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Flávia Muniz O Hóspede A casa estava na mais completa desordem. Móveis quebrados, objetos destruídos, sangue pelas portas e paredes. PG caminhou pelo cenário de horror, desviandose dos outros policiais que faziam o trabalho técnico, observando cadáveres. A mulher, branca, de uns 40 anos, estava caída próximo à janela. Agarrara-se na cortina e esta despencara sobre si, formando um amontoado de panos ensanguentados. Tivera a cabeça arrancada do corpo, e uma trilha de sangue e fragmentos seguia sobre o carpete até a cozinha onde fora deixada, dentro da pia de lavar louça, os olhos esbugalhados de terror. No quarto do meio, o garoto de quatro anos havia sido estrangulado com o cordão do móbile de ursinhos que antes pendia do teto. Quem ousasse poderia imaginá-lo, a balançar em volteios fantasmagóricos, indiferente aos olhares consternados dos policiais da perícia. Mas o pior acontecera à garota. Ela havia apanhando bastante antes de morrer. Estava com o corpo escoriado e cheio de hematomas. A perna esquerda exibia uma fratura exposta. O nariz fora quebrado. Faltavamlhe três dentes e parte da língua. Tinha a metade de um cabo de madeira atravessado em seu peito, com pedaços de pulmão e vértebras grudados na extremidade que transpassara suas costas. PG apoiou-se no batente da porta, assombrado com a violên- cia dos crimes. O que ocorrera ali não era simplesmente fruto de uma mente perturbada. A maldade estava presente... em todo o seu apogeu e glória. Segundo as observações preliminares do legista, o homem fora encontrado pela polícia ainda com vida, caído no quintal, gemendo e transtornado, com as roupas ensopadas de sangue. Um vizinho ouvira os gritos e o quebra-quebra e acionara a polícia. — Ele morreu há quanto Ela havia apanhado bastante antes de morrer. Estava com o corpo escoriado e cheio de hematomas. tempo? — perguntou PG, aproximando-se do corpo inerte. — Pouco menos de uma hora. O exame clínico aponta para uma espécie de surto seguido de infarto, olhe o peito estufado, os traços de asfixia no rosto azulado... Parece que uma bomba detonou dentro dele. — Eu vou aguardar o relatório — disse PG, depois de uns instantes. — Ok. PG atravessou a casa sem olhar novamente para os corpos das vitimas. Conversou com mais alguns colegas policiais e saiu para a rua, em busca de ar fresco. Precisou enfrentar ainda que por segundos o olhar amedrontado dos vizinhos e curiosos. Olhares que imploravam respostas. No entanto, sentia-se impotente diante de algo tão monstruoso. Qualquer explicação não seria suficiente para restabelecer a normalidade, 48 a ilusão de segurança de que tanto necessitavam. Um velho alcançou-o antes que entrasse no carro. Era um mendigo fedorento, um sem-teto miserável que a cidade produzia da noite para o dia. — Isso é coisa do demônio! — ele sussurrou tocando o braço de PG com seus dedos magros. PG livrou-se dele com um movimento súbito, visivelmente assombrado. — Santo Deus! O que está acontecendo nesta cidade? Na semana seguinte, PG separou as pastas com o relatório dos últimos crimes violentos não solucionados de sua região por ordem de data. Ajeitou a luz da luminária para que não ofuscasse seus olhos durante a leitura e reiniciou a busca de pistas, indícios, elos perdidos. Ligou o computador e clicou nas pastas com informações confidenciais e recomeçou a relê-los um a um. Toda aquela perversidade o enojava. Eram quase 3 da manhã quando o telefone em sua mesa de trabalho tocou. — PG? — Doutor Frankeinsten! Acordado a essa hora? — Muito engraçado... Pensa que é só você que dá duro por aqui? — Tenho certeza disso! — disse PG, tomando outro gole de café. — O que manda? — Já estou com o resultado da autópsia. 3
Flávia Muniz O Hóspede PG sentiu o corpo retesar. — E então? — Esse organismo, como os demais que examinamos autopsiados, sofreu uma espécie de colapso hormonal. Há comprovação de produção excessiva de corticoides e adrenalina no sangue, um verdadeiro caos químico, exatamente como os demais. — E... — As glândulas tireoide e suprarrenais foram hiperativadas, enquanto que a hipófise sofreu inibição total. — O que exatamente isso quer dizer, doutor? — perguntou PG. — Bem, os hormônios agem para aumentar o nível de estímulo no corpo. É como preparar-se para enfrentar um perigo. Você se torna mais forte de repente, com mais gás para lutar. É uma resposta fisiológica a uma ameaça. — Mas eles eram os agressores! E suas vítimas não representavam ameaça real alguma. — Bem — disse o legista — é o que indica o estado deste corpo antes da morte. Não havia ferimentos externos aparentes, a não ser os de resistências de suas vítimas. — Então... esses caras estiveram lutando com alguma coisa... antes? — O mais correto seria interpretar que todos eles experimentaram uma pressão insuportável antes de morrer. Alguma coisa os fez ultrapassar o limite. Mas, há ainda, um fato curioso em tudo isso. — E o que é? — disse PG, sentindo certa hesitação no tom de voz do médico-legista. — Veja, ainda estamos estudando, compreenda, não se trata de uma declaração oficial. — Vá em frente, doutor. — Encontramos uma substância, uma espécie de ácido no cérebro de todos esses... como vocês chamam... assassinos eventuais. Seus cérebros estavam corroídos por esse fluido, os ossos e tecidos destruídos. Os rostos desfigurados das vítimas e de seus algozes dançavam sobre a tela, zombando de sua inércia mental. — Frank... O que é isso? — perguntou PG, inconformado — Algum tipo de doença, um vírus? Uma mutação genética com data certa pra eclodir? Como posso trabalhar sem saber o que devo procurar, caçar? — Infelizmente ainda não tenho respostas conclusivas. Estamos realizando exames para descobrir a origem dessa alteração. Por enquanto, só me arrisco a afirmar o que sei. Tudo leva a crer que essa violenta reação química experimentada pelas vítimas pode ter provocado a parada cardíaca. Quanto à destruição do cérebro... não sei exatamente com o que estamos lidando. Qualquer novidade nesse sentido, eu o avisarei. — Um momento, doutor. Quero saber uma coisa. Essa reação poderia ter sido desencadeada por outro motivo qualquer, além de ameaça física ou sensação de perigo iminente? 49 O médico silenciou por uns segundos. — Sim. Nosso corpo reage da mesma forma quando sentimos emoções fortes como raiva e ódio. — Obrigado, Frank. Até mais tarde. PG desligou o telefone e voltou os olhos para a tela do computador. Seu cérebro trabalhava ativamente, tentando ligar os pontos, encontrar uma solução razoável para aqueles crimes hediondos. Os rostos desfigu- rados das vítimas e de seus algozes dançavam sobre a tela, zombando de sua inércia mental. Os relatórios faziam a descrição detalhada de cada crime horripilante. Uma professora primária que mata 3 alunos, obrigando-os a ingerirem soda cáustica. O motorista de ônibus que atropela e mata um casal de namorados, deliberadamente, passando várias vezes sobre os corpos esfacelados. O executivo que estrangula a secretária depois de estripar o boy que parte em defesa da garota. O pai de família... e o padre. Este, era mesmo de fazer perder o juízo. PG tirou as fotos do envelope, provas do bárbaro crime, recordando-se do fato ocorrido havia menos de um mês. O padre Bóris assassinara sua própria mãe, esquartejando-a para alimentar os cachorros que criava. Todos eram crimes hediondos, brutais, extremamente violentos, que tinham ocorrido por motivos aparentemente fúteis. Qual motivo essas pessoas tinham para praticar
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Flávia Muniz O Hóspede<br />
A casa estava na mais completa<br />
desordem. Móveis quebrados,<br />
objetos destruídos, sangue pelas<br />
portas e paredes. PG caminhou<br />
pelo cenário de horror, desviandose<br />
dos outros policiais que faziam<br />
o trabalho técnico, observando<br />
cadáveres. A mulher, branca, de<br />
uns 40 anos, estava caída próximo<br />
à janela. Agarrara-se na cortina<br />
e esta despencara sobre si, formando<br />
um amontoado de panos<br />
ensanguentados. Tivera a cabeça<br />
arrancada do corpo, e uma trilha<br />
de sangue e fragmentos<br />
seguia sobre o<br />
carpete até a<br />
cozinha onde fora deixada, dentro<br />
da pia de lavar louça, os olhos<br />
esbugalhados de terror.<br />
No quarto do meio, o garoto<br />
de quatro anos havia sido estrangulado<br />
com o cordão do móbile<br />
de ursinhos que antes pendia<br />
do teto. Quem ousasse poderia<br />
imaginá-lo, a balançar em volteios<br />
fantasmagóricos, indiferente aos<br />
olhares consternados dos policiais<br />
da perícia.<br />
Mas o pior acontecera à<br />
garota. Ela havia apanhando<br />
bastante antes de morrer. Estava<br />
com o corpo escoriado e cheio<br />
de hematomas. A perna esquerda<br />
exibia uma fratura exposta. O<br />
nariz fora quebrado. Faltavamlhe<br />
três dentes e parte da língua.<br />
Tinha a metade de um cabo de<br />
madeira atravessado em seu peito,<br />
com pedaços de pulmão e vértebras<br />
grudados na extremidade que<br />
transpassara suas costas.<br />
PG apoiou-se no batente da<br />
porta, assombrado com a violên-<br />
cia dos crimes. O que ocorrera<br />
ali não era simplesmente fruto de<br />
uma mente perturbada. A maldade<br />
estava presente... em todo o<br />
seu apogeu e glória.<br />
Segundo as observações preliminares<br />
do legista, o homem fora<br />
encontrado pela polícia ainda com<br />
vida, caído no quintal, gemendo<br />
e transtornado, com as roupas<br />
ensopadas de sangue. Um vizinho<br />
ouvira os gritos e o quebra-quebra<br />
e acionara a polícia.<br />
— Ele morreu há quanto<br />
Ela havia apanhado bastante<br />
antes de morrer. Estava com o corpo escoriado<br />
e cheio de hematomas.<br />
tempo? — perguntou PG, aproximando-se<br />
do corpo inerte.<br />
— Pouco menos de uma hora.<br />
O exame clínico aponta para uma<br />
espécie de surto seguido de infarto,<br />
olhe o peito estufado, os traços<br />
de asfixia no rosto azulado...<br />
Parece que uma bomba detonou<br />
dentro dele.<br />
— Eu vou aguardar o relatório<br />
— disse PG, depois de uns instantes.<br />
— Ok.<br />
PG atravessou a casa sem<br />
olhar novamente para os corpos<br />
das vitimas. Conversou com mais<br />
alguns colegas policiais e saiu<br />
para a rua, em busca de ar fresco.<br />
Precisou enfrentar ainda que por<br />
segundos o olhar amedrontado<br />
dos vizinhos e curiosos. Olhares<br />
que imploravam respostas. No entanto,<br />
sentia-se impotente diante<br />
de algo tão monstruoso. Qualquer<br />
explicação não seria suficiente<br />
para restabelecer a normalidade,<br />
48<br />
a ilusão de segurança de que tanto<br />
necessitavam.<br />
Um velho alcançou-o antes<br />
que entrasse no carro. Era um<br />
mendigo fedorento, um sem-teto<br />
miserável que a cidade produzia<br />
da noite para o dia.<br />
— Isso é coisa do demônio! —<br />
ele sussurrou tocando o braço de<br />
PG com seus dedos magros.<br />
PG livrou-se dele com um<br />
movimento súbito, visivelmente<br />
assombrado.<br />
— Santo Deus! O que está<br />
acontecendo nesta cidade?<br />
Na semana seguinte, PG<br />
separou as pastas com o relatório<br />
dos últimos crimes violentos não<br />
solucionados de sua região por<br />
ordem de data. Ajeitou a luz da<br />
luminária para que não ofuscasse<br />
seus olhos durante a leitura e<br />
reiniciou a busca de pistas, indícios,<br />
elos perdidos. Ligou o computador<br />
e clicou nas pastas com<br />
informações confidenciais e recomeçou<br />
a relê-los um a um. Toda<br />
aquela perversidade o enojava.<br />
Eram quase 3 da manhã<br />
quando o telefone em sua mesa de<br />
trabalho tocou.<br />
— PG?<br />
— Doutor Frankeinsten!<br />
Acordado a essa hora?<br />
— Muito engraçado... Pensa<br />
que é só você que dá duro por<br />
aqui?<br />
— Tenho certeza disso! —<br />
disse PG, tomando outro gole de<br />
café. — O que manda?<br />
— Já estou com o resultado da<br />
autópsia.<br />
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