strong>bora ela reconheça <strong>que</strong> <strong>na</strong> sua época o<br />

dever de aula e os trabalhos de casa eram muito cobrados. Segundo ela, eram muitos<br />

conteúdos a ser<strong>em</strong> dados. A primeira escola <strong>que</strong> ela estudou foi Feijãozinho Mágico, uma<br />

escola particular <strong>que</strong> ela freqüentava s<strong>em</strong> pagar. Ali ela fez amigos e brincava com eles.<br />

Deixar de brincar sozinha, ou somente com seu irmão me<strong>no</strong>r e com amigos <strong>que</strong> habitavam<br />

sua fantasia, passava a ser uma experiência desafiante. Seus colegas eram reais, não agiam<br />

como o Alex imaginário fazendo tudo o <strong>que</strong> ela <strong>que</strong>ria .<br />

“L<strong>em</strong>bro <strong>que</strong> tinha um pátio legal. A minha professora de alfabetização, Célia, ela gostava<br />

muito de brincar com a gente de fantoches, Lá tinha uns bonecos de fantoche . Isto para<br />

mim era uma alegria por<strong>que</strong> eu nunca tinha visto aquilo. Eu era grande, a maior da turma.<br />

Eu não l<strong>em</strong>bro assim, com <strong>que</strong> idade mesmo, por<strong>que</strong> depois eu fi<strong>que</strong>i só um t<strong>em</strong>po também.<br />

Mas tinha uns brin<strong>que</strong>dos, sabe? No parquinho tinhas uns brin<strong>que</strong>dos. Tinha balanço,<br />

coisas <strong>que</strong> eu nunca tinha visto <strong>na</strong> minha vida. Tinha uma coisa <strong>que</strong> rodava também. Tinha<br />

escorrega, então eu adorava ir para lá. Dava a hora do recreio eu só <strong>que</strong>ria ficar lá. Era<br />

muito legal. Tinha um negócio assim, cheio de areia para <strong>que</strong> a gente pudesse brincar.<br />

Sabe, tinha bola, tinha elástico, a<strong>que</strong>las cordas individuais para a gente pular.”<br />

Mas, n<strong>em</strong> com todas essas <strong>no</strong>vidades o Alex deixou de acompanhar Emília. Ele ia<br />

para a escola com ela e participava de tudo dando opinião, indicando brincadeiras. “As<br />

crianças também brincavam, mas era ele, o Alex, <strong>que</strong> estava me acompanhando. Era ele<br />

<strong>que</strong> me dizia o <strong>que</strong> eu ia brincar com as crianças”. Emília entrou tarde <strong>na</strong> escola, <strong>em</strong><br />

conseqüência disto, s<strong>em</strong>pre foi a maior da turma, a ‘grando<strong>na</strong>’ como ela mesma diz.<br />

Assumia a liderança <strong>na</strong>s brincadeiras mesmo s<strong>em</strong> <strong>que</strong>rer, talvez por<strong>que</strong> inventasse muita<br />

coisa para fazer. Talvez por seu tamanho. Dançava com os colegas, ensi<strong>na</strong>va alguns passos,<br />

brincava de pi<strong>que</strong>, de roda, de pescaria. Dividida entre os cuidados com o lar e o irmão <strong>em</strong><br />

casa, Emília fazia das brincadeiras da escola uma fuga da realidade dura <strong>em</strong> <strong>que</strong> vivia.<br />

“Nesses momentos de brincadeira eu até es<strong>que</strong>cia o <strong>que</strong> estava passando <strong>na</strong> minha vida.”<br />

O brincar <strong>na</strong> escola foi marcante para Emília. Por forças das circunstâncias, pois<br />

entrou tarde <strong>na</strong> escola, ela era s<strong>em</strong>pre a mais velha da turma, o <strong>que</strong> dava a ela a sensação de<br />

169


pertencimento, de inclusão e laços com os amiguinhos <strong>que</strong> a tinham como líder. “Eu<br />

s<strong>em</strong>pre tive a companhia das crianças, talvez por isso, até hoje, parece <strong>que</strong> eu não<br />

amadureci”. A lacu<strong>na</strong> <strong>que</strong> a infância deixou, <strong>no</strong> sentido de partilhar aventuras e<br />

brincadeiras com alguém da família, com os primos, com crianças das vizinhanças, ou até<br />

mesmo com parentes mais velhos, foi gradativamente sendo preenchida pela escola <strong>que</strong><br />

então passava a proporcio<strong>na</strong>r o espaço do jogar, do brincar com coisas e crianças de<br />

verdade, longe dos afazeres domésticos, <strong>que</strong> apesar de duros, não lhe tiravam a<br />

oportunidade de fazer destes momentos, também momentos lúdicos. Cada traço vivido,<br />

l<strong>em</strong>brado, imagi<strong>na</strong>do e <strong>na</strong>rrado foi se instalando <strong>em</strong> seus sentimentos como tatuagens 72 .<br />

Tatuagens da alma. Rabiscos de uma tatuag<strong>em</strong> da infância, “Que você pega, esfrega, nega,<br />

mas não lava” 73 .<br />

“Eu tinha <strong>que</strong> ser adulta mesmo <strong>que</strong> eu estivesse brincando. Eu tinha <strong>que</strong> fazer comida, eu<br />

tinha <strong>que</strong> tomar conta do meu irmão, ensi<strong>na</strong>r a ele as tarefas e deveres da escola, lavar a<br />

roupa dele, tudo isso. Essa brincadeira era de verdade”.<br />

Experiências, l<strong>em</strong>branças, <strong>em</strong>oções e sentimentos vão dando forma, traços e cores<br />

à vida pessoal e profissio<strong>na</strong>l. Resgate da m<strong>em</strong>ória <strong>que</strong> brinca <strong>no</strong> corpo feito bailari<strong>na</strong>.<br />

“Que logo se aluci<strong>na</strong>, salta e te ilumi<strong>na</strong>” 74<br />

Foi refletindo sobre o seu brincar <strong>na</strong> infância <strong>que</strong> Emília buscou compreender os<br />

sentidos dos <strong>jogo</strong>s e brincadeiras para as crianças de hoje. “Nada <strong>na</strong> vida da gente acontece<br />

por acaso, talvez por isso eu tenha muito cuidado com meus alu<strong>no</strong>s ao brincar”. Pensando<br />

<strong>no</strong>s momentos <strong>que</strong> não viveu, <strong>no</strong>s <strong>que</strong> viveu, ou <strong>no</strong>s <strong>que</strong> ficaram só <strong>na</strong> vontade e <strong>no</strong> sonho,<br />

Emília busca sentidos para o brincar de hoje, <strong>no</strong>s t<strong>em</strong>pos de agora.<br />

“Hoje <strong>em</strong> dia as crianças têm as coisas muito fáceis e não dão valor as coisas simples.<br />

Sabe, com certeza, brincar com umas pedrinhas é muito mais interessante <strong>que</strong> um<br />

brin<strong>que</strong>do eletrônico. Lógico <strong>que</strong> tudo t<strong>em</strong> a sua importância <strong>na</strong> vida, mas eu acho <strong>que</strong>,<br />

quando, <strong>na</strong><strong>que</strong>la época, as crianças vivenciavam mais o mundo mesmo, a <strong>na</strong>tureza, tinha<br />

coisas assim, a meu ver, mais interessantes”.<br />

72 O simbolismo da tatuag<strong>em</strong> é indicado pelo sentido origi<strong>na</strong>l do caráter wen, <strong>que</strong> desig<strong>na</strong> os caracteres<br />

simples da escrita, o escrito, mas também a sabedoria confucia<strong>na</strong>. Wen significa as linhas <strong>que</strong> se cruzam ( o<br />

<strong>que</strong> poderia relacioná-lo à tecelag<strong>em</strong>) , veias, rugas, desenhos ( Chevalier & Gheerbrant, 2005, p. 870)<br />

73 Trecho da canção de Chico Buar<strong>que</strong> de Holanda,Tatuag<strong>em</strong><br />

74 Id<strong>em</strong><br />

170


“As crianças não t<strong>em</strong> mais essa liberdade <strong>que</strong> eu tive <strong>na</strong> minha época, de ver a <strong>na</strong>tureza,<br />

de brincar, de ver as coisas do campo. Brincar com coisa simples deve ser mais<br />

valorizado. Um pedaço de pedra, uma árvore. Hoje <strong>em</strong> dia têm crianças <strong>que</strong> conhec<strong>em</strong><br />

pouco as coisas da <strong>na</strong>tureza. Sabe, por ex<strong>em</strong>plo, têm alu<strong>no</strong>s meus <strong>que</strong> não sab<strong>em</strong> n<strong>em</strong> o<br />

<strong>que</strong> é uma galinha. Eu brincava de escola com as galinhas, elas eram minhas alu<strong>na</strong>s.<br />

Brincava de pular corda com elas. Botava uma galinha, não sei se era preta, meio cinza,<br />

pulava amarelinha com ela. Me arranhava toda , mas era legal”.<br />

Valorizando o vivido, Emília segue a viag<strong>em</strong> <strong>que</strong> a m<strong>em</strong>ória lhe proporcio<strong>na</strong>:<br />

“Quero ficar <strong>no</strong> teu corpo feito tatuag<strong>em</strong>, <strong>que</strong> é para te dar corag<strong>em</strong> pra seguir viag<strong>em</strong><br />

quando a <strong>no</strong>ite v<strong>em</strong>” 75 . Os brin<strong>que</strong>dos inventados, as resignificações dos objetos de brincar<br />

ficam <strong>em</strong> sua m<strong>em</strong>ória como tatuagens <strong>que</strong> encorajam-<strong>na</strong> a abrir espaço <strong>no</strong>s fazeres<br />

docentes para <strong>que</strong> as crianças se sol<strong>em</strong> mais brincando ao ar livre. Emília <strong>está</strong> quase s<strong>em</strong>pre<br />

com seus alu<strong>no</strong>s <strong>no</strong> parquinho da escola onde trabalha atualmente brincando de rolar pneus,<br />

participando de pi<strong>que</strong>s, de brincadeiras de elástico e de diferentes <strong>jogo</strong>s. Ela se ‘solta’<br />

nesta viag<strong>em</strong> lúdica como adulto brincante. Ela vive e revive o <strong>que</strong> mais lhe deu prazer <strong>na</strong><br />

infância do sítio: brincar.<br />

E por gostar tanto de brincar, Emília s<strong>em</strong>pre desejou dar aulas para crianças<br />

pe<strong>que</strong><strong>na</strong>s, crianças da educação infantil, do jardim da infância (a sua). “Eu s<strong>em</strong>pre fui<br />

apaixo<strong>na</strong>da para dar aulas <strong>no</strong> jardim” . Claro <strong>que</strong> não só por isso ela optou pela profissão<br />

professora. “Ser professora estava <strong>na</strong> minha estrada” . Seu desejo de ser professora v<strong>em</strong><br />

desde pe<strong>que</strong><strong>na</strong>, tal qual o desejo de tantas e tantas meni<strong>na</strong>s, muitas das quais hoje são<br />

professoras de fato <strong>na</strong> vida real. Brincar de escolinha e viver o imaginário da relação<br />

professor-alu<strong>no</strong> eram experimentações proporcio<strong>na</strong>das a Emília pelos el<strong>em</strong>entos do sítio.<br />

Objetos <strong>que</strong> a <strong>na</strong>tureza dá e <strong>que</strong> o hom<strong>em</strong> usa, abusa, transforma, deforma e reforma para<br />

seu bel prazer ou necessidade. Mesmo s<strong>em</strong> ter pisado cedo <strong>no</strong> chão da escola, Emília<br />

parece <strong>que</strong> conhecia o <strong>que</strong> era ser professora. Ter uma turma de bichinhos, <strong>em</strong> especial de<br />

galinhas e frangos para ensi<strong>na</strong>r, lhe dava prazer, mas parece <strong>que</strong> para além do prazer era<br />

também uma <strong>que</strong>stão de necessidade pessoal.<br />

“(...) mas eu sinto a necessidade de ser professora. Não sei, é uma coisa dentro de mim <strong>que</strong><br />

eu não sei explicar. Parece <strong>que</strong> eu <strong>na</strong>sci para ensi<strong>na</strong>r. Me dá satisfação , não é só ensi<strong>na</strong>r<br />

as crianças. Para mim é uma satisfação muito grande quando diz<strong>em</strong> assim: Ah, você sabe<br />

75 Id<strong>em</strong><br />

171


fazer isso aqui, me ensi<strong>na</strong>? Se eu consigo te explicar, aquilo é d<strong>em</strong>ais para mim. È uma<br />

coisa <strong>que</strong> acontece do <strong>na</strong>da. Eu acho <strong>que</strong> é isso mesmo, o prazer , a vontade de ensi<strong>na</strong>r”<br />

Muito <strong>em</strong>bora Emília se sinta atraída pela área da saúde, pensando até <strong>em</strong> fazer uma<br />

faculdade de nutrição mais tarde, a vida lhe deu de presente o exercício 76 da docência muito<br />

precoc<strong>em</strong>ente. Era uma <strong>que</strong>stão de prazer e necessidade. Ela precisava ajudar <strong>na</strong> escola<br />

para ter garantida a gratuidade dela e de seu irmão. Prestava serviços para a escola,<br />

principalmente <strong>na</strong> recreação das crianças. E assim...<br />

“ ... eu tinha meus 9 a<strong>no</strong>s quando comecei a trabalhar neste Exter<strong>na</strong>to <strong>que</strong> eu trabalho<br />

hoje. Eu comecei como ajudante de educação infantil, <strong>na</strong> época jardim da infância. Eu<br />

tinha uns 9 , 10 a<strong>no</strong>s, Eu trabalhava ali para pagar meus estudos lá e do meu irmão<br />

também. Então essa escola me ajudou muito, muito mesmo. Então, ali me despertou muito<br />

mais. Eu não era ali só como ajudante, as vezes quando a professora faltava ou estava<br />

fazendo alguma coisa, era eu <strong>que</strong> dava aula para as crianças. Eu s<strong>em</strong>pre tive muito<br />

envolvimento com as brincadeiras dessas crianças, o mundo delas, os <strong>jogo</strong>s, os amigos<br />

imaginários. Eu s<strong>em</strong>pre fi<strong>que</strong> <strong>na</strong> escola com a parte lúdica, s<strong>em</strong>pre, s<strong>em</strong>pre. Brincava de<br />

‘Atirei o pau <strong>no</strong> gato’ , <strong>jogo</strong>s de latas. Eu s<strong>em</strong>pre gostei de brincar muito mesmo. Nesta<br />

época brincava muito com <strong>jogo</strong>s de canções, o <strong>que</strong> se chama de brin<strong>que</strong>dos cantados.<br />

S<strong>em</strong>pre fui eu <strong>que</strong> comandei isso, engraçado <strong>que</strong> isso é até hoje. Fi<strong>que</strong>i 10 a<strong>no</strong>s nesta<br />

escola ajudando”<br />

O homo ludens <strong>que</strong> habitava Emília (e vamos ver adiante <strong>que</strong> ainda habita) não<br />

escolheu t<strong>em</strong>po ou lugar para brotar. Se <strong>na</strong> primeira fase da infância ela não tinha com<br />

<strong>que</strong>m brincar, a partir dos <strong>no</strong>ve a<strong>no</strong>s de idade a farra entre amigos ficou boa. Brincar com<br />

crianças de verdade <strong>na</strong> escola era tão bom e fasci<strong>na</strong>nte quanto brincar sozinha <strong>no</strong> sítio, ou<br />

melhor, brincar acompanhada pelo Alex e os anjinhos <strong>que</strong> vinham para pular amarelinha.<br />

Se <strong>no</strong> sítio não havia brin<strong>que</strong>dos, se os bichos, as pedras e seu irmão eram seus objetos de<br />

brincar, <strong>na</strong> escola eles se materializavam <strong>em</strong> cordas, escorregas, <strong>jogo</strong>s e fantoches nunca<br />

vistos antes. Se o irmão era o boneco, os bonecos também se transformavam <strong>em</strong> gente.<br />

Fantoches falantes da escola, bonecos de milho do sítio, galinhas alu<strong>na</strong>s, formigas <strong>que</strong><br />

tomavam banho, paredes falantes, bonecos e bonecas <strong>no</strong> cesto de brin<strong>que</strong>dos da escola<br />

misturavam-se <strong>no</strong> seu imaginário lúdico dando <strong>no</strong>vos traços, formas e cores ao brincar. O<br />

76 Uso aqui o termo ‘exercício’ não <strong>no</strong> sentido de uma profissão assumida legalmente, mas <strong>no</strong> sentido de<br />

oportunidades de experimentações e vivências <strong>no</strong> universo escolar.<br />

172


<strong>jogo</strong> e a brincadeira são realidades <strong>que</strong> flutuam e vibram dentro de um espaço intermediário<br />

entre o real e o imaginário, o sonhado e o vivido. O êxtase do brincar, as fruições sentidas<br />

pela Emília brincante não dependiam de t<strong>em</strong>po, lugar ou objetos. O brincar do sítio e o<br />

brincar da escola foram igualmente importantes para ela. Brincar e jogar são atitudes <strong>que</strong><br />

escapam do t<strong>em</strong>po racio<strong>na</strong>l, do lugar ideal, dos objetos adequados. Tudo vira tudo <strong>no</strong><br />

mundo mágico do <strong>jogo</strong> e da brincadeira.<br />

No período <strong>em</strong> <strong>que</strong> estava <strong>no</strong> segundo segmento do ensi<strong>no</strong> fundamental, ainda <strong>no</strong><br />

Exter<strong>na</strong>to, as brincadeiras livres e inventadas <strong>no</strong> pátio <strong>na</strong> hora de saída, de entrada <strong>na</strong><br />

escola, do recreio e mesmo <strong>no</strong>s t<strong>em</strong>pos desti<strong>na</strong>dos formalmente para a recreação, foram<br />

dando espaço as aulas de educação física. Nestas, as modalidades desportivas eram<br />

trabalhadas sist<strong>em</strong>aticamente, coisa <strong>que</strong> ela, como alu<strong>na</strong>, não gostava muito. O <strong>que</strong> lhe<br />

atraía de fato era a oportunidade <strong>que</strong> estas atividades davam de fazer amigos, de estar com<br />

os colegas de turma fora do rigor exigido <strong>na</strong>s outras aulas. Emília participava das aulas de<br />

educação física não pelo <strong>jogo</strong>, mas pelo prazer de estar ali com os amigos se divertindo.<br />

Enquanto cursava o ensi<strong>no</strong> médio <strong>em</strong> formação de professores Emília trabalhava<br />

numa escola por indicação de uma professora, mas seu maior sonho seria trabalhar <strong>no</strong><br />

Exter<strong>na</strong>to, lugar da infância e dos primeiros passos <strong>na</strong> docência. Essa escola foi a sua vida,<br />

e chegar até ela como professora <strong>em</strong> exercício era sua meta.<br />

“ O meu sonho s<strong>em</strong>pre foi dar aulas ali <strong>no</strong> Exter<strong>na</strong>to, lugar onde vivi minha vida quase<br />

toda. Com criança pe<strong>que</strong><strong>na</strong> a gente pode brincar , você pode se soltar. Sabe a<strong>que</strong>las coisas<br />

<strong>que</strong> eu não pude fazer quando eu era criança? Com eles eu posso fazer. Nesta escola eu<br />

vivi tudo de bom e tudo de ruim , coisas difíceis ou não eu vivi dentro da<strong>que</strong>la escola .<br />

Minha adolescência, o meu primeiro amor, minhas desilusões, a separação dos meus pais.<br />

Todo apoio, apoio para tudo, eu tive ali. Cada tijolo da<strong>que</strong>la escola é um pedaço da<br />

minha vida. Sabe, eu ficava ali da manhã até a <strong>no</strong>ite. Ali eu almoçava, eu e meu irmão.<br />

Hoje eu consegui realizar o meu sonho. Eu fui persistente. O sonho da do<strong>na</strong> da escola<br />

s<strong>em</strong>pre foi esse também. Eu a chamava de vó. Infelizmente ela hoje já é falecida. Eu a tinha<br />

como mãe, avó mesmo. Então ela s<strong>em</strong>pre me apoiou <strong>em</strong> tudo. Ali s<strong>em</strong>pre foi a minha casa,<br />

a minha família.”<br />

Este sonho se tor<strong>no</strong>u realidade. Emília trabalha atualmente <strong>no</strong> Exter<strong>na</strong>to. Começou<br />

como ajudante de coorde<strong>na</strong>ção, só <strong>que</strong> não era o <strong>que</strong> ela <strong>que</strong>ria. Seu desejo era ter uma<br />

turma de pe<strong>que</strong>ni<strong>no</strong>s. Inicialmente lhe foi entregue a turma de 1 ª série , “mas é tanto<br />

conteúdo , tanto conteúdo, <strong>que</strong> você não t<strong>em</strong> t<strong>em</strong>po para brincar, você não t<strong>em</strong> t<strong>em</strong>po de<br />

173


olhar <strong>no</strong>s olhos dos seus alu<strong>no</strong>s. Eu chorei, chorei por<strong>que</strong> eu <strong>que</strong>ria a educação infantil”.<br />

Até <strong>que</strong> conseguiu assumir uma turma de dezessete alu<strong>no</strong>s do Jardim 2. É com esta turma<br />

<strong>que</strong> ela trabalha atualmente. Nesta escola o espaço não é grande, mas t<strong>em</strong> árvores, t<strong>em</strong><br />

brin<strong>que</strong>dos de escorregar, t<strong>em</strong> pneus <strong>no</strong> parquinho. Não t<strong>em</strong> muitos brin<strong>que</strong>dos de<br />

manusear n<strong>em</strong> <strong>jogo</strong>s de montar , mas t<strong>em</strong> um espaço exter<strong>no</strong> <strong>que</strong> oferece condições para as<br />

crianças brincar<strong>em</strong> e jogar<strong>em</strong>. Emília não pretende “criar raízes nesta escola” como ela<br />

mesma diz, mas acha <strong>que</strong> a partir do curso de Pedagogia <strong>no</strong>vas oportunidades pod<strong>em</strong><br />

surgir. Ela comenta <strong>que</strong> adquirindo <strong>no</strong>vos olhares para a educação <strong>em</strong> sua graduação,<br />

passou a <strong>que</strong>stio<strong>na</strong>r a proposta desta escola, a conhecer outros projetos de ensi<strong>no</strong>, enfim o<br />

curso abriu um horizonte de possibilidades e uma gama de reflexões <strong>que</strong> não se esgotam<br />

nesta experiência profissio<strong>na</strong>l.<br />

Nas franjas do <strong>na</strong>rrado, fui estabelecendo uma delicada interlocução com Emília <strong>que</strong><br />

me permitisse apreender mais e melhor os sentidos dos <strong>jogo</strong>s para ela enquanto professora.<br />

Ela foi, desta forma, tecendo seu caminho de formação de professores iniciado <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong><br />

médio. Apurei minha escuta <strong>no</strong> <strong>que</strong> dizia respeito à discipli<strong>na</strong> de Recreação como parte do<br />

programa desta formação e pude apreender <strong>que</strong> foi muito voltada para os <strong>jogo</strong>s desportivos.<br />

Jogos de voleibol, bas<strong>que</strong>te, handebol e outros <strong>que</strong> não a atraíam muito. Ela os considera<br />

‘<strong>jogo</strong>s de adultos’:<br />

“Era só desporto e isso particularmente não me atrai. Eu gosto do imaginário, das coisas<br />

<strong>que</strong> você pode inventar e criar. Lá era educação física mesmo, a gente fazia competições e<br />

isso não me atraia <strong>no</strong> Curso Pedagógico <strong>que</strong> eu fazia.”<br />

“Lá tinha esses <strong>jogo</strong>s, mas era <strong>na</strong> educação física mesmo, como uma discipli<strong>na</strong> com prova.<br />

Quando tinha prova de educação física você tinha <strong>que</strong> explicar como eram as regras do<br />

voleibol, bas<strong>que</strong>te. Eu achava aquilo uma coisa chata, sabe. Para dizer a verdade eu não<br />

sei mais nenhuma regra até hoje. Eu não sentia prazer nisso”.<br />

Emília acredita <strong>que</strong> o seu Curso Pedagógico <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> médio só contribuiu com a<br />

parte teórica, pois isto foi muito cobrado <strong>no</strong> decorrer do curso. Quanto às discipli<strong>na</strong>s <strong>que</strong><br />

abordavam recreação, <strong>jogo</strong>s e ludicidade, ela comentou <strong>que</strong> não lhe deram a compreensão<br />

da t<strong>em</strong>ática <strong>que</strong> hoje ela atribui ter <strong>em</strong> função da graduação <strong>em</strong> Pedagogia.<br />

“Eu aprendi muito aqui, não é puxar o saco da UERJ, mas eu aprendi muito mais a ser<br />

professor aqui do <strong>que</strong> <strong>no</strong> meu Pedagógico. Eu evoluí muito como professora depois <strong>que</strong><br />

174


vim para cá. Parece <strong>que</strong> eu aprendi a teoria lá <strong>no</strong> Pedagógico e aqui eu fiz a prática, não<br />

<strong>que</strong> aqui não tenha a teoria”, mas a relação entre elas existe”<br />

Para Emília, as discipli<strong>na</strong>s de Recreação e Jogos I e II cursadas <strong>na</strong> FFP foram de<br />

grande contribuição para o entendimento da importância do brincar e jogar <strong>no</strong> âmbito<br />

educacio<strong>na</strong>l. Refletindo sobre os referencias teóricos de <strong>jogo</strong>s, vivenciando as atividades<br />

lúdicas e assistindo as outras turmas participando das atividades práticas, ela foi<br />

resignificando o ato de brincar. Para Emília a discipli<strong>na</strong> proporcio<strong>no</strong>u verdadeiramente a<br />

relação teoria e prática: “Nós tínhamos sim a teoria, mas tínhamos também como era <strong>na</strong><br />

prática, como era vivenciar a teoria <strong>na</strong> prática” e destaca os sentimentos destas<br />

experiências e as fruições <strong>que</strong> os <strong>jogo</strong>s lhe proporcio<strong>na</strong>ram.<br />

“ Éramos pessoas grandes, de 20, 30, 40 a<strong>no</strong>s, virando crianças, tirando chinelo, sentando<br />

<strong>no</strong> chão”<br />

“Nas aulas de Recreação eu podia ser moleca. Eu podia trazer <strong>no</strong>vamente a minha<br />

infância <strong>que</strong> eu vivi lá <strong>no</strong> sítio <strong>em</strong> Itaipu quando eu era mais livre. Sabe, eu quando<br />

brincava com os <strong>jogo</strong>s <strong>que</strong> a gente fazia eu virava a criança <strong>que</strong> eu não pude ser”.<br />

“ Essas vivências me trouxeram sentimentos de liberdade, de poder ser eu mesma Sabe,<br />

quando uma pessoa <strong>está</strong> muito endurecida como pedra é possível <strong>que</strong> ela se <strong>que</strong>bre diante<br />

da brincadeira, diante de um <strong>jogo</strong> apresentado. Uma pessoa por mais triste <strong>que</strong> esteja, por<br />

mais calejada da vida, desperta a criança dentro dela quando participa destas<br />

atividades.”<br />

A infância é símbolo de simplicidade <strong>na</strong>tural, de espontaneidade. “Como símbolo<br />

da i<strong>no</strong>cência é o estado anterior ao pecado, e, portanto, o estado edênico, simbolizado <strong>em</strong><br />

diversas tradições pelo retor<strong>no</strong> ao estado <strong>em</strong>brionário, <strong>em</strong> cuja proximidade <strong>está</strong> a<br />

infância”. (Chevalier e Gueerbrant ,2005,p.302). A criança é espontânea, tranqüila,<br />

concentrada, s<strong>em</strong> intenção ou pensamentos dissimulados.<br />

A imag<strong>em</strong> da infância sintetiza aqui a imag<strong>em</strong> das turmas de Pedagogia da FFP<br />

quando envolvidas <strong>em</strong> atividades práticas da discipli<strong>na</strong> de Recreação e Jogos. De um modo<br />

geral, os alu<strong>no</strong>s quando solicitados a participar das brincadeiras e <strong>jogo</strong>s, se transformam<br />

<strong>em</strong> crianças ativas, ansiosas e curiosas com o <strong>que</strong> é proposto. Nestes a<strong>no</strong>s <strong>em</strong> <strong>que</strong> assumi as<br />

turmas do referido Curso e da referida discipli<strong>na</strong> pude perceber o quanto eles se soltam, o<br />

175


quanto eles viv<strong>em</strong> o mundo imaginário <strong>que</strong> achavam ter enterrado quando se tor<strong>na</strong>ram<br />

adultos. As fruições flu<strong>em</strong> num descomprometimento típico dos <strong>que</strong> se deixam levar pelo<br />

mundo do <strong>jogo</strong>, dos <strong>que</strong> se permit<strong>em</strong> escapar do mundo real e <strong>em</strong>barcar numa via<br />

imaginária e fasci<strong>na</strong>nte 77 .<br />

Um outro sentimento trazido por Emília quando perguntei sobre o <strong>que</strong> a discipli<strong>na</strong><br />

havia deixado de marcas para ela foi o sentimento de solidariedade da turma. Ela comentou<br />

<strong>que</strong> <strong>no</strong> início do curso a turma era pouco entrosada. Com os <strong>jogo</strong>s, a partir do 5º período, a<br />

turma passou a se conhecer melhor, passaram a ser mais soltas <strong>na</strong> sala, como ela mesma<br />

diz. As relações melhoraram, os grupos rivais se diluíram e houve um sentimento de ajuda<br />

mútua. As vivências lúdicas serviram também para unir a turma<br />

“Hoje nós pod<strong>em</strong>os dizer <strong>que</strong> somos uma turma”.<br />

“Tinha uma brincadeira legal também <strong>que</strong> a gente fez <strong>que</strong> foi amarrar as bolas <strong>no</strong>s pés.<br />

A<strong>que</strong>le contato com o corpo do outro, a<strong>que</strong>la aproximação. A<strong>que</strong>la coisa de precisar do<br />

outro , de saber <strong>que</strong> o outro precisa de você para brincar. Exist<strong>em</strong> brincadeiras <strong>que</strong> você<br />

pode brincar sozinha, mas quando passa de um, quando fica assim uma galera , fica legal<br />

d<strong>em</strong>ais, fica muito melhor. T<strong>em</strong> uma outra energia , uma outra vibração. Foi interessante<br />

<strong>que</strong> essas aulas de Recreação fizeram com <strong>que</strong> a turma se aproximasse. Nós éramos<br />

moças, pessoas <strong>que</strong> já eram avós, mães e tudo e existia isso de se entregar. Para você ver<br />

como a brincadeira é rica, como a brincadeira é capaz de transformar as pessoas. Com a<br />

minha turma foi assim. Por isso <strong>que</strong> a gente sentiu muita falta quando termi<strong>no</strong>u. A gente<br />

achava <strong>que</strong> tinha <strong>que</strong> ter desde o primeiro até o último período do Curso”.<br />

“Eu acho <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> é isso, é ensi<strong>na</strong>r o alu<strong>no</strong> a compartilhar, ensi<strong>na</strong>r <strong>que</strong> você precisa do<br />

outro. Têm momentos de individualidade sim, mas quando t<strong>em</strong> um grupo é muito mais<br />

prazeroso, <strong>na</strong> brincadeira parece <strong>que</strong> tudo fica mais fácil”.<br />

A turma passou a criar laços <strong>na</strong>s brincadeiras. O laço r<strong>em</strong>ete à idéia de adesão. “O<br />

laço simboliza neste caso a obrigação, não mais só imposta pelo poder, mas desejada<br />

livr<strong>em</strong>ente pelas partes diferentes <strong>que</strong> se sent<strong>em</strong> ligadas entre si”. (Chevalier e Gueerbrant<br />

,2005,p.532). Como redes, estabelec<strong>em</strong> uma comunhão.<br />

Com as idéia trazida pelos autores acima citados, a adesão voluntária da turma foi<br />

incutindo <strong>em</strong> Emília um sentimento de união, de confiança <strong>no</strong> próximo e <strong>em</strong> si mesma.<br />

77 A nível de ilustração, sugiro uma volta à Introdução deste trabalho <strong>em</strong> <strong>que</strong> trago fotos das atividades<br />

práticas das aulas de Recreação <strong>na</strong> FFP.<br />

176


Pois os laços “são os símbolos das forças místicas <strong>em</strong> poder do chefe, <strong>que</strong> se chamam: a<br />

justiça, a administração, a segurança real e pública, todos os poderes” (Chevalier e<br />

Gueerbrant ,2005,p.532). Estes laços fizeram com <strong>que</strong> Emília se sentisse mais segura,<br />

mais capaz de poder ser ela mesma. Fizeram com <strong>que</strong> ela acreditasse <strong>que</strong> os sonhos pod<strong>em</strong><br />

ser sonhados, <strong>que</strong> as conquistas são possíveis.<br />

“Quando eu estou jogando é uma sensação muito grande, é muita <strong>em</strong>oção, isso faz com<br />

<strong>que</strong> você tenha fé <strong>em</strong> você mesmo. Eu vivencie tudo isso aqui <strong>no</strong> curso. Sabe, a Recreação,<br />

ela me fez ter mais segurança <strong>em</strong> mim mesma. Eu s<strong>em</strong>pre fui muito insegura, eu s<strong>em</strong>pre<br />

achei <strong>que</strong> nunca ia conseguir, eu s<strong>em</strong>pre achei <strong>que</strong> jamais <strong>na</strong> minha vida eu ia fazer uma<br />

faculdade”<br />

A turma de Emília <strong>na</strong>s aulas de Recreação transformava-se num grupo de crianças<br />

unidas por um objetivo comum: jogar e se divertir. Desta forma elas estabeleceram laços<br />

<strong>que</strong> ultrapassavam o momento do <strong>jogo</strong>. Transmitiam uma alegria <strong>que</strong> se materializava <strong>no</strong>s<br />

sorrisos, <strong>na</strong>s brincadeiras e <strong>na</strong> <strong>em</strong>polgação com <strong>que</strong> participavam das atividades lúdicas<br />

como crianças brincantes. Viviam momentos dionisíacos.<br />

“Com certeza as aulas proporcio<strong>na</strong>ram uma entrega total, a maioria da turma percebeu<br />

isso. Até hoje a gente l<strong>em</strong>bra isso, a gente pede <strong>que</strong> tenha isso , por<strong>que</strong> lá <strong>na</strong> Recreação<br />

a gente era feliz”<br />

“Em Recreação, eu gostei muito foi do último s<strong>em</strong>estre <strong>que</strong> a gente ia lá para a<strong>que</strong>la sala<br />

onde tinha os tatames, a<strong>que</strong>le espaço era pe<strong>que</strong><strong>no</strong>, mas para ver como a brincadeira faz<br />

isso, parece <strong>que</strong> amplia o espaço, como se tudo ficasse maior, mais fácil. Nada impedia a<br />

gente de brincar. Na<strong>que</strong>le cantinho, l<strong>em</strong>bro uma vez <strong>que</strong> estava chovendo mesmo, e o<br />

engraçado é <strong>que</strong> ninguém faltava, ninguém <strong>que</strong>ria perder. Todo mundo <strong>que</strong>ria ver a<br />

brincadeira lá dos outros, a<strong>no</strong>tar o <strong>que</strong> via, vivia, a<strong>que</strong>la coisa toda. Todo mundo <strong>que</strong>ria<br />

participar, a turma toda brincava, ria, aprendia. Para você ver como é importante o <strong>jogo</strong>.<br />

Éramos pessoas grandes, de 20, 30, 40 a<strong>no</strong>s, virando crianças, tirando chinelo, sentando<br />

<strong>no</strong> chão. A gente não <strong>que</strong>ria saber, as vezes passava da hora, para você ver! A<strong>que</strong>le era<br />

um t<strong>em</strong>po especial, era o t<strong>em</strong>po da alegria”.<br />

Este sentimento de pertencimento e alegria ia além dos t<strong>em</strong>pos de aulas de<br />

recreação. Os <strong>jogo</strong>s, ao permitir<strong>em</strong> as sensações e fruições da infância, fizeram com <strong>que</strong> as<br />

relações da turma tomass<strong>em</strong> outros rumos. “ A imag<strong>em</strong> da criança pode indicar uma<br />

vitória sobre a complexidade e a ansiedade, e a conquista da paz interior e da<br />

autoconfiança”.(Chevalier e Gueerbrant ,2005,p.302). Este sentimento moveu a<br />

177


organização da formatura, o sentimento de união para a realização dos trabalhos das d<strong>em</strong>ais<br />

discipli<strong>na</strong>s, promoveu bate-papos informais vividos <strong>no</strong>s ‘pe<strong>que</strong><strong>no</strong>s <strong>na</strong>das’ 78 <strong>que</strong><br />

consubstanciam-se numa solidariedade de base, numa ‘socialidade <strong>em</strong> ato’ 79 . Uma sensação<br />

de ‘estar-junto-com 80 ’. Vivências <strong>que</strong> despertaram laços de cooperação, solidariedade e<br />

partilhas. O precisar do outro para brincar e o se sentir parte da brincadeira estabeleceu uma<br />

relação <strong>que</strong>, á luz do paradigma da complexidade de Edgar Morin, é compreendida como<br />

uma estreita relação de auto-dependência entre o todo e partes.<br />

“Eu mesma brincando aqui me modifi<strong>que</strong>i muito, foi muita coisa mesmo. Hoje nós somos<br />

mais soltas <strong>na</strong> sala. Melhorou <strong>no</strong>ssas relações. Hoje não t<strong>em</strong> grupos rivais, o grupo <strong>que</strong><br />

era se desfez. Todo mundo sorri, todo mundo pede ajuda para o outro. Antigamente tinha<br />

isso de se afastar. Hoje nós pod<strong>em</strong>os dizer <strong>que</strong> somos uma turma. Antigamente era assim,<br />

<strong>no</strong>s primeiros dias entrando <strong>na</strong> FFP era como se fosse uma faculdade de Direito. Ninguém<br />

sorria para ninguém, com o passar do t<strong>em</strong>po era a<strong>que</strong>la cobrança de provas, trabalhos,<br />

era a<strong>que</strong>la coisa rigorosa mesmo. No 5º, 6º período é <strong>que</strong> mudou, acho <strong>que</strong> foi com essas<br />

brincadeiras de Recreação, então eu acho <strong>que</strong> a gente se soltou mais. Nos <strong>jogo</strong>s a gente se<br />

unia, a partir destas experiências nessas discipli<strong>na</strong>s”<br />

Quando interroguei Emília sobre sua compreensão da relação <strong>jogo</strong>-educação, ela<br />

distinguiu dois momentos. Um antes de entrar <strong>no</strong> Curso de Pedagogia e outro depois de ter<br />

cursado, principalmente, as discipli<strong>na</strong>s de Recreação. Para ela o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola estava<br />

diretamente ligado à discipli<strong>na</strong> de educação física, as modalidades desportivas e os t<strong>em</strong>pos<br />

de recreação eram de liberdade para as crianças poder<strong>em</strong> brincar do <strong>que</strong> quisess<strong>em</strong>, eram os<br />

horários de ir para o parquinho. Estes t<strong>em</strong>pos do brincar não implicavam, para ela, <strong>na</strong><br />

participação do professor. O brincar e o jogar cumpriam a função de extravasar energia,<br />

função de puro lazer. Por mais <strong>que</strong> ela, desde os <strong>no</strong>ve a<strong>no</strong>s de idade tivesse assumido a<br />

recreação de pe<strong>que</strong><strong>no</strong>s <strong>no</strong> âmbito escolar, e por mais <strong>que</strong> se considere uma eter<strong>na</strong> brincante,<br />

ela, até então, não relacio<strong>na</strong>va <strong>jogo</strong>-educação pela perspectiva <strong>cultura</strong>l, social e<br />

antropológica. Brincadeiras e <strong>jogo</strong>s tinham ape<strong>na</strong>s uma dimensão de divertimento.<br />

“Eu achava <strong>que</strong> era só <strong>na</strong> Educação Física <strong>que</strong> os <strong>jogo</strong>s aconteciam <strong>na</strong> escola. Eu nunca<br />

tinha visto nenhum professor fazendo brincadeiras mesmo, a<strong>que</strong>las coisas. Mesmo <strong>na</strong><br />

78 Expressão usada por Michel Maffesoli apresentada <strong>no</strong> Primeiro t<strong>em</strong>po deste trabalho.<br />

79 Id<strong>em</strong><br />

80 Id<strong>em</strong><br />

178


educação infantil, lá quando eu trabalhava, eu não via nenhuma professora interagir junto<br />

com as crianças”<br />

Emília acredita <strong>que</strong> as vivências <strong>na</strong>s atividades de <strong>jogo</strong>s e brincadeiras lhe deram,<br />

para além dos sentimentos de união, liberdade, prazer e divertimento, a compreensão de<br />

<strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> faz parte do próprio processo educativo. Sendo um fim <strong>em</strong> si mesmo ou como<br />

meio de algum tipo de aprendizag<strong>em</strong>, o <strong>jogo</strong> é importante <strong>no</strong> âmbito escolar. Suas palavras<br />

reforçam esta compreensão:<br />

“ Hoje nós t<strong>em</strong>os essa visão diferente de <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola , não é só a<strong>que</strong>la educação física,<br />

não é só competição, é conhecimento interior. O <strong>jogo</strong> faz isso, você se conhece melhor,<br />

como líder, como parte passiva, sua parte negativa ou positiva <strong>na</strong><strong>que</strong>le grupo . Como <strong>que</strong> é<br />

interessante a<strong>que</strong>la brincadeira , como ela revela coisa”.<br />

“ Com as brincadeira, eu acho, a gente pode conversar muito, você <strong>que</strong> pode estar ali<br />

diretamente, pode interferir <strong>na</strong><strong>que</strong>la brincadeira e mostrar para a criança os valores, o<br />

<strong>que</strong> é certo ou não. Numa conversa com sugestões, você muda as coisas, pode até mudar o<br />

jeito da<strong>que</strong>la criança numa brincadeira”<br />

“As regras, os conflitos, a confiança <strong>em</strong> si, <strong>no</strong>s outros, as relações <strong>que</strong> <strong>jogo</strong> provoca, tudo<br />

isso é muito importante para a criança. Ela aprende a pensar <strong>na</strong>s situações”.<br />

“A gente sabe <strong>que</strong> os <strong>jogo</strong>s e as brincadeiras são importantes também para o<br />

desenvolvimento da criança, para os órgãos, para a energia dela <strong>na</strong>s atividades, dá<br />

disposição. Os <strong>jogo</strong>s estimulam muitas coisas”<br />

Emília entende <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> pode também ter uma intencio<strong>na</strong>lidade pedagógica, ou<br />

seja, um conteúdo pode ser ensi<strong>na</strong>do por meio de <strong>jogo</strong>s. Ensi<strong>na</strong>r brincando ou jogando dá<br />

prazer tanto para o alu<strong>no</strong> quanto para o professor. Para ela os <strong>jogo</strong>s didáticos são<br />

importantes, desde <strong>que</strong> o professor compreenda <strong>que</strong> eles vão além da intenção de se passar<br />

só o conteúdo.<br />

“Olha é possível sim colocar a recreação, a brincadeira <strong>em</strong> todos os conteúdos para<br />

ensi<strong>na</strong>r crianças de 5, 6 e 7 a<strong>no</strong>s. As crianças estão <strong>na</strong> fase das descobertas , de<br />

brincadeiras, de extravasar, então por<strong>que</strong> não fazer de uma forma legal para elas e para<br />

você, de uma forma prazerosa de ensi<strong>na</strong>r o conteúdo <strong>que</strong> é tão necessário para elas<br />

também. Por <strong>que</strong> não ensi<strong>na</strong>r a mat<strong>em</strong>ática com lúdico, por <strong>que</strong> não? Ah, é falta de<br />

t<strong>em</strong>po?. Eu acho <strong>que</strong> não, é falta de interesse , digo isso como professora, por<strong>que</strong> quando<br />

a gente <strong>que</strong>r a gente faz”<br />

179


“Eu acho <strong>que</strong> a gente t<strong>em</strong> <strong>que</strong> ensi<strong>na</strong>r sim, dar os conteúdos sim por<strong>que</strong> é uma coisa <strong>que</strong> já<br />

é da educação mesmo, o <strong>que</strong> não impede <strong>que</strong> se faça brincando. Por <strong>que</strong> a mat<strong>em</strong>ática t<strong>em</strong><br />

<strong>que</strong> ser só <strong>no</strong> cuspe e giz? Por <strong>que</strong> você não pode ensi<strong>na</strong>r o teu alu<strong>no</strong> a somar com<br />

tampinhas de refrigerante? Por <strong>que</strong> t<strong>em</strong> <strong>que</strong> ser 1 mais 1 igual a 2 ? Muitas vezes não<br />

entra <strong>na</strong> cabeça deles e você não sabe por <strong>que</strong> os alu<strong>no</strong>s não aprend<strong>em</strong>. O brincar é esse<br />

facilitador, dá liberdade de pensar de outras formas, leva a outros entendimentos de uma<br />

determi<strong>na</strong>da <strong>que</strong>stão, o brincar t<strong>em</strong> esse poder”<br />

Na sua compreensão, as aulas de educação infantil e das séries iniciais deveriam ser<br />

planejadas de forma a cont<strong>em</strong>plar atividades lúdicas como também instrumentos de<br />

ensi<strong>no</strong>. Os <strong>jogo</strong>s pod<strong>em</strong> se tor<strong>na</strong>r preciosas alavancas <strong>no</strong> processo ensi<strong>no</strong>-aprendizag<strong>em</strong>.<br />

O símbolo da alavanca representa ferramenta, o princípio ativo <strong>que</strong> coloca algo<br />

<strong>em</strong> movimento, o <strong>que</strong> faz a passag<strong>em</strong> da passividade a atividade. Movimento cuja atividade<br />

resulta da vontade de <strong>que</strong>m o gerou e <strong>que</strong> a move ( alavanca, ferramenta) tirando-a de um<br />

estado inerte. Assim, a vontade precede aqui o conhecimento. “A alavanca simboliza<br />

ape<strong>na</strong>s um força instrumental, movida e controlada por uma força superior, e o valor de<br />

seu <strong>em</strong>prego só é medido pelo valor daquilo <strong>que</strong> ela ajudou a levantar.” (Chevalier e<br />

Gueerbrant ,2005, p.26)<br />

Em sua prática docente Emília sente-se comprometida <strong>em</strong> participar das atividades<br />

recreativas da turma. Tor<strong>na</strong>-se comprometida com esta alavanca <strong>que</strong>, através dos <strong>jogo</strong>s, dá<br />

impulso e movimenta a apreensão de <strong>no</strong>vos conhecimentos, valores e conceitos <strong>que</strong> não se<br />

limitam ao uso de <strong>jogo</strong>s com intencio<strong>na</strong>lidade de transmissão de conteúdos do programa de<br />

ensi<strong>no</strong>. Para ela, o papel do professor como mediador de tais atividades é fundamental para<br />

<strong>que</strong> os <strong>jogo</strong>s cumpram um papel formativo e educativo. O <strong>jogo</strong> é responsabilidade social<br />

do professor, cabendo a ele, enquanto educador, refletir sobre suas funções e seus<br />

significados não só <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> cognitivo, mas também <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> bio-psico-sócio-<strong>cultura</strong>l.<br />

“Os <strong>jogo</strong>s escolares não são ape<strong>na</strong>s de responsabilidade social do professores de<br />

educação física, os d<strong>em</strong>ais professores também são por eles responsáveis, pois <strong>em</strong> seus<br />

fazeres pedagógicos muitos o utilizam de modo consciente ou não e com ou s<strong>em</strong><br />

intencio<strong>na</strong>lidade” (NHARY, 2005,p.137 ). Compreendendo o hom<strong>em</strong> como um ser<br />

180


complexo, redimensio<strong>na</strong>-se a relação <strong>jogo</strong>-educação devendo os professores inter<strong>na</strong>liz<strong>em</strong><br />

os sentidos dos <strong>jogo</strong>s para compreender<strong>em</strong> o significado <strong>que</strong> eles têm para os seus alu<strong>no</strong>s<br />

“Eu acho <strong>que</strong> brincar não é só jogar os brin<strong>que</strong>dinhos <strong>em</strong> cima da mesa e não falar <strong>na</strong>da<br />

para seus alu<strong>no</strong>s. T<strong>em</strong> <strong>que</strong> ter um por<strong>que</strong> para aquilo. Olha, vocês pod<strong>em</strong> brincar de<br />

outras coisas. Você pode até falar, separar algumas coisas, t<strong>em</strong> <strong>que</strong> dar um impulso, um<br />

estímulo para eles e deixar livre, deixar fluir. Não é só colocar ali e pronto. Não é só<br />

desenhar a Amelinha e deixar <strong>que</strong> eles se vir<strong>em</strong>. Acho <strong>que</strong> não é isso. Os <strong>jogo</strong>s,<br />

principalmente <strong>na</strong> faixa etária dessas crianças 81 , têm <strong>que</strong> ser dirigidos, ou melhor,<br />

estimulados, t<strong>em</strong> <strong>que</strong> despertar para as regras, para as relações entre eles, para a fantasia.<br />

T<strong>em</strong> <strong>que</strong> organizar, mas também permitir <strong>que</strong> eles se organiz<strong>em</strong>, t<strong>em</strong> <strong>que</strong> dar liberdade de<br />

pensar, de agir”.<br />

Emília sai <strong>em</strong> busca disto <strong>em</strong> sua prática docente e lamenta <strong>que</strong> muitos professores<br />

ainda não tenham alcançado esta compreensão.<br />

“O t<strong>em</strong>po vai passando e esses professores estão mais preocupados <strong>em</strong> enfiar o conteúdo<br />

<strong>na</strong> cabeça da criança, <strong>que</strong>r<strong>em</strong> as cabecinhas cheias. Será <strong>que</strong> a criança por ela mesma,<br />

com prazer e curiosidade não vai aprendendo? Na imagi<strong>na</strong>ção dela, <strong>na</strong> brincadeira,<br />

despertada por sentimentos de competição, de <strong>jogo</strong> mesmo, de descobertas, de alegrias, de<br />

disputa, de solidariedade, de tudo <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> oferece a criança pode despertar para o<br />

conteúdo è uma coisa tão mais fácil. Não são só, os <strong>jogo</strong>s com conteúdo <strong>que</strong> ensi<strong>na</strong>m<br />

alguma coisa, todo <strong>jogo</strong> deixa alguma experiência <strong>que</strong> agente carrega pra a vida, por isso<br />

defendo a oportunidade da criança brincar tanto fora quanto dentro da escola.”<br />

Desta forma, Emília comunga com a idéia de Montagne, ampliada por Edgar Morin<br />

(2004) de <strong>que</strong> ‘mais vale uma cabeça b<strong>em</strong> feita do <strong>que</strong> uma cabeça b<strong>em</strong> cheia’. Não<br />

adianta só se prender aos conteúdos se eles não estão fazendo sentido para <strong>que</strong>m os<br />

‘recebe’. Ao usar este termo desejo r<strong>em</strong>eter o leitor à idéia de educação bancária de Paulo<br />

Freire, de alu<strong>no</strong>s <strong>que</strong> receb<strong>em</strong> os conteúdos <strong>que</strong> são depositados pelo professor <strong>que</strong> os<br />

transmite. Um sentido de mão única <strong>na</strong> relação ensi<strong>no</strong>-aprendizag<strong>em</strong>.<br />

Na educação é necessário haver motivação para aprender, e, para Emília, crianças<br />

da educação infantil aprend<strong>em</strong> muito mais se a forma de ensi<strong>na</strong>r for prazerosa, divertida e<br />

motivante. Trata-se de buscar outras formas, outras propostas <strong>na</strong> relação ensi<strong>no</strong>-<br />

81 Emília refere-se ao segmento da educação infantil e das séries inicias do ensi<strong>no</strong> fundamental.<br />

181


aprendizag<strong>em</strong>, o <strong>que</strong> passa por uma reforma de pensamento como <strong>no</strong>s propõe Edgar Morin<br />

<strong>em</strong> suas diferentes obras publicadas 82 .<br />

Emília é uma grande incentivadora dos <strong>jogo</strong>s <strong>no</strong> espaço escolar, não só como<br />

alavanca metodológica, mas como el<strong>em</strong>ento formador e transformador de valores, hábitos e<br />

atitudes. Acreditando nisso, <strong>em</strong> sua escola ela s<strong>em</strong>pre motiva os alu<strong>no</strong>s a brincar e a jogar.<br />

Participa com eles das atividades recreativas e das aulas de educação física, mas t<strong>em</strong><br />

consciência de <strong>que</strong> escola não se limita a isto, a ser só ludicidade e brincadeira. Os<br />

conteúdos são importantes, mas importante também é a forma como as crianças apreend<strong>em</strong><br />

estes conteúdos. Para ela deve haver um meio termo, um ponto de equilíbrio entre os<br />

deveres e prazeres.<br />

“Eu acho assim, se hoje t<strong>em</strong> um conteúdo para dar, se não deu e eles estão brincando eu<br />

deixo. Qu<strong>em</strong> disse <strong>que</strong> eles não estão aprendendo alguma coisa? Eles estão <strong>no</strong> momento de<br />

imagi<strong>na</strong>r, de relaxar, de brincar. Eu sinto <strong>que</strong> com os conteúdos <strong>que</strong> eu dou para eles, <strong>que</strong><br />

inconscient<strong>em</strong>ente eu forço eles, eu estou tirando parte da infância deles, estou os fazendo<br />

amadurecer <strong>no</strong> momento <strong>que</strong> as vezes não é para isso. Eles gostam de ficar lá mexendo <strong>na</strong>s<br />

coisas, descobrindo coisas, pensando, criando, aprendendo também. Ont<strong>em</strong> eles estavam<br />

brincando com os carocinhos da minha uva. Eles botaram tudo lá e fizeram um futebol de<br />

caroços. Um caroço falava com o outro, jogava, se mexia. Sabe, as vezes você fica dando<br />

conteúdo, é consoante, é isso, é aquilo, parece <strong>que</strong> a criança não vive. Parece <strong>que</strong> a<br />

educação infantil antigamente era vista como lazer. A criança ia lá só para brincar.<br />

Agora parece <strong>que</strong> a criança <strong>está</strong> fazendo uma faculdade. Criança de 3, 4 a<strong>no</strong>s não t<strong>em</strong><br />

t<strong>em</strong>po para <strong>na</strong>da, t<strong>em</strong> <strong>que</strong> guardar os brin<strong>que</strong>dos. Tudo b<strong>em</strong> <strong>que</strong> a gente t<strong>em</strong> <strong>que</strong> colocar<br />

os limites, t<strong>em</strong> hora par brincar, para ter os conteúdos, mas t<strong>em</strong> <strong>que</strong> ter equilíbrio. T<strong>em</strong><br />

horas <strong>que</strong> a criança t<strong>em</strong> vontade de brincar e não pode, desde muito cedo tudo já é<br />

cortado, podado”.<br />

Em sua opinião muito ainda poderia ser mudado com relação à educação,<br />

principalmente <strong>no</strong> primeiro segmento da educação básica e da educação infantil. O rigor<br />

com <strong>que</strong> a escola cobra os conteúdos, a falta de liberdade do alu<strong>no</strong> se expressar e se<br />

manifestar estão aquém do <strong>que</strong> ela entende por educação. Com o <strong>que</strong> viu, reviu e refletiu<br />

<strong>em</strong> seu processo de formação ela percebe <strong>que</strong> é possível, sim, <strong>no</strong>vas formas de relacio<strong>na</strong>r o<br />

<strong>jogo</strong> à educação, mas, para ela, parece <strong>que</strong> os professores e a escola se acomodam <strong>no</strong><br />

modelo existente. Tor<strong>na</strong>-se costumeiro ensi<strong>na</strong>r da forma tradicio<strong>na</strong>l. Ensi<strong>na</strong>r de outra<br />

82 A idéia central do pensamento complexo de Edgar Morin e <strong>que</strong> passa uma reforma de pensamento foi<br />

apresentada neste trabalho <strong>no</strong> Primeiro t<strong>em</strong>po.<br />

182


forma, para os colegas professores com os quais dialoga, pode ser arriscado e Emília<br />

explode <strong>em</strong> indagações.<br />

”Se ele viu aqui <strong>que</strong> dá certo, por <strong>que</strong> <strong>na</strong> sala de aula dele não vai dar? Por <strong>que</strong> não<br />

pode ter um momento de brincadeira <strong>em</strong> sala de aula? Por <strong>que</strong> a brincadeira t<strong>em</strong> <strong>que</strong> ser<br />

só num espaço aberto? E quando <strong>está</strong> chovendo não se brinca? A gente não pode rir? A<br />

gente não pode rolar <strong>no</strong> chão? A gente não pode pular? O <strong>que</strong> é <strong>que</strong> impede? As quatro<br />

paredes de uma sala? É ensi<strong>na</strong>do para a gente <strong>que</strong> a <strong>no</strong>ssa mente pode voar. No livro a<br />

gente não vai para outros lugares? Na brincadeira também! A gente pode fingir <strong>que</strong> não<br />

existe parede ali. Você pode imagi<strong>na</strong>r <strong>que</strong> <strong>está</strong> num campo correndo, brincando, pulando<br />

amarelinha , por <strong>que</strong> não? Por <strong>que</strong> é <strong>que</strong> a gente aprende aqui e não aplica? O <strong>que</strong> <strong>no</strong>s<br />

impede? É medo do diferente? É achar <strong>que</strong> vai dar errado?”<br />

“Quando você pensa <strong>em</strong> criança, você pensa o <strong>que</strong>? Pensa nelas correndo, brincando,<br />

falando sozinhas, jogando bola, a<strong>que</strong>las coisas todas, rolando <strong>no</strong> chão. Isso é ser criança,<br />

mas t<strong>em</strong> gente <strong>que</strong> não gosta, talvez por<strong>que</strong> não tiveram t<strong>em</strong>po de ser criança de verdade.<br />

Isso vai da pessoa, então eu acho <strong>que</strong> a escola hoje precisa muito levar á sério as<br />

brincadeiras. Lógico <strong>que</strong> t<strong>em</strong> a<strong>que</strong>le momento de ensi<strong>na</strong>r ali <strong>no</strong> quadro, mas como eu falei,<br />

<strong>na</strong>da impede de fazer de outra forma também. Se a gente aprende isso <strong>na</strong> Faculdade, aqui<br />

<strong>na</strong> FFP, por <strong>que</strong> é <strong>que</strong> quando a gente chega <strong>na</strong> <strong>no</strong>ssa sala de aula a gente não aplica<br />

aquilo <strong>que</strong> aprendeu? Por <strong>que</strong> a gente coloca obstáculos?”<br />

Emília <strong>em</strong> seu relato prova <strong>que</strong> é brincante e <strong>que</strong> interage com seus alu<strong>no</strong>s <strong>no</strong>s<br />

momentos recreativos <strong>que</strong> proporcio<strong>na</strong> para eles. Ela pula, rola, brinca de amarelinha, joga<br />

pneus, brinca de pi<strong>que</strong> esconde, pi<strong>que</strong> pega, de se esconder, de casinha e de fantoches. Ela<br />

participa também das aulas de educação física com eles. “Eu vou para a aula de educação<br />

física junto com a turma. Corro, brinco de pegar a bolinha, de pi<strong>que</strong>, eu faço um escândalo<br />

<strong>na</strong><strong>que</strong>le pátio”. Emília t<strong>em</strong> interagido muito com o atual professor de educação física de<br />

sua escola. Eles faz<strong>em</strong> planejamento juntos (t<strong>em</strong>a da Copa do Mundo de Futebol, por<br />

ex<strong>em</strong>plo), ela dá sugestões, trocam livros, textos e idéias. Ela compreende <strong>que</strong> a educação<br />

física escolar assume um papel muito importante <strong>no</strong> contexto educativo. Para ela, esta<br />

discipli<strong>na</strong> trabalhada de forma consciente e interdiscipli<strong>na</strong>r, pode colaborar muito <strong>no</strong><br />

processo de aprendizag<strong>em</strong>. Valores, conceitos, relações sociais, resolução de probl<strong>em</strong>as,<br />

estratégias, criatividade, auto<strong>no</strong>mia e a própria experimentação dos movimentos corporais<br />

<strong>na</strong>s atividades das aulas de educação física cumpr<strong>em</strong> um papel <strong>que</strong> vai além da educação<br />

formal <strong>que</strong>, <strong>em</strong> linhas gerias, se atribui à escola. “A Educação Física <strong>está</strong> mudando, <strong>está</strong><br />

183


ajudando nisso. Eu espero <strong>que</strong> até o fi<strong>na</strong>l do a<strong>no</strong> a gente possa ter uma parceria dos outros<br />

professores também, sabe”.<br />

Ao tratar da educação física escolar, não pod<strong>em</strong>os afastar <strong>no</strong>sso olhar da escola<br />

compreendendo-a como um espaço instituído <strong>em</strong> <strong>que</strong> a formação dos sujeitos ocorre de<br />

forma complexa, levando a educação física a contribuir <strong>no</strong>s aspectos bio-psico-sócio-<br />

<strong>cultura</strong>is dos alu<strong>no</strong>s. (NHARY, 2005, p.138). O papel da educação física escolar v<strong>em</strong><br />

adquirindo uma visibilidade ao longo das últimas décadas <strong>que</strong> <strong>na</strong> recente proposta de<br />

Diretrizes Curriculares dos Cursos de Pedagogia do CNE, <strong>no</strong> Art. 5º inciso VI (MEC,<br />

2006), já se aponta a responsabilidade do professor das séries iniciais da educação<br />

fundamental e da educação infantil como partícipe <strong>na</strong> área de educação física, devendo<br />

estar apto a ensiná-la 83 .<br />

Emília deseja <strong>que</strong> a escola e seus partícipes, sobretudo os pais, coorde<strong>na</strong>dores e<br />

professores tenham uma melhor compreensão da importância do jogar e do brincar <strong>no</strong><br />

contexto educacio<strong>na</strong>l.<br />

Em sua conversa ela reclama e clama pelo espaço do <strong>jogo</strong> e da brincadeira. Os<br />

professores de sua escola só participam das atividades lúdicas se quiser<strong>em</strong>. Não há uma<br />

reflexão sobre o assunto, não há estímulo da coorde<strong>na</strong>ção. O lado ilumi<strong>na</strong>do (o instituído)<br />

não lança um luz para os <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> escola. Faz<strong>em</strong> parquinhos, colocam gramado sintético<br />

<strong>no</strong> jardim, compram alguns brin<strong>que</strong>dos, mas não se t<strong>em</strong> a consciência de como utilizar este<br />

material. As mães, por sua vez reclamam dos filhos saír<strong>em</strong> sujinhos e suados, acham <strong>que</strong><br />

não dev<strong>em</strong> ir para a escola para brincar. “Isso eles pod<strong>em</strong> fazer <strong>em</strong> casa”. Estas são <strong>que</strong>ixas<br />

<strong>que</strong> Emília escuta <strong>na</strong> porta da escola onde trabalha. Ela tenta mostrar para as mães a<br />

importância das atividades recreativas. Nas reuniões e <strong>no</strong> bate-papo de saída da escola ela<br />

comenta a importância da criança usar o brin<strong>que</strong>do, rolar <strong>no</strong> chão, mesmo correndo os<br />

riscos <strong>que</strong> as atividades possam gerar. Na passag<strong>em</strong> do <strong>na</strong>rrado de Emília <strong>que</strong> se segue se<br />

percebe a professora brincante <strong>que</strong>, de forma consciente, sabe o <strong>que</strong> faz, sabe o <strong>que</strong> <strong>que</strong>r,<br />

sabe <strong>em</strong> <strong>que</strong> deve a educação contribuir para a formação de sujeitos tão pe<strong>que</strong><strong>no</strong>s como os<br />

dela.<br />

83 Não pretendo neste trabalho entrar nesta seara, mas deixo-a como porão de pesquisa para <strong>que</strong> possa refletir<br />

sobre esta <strong>que</strong>stão numa próxima oportunidade.<br />

184


“O suor escorre mesmo. T<strong>em</strong> dias <strong>que</strong> eles vão pretinhos, e o uniforme é branco,<br />

branquinho! As mães às vezes falam assim: Tia, o fula<strong>no</strong> <strong>está</strong> sujo. Eu digo: mãe, ele t<strong>em</strong><br />

<strong>que</strong> brincar, eles são crianças. Antes as mães implicavam muito com tantos <strong>jogo</strong>s, mas<br />

você vai as conhecendo, vai dando carinho, vai falando o <strong>que</strong> <strong>está</strong> fazendo, a importância<br />

das coisas, então elas vão aceitando. As sextas feiras é dia de trazer brin<strong>que</strong>dos. Elas antes<br />

não gostavam por<strong>que</strong> ia escangalhar. Então eu comecei a falar com elas <strong>que</strong> brin<strong>que</strong>do<br />

não é para a vida toda, não é para ficar <strong>na</strong> estante. Eu falo muito para elas o <strong>que</strong> eu<br />

aprendo aqui <strong>na</strong> Faculdade.”<br />

Emília é uma boneca <strong>que</strong> <strong>está</strong> s<strong>em</strong>pre com a chave <strong>na</strong> mão para abrir, a qual<strong>que</strong>r<br />

momento, o mundo mágico do <strong>jogo</strong> e da brincadeira. Para ela esta é a chave <strong>que</strong> permite a<br />

entrada <strong>no</strong> mundo do sonho, da fantasia, mas <strong>que</strong> hoje ainda é pouco valorizado pelos<br />

sujeitos da escola. O jardim de sua infância é também o jardim <strong>que</strong> ela deseja para seus<br />

alu<strong>no</strong>s, envolto <strong>em</strong> traqui<strong>na</strong>sses <strong>que</strong> permitam a criatividade, a inventividade e diferentes<br />

fruições. Ela reclama <strong>que</strong> este mundo esteja literalmente trancado. Que os brin<strong>que</strong>dos sejam<br />

guardados <strong>em</strong> estantes tão altas, <strong>que</strong> os professores pouco se utiliz<strong>em</strong> do parquinho e do<br />

pátio. Para ela, falta aos colegas de trabalho se permitir<strong>em</strong> ser um pouco crianças para <strong>que</strong> ,<br />

brincando com elas, possam conhecê-las melhor, fortalecendo as relações entre professores<br />

e alu<strong>no</strong>s. Se aproximando do mundo do <strong>jogo</strong>, eles poder assumir uma postura mais<br />

educativa <strong>no</strong> sentido bio-psico-sócio-cutural. Sentido de complexidade, do <strong>que</strong> se tece<br />

junto, cerzido por cores, traços e formas evocadas <strong>no</strong> território fasci<strong>na</strong>nte do <strong>jogo</strong>.<br />

“ (...) eu vejo os <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> minha escola com um quarto cheio de brin<strong>que</strong>dos ,mas<br />

trancados. È a<strong>que</strong>la coisa toda, mas lá <strong>em</strong> cima da estante, é como se tivesse uma grade<br />

<strong>que</strong> não deixasse tocar. Fica tudo longe, longe de <strong>que</strong>m é a essencial alma para aquilo<br />

estar ali, para aquilo fazer acontecer, a criança”.<br />

“Eu acho <strong>que</strong> os professores dev<strong>em</strong> realmente se preocupar mais com essa parte lúdica<br />

<strong>na</strong>s escolas. Falta muita coisa ainda relacio<strong>na</strong>da a isso. E muitas, muitas vezes mesmo, a<br />

gente faz isso com as <strong>no</strong>ssas crianças, faz<strong>em</strong>os com <strong>que</strong> elas amadurecer<strong>em</strong> rápido<br />

d<strong>em</strong>ais. A minha vida foi assim, por outras circunstâncias, mas foi assim, já a escola<br />

também faz isso, eu acho <strong>que</strong> já chega quando a própria vida te coloca esta perda, te<br />

rouba o brincar <strong>na</strong> infância, não pode a escola fazer isso também, privar as crianças de<br />

brincar<strong>em</strong> . Tiramos a infância delas quando só pensamos <strong>em</strong> conteúdos”.<br />

Encontramos neste fragmento do relato de Emília o simbolismo do cofre <strong>que</strong><br />

baseia-se <strong>em</strong> dois el<strong>em</strong>entos: o tesouro e a revelação. Nele se deposita um tesouro material<br />

ou espiritual e sua abertura equivale a uma revelação. Sua abertura é o anúncio de uma<br />

185


<strong>no</strong>va era, de um <strong>no</strong>vo advento. “O cofre não pode ser aberto senão <strong>na</strong> hora<br />

providencialmente estabelecida e só pelo detentor legítimo da chave”. (Chevalier e<br />

Gueerbrant ,2005, p.262)<br />

Emília gostaria de ser a detentora da chave do mundo de brin<strong>que</strong>dos de sua escola.<br />

Este ‘lugar outro’ 84 do <strong>jogo</strong>, território sagrado para <strong>que</strong>m joga, precisa, a seu ver, ser<br />

desvelado abrindo para a educação <strong>no</strong>vos fazeres pedagógicos <strong>que</strong> consider<strong>em</strong> o sujeito<br />

como um ser complexo. Um ser <strong>que</strong> brinca, <strong>que</strong> estuda, <strong>que</strong> ri, <strong>que</strong> chora, <strong>que</strong> sonha e <strong>que</strong><br />

vai se constituindo sobr<strong>em</strong>aneira <strong>no</strong> espaço t<strong>em</strong>po da escola. Para ela “ a vida deveria ser<br />

uma eter<strong>na</strong> brincadeira”. O brin<strong>que</strong>do e o <strong>jogo</strong> têm poderes transformadores, “eles<br />

ensi<strong>na</strong>m alguma coisa”. Para além de alavanca metodológica, as vivências lúdicas<br />

despertam para outros ‘conteúdos’ <strong>que</strong> precisamos carregar <strong>na</strong> bagag<strong>em</strong> da estrada da vida.<br />

Com as palavras de Emília encerro aqui esta <strong>na</strong>rrativa mostrando <strong>que</strong> o brincar não<br />

t<strong>em</strong> t<strong>em</strong>po, lugar ou hora para acontecer, podendo ser dentro da escola, fora dela ou<br />

simplesmente <strong>na</strong> imagi<strong>na</strong>ção. Viver o <strong>jogo</strong> é senti-lo. É uma experiência única <strong>que</strong> só<br />

depende do próprio jogador.<br />

“Não são só os <strong>jogo</strong>s com conteúdo <strong>que</strong> ensi<strong>na</strong>m alguma coisa, todo <strong>jogo</strong> deixa alguma<br />

experiência <strong>que</strong> agente carrega pra a vida, por isso defendo a oportunidade da criança<br />

brincar tanto fora quanto dentro da escola.”<br />

84 Expressão usada por Johan Huizinga ao se referir ao mundo do <strong>jogo</strong>, o mundo do simulacro e do faz-deconta<br />

<strong>que</strong> escapa do pla<strong>no</strong> racio<strong>na</strong>l e corre <strong>em</strong> paralelo com a realidade.<br />

186


As aventuras do Capitão Gancho<br />

187


Praia da Azeda- Búzios- RJ<br />

As aventuras do Capitão Gancho<br />

_____________________________________________________________<br />

____________<br />

Historicamente <strong>no</strong> Brasil, os Cursos de Pedagogia s<strong>em</strong>pre pertenceram ao universo<br />

f<strong>em</strong>ini<strong>no</strong> e poucos são os homens <strong>que</strong> atualmente trabalham <strong>na</strong> docência da educação<br />

infantil e séries iniciais. Na FFP / UERJ até o a<strong>no</strong> de 2002 a presença f<strong>em</strong>ini<strong>na</strong> era quase<br />

<strong>que</strong> exclusiva neste curso, quadro <strong>que</strong> começou a mudar quando o vestibular deixou de ser<br />

isolado e se abando<strong>no</strong>u a exigência de comprovação de exercício do magistério 85 . O perfil<br />

do alu<strong>no</strong> foi modificado e a presença masculi<strong>na</strong>, <strong>em</strong>bora ainda muito acanhadamente,<br />

passou a fazer parte do Curso. Capitão Gancho, alu<strong>no</strong> do curso e participante desta<br />

85 O Terceiro t<strong>em</strong>po deste trabalho aponta mais claramente esta mudança<br />

188


pesquisa, foi um dos <strong>que</strong> passou a pertencer a este universo mais ‘cor de rosa’ e <strong>em</strong><br />

diferentes momentos de <strong>no</strong>ssa entrevista ele se referiu a isto : “No início eu não era o único<br />

hom<strong>em</strong> da turma, mas depois acabei sendo por<strong>que</strong> saiu todo mundo para outros horários,<br />

uns foram para outros cursos, outras faculdades, outros largaram. Aí ficou só eu de<br />

hom<strong>em</strong>. Eu pensei: Caramba, o <strong>que</strong> eu vou fazer? Eu estou muito distante do pessoal<br />

aqui”. Este sentimento de ‘ser diferente’ foi acentuado quando, após o sexto período, ele<br />

precisou trocar de tur<strong>no</strong>. Capitão Gancho se sentiu desprotegido s<strong>em</strong> os parceiros de<br />

aventuras acadêmicas com <strong>que</strong>m estava acostumado a lidar. “ Quando eu entrei para a<br />

FFP, <strong>em</strong> sala de aula, eu não me sentia tão perdido não. Só quando eu mudei de tur<strong>no</strong> é<br />

<strong>que</strong> percebi <strong>que</strong> as pessoas são um pouco preconceituosas”. Em sua fala ele d<strong>em</strong>onstrou<br />

certa inquietude com relação a esta <strong>que</strong>stão de preconceito apontando <strong>que</strong> numa faculdade<br />

<strong>que</strong> forma professores isto não deveria existir. “Aqui ser<strong>em</strong>os professores, vamos entrar <strong>em</strong><br />

sala de aula para trabalhar principalmente com crianças. T<strong>em</strong>os <strong>que</strong> ser agradáveis,<br />

gentis e não pod<strong>em</strong>os afastar as pessoas da <strong>no</strong>ssa volta. Professor e preconceito não<br />

combi<strong>na</strong>m.”.<br />

Capitão Gancho foi meu alu<strong>no</strong> quando cursava o quinto período do Curso de<br />

Pedagogia. Na<strong>que</strong>la ocasião ele contava com mais dois rapazes <strong>que</strong>, <strong>em</strong>bora tenham<br />

tomada outros rumos, não perderam a amizade. Sua participação <strong>na</strong>s aulas s<strong>em</strong>pre foi<br />

acanhada, o <strong>que</strong> revelava sua perso<strong>na</strong>lidade tímida. Mesmo tendo o apoio dos rapazes <strong>que</strong><br />

faziam a<strong>que</strong>le alvoroço ao brincar e jogar, Capitão Gancho não se entregava por completo<br />

ao mundo do lúdico. Ele era contido, receoso, envergonhado. Sua fala, neste sentido, é<br />

reveladora.<br />

“ Tinha coisas <strong>que</strong> eu nunca tinha brincado, não conhecia . Aí me perguntava se seria<br />

legal. Será <strong>que</strong> eu vou me entregar a isto? Será <strong>que</strong> eu vou me prejudicar? Só <strong>que</strong> eu<br />

nunca fui de ficar com vergonha, mas as vezes pintava. Não é <strong>que</strong> eu seja inibido, é <strong>que</strong> as<br />

vezes pintavam situações <strong>que</strong> eu ficava constrangido dos outros olhar<strong>em</strong>. Tinha medo de<br />

achar<strong>em</strong> <strong>que</strong> eu não sabia me mover para tal brincadeira.”<br />

O fato de não conhecer um vasto repertório de brincadeiras infantis se deve a<br />

diferentes fatores. A entrada tardia <strong>na</strong> escola, a precoce atuação <strong>no</strong> mercado de trabalho,<br />

seu jeito próprio de ser e os rumos <strong>que</strong> sua vida tomou desde muito criança, foram o<br />

afastando do universo dos <strong>jogo</strong>s e brincadeiras.<br />

189


Na idade de 4, 5 a<strong>no</strong>s, quando ele pensa <strong>que</strong> deveria ter sido alfabetizado, ele não<br />

freqüentava a escola. Só foi matriculado pela primeira vez por volta dos 9 a<strong>no</strong>s de idade,<br />

então as brincadeiras de recreio, as oportunidades <strong>que</strong> poderiam ter surgido mais cedo <strong>no</strong><br />

contexto escolar não lhe foram dadas . Capitão Gancho não teve Jardim da Infância.<br />

Em diferentes falas e respostas dadas ao <strong>que</strong>stionário desta pesquisa se percebe <strong>que</strong><br />

a grande maioria dos entrevistados associa o espaço escolar as oportunidades de brincar <strong>na</strong><br />

infância, muito <strong>em</strong>bora também reclam<strong>em</strong> <strong>que</strong> <strong>na</strong>s escolas de antigamente, assim com <strong>na</strong>s<br />

escolas dos t<strong>em</strong>pos moder<strong>no</strong>s, este espaço seja restrito 86 . Marcelli<strong>no</strong> (1989) aponta para o<br />

furto do lúdico <strong>na</strong> infância fundamentando-se numa alter<strong>na</strong>tiva educacio<strong>na</strong>l <strong>que</strong> leve <strong>em</strong><br />

conta a relação de interdependência entre o lazer, a escola e o processo educativo,<br />

concebendo a necessidade de pensar numa ‘pedagogia da animação’ 87 : “ fundada <strong>no</strong> lúdico;<br />

do <strong>jogo</strong>, da festa, do brin<strong>que</strong>do – do lazer, inclusive como crítica ao antilazer <strong>que</strong> se<br />

manifesta hoje, <strong>na</strong> <strong>no</strong>ssa sociedade, domi<strong>na</strong>da pelos critérios da utilidade e produtividade”<br />

(MARCELLINO, 1989, p.19). Capitão Gancho foi impelido precoc<strong>em</strong>ente a ser um<br />

cidadão produtivo, seu lazer era, então, limitado.<br />

Filho caçula de uma família de pouca instrução, Cap. Gancho teve podada as<br />

grandes aventuras lúdicas da infância. ”Meu pai era militar, ele não tinha muita<br />

flexibilidade, vamos dizer <strong>que</strong> ele era ig<strong>no</strong>rante nessa parte de permitir <strong>que</strong> se brincasse”.<br />

Seu brincar era restrito ao entor<strong>no</strong> da casa e os adultos da família pouco se importavam<br />

com as travessuras dos filhos.<br />

“Eu quase não saía para brincar com outras crianças, conhecia poucas brincadeiras.<br />

Nossos momentos de brincar, meu e de meus irmãos, nós criávamos. Nossos brin<strong>que</strong>dos<br />

eram inventados, criados, nunca eram comprados. Ninguém se preocupava <strong>em</strong> dar<br />

brin<strong>que</strong>dos para nós. Por ex<strong>em</strong>plo, carrinhos. Eu pegava as latas de óleo, cortava e fazias<br />

as cabines. Pegava madeira e fazia as rodinhas. Era eu e meu irmão brincando disso”.<br />

Capitão Gancho e sua turma, <strong>no</strong> caso seus irmãos, precisavam sa<strong>que</strong>ar os lugares do<br />

sítio onde moravam <strong>em</strong> busca de material para fazer brin<strong>que</strong>dos. Esses momentos foram<br />

l<strong>em</strong>brados por ele com um sorriso escondido <strong>no</strong>s lábios.<br />

86<br />

Neste sentido, algumas respostas dadas ao <strong>que</strong>stionário <strong>que</strong> se encontram <strong>na</strong> parte intitulada Súmula, neste<br />

trabalho, pod<strong>em</strong> ser mais elucidativas.<br />

87<br />

Título da obra Pedagogia de animação de Nelson C. Marcelli<strong>no</strong>, 1989<br />

190


O pesquisador, de olhos b<strong>em</strong> abertos e ouvidos b<strong>em</strong> atentos, deve considerar o não<br />

dito, o silêncio e as manifestações corporais como expressões reveladoras de uma história<br />

de vida. Imbuída de apurar estas percepções, percebi <strong>que</strong> Capitão Gancho d<strong>em</strong>onstrava<br />

sorrindo <strong>que</strong> essas peraltices da infância eram divertidas. Mesmo correndo o risco de uma<br />

bronca, a delícia da aventura o atraía:<br />

“Meu pai tinha um armazém grandão. Ele era militar, mas trabalhava fora fazendo obras,<br />

essas coisas de construção. Era lá <strong>que</strong> ele guardava esse material. S<strong>em</strong>pre tinha alguma<br />

coisa <strong>que</strong> a gente aproveitava. Pegávamos também as coisas <strong>que</strong> estavam largadas por lá.<br />

Ele vinha do trabalho, descansava um pouco e depois saía para trabalhar <strong>no</strong>vamente.<br />

Nessa saída nós aproveitávamos para fazer a limpa <strong>no</strong> material dele. Só <strong>que</strong> ele sabia <strong>que</strong><br />

a gente pegava, mas quando era coisa pouca ele não ligava muito A bronca era tranqüila<br />

nesse caso. Ma só <strong>que</strong> quando a gente pegava alguma coisa valiosa e estragava ele dava<br />

uma tr<strong>em</strong>enda correção <strong>na</strong> gente”.<br />

A primeira fase de sua infância foi passada num sítio <strong>em</strong> Visconde de Itaboraí,<br />

município do <strong>no</strong>rte fluminense do Estado de Rio de Janeiro. Apesar do ambiente ser<br />

propício para a criatividade e a inventividade, Cap. Gancho preferia brincar <strong>no</strong> lago do sítio<br />

confeccio<strong>na</strong>ndo alguns artefatos para isso.<br />

“Lá onde nós morávamos tinha uma ilha <strong>no</strong> meio do terre<strong>no</strong>. Era uma ilha pe<strong>que</strong>nininha,<br />

mas passava água nela. Eu gostava muito de brincar de barco lá. Eu ficava atravessando<br />

os barcos <strong>na</strong> ilha. Não era muito fundo não, era raso, mas como eu era pe<strong>que</strong><strong>no</strong>, ficava<br />

difícil de passar, mas eu adorava atravessar por dentro d’água. Eu brincava assim, fazia<br />

barquinhos das madeiras <strong>que</strong> achasse por lá mesmo. Pegava também isopor para fazer<br />

barcos. Isso para mim já era uma aventura e tanto, passar barquinhos de lá para cá. Eu<br />

levava muito t<strong>em</strong>po sozinho brincando disso.”<br />

Por ser mais criativo e inventivo <strong>na</strong> confecção de brin<strong>que</strong>dos e pouco imagi<strong>na</strong>tivo<br />

para viver situações imaginárias, distanciava-se do universo onírico oferecido pelos irmãos.<br />

Cap. Gancho não se sentia atraído por brincadeiras de faz-de-conta. Seus irmãos b<strong>em</strong> <strong>que</strong><br />

tentavam atraí-lo para estas brincadeiras, mas ele resistia. Quando muito aceitava as<br />

brincadeiras <strong>que</strong> se aproximass<strong>em</strong> da vida real, mas dependendo dos papéis <strong>que</strong> tivesse <strong>que</strong><br />

des<strong>em</strong>penhar ele as abando<strong>na</strong>va, ou , <strong>na</strong> maioria das vezes as destruía.<br />

O brincar prepara para as realidades futuras, tor<strong>na</strong>-se uma ponte para a realidade. Ӄ<br />

<strong>no</strong> brincar, e somente <strong>no</strong> brincar, <strong>que</strong> o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e<br />

191


utilizar sua perso<strong>na</strong>lidade integral: e é somente sendo criativo <strong>que</strong> o indivíduo descobre o<br />

eu ( self ).” (WINNICOTT,1975, p.80)<br />

Se Capitão Gancho optasse por brincar com os irmãos acabava arrumando confusão.<br />

Para ele a representação das situações da vida cotidia<strong>na</strong> <strong>no</strong> ato de brincar deveria<br />

corresponder ao real, desta forma evitava brincadeiras <strong>que</strong> o levass<strong>em</strong> a situações de<br />

submissão ou sacrifícios corporais, pelo me<strong>no</strong>s <strong>no</strong> sentido representativo- “Eu era muito<br />

preguiçoso e também eu não <strong>que</strong>ria ser a<strong>que</strong>le cara da brincadeira <strong>que</strong> sofria”. Como<br />

infere Winnicott (1971) “é <strong>na</strong>s brincadeiras <strong>que</strong> a criança liga as idéias com a função<br />

corporal” ( p.164). Como n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre era compreendido, Capitão Gancho preferia ficar<br />

ilhado com seus carrinhos e barcos.<br />

“Quando eu ia brincar com meus irmãos tinha <strong>que</strong> ser a<strong>que</strong>la coisa real mesmo, vivendo<br />

coisas reais <strong>que</strong> a gente via, ouvia. Só <strong>que</strong> eu s<strong>em</strong>pre estragava tudo, eu estragava as<br />

brincadeiras todinhas. Eu não gostava disso de imagi<strong>na</strong>r, de sonhar com as coisas. Eu era<br />

muito pegado a realidade, então <strong>na</strong><strong>que</strong>la fantasia deles eles voavam e eu destruía tudo <strong>no</strong><br />

meio da brincadeira. Se a gente brincasse de carrinho eles me colocavam para ser o<br />

motorista, o ajudante. Mas eu não <strong>que</strong>ria ser o ajudante. Eu era muito preguiçoso e<br />

também eu não <strong>que</strong>ria ser a<strong>que</strong>le cara da brincadeira <strong>que</strong> sofria. O ajudante sofre muito.<br />

Eu não <strong>que</strong>ria ser igual a ele, a<strong>que</strong>le dava muito duro. Eles <strong>que</strong>riam me convencer de ser<br />

aquilo, me ensi<strong>na</strong>vam o <strong>que</strong> fazer. Mas eu nunca <strong>que</strong>ria ser n<strong>em</strong> fazer aquilo <strong>que</strong> eles<br />

falavam. Eu <strong>que</strong>ria ser coisa melhor para não ralar tanto. Aí quando eu estava <strong>no</strong> meio da<br />

brincadeira eu chegava e falava <strong>que</strong> não <strong>que</strong>ria mais brincar. Eu saía e arrumava outra<br />

coisa para fazer sozinho ou ia para a minha ilha brincar”.<br />

Como um t<strong>em</strong>plo, um santuário, a ilha se situa fora do fluxo da existência.<br />

Representa um outro mundo. Simboliza o cosmo por<strong>que</strong> apresenta um valor sacral. “A ilha<br />

é simbolicamente um lugar de eleição, de silêncio e de paz, <strong>em</strong> meio à ig<strong>no</strong>rância e à<br />

agitação do mundo profa<strong>no</strong>”. (Chevalier e Gueerbrant ,2005,p.501). A ilha tor<strong>na</strong>va-se o<br />

lugar do refúgio de Capitão Gancho.<br />

O espírito de marujo do Capitão Gancho da literatura infanto-juvenil lhe chegou<br />

muito cedo. As aventuras <strong>no</strong> lago fundo, pelo me<strong>no</strong>s para o seu tamanho, já d<strong>em</strong>onstravam<br />

isso. Brincar <strong>na</strong> água dava-lhe prazer. Se fosse brincar com os irmão se revelava uma<br />

criança briguenta, birrenta e destruidora , da<strong>que</strong>las terríveis <strong>que</strong> n<strong>em</strong> os pais sab<strong>em</strong> o <strong>que</strong><br />

fazer. Sua opção era viver fugindo, se refugiando <strong>em</strong> algum canto, n<strong>em</strong> <strong>que</strong> fosse a ‘barra<br />

da sai da mãe’. Lugar quase s<strong>em</strong>pre seguro para as crianças arteiras, uma espécie de ‘ilha<br />

afetiva’. Depois de se aventurar <strong>na</strong> correria, o porto seguro estava lá <strong>na</strong> companhia mater<strong>na</strong>,<br />

192


por isso era fácil estar s<strong>em</strong>pre arriscando. Transitava entre o mundo profa<strong>no</strong> de<br />

desentendimentos com os irmãos e o lugar sagrado do amparo mater<strong>na</strong>l.<br />

“S<strong>em</strong>pre <strong>que</strong> pintava essa situação de fazer o <strong>que</strong> eu não <strong>que</strong>ria, eu parava de brincar com<br />

eles. Começava o maior conflito, dava briga. Tinha muita briga <strong>na</strong>s <strong>no</strong>ssas brincadeiras,<br />

mas como eu era s<strong>em</strong>pre o me<strong>no</strong>r, levava prejuízo. Recebia tapas, socos, briga física<br />

mesmo de me deixar machucado. Mas era até engraçado, por<strong>que</strong> eu tinha o apelido de<br />

Pápa-léguas. Eles me chamavam disso quando eu era pe<strong>que</strong><strong>no</strong> por<strong>que</strong> eu corria muito. Na<br />

hora da briga eu corria para onde estivesse o meu pai, a minha mãe. Chegava e ficava<br />

perto deles como se estivesse pedindo proteção, mas eu não falava <strong>na</strong>da, não contava o<br />

<strong>que</strong> tinha acontecido. Ficava lá perto da minha mãe e quando acabava a situação ,<br />

quando eles já tinham es<strong>que</strong>cido, eu voltava. Eles me aceitavam <strong>na</strong> brincadeira de <strong>no</strong>vo.<br />

Eu prometia <strong>que</strong> não ia mais estragar tudo, mas quando estava quase <strong>na</strong> metade da<br />

brincadeira eu começava tudo outra vez, saía destruindo tudo, me negava a fazer o <strong>que</strong><br />

eles <strong>que</strong>riam”.<br />

Se o mundo profa<strong>no</strong> não lhe agradasse ele arrumava um jeito de acabar com tudo e<br />

se refugiar numa ilha, fosse a ilha do sítio, a ilha afetiva da mãe ou a própria solidão. Viver<br />

flutuando entre estes dois mundos, o profa<strong>no</strong> de brigas e o sagrado da solidão, dava-lhe<br />

prazer. Sair correndo <strong>em</strong> disparada representava para o Capitão Gancho uma sensação de<br />

risco. Uma fruição como ilinx 88 . Um pânico momentâneo, uma busca pela vertig<strong>em</strong> <strong>que</strong><br />

leva a um atordoamento tanto físico como mental. É uma procura por uma perturbação com<br />

um fim <strong>em</strong> si mesma. O fato de precisar correr desenfreadamente <strong>em</strong> busca de proteção<br />

causava uma espécie de transe <strong>que</strong> alimentava e sustentava o desejo de continuar<br />

brincando. “Era s<strong>em</strong>pre assim, indo brincar com eles e correndo deles.” O risco é inerente<br />

à condição huma<strong>na</strong> e ele explode <strong>no</strong> fascínio pela vertig<strong>em</strong> “...é uma forma lúdica de<br />

relação <strong>em</strong> <strong>que</strong> o ator mergulha imaginária ou realmente <strong>no</strong> perigo, provocando um<br />

desequilíbrio” ( COSTA, 2000,p.21)<br />

Capitão Gancho foi forçado a trabalhar muito cedo. Seu pai, com poucos recursos<br />

fi<strong>na</strong>nceiros para sustentar uma família de oito pessoas, precisava da mão de obra dos dois<br />

meni<strong>no</strong>s <strong>na</strong> construção civil, ramo <strong>em</strong> <strong>que</strong> ele trabalhava acumulando a função de militar.<br />

Em conseqüência disto aos oito a<strong>no</strong>s de idade ele trabalhava, mas não estudava.<br />

88 Os conceitos de <strong>jogo</strong>s de Caillois ( 1990) foram explicitados Segundo t<strong>em</strong>po deste trabalho.<br />

193


“Nessa fase aí, chegando próximo dos meus 9 a<strong>no</strong>s eu via todo mundo estudando e eu não,<br />

<strong>na</strong>da de ir para a escola também. Eu não sei se foi por<strong>que</strong> os meus pais não eram muito de<br />

estudar. O <strong>que</strong> prejudicou meu pai <strong>na</strong> vida militar foi isso, ele não estudou, não evoluiu.<br />

Meus primos, meus sobrinhos começaram a estudar e eu não. Eu <strong>que</strong>ria muito, só falava<br />

<strong>em</strong> ir para a escola, mas meu pai falava: <strong>que</strong> <strong>na</strong>da, vocês têm <strong>que</strong> trabalhar, se não vocês<br />

não vão ter uma profissão, não vão ter <strong>na</strong>da, vão ficar muito t<strong>em</strong>po estudando e não vão<br />

poder trabalhar. Vocês têm <strong>que</strong> trabalhar. Aí a gente ficava <strong>na</strong><strong>que</strong>la de ter <strong>que</strong> pensar <strong>que</strong><br />

isso era o certo”.<br />

Depois dos <strong>no</strong>ve a<strong>no</strong>s de idade, quando fi<strong>na</strong>lmente Cap. Gancho entrou para a<br />

escola, já era pedreiro. Seus carrinhos de lata de leite foram substituídos por carrinhos de<br />

mão cheios de areia e pedras para obras. Suas mãozinhas se dividiam entre os lápis para as<br />

primeiras escritas e a pá, pesada ferramenta de construção. Rub<strong>em</strong> Alves ao prefaciar a<br />

obra de Marcelli<strong>no</strong> (1989), referiu-se a relação trabalho X educação <strong>na</strong> infância como uma<br />

relação <strong>que</strong> alie<strong>na</strong> , <strong>que</strong> faz o corpo, competente para o trabalho, es<strong>que</strong>cer-se de tudo.<br />

“Es<strong>que</strong>cido de si mesmo, seu corpo se mistura aos tijolos, cimento e paredes. Operário<br />

competente, ferramenta boa, como a pá, o prumo, a esquadria. Competente e útil.<br />

Utensílio. Precisado. Procurado. Empregado. Contratado”. O pai de Capitão Gancho não<br />

percebia <strong>que</strong> o filho, pobre operário, não sabia ler o <strong>que</strong> estava escrito <strong>no</strong>s tijolos. Trago<br />

<strong>no</strong>vamente a fala do entrevistado revelando o <strong>que</strong> pai dizia aos filhos pe<strong>que</strong><strong>no</strong>s: “vocês<br />

têm <strong>que</strong> trabalhar, se não vocês não vão ter uma profissão, não vão ter <strong>na</strong>da, vão ficar<br />

muito t<strong>em</strong>po estudando e não vão poder trabalhar”.<br />

Sua vida começava difícil, e as escolhas tinham <strong>que</strong> ser feitas, mesmo ainda sendo<br />

muito <strong>no</strong>vinho para isso. “Era difícil conciliar estudo e trabalho, era muito confuso,<br />

entendeu? Eu faltava muito as aulas, não conseguia cumprir os horários, depois com o<br />

t<strong>em</strong>po eu parei de estudar, não dava para continuar assim”. Capitão Gancho engrossava<br />

as estatísticas do fi<strong>na</strong>l da década de 70 de evasão escolar. Entre o trabalho e o estudo, o<br />

primeiro venceu. Com isso ele abando<strong>no</strong>u também os brin<strong>que</strong>dos, brincadeiras e <strong>jogo</strong>s.<br />

Tinha <strong>que</strong> levar vida de adulto trabalhador. Do trabalho para casa e desta para o trabalho<br />

sete vezes por s<strong>em</strong>a<strong>na</strong>. Brincar, só escondido, mas <strong>na</strong> maioria das vezes o corpo pedia<br />

descanso. O homo faber derrotava o homo ludens de um meni<strong>no</strong> de 9 a<strong>no</strong>s de idade. “Eu<br />

não tive muito t<strong>em</strong>po de brincar. Quando conseguia sair um pouco para brincar, não<br />

podia, tinha <strong>que</strong> trabalhar. Era escondido mesmo <strong>que</strong> eu conseguia brincar. Tinha <strong>que</strong><br />

trabalhar, então estava s<strong>em</strong>pre cansado”.<br />

194


Dos 8 aos 14 a<strong>no</strong>s de idade Cap. Gancho trabalhava muito e estudava pouco. “Até<br />

os 14, 15 a<strong>no</strong>s a vida era só escola, quando dava, e trabalho, mas esse era muito”. Seu<br />

lazer foi aos poucos se reduzindo a um futebol com os colegas, mas tinha <strong>que</strong> ser<br />

escondido.<br />

“Dos 8 aos 14 a<strong>no</strong>s eu jogava bola escondido. Eu fugia para jogar. A gente saía e s<strong>em</strong>pre<br />

tinha alguém <strong>que</strong> marcava um campinho num lugar escondido. Assim dava para mim. A<br />

gente não só jogava, mas brincava também. Quando dava o horário <strong>que</strong> eu sabia <strong>que</strong> meu<br />

pai estava chegando e minha mãe já começava a sentir falta da gente, nós voltávamos<br />

para casa. Era tão escondido <strong>que</strong> n<strong>em</strong> a bola a gente podia levar para casa, por<strong>que</strong> meus<br />

pais falavam: futebol, não! È coisa de malandro, não pode. Não pode jogar bola se não vai<br />

virar vagabundo. Estudar mesmo, <strong>que</strong> era bom, eu não estudava direito”.<br />

As relações familiares entraram <strong>em</strong> crise. Desentendimentos dos pais, dificuldades<br />

fi<strong>na</strong>nceiras e a redução de trabalhos do pai <strong>em</strong> obras fazia com <strong>que</strong> este ficasse mais <strong>em</strong><br />

casa,e, assim, controlava mais a vida dos filhos exigindo algumas coisas também. Com<br />

tamanha pressão, Capitão Gancho decidiu fugir. Estava com 14 a<strong>no</strong>s quando foi morar com<br />

uma irmã casada, e <strong>em</strong> conseqüência disto: “Eu parei de estudar e saí do seio familiar”.<br />

Mesmo indo morar com parentes, Cap. Gancho não se sentia amparado pela família, pois<br />

sua permanência <strong>na</strong> casa da irmã se restringia a um ‘pouso’. Lugar para comer e dormir.<br />

“Chegava <strong>na</strong> casa da minha irmã raramente. Eu era um turista <strong>na</strong> casa dela”. A solidão<br />

era sua melhor companhia. Ele sente não ter tido a oportunidade de dialogar com os pais,<br />

com os irmãos. Ele se fechava <strong>em</strong> si mesmo. Ilhava-se cada vez mais num universo de<br />

dúvidas e incertezas.<br />

“Não sei se foi melhor ou pior. Mas com a pressão <strong>que</strong> meu pai fazia, a gente não<br />

estudava , mas trabalhava, não brincava. Criança t<strong>em</strong> <strong>que</strong> ter o espaço dela também, mas<br />

eu não tive. É preciso ter alguém para chegar e falar: fula<strong>no</strong>, o <strong>que</strong> é <strong>que</strong> você vai fazer? O<br />

<strong>que</strong> você <strong>que</strong>r <strong>na</strong> vida? . Agora lá <strong>em</strong> casa não era assim. Eu estava por conta de mim<br />

mesmo. Aí tive <strong>que</strong> cair fora de casa”<br />

esta lacu<strong>na</strong>:<br />

A falta de diálogo <strong>em</strong> casa foi muito sentida por ele e <strong>em</strong> suas falas ele d<strong>em</strong>onstra<br />

195


“O diálogo, o auxílio do outro é uma grande ferramenta para a vida, mas eu não tive, não<br />

tive apoio n<strong>em</strong> participação da família <strong>na</strong> minha vida. Para mim talvez o diálogo tivesse<br />

servido (...)O diálogo faz alimentar bastante coisa, mas eu não era desse mundo da<br />

conversa, não tive essa vivência <strong>em</strong> família de papo, então eu não tinha como fazer uso<br />

disso, de dialogar com alguém”<br />

A comunicação entre as pessoas, segundo Benjamim (1988) promove uma troca de<br />

experiências. O ato de <strong>na</strong>rrar e contar histórias é uma forma artesa<strong>na</strong>l de comunicação, mas<br />

“ com efeito, o hom<strong>em</strong> conseguiu abreviar até a <strong>na</strong>rrativa”(p.206). Tanto o pai quanto a<br />

irmã de Capitão Gancho foram b<strong>em</strong> econômicos neste sentido e, pelo dito acima <strong>em</strong> sua<br />

fala, a comunicação <strong>em</strong> família fez falta. Esta lacu<strong>na</strong> ele tentou preencher mudando de<br />

vida e assim passou a se aventurar <strong>em</strong> mares nunca dantes <strong>na</strong>vegados. Vivia mais <strong>na</strong> rua do<br />

<strong>que</strong> <strong>em</strong> casa e desta forma os perigos lhe rondavam, mas <strong>na</strong> ocasião, com 15 a<strong>no</strong>s de idade,<br />

ele não os percebia. Segundo ele, qual<strong>que</strong>r coisa desviava seu caminho. Novos amigos<br />

chegaram. Alguns eram boas companhias, mas, a maioria, n<strong>em</strong> tanto. Estava s<strong>em</strong>pre se<br />

envolvendo <strong>em</strong> brigas de rua. Pertencia a grupos arruaceiros <strong>que</strong> ele considera “ganguinhas<br />

mesmo”. Hoje ele reconhece <strong>que</strong> se perdeu muito nesta fase: “Foi uma época muito ruim<br />

para mim”.<br />

Capitão Gancho foi, <strong>em</strong> suas palavras, um meni<strong>no</strong> de rua. “Eu ficava <strong>na</strong> rua<br />

andando à toa. Andava por a<strong>que</strong>las alamedas de Niterói 89 . A<strong>que</strong>le trecho ali era minha<br />

vida. O dia todo andava por ali <strong>na</strong><strong>que</strong>les morros todos. Foi nessa fase, meus 15, 16 a<strong>no</strong>s<br />

<strong>que</strong> eu fui garoto de rua”. Mesmo assim ele chegou a participar de uma escolinha de<br />

futebol num grande clube. Era goleiro, mas pouco trei<strong>na</strong>va e não tinha responsabilidade<br />

com os horários. Se alimentava mal, chegava atrasado e cansado <strong>no</strong> clube, isso, quando ia.<br />

Desta forma, providenciaram o seu desligamento da atividade.<br />

Vida difícil. S<strong>em</strong> trabalho, s<strong>em</strong> estudo, s<strong>em</strong> diálogo, s<strong>em</strong> futebol. Capitão Gancho<br />

r<strong>em</strong>ava <strong>em</strong> mar revolto. Estava à deriva 90 , até <strong>que</strong>, por intermédio da irmã, sua vida poderia<br />

mudar. Havia <strong>na</strong> ocasião um professor de educação física <strong>que</strong> coorde<strong>na</strong>va um projeto para<br />

tirar meni<strong>no</strong>s da rua. Foi assim, pesquisando a população dos bairros carentes de Niterói,<br />

89<br />

Niterói é um município do Norte Fluminense do Estado do Rio de Janeiro com bom desenvolvimento<br />

sócio-econômico e estrutural.<br />

90<br />

Segundo Matura<strong>na</strong>, o termo deriva r<strong>em</strong>ete à idéia de estar submetido a alguma circunstância <strong>em</strong><br />

congruência com o meio. Nenhum ser vivo fica literalmente à deriva, o meio e as circunstâncias é <strong>que</strong> vão<br />

mudando o t<strong>em</strong>po todo. ( 2001, p. )<br />

196


<strong>que</strong> este professor chegou à casa da irmã de Cap. Gancho. Ela comentou <strong>que</strong> seu irmão<br />

precisava de ajuda. Entregou-lhe uma foto do rapaz e falou por quais ruas ele<br />

‘perambulava’. Foi assim <strong>que</strong> ...<br />

“...apareceu um cara <strong>que</strong> tinha um projeto aqui <strong>em</strong> Niterói. Ele trabalhava com garotos<br />

carentes, só <strong>que</strong> ele selecio<strong>na</strong>va os garotos, só meni<strong>no</strong>s, a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> <strong>que</strong>riam estudar, se<br />

desenvolver. Ele conversava e perguntava se <strong>que</strong>riam participar do projeto. Ele tinha um<br />

grupo de psicólogos <strong>que</strong> trabalhavam com ele. Para eles me achar<strong>em</strong> <strong>na</strong><strong>que</strong>la s<strong>em</strong>a<strong>na</strong> foi<br />

um custo. Eu l<strong>em</strong>bro como se fosse hoje. Eu estava <strong>na</strong> beira da praia. Aí eles chegaram e<br />

perguntaram se podiam conversar comigo. Ele era professor de educação física, psicólogo,<br />

praticava jiu-jitsu. Ele era totalmente entregue à prática de esportes. Ele usava muito isso<br />

para resgatar essas crianças, esses meni<strong>no</strong>s. Eles chegaram para falar comigo. Eles<br />

tinham uma foto minha e tudo. Aí eu imaginei <strong>que</strong> eu tinha cometido algum erro por aí e<br />

tinha me prejudicado. Pensei <strong>que</strong> fosse do juizado de me<strong>no</strong>res, pensei logo isso: To<br />

ferrado!!! Não tinha como sair fora, fugir. Aí ele falou: não fica com medo não por<strong>que</strong><br />

isso aqui vai ser bom para você. Você não vai para lugar nenhum. Nós vamos ape<strong>na</strong>s<br />

conversar algumas coisas, se você gostar, você vai decidir. Aí ele chegou perto de mim. Ele<br />

tinha um jeito muito carismático. Ele começou a falar do projeto, me interessei. Ele falou:<br />

olha, eu sei <strong>que</strong> eu não estou aqui para forçar você a <strong>na</strong>da, eu não vou te forçar a fazer o<br />

<strong>que</strong> eu <strong>que</strong>ro, mas mesmo <strong>que</strong> você não esteja interessado, me escuta. De repente você<br />

encontra respostas para o <strong>que</strong> você procura <strong>na</strong> rua. Eu já estive com a sua irmã . Ela<br />

comentou <strong>que</strong> você não liga para ficar <strong>em</strong> casa. Você não conversa com ninguém, t<strong>em</strong> suas<br />

companhias <strong>na</strong> rua , se são boas ou ruins eu não estou interressado <strong>em</strong> saber. Também não<br />

me interessa saber o <strong>que</strong> você faz. Você vai continuar tendo a sua auto<strong>no</strong>mia, por<strong>que</strong> você<br />

vive à procura disso, desenvolver a tua vida ao teu modo, do seu jeito. Aí eu olhei e pensei:<br />

vou confiar nele”.<br />

Capitão gancho participou do projeto com entusiasmo. Sua vida tomava um outro<br />

rumo e ele ia se submetendo à outras circunstâncias. De segunda à sexta feira ele trabalha<br />

pela manhã limpando caixas d’água <strong>em</strong> escolas, estudava <strong>na</strong> parte da tarde e à <strong>no</strong>ite ia para<br />

o alojamento do projeto. Nos fi<strong>na</strong>is de s<strong>em</strong>a<strong>na</strong> ia para o sítio de propriedade do<br />

coorde<strong>na</strong>dor para praticar esportes, tomar banho de pisci<strong>na</strong> e comer churrasco. Com o<br />

t<strong>em</strong>po ele foi promovido á guarda mirim e passou a integrar o time de futebol do projeto,<br />

mas seu t<strong>em</strong>peramento brigão dificultava um pouco essas <strong>no</strong>vas relações <strong>que</strong> iam se<br />

estabelecendo.<br />

“No início foi b<strong>em</strong> estranho para mim. Sofri bastante, mas também por<strong>que</strong> eu era<br />

probl<strong>em</strong>ático, vamos dizer assim, não é? Existiam outros até piores <strong>que</strong> eu, <strong>em</strong> situação de<br />

risco mesmo, <strong>em</strong> situações piores <strong>que</strong> a minha. Nesse meio eu brigava muito. Apanhava<br />

muito, mas batia muito também. Quebrava muitas coisas, saia destruindo mesmo, ma era<br />

muito castigado também. Eles falavam <strong>que</strong> <strong>que</strong>m fosse pego <strong>no</strong> erro ia ter <strong>que</strong> pagar<br />

197


trabalhando, ou então não saía <strong>no</strong>s fi<strong>na</strong>is de s<strong>em</strong>a<strong>na</strong> para o sítio. Quando a gente é<br />

criança faz coisas s<strong>em</strong> <strong>no</strong>ção. Eu tinha vício de arrancar a parte de cima da sirene da<br />

escola para ela não tocar mais. Eu destruía aquilo. As vezes eu era o destruidor terrível.<br />

Deixava um negócio assim acabado. Eu destruía aquilo. Não era só a brincadeira, acho<br />

<strong>que</strong> era o prazer da transgressão. Até os professores <strong>que</strong> me conheciam falavam: esse aí é<br />

probl<strong>em</strong>ático, esse aí não t<strong>em</strong> jeito.”<br />

A espada é o símbolo da virtude e da bravura. Sua função é o poderio. Isto implica<br />

num duplo aspecto: “o destruidor ( <strong>em</strong>bora essa destruição possa aplicar-se contra a<br />

injustiça, a maleficência e a ig<strong>no</strong>rância e, por causa disso, tor<strong>na</strong>r-se positiva); e o<br />

construtor , pois estabelece e mantém a paz e a justiça”. (Chevalier e Gueerbrant<br />

,2005,p.392 ). Oscilando entre os símbolos da destruição e criação, a espada é também o<br />

símbolo de uma guerra santa, <strong>que</strong>, antes de mais <strong>na</strong>da, é uma guerra interior.Capitão<br />

Gancho estava cursando a 5ª série <strong>no</strong> colégio <strong>em</strong> <strong>que</strong> a coorde<strong>na</strong>ção do projeto o<br />

matriculou, mas, mesmo assim, sentia-se desconfortável, como uma inquietude ( guerra<br />

interior) <strong>que</strong> o fazia se lançar à <strong>no</strong>vas viagens. As peripécias do ‘mar da vida’ o atraiam.<br />

Foi assim <strong>que</strong>...<br />

“Aí eu pensei <strong>em</strong> estudar numa escola mais longe dali, assim eles não iam ver se eu estava<br />

indo mesmo para a aula. Pedi para estudar perto de casa. Não precisava pegar ônibus n<strong>em</strong><br />

<strong>na</strong>da. Eles aceitaram <strong>na</strong> mesma hora. Mas nessa de aceitar<strong>em</strong> é <strong>que</strong> me prejudicou. Não<br />

era para eles ter<strong>em</strong> aceitado, entende? Hoje é <strong>que</strong> a gente reconhece, por<strong>que</strong> o t<strong>em</strong>po vai<br />

passando e a gente vai compreendendo melhor as coisas. Nessa época eu não <strong>que</strong>ria<br />

estudar. Fazia qual<strong>que</strong>r outro tipo de negócio, me<strong>no</strong>s estudar. Foi quando eu saí da<strong>que</strong>la<br />

ritmo. Pensava eu <strong>que</strong> estava sendo muito esperto nessa parte, mas era justamente o<br />

contrário, não é? Foi assim <strong>que</strong> eu comecei a sair um pouco da área de estudos de <strong>no</strong>vo.<br />

Fui abando<strong>na</strong>ndo a coisa de estudar. Eu estava b<strong>em</strong> próximo dos colegas antigos <strong>que</strong> eu já<br />

tinha de lá. Eles me convidavam: vamos sair para isso, para aquilo, aí eu ia e não ia para<br />

a escola.”<br />

Para o b<strong>em</strong> ou para o mal, Capitão Gancho gostava de lutar. Ele mesmo colocava os<br />

obstáculos para depois ter <strong>que</strong> retirá-los com sacrifício, com lutas e<strong>no</strong>rmes. O t<strong>em</strong>po<br />

passava e ele se desgastava muito. Saiu do projeto e parou de estudar <strong>no</strong>vamente. Logo <strong>em</strong><br />

seguida o projeto foi extinto e mesmo não tendo aproveitado as oportunidades <strong>que</strong><br />

surgiram, ele comenta <strong>que</strong> o projeto foi bom para diversos rapazes, pois conseguiram<br />

<strong>em</strong>prego, dar continuidade a estudos e até formar famílias. Estas informações ele t<strong>em</strong><br />

quando, eventualmente, encontra algum colega desta época <strong>na</strong>s ruas de Niterói.<br />

198


O capitão da Pedagogia não enxergava a própria vida. Até os 20 a<strong>no</strong>s de idade<br />

sua vida se arrastou como ele mesmo diz:<br />

“Eu me sentia como se estivesse dormindo e alguém chegasse e tivesse <strong>que</strong> falar: oh, cara,<br />

acorda aí! Era como se eu tivesse <strong>que</strong> ser despertado do so<strong>no</strong>. Parei minha vida toda. Eu<br />

tinha <strong>que</strong> estudar, <strong>que</strong> trabalhar, tinha <strong>que</strong> desenvolver minha vida por<strong>que</strong> eu estava<br />

perdendo tudo <strong>que</strong> eu tinha. As coisas boas tinham passado perto de mim eu não vi.<br />

Parece <strong>que</strong> eu estava com os olhos fechados para as coisas boas da vida”.<br />

A venda é o símbolo da cegueira quando colocada sob os olhos. Os olhos ficam<br />

cerrados, fechados à curiosidade. “Têmis, a deusa da justiça t<strong>em</strong> os olhos vendados para<br />

mostrar <strong>que</strong> não favorece ninguém e ig<strong>no</strong>ra a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> julga”. (Chevalier e Gueerbrant,<br />

2005, p.934 ). E com os olhos cerrados, Capitão Gancho deixou passar o mundo do estudo,<br />

do trabalho e das brincadeiras. Ficou indiferente à sua própria vida. A escola foi<br />

abando<strong>na</strong>da diversas vezes, o trabalho não fazia mais parte de sua roti<strong>na</strong> e o futebol, <strong>que</strong> ele<br />

tanto gostava, ficou de lado. Hoje, aos 38 a<strong>no</strong>s de idade, ele reconhece o quanto se auto-<br />

prejudicou <strong>na</strong> vida, principalmente <strong>no</strong>s estudos. Ele s<strong>em</strong>pre teve uma vida conturbada, mas<br />

precisava correr contra o t<strong>em</strong>po. O t<strong>em</strong>po perdido ficou <strong>na</strong> ‘barriga do jacaré’ 91 . O meni<strong>no</strong><br />

Papa-léguas da infância agora tinha <strong>que</strong> entrar <strong>em</strong> ação, pois segundo ele:<br />

“Hoje me sinto como se tivesse disputando uma marato<strong>na</strong> , sabendo <strong>que</strong> eu tenho<br />

condições de chegar ao fi<strong>na</strong>l dela e alcançar algum objetivo e sabendo <strong>que</strong> eu me atrasei<br />

por falta minha mesmo, entende? Sabendo <strong>que</strong> t<strong>em</strong> outras pessoas correndo também e <strong>que</strong><br />

eu tenho <strong>que</strong> chegar ao fi<strong>na</strong>l. É correr contra o relógio mesmo. Ainda t<strong>em</strong> muita coisa para<br />

eu fazer <strong>que</strong> eu já deveria ter feito e <strong>que</strong> estaria me ajudando agora. As vezes você vê <strong>que</strong><br />

deixou muita coisa para trás e <strong>que</strong> podia ter desenvolvido e não desenvolveu. Aí, corre<br />

contra o t<strong>em</strong>po”<br />

Por volta dos 20 a<strong>no</strong>s de idade ele teve alguém <strong>que</strong> o ajudou a tirar a venda dos<br />

olhos. Ele conheceu uma moça, com <strong>que</strong> <strong>está</strong> casado atualmente, <strong>que</strong> o fez olhar para trás e<br />

desejar recuperar o t<strong>em</strong>po perdido. “Foi quando eu comecei a ver <strong>que</strong> os outros colegas<br />

meus tinham as coisas melhores, <strong>no</strong>vas, entende? Outros estudavam, faziam faculdade e eu<br />

não tinha termi<strong>na</strong>do n<strong>em</strong> o ensi<strong>no</strong> médio. Aí ela falava: cara, você t<strong>em</strong> condições!”<br />

91 Na história infantil de J.M. Barrie, o Capitão Gancho ao, lutar com um jacaré, perde seu relógio para este<br />

<strong>que</strong> o engole. Como conseqüência ele t<strong>em</strong> seu braço destruído necessitando de um gancho artificial para<br />

substituí-lo. Uso, assim alegoria do relógio para indicar o t<strong>em</strong>po perdido por Capitão Gancho<br />

199


Incentivado pela família da moça, Capitão Gancho desejou a calmaria do mar para<br />

prosseguir sua viag<strong>em</strong> chamada vida. Voltou a estudar e a trabalhar. Sua experiência <strong>em</strong><br />

obras <strong>na</strong> infância foi de grande valia para ingressar <strong>no</strong> mercado de trabalho, mas, ficou<br />

nessa profissão por pouco t<strong>em</strong>po. Em 1990 ele foi convidado para trabalhar <strong>na</strong> cidade de<br />

Itacuruçá, litoral sul do Estado do Rio de Janeiro conhecido como Costa Verde. Praias<br />

cercadas por montanhas e muitas ilhas <strong>no</strong> <strong>em</strong> tor<strong>no</strong> compõ<strong>em</strong> uma bela paisag<strong>em</strong> <strong>na</strong>s<br />

cidades desta região. Desta forma, não conseguindo resistir ao convite, foi trabalhar longe<br />

e parou de estudar. Segundo ele, não daria para conciliar as duas coisas, além do <strong>que</strong>,<br />

<strong>na</strong><strong>que</strong>le momento da vida estudar não era tão fasci<strong>na</strong>nte quanto mergulhar para ele 92 .<br />

Começou como vigia de uma mari<strong>na</strong>, mas <strong>em</strong> pouco t<strong>em</strong>po fez um curso de mergulho<br />

passando a atuar profissio<strong>na</strong>lmente como mergulhador. Como não poderia deixar de ser<br />

diferente, <strong>na</strong> vida do ‘capitão do mar’ de J.M. Barrie, assim como <strong>na</strong> vida do Capitão da<br />

Pedagogia, os riscos eram s<strong>em</strong>pre iminentes. “Comigo aconteceu cada coisa!”. Mesmo<br />

com todo o trei<strong>na</strong>mento dado <strong>no</strong> curso oferecido por oficiais da Marinha do Brasil, o perigo<br />

de acontecer algum acidente s<strong>em</strong>pre rondava os mergulhadores. Foi assim <strong>que</strong> por duas<br />

vezes ele sentiu medo do mar.<br />

“A coisa ali é b<strong>em</strong> rigorosa e isso tudo era passado para a gente. T<strong>em</strong> <strong>que</strong> saber fazer<br />

mergulho, por<strong>que</strong> se não, não t<strong>em</strong> como ir lá <strong>no</strong> fundo do mar, por<strong>que</strong> lá é muito fundo, e<br />

as peças estão há muitos metros abaixo da superfície. Para ir lá t<strong>em</strong> <strong>que</strong> saber <strong>na</strong>dar<br />

bastante, t<strong>em</strong> <strong>que</strong> ter um curso de sobrevivência, por<strong>que</strong> de repente alguma correnteza<br />

pode soltar estas <strong>em</strong>barcações, faltar combustível ou pode ocorrer alguma pane , qual<strong>que</strong>r<br />

coisa. T<strong>em</strong> <strong>que</strong> estar muito b<strong>em</strong> preparado fisicamente, por<strong>que</strong> lá <strong>no</strong> ‘mastro’ do mar, lá<br />

<strong>na</strong>s profundezas mesmo, é como se você fosse uma caça..”<br />

“Eu gostava disso, gostava de estar <strong>em</strong> baixo d’água”. Inicialmente ele foi levado a<br />

assumir esta profissão pelo lado fi<strong>na</strong>nceiro, mas depois foi se encantando: “Você é<br />

obrigado a estar ali, se obrigando a fazer aquilo por<strong>que</strong> você sabe <strong>que</strong> vai ganhar um<br />

dinheiro. Com o t<strong>em</strong>po a gente passa a gostar, mas também por<strong>que</strong> você passa a domi<strong>na</strong>r<br />

melhor as situações. As coisas <strong>que</strong> a gente faz passam a fazer parte da gente”. O mar<br />

passou assim a fazer parte da vida do Capitão Gancho. A<strong>que</strong>la ilha da infância onde ele<br />

92 A imag<strong>em</strong> de mar foi trazida <strong>na</strong> abertura da <strong>na</strong>rrativa do Capitão Gancho por representar um espaço <strong>em</strong><br />

<strong>que</strong> ele viveu sentimentos <strong>que</strong> se ass<strong>em</strong>elham as fruições do próprio ato de jogar.<br />

200


incava de atravessar barquinhos agora postava-se à sua frente de verdade. E<strong>no</strong>rmes atóis<br />

submersos, pedras onde se escondiam tubarões e outros peixes eram o universo onde ele<br />

<strong>no</strong>vamente se isolava da vida dos estudos e da vida <strong>em</strong> família. Tor<strong>na</strong>va-se um universo<br />

lúdico onde poderia jogar, pois o sabor da prática <strong>está</strong> <strong>no</strong> <strong>jogo</strong> com a incerteza e <strong>no</strong><br />

controle do risco <strong>que</strong> pode ocorrer durante a jogada.<br />

Desta forma ele poderia viver os conceitos de Caillois (1990) 93 . A competição,<br />

agôn, acontecia entre os mergulhadores para ver qual era o mais corajoso. “ Na época,<br />

desenvolvi muito, eu era muito forte, então conseguia fazer várias coisas sozinho, coisas<br />

<strong>que</strong> eram para duas ou mais pessoas fazer, eu fazia sozinho. A<strong>que</strong>la área ali eu conhecia<br />

como a palma da minha mão, não precisa de <strong>na</strong>da auxiliar.” Como nunca sabia o <strong>que</strong> lhe<br />

esperava <strong>na</strong>s profundezas do mar, viva a alea, a iminência do acaso : “Quando você <strong>está</strong><br />

numa correnteza tudo pode acontecer, e nessa época eu era meio medroso, eu ficava<br />

rodando , limpando o chão, como a gente chama. Eu não ficava parado dando<br />

bobeira”.Ele se sentia como um mergulhador b<strong>em</strong> preparado fisicamente e <strong>que</strong> <strong>na</strong>dava<br />

como um verdadeiro campeão, o simulacro, a mimicry , era vivida intensamente. Ser o mais<br />

veloz <strong>na</strong> água é uma flutuação de sentidos <strong>que</strong> transita entre a imag<strong>em</strong> do herói e a do<br />

competidor, consubstanciando-se <strong>no</strong> <strong>na</strong>dador invencível. “Eu <strong>na</strong>dava muito, eu acredito<br />

<strong>que</strong> se eu disputasse com qual<strong>que</strong>r <strong>na</strong>dador <strong>na</strong> época eu ganhava. Tinha uns dois por lá<br />

<strong>que</strong> <strong>na</strong>davam muito também. Mas eu era páreo para qual<strong>que</strong>r profissio<strong>na</strong>l de <strong>na</strong>tação,<br />

podia ser até da seleção brasileira. Mesmo <strong>que</strong> eu não ganhasse seria páreo duro para<br />

eles”. A fruição de vertig<strong>em</strong>, ilinx lhe chegava quando “O tubarão não estava atrás das<br />

<strong>em</strong>barcações, ele estava vindo atrás de mim. Eles depois falaram <strong>que</strong> ele não <strong>que</strong>ria me<br />

caçar, devia estar assustado comigo ou curioso. T<strong>em</strong> uma foto minha lá até hoje, <strong>está</strong><br />

muito desbotada. Eles falam <strong>que</strong> eu fui a única pessoa <strong>que</strong> eles viram correr por cima das<br />

águas. Até hoje eles falam isso.” Capitão Gancho passou por voluptuoso pânico. “Eu<br />

l<strong>em</strong>bro até hoje, como se fosse hoje. Eu pulei da água lá para cima do píer. Eu entrei <strong>em</strong><br />

estado de cho<strong>que</strong><br />

Indaguei ao Capitão Gancho sobre as sensações de estar <strong>no</strong> fundo do mar, pois<br />

diferentes estudos <strong>na</strong> área da educação física buscam a compreensão do imaginário de<br />

pessoas <strong>que</strong> vão <strong>em</strong> busca de esportes radicais como mergulho, ca<strong>no</strong>ag<strong>em</strong>, alpinismo e<br />

93 Estes conceitos foram explicitados do Segundo T<strong>em</strong>po deste trabalho.<br />

201


outros. Para autores <strong>que</strong> se dedicam a esta t<strong>em</strong>ática, como Costa ( 2000 ), por ex<strong>em</strong>plo,<br />

subir uma montanha, descer um rio e escalar uma parede são atividades <strong>que</strong> exig<strong>em</strong> do<br />

praticante mais do <strong>que</strong> esforço físico: re<strong>que</strong>r<strong>em</strong> um ritual <strong>que</strong> separa o escalador ou o<br />

ca<strong>no</strong>ísta dos mortais comuns e os aproxima do divi<strong>no</strong>, sacralizando sua existência. Todo o<br />

preparo para essa viag<strong>em</strong> r<strong>em</strong>ete ao sentido de um ritual orgiástico: a busca do êxtase<br />

fi<strong>na</strong>l” ( p.28)<br />

Capitão Gancho assim se expressou quanto às sensações desta aventura-risco de seu<br />

trabalho-esporte como mergulhador:<br />

“Olha, eu vejo muita gente as vezes falando <strong>que</strong> dá sensação de liberdade <strong>no</strong> fundo do<br />

mar, mas não é tanto não. Você se sente como se fosse um passarinho, mas <strong>que</strong> a qual<strong>que</strong>r<br />

hora qual<strong>que</strong>r um pode te dar uma pedrada e você cair. Pensa b<strong>em</strong>, você sabe <strong>que</strong> há mais<br />

ou me<strong>no</strong>s uns quinhentos metros , um quilômetro, t<strong>em</strong> tubarões, t<strong>em</strong> cações e peixes<br />

perigosos. Se alguém t<strong>em</strong> esse sentimento de liberdade, não sou eu”.<br />

A<strong>que</strong>la fruição de vertig<strong>em</strong> da infância, quando corria desesperadamente dos<br />

irmãos, tor<strong>na</strong>va a acontecer <strong>em</strong> adulto. Envolvia-se num <strong>jogo</strong> com o mar <strong>que</strong> lhe permitia<br />

diferentes conquistas, lhe permitia brincar com o desti<strong>no</strong> e com as adversidades imprimindo<br />

outros sentidos simbólicos de desafios a seus próprios limites. “a aventura se apresenta<br />

como exterior à trama global da vida; todavia, <strong>está</strong> organicamente ligada a ela e marca o<br />

momento agudo desta necessidade interior <strong>que</strong> impreg<strong>na</strong> a história pessoal” ( COSTA,<br />

2000, p.78).<br />

A vida por si só pode ser vivida como aventura, e neste sentido o <strong>jogo</strong> faz parte da<br />

vida. Em Chevalier e Gueerbrant (2005) o <strong>jogo</strong> é um símbolo de luta, de luta contra a<br />

morte, contra as forças hostis e contra os el<strong>em</strong>entos do cosmo , tor<strong>na</strong>ndo-se um <strong>jogo</strong> contra<br />

si mesmo (contra o medo, a fra<strong>que</strong>za, as dúvidas, etc...) (Id<strong>em</strong>, p.518). Mergulhar para<br />

capitão Gancho é risco, é uma espécie de pânico desejado. Em sua fala ele d<strong>em</strong>onstra a<br />

satisfação e o orgulho de ter mergulhado s<strong>em</strong> aparelho, sozinho, enfrentado t<strong>em</strong>poral,<br />

vendavais e se envolvendo <strong>em</strong> grandes aventuras. Num dos mergulhos uma bóia de<br />

concreto submersa teve as correntes cortadas por outro mergulhador e quase o atingiu. Em<br />

outra situação ele se deparou com um peixe e<strong>no</strong>rme. Os colegas diz<strong>em</strong> <strong>que</strong> deve ter sido<br />

um cação, mas ele ‘jura’ <strong>que</strong> era um tubarão:<br />

202


“Então tinha a<strong>que</strong>las pedras, a<strong>que</strong>las coisas e<strong>no</strong>rmes encima de mim, eu estava com a<br />

lanter<strong>na</strong> pendurada <strong>no</strong> pescoço. O certo é você colocar um cabo, um bote de borracha e<br />

deixar <strong>na</strong> superfície da área onde você <strong>está</strong> trabalhando. Eu não, botava a lanter<strong>na</strong> <strong>no</strong><br />

pescoço e ia, e era uma lanter<strong>na</strong> pe<strong>que</strong><strong>na</strong>. Aí eu virei e vi uma sombra. Não vi o peixe<br />

direito, só vi a<strong>que</strong>la sombra escura e grande. Não quis jogar a lanter<strong>na</strong> encima, fi<strong>que</strong>i com<br />

medo. O pessoal falou <strong>que</strong> era um cação. Para mim não. Até hoje eu sei <strong>que</strong> era um<br />

tubarão <strong>que</strong> estava ali. Eu nunca vi cação com barbata<strong>na</strong> e<strong>no</strong>rme, e a<strong>que</strong>le tinha”.<br />

A pesquisa <strong>na</strong>rrativa como forma de evocar <strong>imagens</strong> da vida do <strong>na</strong>rrador deixa-o à<br />

mercê de l<strong>em</strong>brar e/ou es<strong>que</strong>cer de passagens <strong>que</strong> têm múltiplos significados e aparentes<br />

contradições <strong>que</strong> pod<strong>em</strong> ser exploradas pelo pesquisador. O ato de r<strong>em</strong><strong>em</strong>orar traz escolhas<br />

onde algumas coisas são es<strong>que</strong>cidas e outras têm sentido específico. Cria-se um campo<br />

simbólico onde “a m<strong>em</strong>ória cria um imaginário histórico, definido pela apropriação<br />

pessoal e pela ação de um sentido peculiar a uma determi<strong>na</strong>da trajetória de contato e de<br />

acesso a um patrimônio <strong>cultura</strong>l” ( CATANI, 2000, p.23). Os acontecimentos l<strong>em</strong>brados<br />

são evocados à luz da <strong>em</strong>oção, sendo a m<strong>em</strong>ória uma abertura para o relato do vivido onde<br />

o <strong>que</strong> é dito v<strong>em</strong> carregado de sentimentos, de propósitos e explicações.<br />

Para Capitão Gancho, o sentido do lúdico estava <strong>na</strong>s brincadeiras/trabalho/aventuras<br />

do fundo do mar: “Eu gostava disso, gostava de estar <strong>em</strong> baixo d’água”. Não só quando<br />

adulto, ao assumir a função de mergulhador, o entrevistado <strong>na</strong>rrador d<strong>em</strong>onstrou seu amor<br />

por águas perigosas. A passag<strong>em</strong> pelo lago do sítio com barquinhos de brin<strong>que</strong>do para<br />

alcançar a ilha dava-lhe imensa satisfação. Em suas falas pod<strong>em</strong>os perceber isto: “Eu<br />

gostava muito de brincar de barco lá.(...) ia para a minha ilha brincar”. Quanto as<br />

sensações <strong>que</strong> o mar lhe trouxe quando adulto, Capitão Gancho assim se expressa:<br />

“O mar é isso, você t<strong>em</strong> <strong>que</strong> conhecer ele bastante, se você não conhecer, se não souber<br />

se respeitar fisicamente, conhecer seus limites, até onde você pode ir, até onde você pode<br />

agüentar a pressão, não dá. Mas é isso <strong>que</strong> encanta, é isso <strong>que</strong> te atrai para lá, e a<strong>que</strong>la<br />

área ali eu conhecia como a palma da minha mão”<br />

O mar, símbolo da dinâmica da vida. Lugar dos <strong>na</strong>scimentos, das transformações e<br />

dos re<strong>na</strong>scimentos. As águas <strong>em</strong> movimento simbolizam uma situação de ambiência, onde<br />

a incerteza, a dúvida e a indecisão pod<strong>em</strong> se concluir b<strong>em</strong> ou mal. “ V<strong>em</strong> daí <strong>que</strong> o mar é<br />

203


ao mesmo t<strong>em</strong>po a imag<strong>em</strong> da vida e a imag<strong>em</strong> da morte”. (Chevalier e Gueerbrant,<br />

2005,p.593 ). Para Capitão Gancho, esta experiência de trabalho foi um período de<br />

profundas transformações, pois vivendo experiências <strong>que</strong> desafiavam seus limites ele pode<br />

refletir melhor sobre sua vida. Foi um mergulho <strong>em</strong> si mesmo <strong>que</strong> o levou a tomada de<br />

decisões.<br />

“Eu, por ex<strong>em</strong>plo, quando me sentia assim, umas pontadinhas de leve aqui, ali, quando o<br />

ouvido dava um zumbido, eu sabia <strong>que</strong> tinha <strong>que</strong> subir e tirar o equipamento logo. Era<br />

si<strong>na</strong>l de <strong>que</strong> minha pressão estava começando a baixar. Então se a pessoa forçar a barra,<br />

com certeza vai se prejudicar. Eu passei por experiências ruins. A primeira foi teimosia<br />

minha. Eu era muito teimoso. Se tinha uma coisa ruim, os colegas falavam assim: Fula<strong>no</strong>,<br />

não faz isso não <strong>que</strong> o colega fez e não agüentou. Como eu era forte, me achava muito<br />

forte, eu falava para mim mesmo <strong>que</strong> era tranqüilo de fazer, mas com a história do tubarão<br />

eu entrei <strong>em</strong> estado de cho<strong>que</strong>, não quis mergulhar mais, aí eu saí do mergulho”<br />

Saindo da profissão de mergulhador, Capitão Gancho voltou para Niterói com o<br />

propósito de termi<strong>na</strong>r os estudos e fazer uma faculdade. No a<strong>no</strong> de 2000 ele termi<strong>no</strong>u o<br />

ensi<strong>no</strong> médio e prestou vestibular para o curso de Pedagogia da FFP/UERJ. Ele comentou<br />

<strong>que</strong> desejava cursar Biologia Marinha, mas <strong>que</strong> fazendo pedagogia sua vida profissio<strong>na</strong>l<br />

seria mais fácil, pois a irmã de sua esposa pretende abrir uma escola <strong>em</strong> Itaboraí ( local<br />

onde fica o sítio <strong>em</strong> <strong>que</strong> viveu <strong>na</strong> infância) e o convidou para isto.E assim ele comentou:<br />

“Então, já <strong>que</strong> eu teria <strong>que</strong> fazer mesmo Pedagogia, faço logo agora”. Capitão Gancho se<br />

valeu também da experiência <strong>que</strong> teve cursando o ensi<strong>no</strong> médio num colégio <strong>que</strong>, <strong>em</strong>bora<br />

sendo de formação geral, trabalhava com a perspectiva de atuação dos alu<strong>no</strong>s <strong>no</strong> âmbito<br />

escolar, visto <strong>que</strong> os diretores eram formadores de professores. Foi assim <strong>que</strong> ele teve<br />

contato com crianças , pois <strong>no</strong> 3º a<strong>no</strong> eles visitavam escolas para desenvolver atividades de<br />

brincadeiras, não só as da área de Educação Física, mas de Mat<strong>em</strong>ática , Física e Química<br />

trabalhando de forma recreativa. Esse era o projeto da sua escola <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> médio. Isto lhe<br />

trouxe diferentes oportunidades de trabalhar com <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> educação. Apresento abaixo<br />

alguns trechos de dois relatos <strong>que</strong> apontam sua experimentação <strong>em</strong> aulas lúdicas:<br />

“Nós íamos par as escolas poder trabalhar com as crianças. Por ex<strong>em</strong>plo: teve um dia<br />

<strong>que</strong> foi Física. Trabalhar o ensi<strong>no</strong> de física com crianças é difícil, é complicado. Você não<br />

pode ensi<strong>na</strong>r a<strong>que</strong>la coisa técnica <strong>que</strong> a criança nunca viu, não é isso. Uma das vezes<br />

usamos uma pista num quadro feita com carrinhos para mostrar a <strong>no</strong>ção de aceleração.<br />

204


Nós mostrávamos o t<strong>em</strong>po <strong>que</strong> se levava para chegar a algum lugar. Mostrava o t<strong>em</strong>po <strong>que</strong><br />

eles levavam para chegar de casa até a escola, da escola até <strong>em</strong> casa, se eles iam para<br />

algum outro lugar e tudo. Com isso tinham crianças <strong>que</strong> falavam <strong>que</strong> quando saíam mais<br />

cedo não iam direto para casa. Aí você começa a perguntar: você vai para onde? Ah, eu<br />

passo lá <strong>em</strong> tal lugar. Você fica quanto t<strong>em</strong>po lá? Muitas vezes as crianças <strong>em</strong> vez de ir<strong>em</strong><br />

para casa iam jogar videogame <strong>em</strong> algum lugar ou iam para casa de algum colega. Então<br />

a gente trabalhava melhor a <strong>no</strong>ção de t<strong>em</strong>po com eles. Tinha uns <strong>que</strong> chegavam a dizer<br />

<strong>que</strong> deixavam de fazer os trabalhos <strong>que</strong> os professores da escola mandavam por<strong>que</strong><br />

brincavam fora da hora. Eles chegavam até esta <strong>no</strong>ção de aproveitamento do t<strong>em</strong>po, o<br />

t<strong>em</strong>po <strong>que</strong> eles tinham para se desenvolver melhor, tanto <strong>na</strong> vida pessoal, familiar como <strong>na</strong><br />

escola. A gente t<strong>em</strong> <strong>que</strong> se divertir , mas também t<strong>em</strong> <strong>que</strong> organizar as coisas. Eu dava a<br />

estas crianças o suporte para isto, para saber se organizar, pelo me<strong>no</strong>s para ter esta<br />

<strong>no</strong>ção. Não é só ensi<strong>na</strong>r física, mas dar também suporte para outras coisas. Os <strong>jogo</strong>s nesse<br />

ponto facilitam isso. Se eu não tivesse ali brincando com eles, eles não me contariam essas<br />

coisas”.<br />

Segue abaixo a segunda experiência:<br />

“Na área de mat<strong>em</strong>ática nós pegávamos, por ex<strong>em</strong>plo, os dados. As crianças gostavam de<br />

brincar de dados. T<strong>em</strong> gente <strong>que</strong> usa para <strong>jogo</strong>s de apostas, mas pode ser feito para dar<br />

<strong>no</strong>ção de soma, subtração. Então a gente formava grupos para disputar mesmo. Claro <strong>que</strong><br />

as vezes eles s<strong>em</strong>pre ganhavam alguma coisa, mas ninguém saía perdendo. Eu não deixava<br />

ninguém sair com o sentimento de perdedor. Se um grupo era muitas vezes derrotado eu<br />

dava um jeito de reverter. Eu não deixava chegar a tal ponto, s<strong>em</strong>pre criava outra situação<br />

para dar oportunidade de tal grupo ganhar alguma coisa. Mas também não deixava a<strong>que</strong>la<br />

<strong>no</strong>ção de ser melhor s<strong>em</strong>pre, melhor <strong>que</strong> todos. Não ganhou agora mas vai disputar <strong>em</strong><br />

outra chance, vai ter outras oportunidades. Isso eu fazia antes mesmo de ser professor”.<br />

Estas passagens mostram <strong>que</strong> o trabalho com <strong>jogo</strong>s <strong>está</strong> para além da transmissão<br />

de um conteúdo do programa. Mesmo s<strong>em</strong> ter informação através de fundamentação<br />

teórica sobre o t<strong>em</strong>a <strong>jogo</strong>, até então, Capitão Gancho já percebia <strong>que</strong> poderia, através destas<br />

atividades, favorecer o desenvolvimento das crianças <strong>em</strong> diferentes aspectos. Ao levar as<br />

crianças a perceber<strong>em</strong> como aproveitavam o t<strong>em</strong>po e ao ouvi-las contar o <strong>que</strong> faziam<br />

quando saíam da escola, criava-se uma rede de relações de afeto, confiança e prazer.<br />

Estabelecia-se uma prox<strong>em</strong>ia <strong>que</strong> <strong>em</strong> termos maffesolia<strong>no</strong> chamamos de ser-estar-junto-<br />

com. O equilíbrio do placar para os grupos <strong>que</strong> disputavam os <strong>jogo</strong>s de mat<strong>em</strong>ática,<br />

d<strong>em</strong>onstrado pela abertura de <strong>no</strong>vas possibilidades de outras rodadas do <strong>jogo</strong>, levavam<br />

Capitão Gancho a agir intuitivamente com espírito de educador. Ele conseguia ‘ler esta<br />

confissões’ <strong>que</strong> as crianças faz<strong>em</strong> <strong>no</strong>s folguedos dos pátios escolares. Para Chateau (1987)<br />

205


não pod<strong>em</strong>os subestimar a importância dos <strong>jogo</strong>s de <strong>no</strong>ssas crianças, pois o <strong>jogo</strong> é uma<br />

rica fonte de atividades práticas, funcio<strong>na</strong>is e superiores. Para este autor é através do <strong>jogo</strong><br />

<strong>que</strong> começa o pensamento propriamente huma<strong>no</strong> (Id<strong>em</strong>,p.123). No <strong>jogo</strong> a criança mostra<br />

sua perso<strong>na</strong>lidade e ainda segundo o autor, o professor deve estar atento as múltiplas<br />

indicações dadas pela maneira das crianças jogar<strong>em</strong>. “Mas não é necessário, para entender<br />

esses sig<strong>no</strong>s, nenhum conhecimento psica<strong>na</strong>lítico. O essencial é conseguir se colocar <strong>no</strong><br />

lugar da criança, é ter o <strong>que</strong> poderíamos chamar de a percepção da criança”. (p.100).<br />

Capitão Gancho foi aos poucos, através destas experiências, resignificando a<br />

relação <strong>jogo</strong>-educação. Para ele “Ensi<strong>na</strong>r uma matéria de forma tradicio<strong>na</strong>l não cria muita<br />

abertura para o alu<strong>no</strong> te contar coisas. Os <strong>jogo</strong>s abr<strong>em</strong> esta possibilidade de ensi<strong>na</strong>r além<br />

da matéria, de conhecer o alu<strong>no</strong>, de passar <strong>no</strong>ções <strong>que</strong> serão boas para ele, as vezes, para<br />

a vida toda deles. Pelo <strong>jogo</strong> eu me aproximei da<strong>que</strong>las crianças.”<br />

Ao entrar para a FFP/UERJ, Capitão Gancho já conhecia minimamente o chão da<br />

escola pelo ângulo do professor, considerando <strong>que</strong> seu curso de ensi<strong>no</strong> médio foi uma<br />

chave <strong>que</strong> serviu para abrir portas <strong>no</strong> âmbito da educação. “Tudo isso foi importante para<br />

eu chegar até aqui”. Quando estava cursando o primeiro período do Curso de Pedagogia<br />

foi convidado a trabalhar com alfabetização num projeto de Educação de Jovens e Adultos<br />

(EJA) <strong>em</strong> Itaboraí. Ele conhecia grande parte de seus alu<strong>no</strong>s por ser freqüentador deste<br />

município desde a infância. Foi nesta ocasião <strong>que</strong> alfabetizou sua mãe. Estas experiências<br />

<strong>no</strong> EJA trouxeram um sentimento de insegurança e dúvidas, afi<strong>na</strong>l seria sua primeira<br />

atuação direta <strong>em</strong> docência.<br />

“ No início <strong>que</strong> eu trabalhei com EJA, eu não vou esconder não, logo <strong>no</strong> início eu tinha<br />

medo de falar alguma coisa <strong>que</strong> não fosse muito do conhecimento do adulto e ele saísse um<br />

pouco constrangido e não voltasse mais para a sala de aula. É difícil acertar. Teve um<br />

grupo de professores <strong>que</strong> começou a perceber isso <strong>em</strong> mim, essa insegurança. Falavam<br />

<strong>que</strong> eu estava com muito medo e <strong>que</strong> não podia ser assim. Eles conversaram muito comigo<br />

Eles já tinham bastante experiência <strong>na</strong> área e me ajudaram muito. Eles diziam <strong>que</strong> eu não<br />

tinha <strong>que</strong> largar o meu jeito de ser , mas <strong>que</strong> eu deveria agir <strong>na</strong>turalmente com a turma.<br />

Eu não podia infantilizar situações se não eles se sentiriam constrangidos e fugiriam das<br />

aula. Eu tinha <strong>que</strong> ser <strong>na</strong>tural e me imagi<strong>na</strong>r <strong>na</strong> situação deles”.<br />

Chamado à ter a percepção da criança ( CHATEAU, 1987) Capitão Gancho foi,<br />

<strong>na</strong> docência do EJA, conseguindo trabalhar de forma lúdica levando alguns <strong>jogo</strong>s para a<br />

turma. Ele explicou <strong>que</strong> inicialmente o <strong>que</strong> facilitou foi o fato de pertencer a comunidade,<br />

206


mas <strong>que</strong> mesmo assim tinha medo, e dificuldade de brincar com eles. Ele s<strong>em</strong>pre gostou<br />

de formar grupos e ele tinha a <strong>no</strong>ção de trabalhar desta forma desde o seu ensi<strong>no</strong> médio.<br />

“Eu tinha <strong>no</strong>ção de trabalhar <strong>na</strong> escola com brincadeiras utilizando <strong>jogo</strong>s para<br />

desenvolver a língua portuguesa, a geografia, a história, mat<strong>em</strong>ática, ciências. Através de<br />

<strong>jogo</strong>s eu sabia como passar isso tudo. Então eu formava grupos, eu pedia <strong>que</strong> eles<br />

formass<strong>em</strong> os grupos , fazia muito isso <strong>em</strong> sala de aula, formar grupos para ver a<br />

quantidade de pessoas e as características <strong>que</strong> eu pedia. Percebiam a quantidade de<br />

pessoas <strong>no</strong>s grupos, comparavam, trabalhavam a <strong>no</strong>ção de metade, dobro, frações. Pedia a<br />

formação de grupo para eles se posicio<strong>na</strong>r<strong>em</strong> com relação aos outros, os <strong>que</strong> não<br />

conseguiam tinham a ajuda dos outros. Eu ia alter<strong>na</strong>ndo a formação dos grupos para<br />

mesclar mesmo, para ampliar o conhecimento deles , para facilitar as relações entre eles.<br />

Pedia para um ajudar o outro, entende? Tinha uma disputa, mas era diferente. Eu fazia<br />

também perguntas e resposta, mas com piadas, com rimas, depois <strong>que</strong> ia colocando outras<br />

coisas do conteúdo. Eu s<strong>em</strong>pre brincava e eles aceitavam, mas depois começou a ficar de<br />

um jeito <strong>que</strong> para controlar era fogo”.<br />

Capitão Gancho sentia ao mesmo t<strong>em</strong>po prazer e receio <strong>em</strong> trabalhar com <strong>jogo</strong>s,<br />

pois, para ele, o adulto já t<strong>em</strong> uma concepção de mundo <strong>que</strong> muitas vezes dificulta <strong>que</strong> ele<br />

aceite o <strong>no</strong>vo e o diferente. Ele comenta <strong>que</strong> a primeira turma <strong>que</strong> trabalhou de forma<br />

lúdica foi um pouco complicado. Como conhecia grande parte dos alu<strong>no</strong>s a relação mais<br />

estreita dava mais liberdade para a turma se expressar <strong>no</strong>s <strong>jogo</strong>s com euforia ou mesmo<br />

negando as atividades de <strong>jogo</strong>s. Mas, <strong>em</strong> contrapartida, ele sentia a necessidade de<br />

despertar curiosidade <strong>em</strong> seus alu<strong>no</strong>s para deixar <strong>que</strong> eles foss<strong>em</strong> descobrindo as coisas<br />

por eles mesmos. Ele não deseja chegar com pacotes prontos de informações. Os <strong>jogo</strong>s,<br />

segundo ele, seriam facilitadoras de espírito de curiosidade e envolvimento <strong>na</strong>s atividades,<br />

desde <strong>que</strong> ele conseguisse controlá-los para não atrapalhar o andamento do conteúdo a<br />

cumprir. Precisava também despertar prazer <strong>no</strong>s alu<strong>no</strong>s para participar das aulas, pois, do<br />

contrário, eles poderiam dormir <strong>na</strong> aula visto <strong>que</strong> já vinham cansados do trabalho e as<br />

vezes, mesmo <strong>em</strong> casa, já haviam trabalhado o dia todo. Foi compreendendo isto <strong>que</strong> ele<br />

passou a trabalhar com <strong>jogo</strong>s <strong>em</strong> aula e, segundo ele:<br />

“Essa era uma relação muito boa, eu tive um retor<strong>no</strong> bom, muito bom. Nossa relação foi<br />

mudando, fui ficando confiante <strong>em</strong> mim e fui ganhando a confiança deles. As aulas tinham<br />

um tom de alegria, de prazer. Eles riam, não sentiam o t<strong>em</strong>po passar e n<strong>em</strong> percebiam <strong>que</strong><br />

estavam aprendendo. Acho <strong>que</strong> para eles, <strong>que</strong> já são sacrificados pela vida, pela idade e<br />

pelo trabalho, a hora de estudar dava prazer, era boa, leve, mais leve <strong>que</strong> a vida lá fora.“<br />

207


Na visão de Maffesoli (1998 ) a dimensão do coletivo“ permite colocar <strong>em</strong> <strong>jogo</strong><br />

as potencialidades multidimensio<strong>na</strong>is (polimorfas) de cada um, num conjunto” (p.29).<br />

Diferentes grupos ou organizações sociais são carregados de uma pulsão de unidade <strong>que</strong><br />

pode ser encontrada <strong>em</strong> ambientes de <strong>jogo</strong>s. Este pensador <strong>no</strong>s aponta a necessidade de se<br />

olhar para o coletivo como um coletivo diversificado onde existe um <strong>jogo</strong> de diferença<br />

<strong>que</strong> se encontra <strong>na</strong> base de toda estruturação social, compreendendo-a como organização<br />

fragmentada <strong>que</strong> permite de maneiras coletivas a expressão de cada indivíduo e de cada<br />

grupo social. Trabalhando com grupos para desenvolver atividades de <strong>jogo</strong>s Capitão<br />

Gancho ia criando um <strong>no</strong>vo sentido <strong>na</strong>s relações <strong>que</strong> iam se estabelecendo <strong>no</strong> ato de jogar.<br />

Procurei saber se antes de cursar pedagogia ele percebia uma relação mais<br />

estreita entre o <strong>jogo</strong> e a educação, visto <strong>que</strong> seu ensi<strong>no</strong> médio proporcio<strong>no</strong>u algumas<br />

experiências neste sentido.<br />

“Olha, para ser sincero eu via como perda de t<strong>em</strong>po o <strong>jogo</strong> pelo <strong>jogo</strong>. Hoje, depois do<br />

Curso de Pedagogia eu vejo a escola como lugar de outras aprendizagens. O <strong>jogo</strong>, a<br />

brincadeira são muito importantes para a criança, ela t<strong>em</strong> <strong>que</strong> ter isso , as vezes só a<br />

escola pode oferecer isso. T<strong>em</strong> gente <strong>que</strong> fala <strong>que</strong> cortar a infância da criança e o mesmo<br />

<strong>que</strong> cortar a veia da criança , mas também t<strong>em</strong> gente <strong>que</strong> fala <strong>que</strong> se o filho vai para a sala<br />

de aula para brincar, então <strong>que</strong> brin<strong>que</strong> <strong>em</strong> casa. Mas não é só brincar, a<strong>que</strong>la<br />

brincadeira vai ter um outro objetivo e <strong>que</strong> vai ajudar a criança a se desenvolver. Quando<br />

eu trabalhava com qual<strong>que</strong>r tipo de projeto <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> médio de forma lúdica, quando eu<br />

ia <strong>na</strong>s escolas com atividades <strong>que</strong> tinham a ludicidade, eu tinha a<strong>que</strong>le contato mais direto<br />

com os alu<strong>no</strong>s, a interação da gente era outra. O <strong>que</strong> faz a diferença é a intenção, é<br />

a<strong>que</strong>le momento ali de estar trabalhando de forma mais consciente. Aqui <strong>na</strong> FFP foi <strong>que</strong><br />

me deu mais sentido de <strong>que</strong> não é perda de t<strong>em</strong>po, é uma coisa <strong>que</strong> precisa ser trabalhada<br />

mesmo. Essa <strong>no</strong>ção eu tive aqui, depois <strong>que</strong> entrei para cá foi <strong>que</strong> eu vi isso”.<br />

Para ele, este curso foi um re<strong>na</strong>scimento <strong>em</strong> todos os sentidos. Sua maneira de olhar<br />

a educação mudou a partir das reflexões provocadas pelas discussões <strong>em</strong> diferentes<br />

discipli<strong>na</strong>s.<br />

“Sabe, t<strong>em</strong> a<strong>que</strong>le astro<strong>na</strong>uta brasileiro <strong>que</strong> falou lá de cima <strong>que</strong> passou a enxergar a vida<br />

<strong>na</strong> terra de outra forma, acho <strong>que</strong> é assim. Olhar aquilo <strong>que</strong> eu estava vivendo de outra<br />

forma. Foi um <strong>no</strong>vo ângulo para ver estas <strong>que</strong>stões do brincar, do jogar. Não é <strong>que</strong> tudo<br />

<strong>que</strong> você aprendeu antes tenha <strong>que</strong> ser jogado fora, não é isso, mas você começa a<br />

enxergar as coisas como se estivesse lá <strong>em</strong> cima <strong>na</strong><strong>que</strong>le momento astro<strong>na</strong>uta. È um<br />

<strong>na</strong>scimento mesmo, foi como se eu estivesse <strong>na</strong>scendo outra vez, se é <strong>que</strong> isso é possível ?”<br />

208


O olhar é o sig<strong>no</strong> de rituais de benção, o olhar aparece como o símbolo e o<br />

instrumento de uma revelação. “ O olhar é como o mar, mutante e brilhante, reflexo ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po das profundezas submari<strong>na</strong>s e do céu.” (Chevalier e Gueerbrant, 2005 a,<br />

p.653). Com relação à t<strong>em</strong>áticas <strong>que</strong> abordam ludicidade <strong>em</strong> seu curso, Capitão Gancho<br />

comenta <strong>que</strong> foi construindo um <strong>no</strong>vo sentido para o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola a partir do 5º período,<br />

com a discipli<strong>na</strong> de Recreação e Jogos. “Olha, foi aí <strong>que</strong> eu tive um conceito mais<br />

ampliado disso, eu tive contato mais direto”. Sua fala d<strong>em</strong>onstra o <strong>que</strong> ele apreendeu desta<br />

discipli<strong>na</strong>:<br />

“Para mim foi uma experiência muito boa, por<strong>que</strong> mesmo <strong>que</strong> já tenha vivido muito esse<br />

contato <strong>na</strong> prática com os <strong>jogo</strong>s, com brincadeiras <strong>em</strong> sala de aula com meus alu<strong>no</strong>s,<br />

também <strong>na</strong>s visitas <strong>que</strong> eu fazia <strong>na</strong>s escolas , eu aprendi mais, me deu mais possibilidades<br />

de criar e encontrar formas mais soltas, mais tranqüilas. È bom tentar elaborar atividades<br />

e estudar sobre esse assunto. A ajuda dessa discipli<strong>na</strong> não foi coisa pronta, ela apontou<br />

caminhos. Foi um trabalho interessante <strong>na</strong> prática e <strong>que</strong> dá para ver como será com as<br />

crianças quando fizermos <strong>na</strong>s escolas. Deu para perceber se o <strong>que</strong> era proposto serviria<br />

para a criança, para a criança <strong>que</strong> <strong>está</strong>vamos imagi<strong>na</strong>ndo quando bolávamos uma ou<br />

outra atividade de <strong>jogo</strong>s. Pensávamos <strong>na</strong> <strong>cultura</strong> dessa criança, onde ela estava localizada,<br />

se os <strong>jogo</strong>s seriam adequados para ela. Imaginávamos o tipo de brincadeiras <strong>na</strong> área das<br />

escolas <strong>em</strong> <strong>que</strong> trabalhamos, como é o ambiente físico, material, a vida das crianças<br />

mesmo, <strong>em</strong> família, <strong>no</strong> social. Nós olhávamos muito para todos esses lados. Essa discipli<strong>na</strong><br />

possibilitou isso. Não se limitou a passar os <strong>jogo</strong>s, as brincadeiras, mas fez a conexão<br />

deles com o mundo da escola e da criança”.<br />

Capitão Gancho s<strong>em</strong>pre mostrou certa inibição <strong>em</strong> aula. Seus gestos eram contidos<br />

<strong>na</strong>s atividades de <strong>jogo</strong>s e brincadeiras. Parecia-me <strong>que</strong> ele sentia certo desconforto ou<br />

mesmo vergonha <strong>em</strong> se envolver com os colegas para brincar ou jogar. Interessava-me<br />

saber <strong>que</strong> sentimentos e <strong>em</strong>oções ele sentiu ao participar das atividades prática <strong>na</strong>s aulas de<br />

Recreação e Jogos e fui, então, encaminhando <strong>no</strong>ssa conversa neste sentido.<br />

“ No início foi difícil, mas depois de algumas aulas eu comecei a me soltar e não<br />

es<strong>que</strong>ntava mais. Tava todo mundo se entregando, ninguém estava mais preocupado com o<br />

mico do outro, com o seu mico, o negócio era estar ali fazendo, agindo. E nessa a gente ia<br />

aprendendo muito. Agora eu entendo mais o sentido do <strong>jogo</strong>, da brincadeira para a<br />

criança. Se estava bom para a gente <strong>que</strong> é grande, imagine para os pe<strong>que</strong>nininhos? A<br />

participação foi muito boa. A turma se conheceu melhor, sabe? Mesmo com situações<br />

preparadas, eles se interessavam uns pelos outros. Os <strong>jogo</strong>s facilitaram muito as <strong>no</strong>ssas<br />

relações. Ficamos mais prestativos com o outro, <strong>em</strong>polgados com o <strong>que</strong> os outros<br />

209


propunham. Era um riso, um risco de curiosidade, mas a gente <strong>que</strong>ria correr esse risco,<br />

por<strong>que</strong> tinha alegria, tinha prazer, entrega, sabe? Foi muito divertido e útil também, é<br />

claro”.<br />

Assim como <strong>na</strong>s aventuras de mergulhador ressabiado, com medo de ser engolido<br />

por um peixe grande, Capitão Gancho foi mergulhando aos poucos neste mar de alegria e<br />

prazer <strong>que</strong> os <strong>jogo</strong>s proporcio<strong>na</strong>vam. Ele precisou adquirir confiança nele e <strong>em</strong> seus<br />

colegas de turma. Foi uma entrega lenta e gradual. Como ele apontou <strong>no</strong> início desta<br />

<strong>na</strong>rrativa, ele tinha medo se entregar, achava <strong>que</strong> n<strong>em</strong> sabia brincar, <strong>que</strong> não conhecia<br />

muitas brincadeiras infantis e por isso sentia vergonha de participar. Suas primeiras<br />

palavras sobre o assunto foram as seguintes: “Eu nunca fui de ficar com vergonha, mas as<br />

vezes pintava. Não é <strong>que</strong> eu seja muito inibido é <strong>que</strong> as vezes pintavam situações <strong>que</strong> eu<br />

ficava constrangido dos outros olhar<strong>em</strong>. Tinha medo de achar<strong>em</strong> <strong>que</strong> eu não sabia n<strong>em</strong> me<br />

mover para tal brincadeira”. Aos poucos ele foi se deixando levar pela ambiência dos<br />

<strong>jogo</strong>s.<br />

“Nós aqui vivíamos mesmo as situações, nós vivíamos mesmo. È como se a gente tivesse<br />

voltado <strong>no</strong> t<strong>em</strong>po. Por ex<strong>em</strong>plo: para mim <strong>que</strong> não vivi certas situações, era como se eu<br />

estivesse lá com meus 6 a<strong>no</strong>s, 7 a<strong>no</strong>s de <strong>no</strong>vo e tivesses vivendo a<strong>que</strong>le momento ali. Me<br />

trazia alegria, muita alegria <strong>que</strong> me movia a <strong>que</strong>rer fazer, <strong>que</strong>ria termi<strong>na</strong>r um <strong>jogo</strong> já<br />

pensando <strong>em</strong> começar outro com muita curiosidade. Era isso, curiosidade mesmo era o<br />

<strong>que</strong> a gente sentia. Vontade de experimentar o <strong>no</strong>vo. Engraçado, não é? Tinha <strong>jogo</strong>s e<br />

brincadeiras <strong>que</strong> a gente já tinha feito <strong>na</strong> infância lá atrás, já conhecia de alguma<br />

maneira, mas ali parecia tudo <strong>no</strong>vo. Eram <strong>em</strong>oções diferentes.”<br />

Quando indaguei sobre sua prática docente <strong>no</strong> EJA ele comentou <strong>que</strong> procura levar<br />

para a turma atividades de <strong>jogo</strong>s, pois acredita <strong>que</strong> a curiosidade pela atividade possa levá-<br />

los a prestar mais atenção <strong>na</strong> aula, assim como pode promover uma aproximação entre os<br />

alu<strong>no</strong>s e entre estes e ele, tor<strong>na</strong>ndo a aula mais leve e prazerosa. “Quando termi<strong>na</strong> o t<strong>em</strong>po<br />

de aula <strong>em</strong> <strong>que</strong> eu uso um <strong>jogo</strong>, fico olhando assim e penso <strong>que</strong> se não fosse isso, acho <strong>que</strong><br />

eles estariam sofrendo para aprender”. Para Capitão Gancho, um dos grandes desafio de<br />

se trabalhar com adultos é fazer com <strong>que</strong> eles se sintam b<strong>em</strong> <strong>no</strong> ambiente escolar, pois a<br />

vida lá fora, para muitos, já e dura e séria o bastante, assim ele <strong>está</strong> s<strong>em</strong>pre preocupado <strong>em</strong><br />

dar leveza às suas aulas e t<strong>em</strong> <strong>no</strong>s <strong>jogo</strong>s um grande facilitador para isto. “Dar aulas com<br />

<strong>jogo</strong>s para mim também é terapia e acho <strong>que</strong> eles também sent<strong>em</strong> isso e passam isso para<br />

a gente, de <strong>que</strong> <strong>está</strong> sendo bom, agradável”.<br />

210


Quando a educação <strong>está</strong> ligada ao <strong>jogo</strong> é própria maneira de pensá-lo <strong>que</strong> se<br />

modifica. Capitão Gancho conseguia resignificar o ato de jogar a partir das experiências<br />

práticas <strong>que</strong> vivenciou <strong>na</strong> graduação. “Criança <strong>que</strong>r brincar e se você não entender isso<br />

você não consegue se aproximar dela para <strong>na</strong>da, mas só brincando também é <strong>que</strong> a gente<br />

entende isso”. Para ele estas atividades de Recreação deram essa <strong>no</strong>ção de ver a criança<br />

como uma pessoa.<br />

“Pessoa <strong>que</strong> ri, <strong>que</strong> chora, <strong>que</strong> faz bagunça, mas <strong>que</strong> também precisa prestar atenção, se<br />

concentrar, estar atenta. Pessoa <strong>que</strong> fica triste, até quando <strong>está</strong> quieta d<strong>em</strong>ais pode<br />

significar algum tipo de dificuldade física, mental ou da parte psicológica, ou ainda<br />

alguma coisa ruim pode estar acontecendo com ela <strong>em</strong> família. Com as brincadeiras a<br />

gente se aproxima mais delas, conhece ela melhor nessa parte física, mental e de<br />

sentimentos”.<br />

As práticas pedagógicas pelo viés da ludicidade vêm sendo discutidas por diferentes<br />

autores. Brougère (1998) é um dos <strong>que</strong> infere apontando <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> pode se tor<strong>na</strong>r<br />

igualmente um espaço de invenção, de curiosidade e de experiências diversificadas, sendo<br />

um processo de socialização <strong>que</strong> prepara o sujeito para assumir um lugar <strong>na</strong> sociedade. No<br />

âmbito escolar “o <strong>jogo</strong> se caracteriza por uma articulação muito frouxa entre o fim e os<br />

meios” ( Id<strong>em</strong>, p.193)<br />

Para Capitão Gancho, o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> aula é como um por de sol 94 . Está lá encoberto, mas<br />

a qual<strong>que</strong>r hora ele aparece para ilumi<strong>na</strong>r e alegrar os alu<strong>no</strong>s. Em sua escola ele acredita<br />

<strong>que</strong> os <strong>jogo</strong>s deveriam ser mais explorados por outros professores pois ocupam o lado<br />

sombra ligados a perda de t<strong>em</strong>po ou bagunça. Para ele o trabalho com atividades lúdicas,<br />

n<strong>em</strong> <strong>que</strong> seja de vez <strong>em</strong> quando, fica muito melhor. “Não <strong>que</strong> se tivesse <strong>que</strong> usar s<strong>em</strong>pre,<br />

mas <strong>que</strong> ele estivesse ali como um sol pronto para <strong>na</strong>scer” . Para ele<br />

“O sol s<strong>em</strong>pre poderá <strong>na</strong>scer. Eu tenho esperança <strong>que</strong> amanhã será muito melhor. Ele<br />

<strong>está</strong> lá <strong>no</strong> céu, se um dia a gente não vê é por<strong>que</strong> algo encobriu, mas ele <strong>está</strong> lá. Existe<br />

s<strong>em</strong>pre a possibilidade e a esperança dele aparecer para nós. E os professores da minha<br />

escola ainda não viram isso, <strong>que</strong> os <strong>jogo</strong>s ilumi<strong>na</strong>m as tuas aulas”.<br />

94 Na imag<strong>em</strong> de abertura desta <strong>na</strong>rrativa, bus<strong>que</strong>i também trazer o sol como simbolismo do <strong>jogo</strong> para Capitão<br />

Gancho <strong>em</strong> suas práticas pedagógicas.<br />

211


Fonte de calor, de luz, de vida, o sol mostra a verdade de nós mesmo e do mundo. É<br />

a luz do conhecimento e do dualismo dia e <strong>no</strong>ite. “Trata-se de simbolizar a luz e o calor,<br />

ou, de outro ponto de vista, a luz e a chuva, <strong>que</strong> também são os aspectos yang e yin do<br />

brilho vivificante”. (Chevalier e Gueerbrant, 2005, p.837). T<strong>em</strong> sentido de alternância<br />

vida-morte-re<strong>na</strong>scimento, simbolizada pelo ciclo solar.Os primeiros raios deste sol já foram<br />

percebidos por Capitão Gancho: “Lá <strong>na</strong> escola <strong>que</strong> t<strong>em</strong> perto da minha casa, por ex<strong>em</strong>plo,<br />

do a<strong>no</strong> passado para cá é <strong>que</strong> eu comecei a ver mais liberdade para se trabalhar com<br />

<strong>jogo</strong>s e brincadeiras <strong>em</strong> sala de aula, até <strong>no</strong> pátio da escola eu vejo isso com o professor<br />

participando”.<br />

Com o entendimento de <strong>que</strong> a educação v<strong>em</strong> oscilando entre o sol e a chuva, o lado<br />

sombra e o ilumi<strong>na</strong>do, e com esperança <strong>em</strong> dias melhores para educação, Capitão Gancho<br />

deixa uma mensag<strong>em</strong> de crítica ao <strong>que</strong> t<strong>em</strong> visto <strong>na</strong>s escolas por onde t<strong>em</strong> passado nestes<br />

a<strong>no</strong>s <strong>na</strong> condição de professor, alu<strong>no</strong> de Pedagogia ou observador do cotidia<strong>no</strong> escolar.<br />

Esta crítica não se limita ao trabalho com <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong>s escolas, mas inclui o fazer docente e as<br />

instituições de ensi<strong>no</strong> como um todo.<br />

“A escola deveria ser mais aberta por<strong>que</strong> ela ainda é muito fechada para a ludicidade,<br />

para as brincadeiras. Na teoria <strong>está</strong> ótimo, todo mundo acha legal, mas <strong>na</strong> prática,<br />

principalmente <strong>na</strong>s escolas públicas, quando chega dentro da escola se vê uma outra coisa<br />

totalmente diferente. O professor atua de uma forma diferente , por<strong>que</strong> <strong>na</strong> maioria das<br />

vezes ele <strong>está</strong> sendo coagido mesmo a trabalhar da<strong>que</strong>la forma: Olha, isso aqui não pode.<br />

Ele encontra muito controle <strong>no</strong> trabalho dele ainda, há falta de liberdade para ele atuar.<br />

Acho <strong>que</strong> isso é próprio da educação, essa falta de liberdade, esse controle <strong>na</strong> forma como<br />

você atua, <strong>no</strong> <strong>que</strong> você <strong>está</strong> fazendo e falando . Eu acho <strong>que</strong> o professor deveria ter<br />

liberdade <strong>na</strong> sala, mas , infelizmente... , é isso aí.”<br />

212


PRORROGAÇÕES<br />

213


Deus Grego Apolo Deus Grego Dionísio<br />

Prorrogações<br />

__________________________________________________________________<br />

Considerações fi<strong>na</strong>is<br />

Com a sensação e a intenção de <strong>que</strong> esta pesquisa não se encerre aqui, chego às<br />

Prorrogações 95 a<strong>na</strong>lisando o <strong>jogo</strong> jogado pelo e para os professores <strong>em</strong> formação, atores<br />

desta pesquisa. Deparo-me com uma gama de possibilidades de <strong>no</strong>vas (re)construções <strong>que</strong><br />

este conhecimento proporcio<strong>no</strong>u. Revisitar os T<strong>em</strong>pos 96 do trabalho, evocar a m<strong>em</strong>ória<br />

para o visto, o não visto e o revisto, antes e durante a pesquisa, parece-me um desafio típico<br />

95 O sentido de prorrogação aqui utilizado, para além de ser compreendido como uma metáfora do <strong>jogo</strong>,<br />

indica os momentos fi<strong>na</strong>is de uma pesquisa <strong>no</strong> sentido de sua infinitude. Um trabalho <strong>que</strong> s<strong>em</strong>pre necessita<br />

de mais T<strong>em</strong>pos para <strong>no</strong>vas reflexões e visitações, <strong>no</strong>vas jogadas.<br />

96 Refiro-me as partes <strong>que</strong> compuseram esta pesquisa.<br />

214


do próprio ato de jogar. Ainda <strong>em</strong> campo, refaço percursos, apuro técnicas buscando<br />

táticas para levar o leitor, espectador deste <strong>jogo</strong>, à compreensão dos sentidos dos <strong>jogo</strong>s para<br />

alu<strong>no</strong>s-professores <strong>em</strong> formação.<br />

As vozes dos alu<strong>no</strong>s-professores sejam ditas ou escritas, vão mapeando o território e<br />

desvelando O <strong>que</strong> <strong>está</strong> <strong>em</strong> <strong>jogo</strong> <strong>no</strong> <strong>jogo</strong>. Volto a elas inúmeras vezes buscando traços,<br />

formas e cores de decifração deste mapa-território. Recordo os autores trazidos para o<br />

diálogo deste trabalho, revejo as fotos tiradas, penso e repenso sobre os conceitos e as<br />

idéias aqui tratadas. Percebo <strong>que</strong> eu e a pesquisa já somos um todo. Ela <strong>está</strong> <strong>em</strong> mim, assim<br />

como eu estou nela. Estabelece-se uma relação de interdependência morinia<strong>na</strong> - unitas-<br />

multiplex. Sujeito e objeto imbricam-se de tal forma <strong>que</strong> mal distingo a minha voz e voz de<br />

meus sujeitos. Ecoamos unísso<strong>no</strong>s clamando, reclamando e proclamando a alegria e o<br />

prazer do <strong>jogo</strong> para dentro da escola.<br />

A perspectiva de uma pedagogia de animação trazida por Marcelli<strong>no</strong> (1989) aponta<br />

o lazer como possibilidade educativa. Quando o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola é tratado como atividade<br />

recreativa e de formação huma<strong>na</strong>, não se limitando a ferramenta metodológica, promove<br />

vivências, estabelece vínculos afetivos, expressa anseios, revitaliza conteúdos <strong>cultura</strong>is e<br />

uma série de relacio<strong>na</strong>mentos sociais <strong>que</strong> vão abrindo possibilidades de mudanças <strong>no</strong><br />

pla<strong>no</strong> formativo, logo, educativo.<br />

Vimos nesta pesquisa, <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong>, <strong>na</strong> maioria das vezes, dentro ou fora da escola,<br />

<strong>está</strong> ligado ao prazer e ao lazer para <strong>que</strong>m joga. Na fala dos sujeitos pod<strong>em</strong>os evidenciar<br />

<strong>que</strong>: “ Jogo é aquilo <strong>que</strong> r<strong>em</strong>ete a interação e a diversão” ,e <strong>que</strong> “ são as l<strong>em</strong>branças<br />

mais agradáveis <strong>que</strong> possuo da escola”.<br />

Segundo Marcelli<strong>no</strong> (1989), o fascínio das atividades de lazer r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> o sujeito a<br />

um t<strong>em</strong>po de vivências de <strong>no</strong>vos valores, de <strong>que</strong>stio<strong>na</strong>mentos <strong>que</strong> (trans)formam os<br />

participantes de forma não meramente utilitarista. A diversão e a alegria promovidas pelas<br />

atividades lúdicas <strong>na</strong> escola, não se limitam a um t<strong>em</strong>po da vida produtiva <strong>que</strong><br />

<strong>no</strong>rmalmente <strong>no</strong>rteia a cadência das atividades escolares. O t<strong>em</strong>po-espaço do sonho, do<br />

escape do real, tor<strong>na</strong>m-se momentos de formação e desenvolvimento huma<strong>no</strong>, onde o <strong>jogo</strong><br />

aparece como promotor deste lugar outro, lugar sagrado de vivências ricas. A voz do alu<strong>no</strong>-<br />

professor reverbera <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> é “Como uma atividade <strong>em</strong> <strong>que</strong> ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> <strong>que</strong><br />

215


havia a diversão, havia também a aprendizag<strong>em</strong>, pois através do <strong>jogo</strong> a criança desenvolve<br />

várias habilidades”.<br />

Nestes pe<strong>que</strong><strong>no</strong>s <strong>na</strong>das (MAFFESOLI, 1995) e de forma recreativa, o cotidia<strong>no</strong><br />

toma forma, onde a socialidade <strong>em</strong> ato revela a efervescência das relações huma<strong>na</strong>s. Como<br />

não considerar estes momentos educativos? Como não designá-los como meros<br />

divertimentos? Estes têm sido os desafios a enfrentar pelos autores e atores <strong>que</strong> lidam com<br />

o t<strong>em</strong>a <strong>jogo</strong> e educação.<br />

Quando a educação <strong>está</strong> ligada ao <strong>jogo</strong>, passamos a (re)significar essa prática tão<br />

antiga quanto o próprio hom<strong>em</strong>. Na condição de professor, ligar <strong>jogo</strong> e educação é<br />

compreender <strong>que</strong> a ludicidade manifestada <strong>na</strong> infância, <strong>na</strong> maioria das vezes por meio de<br />

brincadeiras e <strong>jogo</strong>s, leva a criança à experimentação de diferentes sentidos como a<br />

liberdade, a criatividade, a auto<strong>no</strong>mia, a crítica, a socialização, a fantasia. Conceitos <strong>que</strong><br />

perpassam o próprio processo educativo. Estas vivências lúdicas pod<strong>em</strong> ser paradisíacas,<br />

como as de Emília, alu<strong>na</strong>-professora <strong>que</strong> participou desta pesquisa. Mesmo considerando<br />

<strong>que</strong> teve sua infância interrompida pelas “peças” <strong>que</strong> a vida lhe pregou, Emília não perdeu<br />

o espírito brincante. Para ela, o jardim 97 de sua infância e o jardim da infância onde<br />

trabalha (educação infantil), mesclam-se de tal forma <strong>que</strong> levam-<strong>na</strong> a adotar inúmeras<br />

atividades de <strong>jogo</strong>s e brincadeiras com seus alu<strong>no</strong>s. Se <strong>na</strong> infância ela se permitia falar<br />

com paredes, dar aulas para galinhas, conversar com o amigo imaginário Alex, como negar<br />

<strong>que</strong> os caroços de uva tor<strong>na</strong>m-se, hoje, jogadores de futebol <strong>na</strong>s mãos de seus alu<strong>no</strong>s?<br />

Quando os espaços e t<strong>em</strong>pos do <strong>jogo</strong> e da brincadeira são limitados por imposições da<br />

própria vida ou por falta de socialização dos mesmos desejos brincantes, como foi o caso<br />

do Capitão Gancho, outro participante desta pesquisa, o homo ludens fica adormecido a<br />

ponto de levar o indivíduo adulto a um estranhamento do ato de jogar e brincar. “Será <strong>que</strong><br />

eu vou me entregar a isto? Será <strong>que</strong> eu vou me prejudicar (..)Tinha medo de achar<strong>em</strong> <strong>que</strong><br />

eu não sabia me mover para tal brincadeira.”<br />

A história do <strong>jogo</strong> vivido por cada sujeito, <strong>na</strong> fase da infância, é fundante <strong>no</strong><br />

próprio ato de jogar do indivíduo adulto, seja para formar ou transformar atitudes e<br />

conceitos com relação aos <strong>jogo</strong>s. Se <strong>na</strong>s escolas de alguns dos entrevistados o <strong>jogo</strong> pouco<br />

97 Os termos <strong>que</strong> se encontram <strong>em</strong> negrito, faz<strong>em</strong> referência a algumas <strong>imagens</strong> evocadas <strong>na</strong>s <strong>na</strong>rrativas dos<br />

alu<strong>no</strong>s –professores <strong>na</strong> parte intitulada Súmula , neste trabalho.<br />

216


acontecia, como relacioná-lo à educação quando estes sujeitos se tor<strong>na</strong>m adultos?<br />

Principalmente quando estes adultos se tor<strong>na</strong>m docentes? Como ver educação e<br />

divertimento como coisas imbricadas? O pensamento simplificador, racio<strong>na</strong>l e disjuntivo<br />

<strong>no</strong>s levou a pensar <strong>que</strong> diversão e aprendizado andam <strong>em</strong> estradas distintas. Para o<br />

aprendizado, corpos dóceis (FOUCAULT, 2002) 98 . Para relaxá-los, recreação. Dicotomia<br />

difícil de ser superada <strong>no</strong> âmbito educativo. Como entender <strong>que</strong> o <strong>jogo</strong> possa ser uma<br />

ponte entre cognição e prazer? Como dar ao <strong>jogo</strong> um papel relevante <strong>no</strong> contexto<br />

educativo? Parece-me <strong>que</strong> o discurso pedagógico permanece míope. É uma visão míope<br />

reduzir o ensi<strong>no</strong> escolar ape<strong>na</strong>s a formação do aspecto cognitivo. O corpo, <strong>em</strong>oções,<br />

fruições e sentimentos não são pensados, n<strong>em</strong> se<strong>que</strong>r l<strong>em</strong>brados <strong>na</strong>s propostas de ensi<strong>no</strong>.<br />

Nosso ensi<strong>no</strong> parece prioritariamente razão e pouco enxerga os aspectos bio-psco-sócio-<br />

<strong>cultura</strong>is revelados <strong>no</strong>s corpos <strong>que</strong> estão a jogar e a brincar por toda a escola. O corpo não<br />

vai à escola. Talvez vá, mas permanece sentado, discipli<strong>na</strong>do <strong>no</strong> silêncio e passividade.<br />

Dócil para o aprendizado.<br />

Ao repensar os <strong>jogo</strong>s da infância, ao apreender os sentidos dos <strong>jogo</strong>s para as<br />

crianças, ao refletir sobre as teorias de ludicidade e, sobretudo, ao experimentar as fruições<br />

<strong>em</strong> atividades de <strong>jogo</strong>s, os alu<strong>no</strong>s-professores são levados a redimensio<strong>na</strong>r o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola.<br />

Tor<strong>na</strong>-se, assim, de grande importância <strong>que</strong> os cursos de formação de professores abord<strong>em</strong><br />

a t<strong>em</strong>ática ludicidade de forma compreensiva, reflexiva, crítica e transformadora.<br />

A relação <strong>jogo</strong>-educação envolve uma tessitura de fi<strong>na</strong> malha de cores, traços e<br />

formas <strong>que</strong> r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> o <strong>jogo</strong> à trabalho e divertimento para <strong>que</strong>m joga, principalmente <strong>em</strong><br />

se tratando de crianças. Se a Emília da Pedagogia fez do irmãozinho um brin<strong>que</strong>do, se<br />

cuidava dele brincando de mãe e lhe ensi<strong>na</strong>va as lições brincando de ser professora, o<br />

Capitão Gancho desta pesquisa, por sua vez, fez do mar um espaço lúdico, pois a<br />

predisposição para o <strong>jogo</strong> é imanente à condição huma<strong>na</strong>, ‘um instinto’ (HUIZINGA,<br />

2004), ‘uma tendência’ (SCHILER In DUFLO, 1999). Os prazeres lúdicos <strong>que</strong> lhe foram<br />

roubados <strong>na</strong> infância surg<strong>em</strong> <strong>na</strong> idade adulta levando-o a fruições como a competição, a<br />

vertig<strong>em</strong>, o simulacro e ao encontro do inusitado <strong>no</strong> fundo do mar. Mergulhar e jogar<br />

assum<strong>em</strong> o mesmo sentido. É aqui <strong>que</strong> retomo a máxima de Schiler (apud DUFLO, 1999) :<br />

98 Para M. Foucault (2002), os corpos dóceis submet<strong>em</strong>-se a uma discipli<strong>na</strong> imposta por instituições<br />

formativas.<br />

217


“o hom<strong>em</strong> só e verdadeiramente hom<strong>em</strong> quando joga”. (p.77) Com este autor,<br />

compreend<strong>em</strong>os melhor o <strong>que</strong> representou o mar para Capitão Gancho. Se o pai não lhe<br />

permitira brincar, se o ingresso <strong>na</strong> escola d<strong>em</strong>orou a acontecer <strong>em</strong> sua vida, o mar foi o<br />

lugar de escape para o homo ludens.<br />

A escola assume um papel importante quando se pensa <strong>na</strong> possibilidade de ser<br />

espaço-t<strong>em</strong>po para <strong>jogo</strong> e brincadeira. Emília, aos <strong>no</strong>ve a<strong>no</strong>s de idade, mesmo assumindo a<br />

função de ‘ajudante de professora’, encontrou <strong>na</strong> escola o lugar de continuar brincando.<br />

Capitão Gancho, <strong>que</strong> pouco freqüentou a escola <strong>na</strong> infância, quase não brincou “Tinha<br />

coisas <strong>que</strong> eu nunca tinha brincado, não conhecia”. No entanto, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre a escola<br />

garante a brincadeira e o <strong>jogo</strong>. Muito <strong>em</strong>bora a grande maioria dos alu<strong>no</strong>s-professores <strong>que</strong><br />

participaram desta pesquisa relacion<strong>em</strong> o <strong>jogo</strong> vivido <strong>na</strong> infância a momentos de prazer e<br />

alegrias <strong>na</strong> escola, um número significativo de respostas r<strong>em</strong>ete o <strong>jogo</strong> a momentos ruins,<br />

de desconforto ou vergonha. Muitos n<strong>em</strong> l<strong>em</strong>bram como era o brincar e o jogar. O <strong>que</strong><br />

fizeram e o <strong>que</strong> faz<strong>em</strong>os com a alegria <strong>na</strong> e da escola? Pensando-se <strong>na</strong> escola como<br />

instituição formativa de uma sociedade e entendendo <strong>que</strong> as políticas públicas <strong>em</strong> educação<br />

apont<strong>em</strong> como meta a garantia de escola para todos os cidadãos brasileiros, passa a ser de<br />

profunda importância <strong>que</strong> os professores <strong>que</strong> nela atuam ou <strong>que</strong> venham a atuar,<br />

compreendam <strong>que</strong> criança é um ser <strong>que</strong> brinca, <strong>que</strong> joga, e <strong>que</strong> este brincar e este jogar não<br />

se limitam a uma necessidade orgânica, funcio<strong>na</strong>l e psíquica, mas é veiculador do seu<br />

desenvolvimento e de sua formação mais complexa.<br />

O <strong>jogo</strong> é uma atividade fundamental para o desenvolvimento infantil. As teorias de<br />

Piaget (1994), Vygotsky (1984), Winnicott (1975) e Bettlh<strong>em</strong> (1988) por ex<strong>em</strong>plo,<br />

reconhec<strong>em</strong> <strong>que</strong> <strong>no</strong> brincar a criança potencializa aspectos bio-psico-sócio-<strong>cultura</strong>is,<br />

tor<strong>na</strong>ndo-se esta atividade uma aprendizag<strong>em</strong> necessária à idade adulta. Chateau (1987)<br />

chega a afirmar <strong>que</strong> “uma criança cresce e se tor<strong>na</strong> grande pelo <strong>jogo</strong>” (p. 14). Para este<br />

autor, o <strong>jogo</strong> desenvolve as funções latentes <strong>no</strong>s aspectos motor, afetivo, social e cognitivo<br />

tão importantes <strong>na</strong> formação huma<strong>na</strong>, tais como socialização, criatividade, auto<strong>no</strong>mia,<br />

liberdade, consenso, conflito, ord<strong>em</strong>, desord<strong>em</strong>, transgressão, imagi<strong>na</strong>ção, fantasia,<br />

seriedade, frivolidade. É preciso buscar e garantir o princípio da atividade lúdica, não<br />

ape<strong>na</strong>s como impulso huma<strong>no</strong>, mas como necessidade mais ampla da formação do hom<strong>em</strong>.<br />

218


Para Brougère(1998), “o <strong>jogo</strong> vai estar <strong>no</strong> centro das atividades <strong>que</strong> têm por<br />

objetivo a regeneração da sociedade” (p.43). O ato de jogar é uma abertura singular para<br />

um <strong>no</strong>vo mundo, ele é uma maneira de uma sociedade dizer de si (MAFFESOLI, 1984). As<br />

propostas de <strong>jogo</strong>s e atividades lúdicas <strong>no</strong> contexto educacio<strong>na</strong>l dev<strong>em</strong> levar <strong>em</strong><br />

consideração <strong>que</strong> o ato de jogar é uma atividade significativa para o hom<strong>em</strong>. O <strong>jogo</strong> <strong>na</strong><br />

escola, seja como importante metodologia de aula, como alavanca <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> de um<br />

conteúdo, seja como atividade recreativa, envolve <strong>em</strong>oções, valores, subjetividades e<br />

comportamentos imbricados <strong>no</strong> próprio processo formativo. Contribui, assim, para o<br />

desenvolvimento afetivo, cognitivo, psicomotor, social e <strong>cultura</strong>l da criança <strong>na</strong> escola, o<br />

<strong>que</strong> implica numa responsabilidade dos professores <strong>em</strong> relação a seu uso de forma crítica e<br />

reflexiva, afi<strong>na</strong>l, o <strong>jogo</strong> é um fenôme<strong>no</strong> huma<strong>no</strong> onde o ato de jogar r<strong>em</strong>ete a inúmeros<br />

sentidos e significados.<br />

Nesta pesquisa, bus<strong>que</strong>i identificar alguns sentidos dos <strong>jogo</strong>s para professores <strong>em</strong><br />

formação, chegando aos mais significativos para estes: recreação e recurso metodológico<br />

para a transmissão de conteúdos. Para a grande maioria dos sujeitos investigados, a<br />

abordag<strong>em</strong> sobre as teorias dos <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong> formação docente possibilitou a compreensão do<br />

<strong>jogo</strong> como parte importante <strong>no</strong> processo educativo, tanto de forma recreativa como de<br />

forma formativa. O processo de formação foi, para muitos, um momento de retirar a venda<br />

dos olhos e ver o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola por um outro e <strong>no</strong>vo prisma. Estabeleceu-se uma ponte<br />

mais sólida <strong>na</strong> relação <strong>jogo</strong>-educação. As atividades escolares passam a ser vistas como<br />

espaço para o reconhecimento de manifestações corporais, sociais e <strong>cultura</strong>is promovidas<br />

por <strong>jogo</strong>s e brincadeiras.<br />

Outro traço importante <strong>no</strong> mapa-território desta pesquisa foi o indicativo de <strong>que</strong> as<br />

atividades praticadas e vivenciadas <strong>na</strong> discipli<strong>na</strong> de Recreação e Jogos <strong>na</strong> FFP/UERJ<br />

corroboraram, e muito, para se compreender as fruições do ato de jogar, o <strong>que</strong> levou os<br />

alu<strong>no</strong>s-professores a uma mudança de olhar. Sentir-se como crianças, gritar, pular,<br />

reclamar, torcer, rir, competir, transgredir, partilhar, estabelecer laços, foram algumas<br />

atitudes apontadas <strong>na</strong>s respostas dos alu<strong>no</strong>s-professores investigados.<br />

Este ponto da pesquisa me impulsio<strong>no</strong>u a fazer a seguinte reflexão: Que perfil deve<br />

ter o professor de Recreação ou discipli<strong>na</strong>s afins, <strong>que</strong> atua <strong>no</strong>s cursos de formação de<br />

professores? Deverá este profissio<strong>na</strong>l ter formação <strong>em</strong> educação física ou <strong>no</strong> campo da<br />

219


ludicidade ? Pensando <strong>na</strong>s Diretrizes Curriculares dos Cursos de Pedagogia, <strong>em</strong> seu Artigo<br />

5º, inciso VI 99 , meus <strong>que</strong>stio<strong>na</strong>mentos tomam força. Que propostas curriculares dev<strong>em</strong> ter<br />

estes cursos de modo a atender tais exigências legais? Qual a especificidade do profissio<strong>na</strong>l<br />

<strong>que</strong> atuará neste eixo t<strong>em</strong>ático? Como mencionei ao iniciar esta Prorrogação, este trabalho<br />

proporcio<strong>no</strong>u uma gama de possibilidades de (re)construção de conhecimentos. Deixo aqui<br />

estas pistas para outros <strong>jogo</strong>s/estudos de pesquisa, pois uma produção acadêmica não se<br />

esgota <strong>na</strong> elaboração de uma dissertação ou tese. Na feitura destes trabalhos, surg<strong>em</strong><br />

diferentes formas, traços e cores <strong>que</strong> d<strong>em</strong>andam <strong>no</strong>vos mapas-territórios com paisagens<br />

instigantes a ser<strong>em</strong> exploradas.<br />

Volto a transitar entre os sentidos dos <strong>jogo</strong>s apontados nesta pesquisa perpassando<br />

pela complexa relação de redes simbólicas <strong>que</strong> envolv<strong>em</strong> o ato de jogar. Dentre a<br />

multiplicidade de sentidos encontrados, destaco <strong>que</strong> os alu<strong>no</strong>s-professores r<strong>em</strong>eteram o<br />

<strong>jogo</strong> a seguinte polarização: divertimento/trabalho. Concepção de <strong>jogo</strong> como meio<br />

(aprendizag<strong>em</strong>) e como fim (ludicidade). Os estudos de Brougèrre (1998) apontam <strong>que</strong> o<br />

<strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola é, muitas vezes, entendido como tarefa escolar. O fato de ser também<br />

compensador das d<strong>em</strong>ais atividades, de ser motivante para as crianças e de ser revelador do<br />

comportamento infantil, faz com <strong>que</strong> seja usado com uma intencio<strong>na</strong>lidade educativa.<br />

O <strong>que</strong> se tor<strong>na</strong> relevante para o entendimento desta polarização prazer-trabalho, é<br />

<strong>que</strong> comportamentos apolíneos e dionisíacos estão presentes <strong>no</strong> ato de jogar<br />

consubstanciando-se <strong>na</strong> própria tensão do <strong>jogo</strong>. A combi<strong>na</strong>ção destes pólos garante <strong>que</strong> o<br />

<strong>jogo</strong> seja desejado e vivido literalmente pelas crianças. O <strong>jogo</strong> só é <strong>jogo</strong> se envolver paidia<br />

e ludus (CAILLOIS, 1990). A euforia, a motivação para o <strong>jogo</strong>, é <strong>que</strong> revela se o jogador<br />

<strong>está</strong> ali para jogar e o ludus, ou seja, as regras aceitas voluntariamente, garant<strong>em</strong> o <strong>jogo</strong>.<br />

Estas características do <strong>jogo</strong> “convidam” Apolo e Dionísio para uma partida. De forma<br />

concorrente, antagônica e compl<strong>em</strong>entar (MORIN, 2003), estes “deuses jogam”, e jogam<br />

deliberadamente.<br />

Os <strong>simbolismos</strong> dos <strong>jogo</strong>s, aqui apresentados através das <strong>imagens</strong>-símbolos<br />

destacadas <strong>na</strong>s <strong>na</strong>rrativas e <strong>no</strong>s interditos das respostas dos <strong>que</strong>stionários, tec<strong>em</strong> uma trama<br />

99 Artigo 5º. O egresso do Curso de Pedagogia deverá estar apto a: VI - aplicar modos de ensi<strong>na</strong>r diferentes<br />

linguagens, Língua Portuguesa, Mat<strong>em</strong>ática, Ciências, História, Geografia, Artes, Educação Física, de forma<br />

interdiscipli<strong>na</strong>r e adequadas às diferentes fases do desenvolvimento huma<strong>no</strong>.<br />

220


simbólica onde a <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ática rei<strong>na</strong>nte é de Apolo e Dionísio. Circulando entre<br />

divertimento e tarefa, entre produtivo e frívolo, o <strong>jogo</strong> pode ser compreendido como<br />

atividade séria, sagrada para <strong>que</strong>m joga e ao mesmo t<strong>em</strong>po fasci<strong>na</strong>nte e envolvente<br />

permitindo flutuações de sentidos. Entre seriedade e divertimento, o jogador vai se<br />

permitindo sonhar, decidir, brigar, acatar, orde<strong>na</strong>r e desorde<strong>na</strong>r o estabelecido pelo próprio<br />

<strong>jogo</strong> <strong>na</strong> busca de uma (re)organização <strong>no</strong> jogar. Joga-se <strong>em</strong> princípio tetralógico 100<br />

(MORIN, 2005). No movimento recursivo da razão e do prazer, da realidade e da fantasia,<br />

do mundo real e do mundo sonhado, os deuses vão tomando o campo do <strong>jogo</strong>. Ponte entre o<br />

racio<strong>na</strong>l e o não-racio<strong>na</strong>l, o sério e o não-sério. No espaço-t<strong>em</strong>po do <strong>jogo</strong>, rei<strong>na</strong>m Apolo e<br />

Dionísio, afi<strong>na</strong>l, os mitos <strong>na</strong>rram o mundo <strong>que</strong> partilhamos com os outros. As atividades<br />

lúdicas permit<strong>em</strong> a imagi<strong>na</strong>ção huma<strong>na</strong> manifestada como “uma realidade dispersante <strong>que</strong><br />

permite estruturar mitos e sonhos” ( COSTA, 200,p.107).<br />

O <strong>jogo</strong>, como dimensão simbólica, epifânica por <strong>na</strong>tureza, reatualiza a tensão entre<br />

o real e o imaginário. O antagonismo destes pares tor<strong>na</strong>-se a completude do <strong>jogo</strong>. Assim, o<br />

<strong>jogo</strong> é um momento de rito <strong>que</strong> reatualiza-se a cada <strong>jogo</strong> jogado, envolvendo mitos e<br />

símbolos da <strong>cultura</strong> de <strong>que</strong>m joga. A <strong>cultura</strong> lúdica da infância, revelada muitas vezes <strong>no</strong>s<br />

momentos de <strong>jogo</strong>s, é ponto de compreensão do comportamento infantil, o <strong>que</strong> inclui as<br />

atitudes, desejos, sonhos e devaneios dos brincantes. Desta forma, o <strong>jogo</strong> é um tipo de<br />

atividade <strong>que</strong> chama a <strong>no</strong>ssa atenção para a dimensão simbólica instituinte <strong>na</strong> vida huma<strong>na</strong><br />

<strong>em</strong> sua complexidade. Não pod<strong>em</strong>os descartá-lo como el<strong>em</strong>ento não pertencente ao<br />

processo educativo. Dev<strong>em</strong>os sim, compreendê-lo para inseri-lo, de forma consciente, <strong>em</strong><br />

<strong>no</strong>ssas práticas pedagógicas reconhecendo o quanto é importante para o professor <strong>em</strong><br />

formação essa tomada de consciência.<br />

O <strong>jogo</strong>, ao mesmo t<strong>em</strong>po tão sério e tão fútil, transita entre a <strong>no</strong>rma, o<br />

institucio<strong>na</strong>lizado, a domesticação necessária ao <strong>jogo</strong>, logo com postura apolínea, e a<br />

potência do prazer, do desejo, da alegria arrebatadora, portanto, dionisíaca. O <strong>jogo</strong><br />

circunscreve-se entre o sagrado e o profa<strong>no</strong>. Para Eliade (1992) “ o sagrado e o profa<strong>no</strong><br />

constitu<strong>em</strong> duas modalidades de ser <strong>no</strong> Mundo, duas situações existenciais assumidas pelo<br />

hom<strong>em</strong> ao longo da sua história” ( p.20), paradoxo onde “o hom<strong>em</strong> toma conhecimento<br />

do sagrado por<strong>que</strong> este se manifesta , se mostra como algo absolutamente diferente do<br />

100 Este princípio morinia<strong>no</strong> foi abordado <strong>na</strong> parte Primeiro t<strong>em</strong>po deste trabalho.<br />

221


profa<strong>no</strong>” ( Id<strong>em</strong>, p.17). R<strong>em</strong>etido à imag<strong>em</strong> de Dionísio, por<strong>que</strong> este deus é tido como o<br />

deus do êxtase, do entusiasmo e da festividade, o <strong>jogo</strong> é um ritual. “ Na realidade, o ritual<br />

pelo qual o hom<strong>em</strong> constrói um espaço sagrado é eficiente à medida <strong>que</strong> ele reproduz a<br />

obra dos deuses” ( Id<strong>em</strong>, p.32). Ritual desejado e <strong>que</strong>rido pelos brincantes de <strong>no</strong>ssas<br />

escolas. Espaço de deuses, mitos e sonhos infantis de perfil dionisíaco e muitas vezes mal<br />

interpretado pela visão apolínea dos sujeitos da escola .<br />

“Sob a sua forma el<strong>em</strong>entar, o sagrado representa, pois, acima de tudo, uma energia<br />

perigosa, incompreensível, arduamente manejável, <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente eficaz. Para<br />

<strong>que</strong>m decida recorrer a ela, o probl<strong>em</strong>a consiste <strong>em</strong> captá-la e utilizá-la da melhor<br />

maneira para os seus interesses, s<strong>em</strong> es<strong>que</strong>cer de se proteger dos riscos inerentes ao<br />

<strong>em</strong>prego de uma força tão difícil de domi<strong>na</strong>r”. (CAILLOIS, 1988,p.22).<br />

A este respeito, Eliade (1992) entende <strong>que</strong> a reatualização deste rito chamado <strong>jogo</strong>,<br />

t<strong>em</strong>po mítico-sagrado, “é um eter<strong>no</strong> presente indefinidamente recuperável”(Id<strong>em</strong>, p.79),<br />

daí a dificuldade de controlá-lo como atividade recreativa <strong>na</strong> escola gerando insegurança<br />

entre os professores <strong>que</strong> o assum<strong>em</strong> como prática pedagógica.<br />

Por outro lado, Apolo, deus grego encarregado de difundir a luz <strong>no</strong> universo, figura<br />

mítica do equilíbrio, da harmonia (BRANDÃO, 1991), grande harmonizador dos<br />

contrários, garante o andamento do <strong>jogo</strong>. Joga-se com seriedade e <strong>em</strong>penho. Esta faceta do<br />

<strong>jogo</strong>, face de Apolo, atrai inúmeros professores a relacio<strong>na</strong>r <strong>jogo</strong> e educação. Como<br />

atividade mediada por regras, <strong>na</strong> vigilância de Apolo, o <strong>jogo</strong> passa a ser entendido por<br />

muitos alu<strong>no</strong>s-professores como tarefa, logo passível de controle. Transformar um <strong>jogo</strong> <strong>em</strong><br />

recurso metodológico é um atrativo <strong>na</strong> relação <strong>jogo</strong>-educação, como revelado por alguns<br />

alu<strong>no</strong>s: “ Como professora trabalhei com <strong>jogo</strong>s <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> de alguns conteúdos sobre<br />

mat<strong>em</strong>ática ciências ( dominó mat<strong>em</strong>ático, <strong>jogo</strong> da m<strong>em</strong>ória sobre animais)”; “Utilizo<br />

para introduzir várias matérias como, por ex<strong>em</strong>plo, o alfabeto. Ele proporcio<strong>na</strong> aumento<br />

<strong>no</strong> rendimento escolar das crianças pelo fato de envolvê-las mais profundamente <strong>na</strong>s<br />

atividades”.<br />

No entanto, a reflexão sobre esta prática deve ser discutida com professores <strong>em</strong><br />

formação de modo a levá-los a entender <strong>que</strong> “ O impulso lúdico é resultante de uma ação<br />

recíproca entre os impulsos sensível (vida) e formal ( forma), identificando-se com a<br />

humanidade do hom<strong>em</strong>” (COSTA, 2000, p.121). Olhar o <strong>jogo</strong> pelo paradigma da<br />

complexidade possibilita compreendê-lo como espaço de manifestação do sagrado e do<br />

222


profa<strong>no</strong>, não se reduzindo um termo ao outro. Há entre estes termos uma relação de<br />

interdependência de forma antagônica, concorrente e compl<strong>em</strong>entar.<br />

A escola, como instância <strong>que</strong> historicamente se encaixa e se delineia por um viver<br />

produtivo, <strong>que</strong> valoriza o homo faber, pode, também, se tor<strong>na</strong>r espaço-t<strong>em</strong>po para o homo<br />

ludens , onde Dionísio deitará sua sombra, deixando rastros <strong>que</strong> não pod<strong>em</strong> ser negados.<br />

Corpos suados, uniformes desalinhados e faces vermelhas vão revelando sua alegre e<br />

profa<strong>na</strong> presença. Como não deixá-lo entrar? Como tentar docilizar corpos tão expressivos<br />

e sedentos por brincadeiras? Educar é sufocar tais manifestações? Educar é uma postura<br />

simplesmente apolínea? Se Dionísio se manifesta, não se educa? Não se ensi<strong>na</strong>? Não se<br />

aprende? Na maioria das vezes, o professor pensa <strong>em</strong> <strong>jogo</strong> com uma intencio<strong>na</strong>lidade<br />

pedagógica, devendo ser um t<strong>em</strong>po-espaço útil para algum aprendizado, <strong>no</strong>rmalmente<br />

aprendizados do programa de ensi<strong>no</strong>. Não há brincadeiras, <strong>jogo</strong>s e outras atividades<br />

espontâneas <strong>que</strong> ocorr<strong>em</strong> além dos muros escolares e <strong>que</strong> faz<strong>em</strong> parte do saber das crianças<br />

<strong>que</strong> possam ser consideradas educativas? A escola permite pouco espaço para as práticas<br />

corporais <strong>que</strong> manifestam alegrias e prazeres e, assim, nega acesso aos conhecimentos da<br />

linguag<strong>em</strong> <strong>que</strong> o corpo expressa quando <strong>está</strong> jogando e brincando. Nenhum sist<strong>em</strong>a<br />

educativo, nenhuma pedagogia pode cumprir sua tarefa se deixar o corpo do lado de fora<br />

dos muros escolares, das salas de aula e dos planejamentos de ensi<strong>no</strong>.<br />

Brincar /jogar é uma condição huma<strong>na</strong>, sobretudo entre crianças. São atitudes, <strong>na</strong><br />

maioria das vezes, partilhadas, onde o prazer de estar junto, onde o sentimento de pertença<br />

é mais forte <strong>que</strong> o resultado do <strong>jogo</strong> <strong>em</strong> si. Jogar é também criar laços. O <strong>que</strong> há de mais<br />

precioso <strong>no</strong> <strong>jogo</strong> é o movimento <strong>que</strong> ele gera. Uma pulsão agregativa <strong>que</strong> vivida pelos<br />

alu<strong>no</strong>s-professores da FFP/UERJ, os fizeram (re)pensar o <strong>jogo</strong> <strong>na</strong> escola. Razão e <strong>em</strong>oção<br />

passam a ser entendidas como parte do processo ensi<strong>no</strong>aprendizag<strong>em</strong> e viver o <strong>jogo</strong>,<br />

apolínea e dionisiacamente, se tor<strong>na</strong> um ato educativo.<br />

Convido a Emília da Pedagogia para, com sua chave, abrir o cofre dos <strong>jogo</strong>s <strong>na</strong><br />

escola libertando Apolo e Dionísio, para <strong>que</strong> os <strong>jogo</strong>s e brincadeiras torn<strong>em</strong> as escolas<br />

brasileiras mais atrativas, prazerosas e alegres.<br />

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