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Flávia Muniz O Hóspede<br />

encolhida no canto oposto da<br />

parede, cobrindo o corpo seminu<br />

com uma toalha. Ela parecia<br />

muito assustada, estava trêmula,<br />

e apontava para a janela parcialmente<br />

destruída. Sussurrou que<br />

algo a espreitava pela janela, e<br />

havia tentado entrar.<br />

— Pam, o que está acontecendo<br />

aqui? — ele perguntou-lhe,<br />

sem tirar os olhos da janela.<br />

— Eu não sei! Alguém estava<br />

me espiando, alguma coisa.<br />

Tinha... era medonho! Está lá fora!<br />

— Quem quebrou o<br />

vidro? — ele insistiu,<br />

limpando<br />

o suor com o<br />

dorso do braço.<br />

— F-fui eu! Fiquei com medo<br />

e atirei o perfume nele.<br />

— Nele? — repetiu, aproximando-se<br />

da janela. — Então... era<br />

um rapaz?<br />

— Não! Era... era um rosto<br />

horrível, tinha olhos vermelhos...<br />

parecia um... demônio!<br />

— Ora, Pamela, não diga<br />

asneira! Na certa, algum garoto<br />

maluco com uma máscara de<br />

monstro quis pregar uma peça em<br />

você. Vou dar uma espiada lá fora<br />

e fechar a veneziana. Quantas vezes<br />

disse que não quero que você<br />

se troque com a janela aberta?<br />

Apoiou o rodo na parede e<br />

começou a levantar a vidraça,<br />

quando um súbito movimento no<br />

quintal chamou-lhe a atenção.<br />

— Quem está aí? — gritou<br />

para a escuridão.<br />

— Pai, não vá até lá fora...<br />

— Fique quieta, menina. Vou<br />

mostrar a ele quem é que manda<br />

na casa. — e girou os fechos para o<br />

lado, levantando a vidraça. Colocou<br />

a cabeça para fora e disse, bem<br />

alto – Muito bem, seus moleques<br />

vadios, podem dar o fora do meu<br />

quintal, porque eu já chamei a<br />

políc....<br />

Mas não foi capaz de terminar<br />

a frase. Algo o agarrou pelo<br />

pescoço, arrastando-o para fora,<br />

meio corpo além da janela, como<br />

se ele fosse uma pequena trouxa<br />

de roupas. Algo ou alguém muito<br />

forte, com garras poderosas,<br />

capazes de dominar um homem<br />

Quando se voltou para ela,<br />

sua fisionomia havia se alterado por completo.<br />

Exibia um sorriso demoníaco...<br />

daquele porte.<br />

— Papai!<br />

Ela pretendia ajudá-lo, mas<br />

não sabia ao certo o que fazer.<br />

Saltou por sobre a cama e puxou-o<br />

pelos pés. Ele tremia, seu corpo foi<br />

tomado por convulsões violentas<br />

e vibrava como se estivesse sendo<br />

triturado em um liquidificador<br />

gigante. Estava escuro lá fora, mas<br />

ela sabia que o demônio havia<br />

agarrado seu pai. Ela gritou o mais<br />

que pode.<br />

— Mãe! Chame a polícia!<br />

Ela, que ouvira toda a gritaria,<br />

agora estava na sala, tentando<br />

teclar o número correto. Tremia<br />

e chorava, nervosa, acuada, sem<br />

saber o que fazer, arrependida, se<br />

tivesse uma arma, rezando para<br />

que a ligação se completasse com<br />

rapidez. A movimentação no<br />

quarto se tornara maior, com sons<br />

de objetos se quebrando, móveis<br />

sendo arrastados, gritos e ruídos<br />

estranhos, animais...<br />

46<br />

— Polícia militar, boa noite!<br />

— Por favor! Ajude-me!<br />

— Pois não, senhora! Pode<br />

falar.<br />

— Ele vai nos matar!<br />

— Quem está falando? Senhora?<br />

— Oh, meu Deus!<br />

— Diga seu nome e endereço,<br />

senhora! Alô! Alô!<br />

Ele estava caído no chão do<br />

quarto, enjoado e tonto, com uma<br />

sensação desagradável no corpo.<br />

Levantou-se, devagar, sentindo o<br />

gosto amargo de bílis passear<br />

alegremente em<br />

sua garganta,<br />

provocando-lhe<br />

náuseas e tremores.<br />

Tinha o batimento cardíaco<br />

alterado, e uma forte dor nas têmporas.<br />

Respirava com dificuldade,<br />

desconfiado de que havia partido<br />

algumas costelas. Sua mente<br />

vagava entre a lucidez e a loucura,<br />

no sedutor limite da irrealidade.<br />

Sentia-se diferente, estranhamente<br />

poderoso, com vontades esquisitas.<br />

Sentia-se capaz de realizar<br />

tudo o que sempre desejara.<br />

— Papai! — sua filha o chamou,<br />

soluçando. – Você está bem?<br />

Sim, ele ia responder, mas foi<br />

então que algo explodiu em seu<br />

cérebro. Suas emoções se embaralharam<br />

e ele não tinha mais tanta<br />

certeza do que dizer ou pensar.<br />

Ficou ali, atordoado e ofegante,<br />

tentando atender ao apelo das<br />

emoções. Quando se voltou para<br />

ela, sua fisionomia havia se alterado<br />

por completo. Exibia um<br />

sorriso demoníaco, o ódio infiltrando-se<br />

em suas palavras enquanto<br />

se punha em pé, com certa

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