15.04.2013 Views

Haiti - O Estado de MS

Haiti - O Estado de MS

Haiti - O Estado de MS

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

D2 <strong>Haiti</strong><br />

o <strong>Estado</strong><br />

Sábado, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2010<br />

Editorial<br />

Lucia Morel<br />

Hey you! Com esse cumprimento<br />

simples e rápido,<br />

as crianças haitianas<br />

chamavam a atenção dos<br />

soldados da MINUSTAH e da<br />

comitiva <strong>de</strong> brasileiros vestidos<br />

com coletes à prova <strong>de</strong> balas e<br />

com capacetes <strong>de</strong> proteção que<br />

caminhavam entre as barracas<br />

<strong>de</strong> um dos centenas <strong>de</strong> campos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>salojados <strong>de</strong> Porto Príncipe.<br />

A vestimenta <strong>de</strong> guerra<br />

não os assustava e entregavam<br />

sorrisos largos a todos do grupo.<br />

Ao invés <strong>de</strong> medo, aos militares<br />

as crianças <strong>de</strong>monstravam admiração<br />

e respeito. Um jeito<br />

estranho <strong>de</strong> receber aqueles<br />

que po<strong>de</strong>riam ser consi<strong>de</strong>rados<br />

“invasores”.<br />

Munidos <strong>de</strong> máquinas fotográficas,<br />

câmeras <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o e microfones,<br />

a comitiva “visitava”<br />

a população haitiana como se<br />

ela fosse parte <strong>de</strong> um ponto turístico.<br />

E quem disse que essas<br />

pessoas se importavam? Não, pelo<br />

contrário: com olhos encantados,<br />

as crianças se aproximavam. Os<br />

adultos contavam seus problemas<br />

e recebiam os “estrangeiros” com<br />

liberda<strong>de</strong>. Outros cantavam e<br />

cumprimentavam com a cabeça,<br />

como se estivessem agra<strong>de</strong>cendo<br />

a presença. Também houve casos<br />

em que recebemos olhares atravessados<br />

e <strong>de</strong>sconfiados, mas<br />

foram poucos.<br />

Diante <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> em ruínas<br />

e sem a presença <strong>de</strong> <strong>Estado</strong>,<br />

eu esperava qualquer reação,<br />

menos a aceitação maciça da<br />

presença brasileira em território<br />

haitiano. As viaturas da<br />

ONU (Organização das Nações<br />

Unidas) não <strong>de</strong>spertavam nenhuma<br />

surpresa, mas também,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> seis anos <strong>de</strong> convivência<br />

com essas cenas, não<br />

po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong> outra forma: as<br />

tropas vestidas <strong>de</strong> “tudão” (capacete<br />

e colete) e armadas, percorrendo<br />

a cida<strong>de</strong> em viaturas<br />

que lembravam filmes <strong>de</strong> guerra,<br />

já fazem parte do cotidiano <strong>de</strong><br />

todos os moradores do <strong>Haiti</strong> e<br />

não causam mais espanto.<br />

E então me veio a dúvida:<br />

quem manda no <strong>Haiti</strong>? As cida<strong>de</strong>s<br />

se movimentam e se <strong>de</strong>senvolvem<br />

em torno <strong>de</strong> bases<br />

militares, quartéis, soldados armados,<br />

entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> assistência<br />

com nomes em inglês, brancos<br />

que pouco falam o Creoule, mas<br />

não há problema. O <strong>Haiti</strong> dos<br />

haitianos virou terra <strong>de</strong> todos.<br />

Mas há <strong>de</strong> se ressaltar: <strong>de</strong> todos<br />

que queiram ajudar e a população<br />

sabe disso.<br />

A impressão que tive é <strong>de</strong><br />

que há uma complacência com<br />

os organismos internacionais<br />

porque <strong>de</strong> um jeito ou <strong>de</strong> outro,<br />

todos sabem que um dia sem as<br />

tropas <strong>de</strong> paz, um dia sem os<br />

CADERNO ESPECIAL - GUERREIROS PELA VIDA<br />

Hey you!<br />

O grito <strong>de</strong> ‘oi’<br />

da terra sem lei<br />

Médicos sem Fronteiras ou um<br />

dia sem as ações da O<strong>MS</strong> (Organização<br />

Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>) o<br />

país afundaria para nunca mais<br />

se reerguer. Afinal - e acredito<br />

que esse seja o pensamento dos<br />

haitianos - melhor ser gerido por<br />

homens e mulheres que tentam<br />

ajudar do que por um governo<br />

que nada faz.<br />

Nenhuma das pessoas com<br />

quem conversei se mostrou satisfeita<br />

com seu país e nem mesmo<br />

com o governo, que conforme<br />

a própria ONU é um dos mais<br />

corruptos do mundo. Nos cinco<br />

dias que tive a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

estar em Porto Príncipe só pu<strong>de</strong><br />

perceber - e não creio que minha<br />

sensação estivesse errada - que<br />

se não fosse a MINUSTAH, os militares,<br />

a ONU e outras instituições,<br />

o <strong>Haiti</strong> já teria <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> existir<br />

e sucumbido <strong>de</strong>finitivamente ao<br />

caos e às guerras social e civil.<br />

Pu<strong>de</strong> perceber que o país é, na<br />

verda<strong>de</strong>, uma terra sem lei.<br />

E o que fazer, então, quando ao<br />

ver <strong>de</strong> perto a miséria e crianças<br />

se aproximando para dizer “hey<br />

you”, quando na verda<strong>de</strong> querem<br />

gritar: “ei, você, eu estou aqui!<br />

Você me vê? Ao menos você<br />

me vê ou me ignora? Eu tenho<br />

fome, se<strong>de</strong>, meus pais não têm<br />

dinheiro nem comida. Você po<strong>de</strong><br />

me ajudar? Você po<strong>de</strong> me dar um<br />

pouco do carinho que eu nunca<br />

senti? O que você po<strong>de</strong> fazer por<br />

mim?”. Tamanha é a impotência<br />

que se sente e a <strong>de</strong>simportância<br />

que se dá a questões fúteis, como<br />

comprar um sapato novo ou ter<br />

acabado <strong>de</strong> brigar com o namorado,<br />

que tudo que se quer é<br />

suprir a falta que essas crianças<br />

sentem. Mas como?<br />

Os estrangeiros no <strong>Haiti</strong><br />

talvez saibam como respon<strong>de</strong>r<br />

a essa pergunta, ao menos um<br />

pouco <strong>de</strong>la, afinal, em cinco<br />

dias eu vi <strong>de</strong>dicação e apoio<br />

<strong>de</strong> militares e entida<strong>de</strong>s a um<br />

povo que não é brasileiro, mas<br />

que precisa muito mais do que<br />

precisamos hoje em dia. O Brasil<br />

é cheio <strong>de</strong> problemas, há corrupção,<br />

há erros enormes na<br />

administração pública e também<br />

há muita falta <strong>de</strong> estrutura em<br />

segurança, saú<strong>de</strong> e educação.<br />

No entanto, apesar disso tudo, o<br />

pior do Brasil talvez não se compare<br />

ao melhor que o <strong>Haiti</strong> po<strong>de</strong>,<br />

MATO GROSSO DO SUL<br />

Lucia More<br />

hoje, oferecer ao seu povo.<br />

Meus respeitos e reconhecimento<br />

a essas pessoas que<br />

sacrificam um pedaço <strong>de</strong> suas<br />

vidas por quem nem ao menos<br />

conhecem. Minha gratidão por<br />

tantos ensinamentos em tão<br />

curto espaço <strong>de</strong> tempo. Meu<br />

carinho a essa gente brasileira<br />

que trabalha todos os dias no<br />

<strong>Haiti</strong> com o coração entregue<br />

e com a alegria da certeza <strong>de</strong><br />

estarem fazendo o melhor que<br />

po<strong>de</strong>m. Meu amor e minha compaixão<br />

ao povo haitiano que<br />

nos recebeu com “hey you”,<br />

com saudações calorosas <strong>de</strong><br />

“Brasil, Brasil!” e com toques <strong>de</strong><br />

punho fechado que mostravam a<br />

“camaradagem” entre irmãos.<br />

Foram cinco dias que po<strong>de</strong>riam<br />

ser contados em anos. Foi uma<br />

semana que me ren<strong>de</strong>u ensinamentos<br />

que vão durar toda<br />

uma vida.


o <strong>Estado</strong><br />

MATO GROSSO DO SUL<br />

Lucia Morel<br />

Mais que um slogan, a<br />

frase ao lado faz parte<br />

do dia a dia dos brasileiros<br />

que estão no <strong>Haiti</strong>. Homens<br />

e mulheres <strong>de</strong> vários <strong>Estado</strong>s<br />

brasileiros que <strong>de</strong>dicaram<br />

seis meses <strong>de</strong> suas vidas para<br />

prestar um serviço <strong>de</strong> segurança,<br />

mas também humanitário<br />

a uma nação que sobrevive no<br />

caos. O comandante do BRA-<br />

BATT 2 (2º Batalhão Brasileiro<br />

<strong>de</strong> Infantaria <strong>de</strong> Força <strong>de</strong> Paz),<br />

coronel Altair José Polsin, enfatiza<br />

em várias <strong>de</strong> suas falas<br />

aos militares e também aos visitantes<br />

do batalhão, que “essa<br />

missão está sendo encarada<br />

como o mais importante que nós<br />

temos pra fazer hoje”.<br />

No comando <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 850<br />

militares, Polsin, natural <strong>de</strong> Santa<br />

Catarina, atua com firmeza para<br />

manter a or<strong>de</strong>m e a boa atuação<br />

dos militares nas patrulhas diárias<br />

feitas em vários bairros <strong>de</strong><br />

Porto Príncipe. Dois <strong>de</strong>sses locais,<br />

Citè Soleil e Bel Air são consi<strong>de</strong>radas<br />

áreas vermelhas, ou seja,<br />

<strong>de</strong> risco. “Essas regiões são as<br />

mais violentas <strong>de</strong> Porto Príncipe<br />

e, em anos anteriores, foram foco<br />

da atuação <strong>de</strong> gangues”, contou<br />

o comandante, em visita a esses<br />

locais.<br />

O Brasil atua hoje, além<br />

<strong>de</strong>ssas áreas, em outras localida<strong>de</strong>s<br />

da capital haitiana,<br />

Porto Príncipe, mas conforme o<br />

comandante, não são consi<strong>de</strong>radas<br />

áreas <strong>de</strong> risco e são classificadas<br />

com as cores amarela<br />

e ver<strong>de</strong>.<br />

Quando as tropas da MI-<br />

NUSTAH (Missão das Nações<br />

Unidas para Estabilização do<br />

<strong>Haiti</strong>) chegaram ao país, em<br />

2004, a atuação <strong>de</strong> gangues<br />

era forte e havia confrontos<br />

armados entre os grupos e as<br />

tropas da ONU (Organização<br />

das Nações Unidas).<br />

Conforme Polsin, que chegou<br />

ao país no mês <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong>ste<br />

ano, as tropas brasileiras, que<br />

sempre foram mais numerosas<br />

que as dos outros países que<br />

atuam na Missão <strong>de</strong> Paz, ajudaram<br />

na estabilização das regiões<br />

mais violentas <strong>de</strong> Porto<br />

Príncipe e hoje, não há mais<br />

conflitos entre as tropas e as<br />

gangues.<br />

“Há manifestações, como a<br />

<strong>Haiti</strong><br />

CADERNO ESPECIAL - GUERREIROS PELA VIDA<br />

D3<br />

Sábado, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2010<br />

‘Esta é a missão<br />

<strong>de</strong> nossas vidas’<br />

Homens e mulheres do todo o Brasil <strong>de</strong>dicam seis meses <strong>de</strong> suas vidas a auxiliar nos trabalhos da missão <strong>de</strong> paz no território haitiano; missão já dura seis anos<br />

que acompanhamos no dia 18<br />

<strong>de</strong> novembro, mas sempre mantivemos<br />

uma postura pacífica<br />

e sem confronto. Mantivemos<br />

nossas patrulhas na área <strong>de</strong><br />

operações, acompanhando os<br />

movimentos, mas nós não confrontamos”,<br />

afirmou o comandante.<br />

Conforme ele, a manifestação<br />

do dia 18 é um pouco “tradicional”,<br />

já que marca a in<strong>de</strong>pendência<br />

do <strong>Haiti</strong> enquanto<br />

colônia francesa, em 1804, ao<br />

final da Revolução <strong>Haiti</strong>ana, que<br />

começou em 1791.<br />

Gangues não têm mais o po<strong>de</strong>r que<br />

tinham antes da chegada do Exército<br />

Após seis anos das tropas<br />

da MINUSTAH no país mais<br />

pobre das Américas, os grupos<br />

armados e violentos per<strong>de</strong>ram<br />

a força. O coronel Eduardo Tavares<br />

Martins, que faz parte do<br />

comando na Força <strong>de</strong> Paz no<br />

país, afirma que a atuação das<br />

tropas foi feita em todo o país e<br />

“hoje, esses grupos não possuem<br />

mais o po<strong>de</strong>r que possuíam”.<br />

O militar diz que muitos dos<br />

membros <strong>de</strong>ssas gangues foram<br />

presos e ainda tiveram as armas<br />

que usavam apreendidas. Alguns<br />

<strong>de</strong>sses armamentos eram<br />

<strong>de</strong> grosso calibre e utilizados<br />

apenas pelo Exército.<br />

Martins explica que a presença<br />

maciça <strong>de</strong>sses grupos<br />

acontecia principalmente pela<br />

falta da presença do <strong>Estado</strong>.<br />

“Nesses casos, o po<strong>de</strong>r local e<br />

<strong>de</strong> pequenos grupos aparece”,<br />

acredita.<br />

Após o terremoto <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong><br />

janeiro, que alcançou 7 graus<br />

na escala Richter, muitos órgãos<br />

públicos e instituições haitianas<br />

Lucia Morel<br />

foram <strong>de</strong>struídos. Entre elas, a<br />

Penitenciária Nacional, <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

4 mil presos fugiram. Conforme o<br />

coronel do Comando da Força <strong>de</strong><br />

Paz, essa situação não agravou<br />

a violência no país porque as<br />

tropas permaneceram nas ruas<br />

e muitos <strong>de</strong>les foram novamente<br />

capturados. “A fuga aconteceu,<br />

mas esses grupos já estavam<br />

fragilizados”, sustenta.<br />

Ao todo, 8.940 militares <strong>de</strong><br />

18 países estão no <strong>Haiti</strong> para<br />

garantir a paz e, também, ajudar<br />

na tentativa <strong>de</strong> fortalecer as instituições<br />

públicas do país.


D4 <strong>Haiti</strong><br />

o <strong>Estado</strong><br />

Sábado, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2010<br />

Lucia Morel<br />

Palestras sobre combate e<br />

prevenção ao cólera, assistência<br />

médica e social a<br />

crianças <strong>de</strong> orfanato, doação <strong>de</strong><br />

roupas e brinquedos, entrega <strong>de</strong><br />

cestas básicas e água. Essas são<br />

apenas algumas das ativida<strong>de</strong>s<br />

realizadas durante operações<br />

ou nas chamadas Aciso (Ações<br />

Cívico Sociais) <strong>de</strong>sempenhadas<br />

pelos batalhões brasileiros no<br />

<strong>Haiti</strong>. Mais que manter a estabilida<strong>de</strong><br />

e a segurança, que são<br />

o objetivo principal das tropas<br />

da ONU, a ajuda humanitária<br />

se apresenta como um serviço<br />

voluntário e até mesmo como um<br />

“escape” para os militares.<br />

O contingente brasileiro no<br />

<strong>Haiti</strong> está dividido em dois batalhões,<br />

o BRABATT 1 e o BRA-<br />

BATT 2, além da Companhia <strong>de</strong><br />

Engenharia, responsável pelas<br />

ações logísticas e <strong>de</strong> tecnologia.<br />

Ao todo, 2,8 mil militares brasileiros<br />

estão no <strong>Haiti</strong>, on<strong>de</strong> o<br />

tempo mínimo <strong>de</strong> permanência<br />

<strong>de</strong> contingentes é <strong>de</strong> seis meses.<br />

No entanto, alguns militares<br />

chegam a ficar mais <strong>de</strong> um ano<br />

na missão.<br />

As ações dos dois batalhões<br />

são <strong>de</strong>finidas pelo comando,<br />

que é individual. No caso do<br />

BRABATT 1, o comando está a<br />

cargo do coronel Ronaldo Pierre<br />

Cavalcanti Lundgren e o 2º Batalhão<br />

com o coronel Polsin. Algumas<br />

operações são pontuais<br />

e outras permanentes. Entre<br />

as ações permanentes, está o<br />

patrulhamento diário, realizado<br />

24 horas em toda a área <strong>de</strong> ocupação<br />

dos dois batalhões. São<br />

220 equipes <strong>de</strong> patrulhamento<br />

motorizado e outras 170 que<br />

atuam a pé.<br />

Outras ativida<strong>de</strong>s, como entrega<br />

<strong>de</strong> alimentos, orientações<br />

quanto às eleições ou ao cólera<br />

também são feitas, esporadicamente,<br />

conforme a programação.<br />

Com o surto <strong>de</strong> cólera,<br />

os militares visitam escolas e<br />

orfanatos ensinando às crianças<br />

como fazer o soro caseiro e,<br />

ainda, dando orientações <strong>de</strong><br />

prevenção à doença. O chamado<br />

“Cólera Day” leva à população<br />

haitiana informações <strong>de</strong><br />

combate e também orientações<br />

sobre como evitar o contágio.<br />

Um dos responsáveis por<br />

CADERNO ESPECIAL - GUERREIROS PELA VIDA<br />

MATO GROSSO DO SUL<br />

Ajuda humanitária também<br />

integra a missão do Exército<br />

Orientações, palestras e ações sociais e capacitação da população também são realizadas pelos militares; principal foco hoje é a prevenção ao cólera<br />

essa ação, o major André Murta<br />

Barros, explica que mesmo<br />

diante dos graves problemas sanitários<br />

do <strong>Haiti</strong> é possível que<br />

as pessoas evitem o contágio<br />

com a doença, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sigam<br />

as recomendações. “Todos os<br />

acampamentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocados<br />

(famílias que per<strong>de</strong>ram suas<br />

casas após o terremoto) contam<br />

com água potável e latrinas, o<br />

que facilita a manutenção <strong>de</strong><br />

certa higiene”, afirma. Nessas<br />

palestras, os militares ensinam<br />

a fazer o soro caseiro e a manter<br />

a higiene das mãos e o uso <strong>de</strong><br />

latrinas, ao invés da população<br />

<strong>de</strong>fecar nos córregos e rios.<br />

O major diz que assim que<br />

a epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> cólera foi instalada,<br />

o batalhão começou<br />

a pensar em ações <strong>de</strong> controle<br />

e prevenção. O primeiro<br />

passo foi o combate no próprio<br />

quartel, on<strong>de</strong> todos que lá entram<br />

<strong>de</strong>vem passar por um<br />

“tapete azul”, como é chamado<br />

pelo comandante do BRABATT<br />

2, on<strong>de</strong> há água misturada com<br />

cloro, para a <strong>de</strong>sinfecção dos<br />

sapatos. Os veículos também<br />

recebem a solução, por meio<br />

<strong>de</strong> bombas costais. Além<br />

<strong>de</strong>sse cuidado, quem chega<br />

ao batalhão limpa as mãos<br />

com álcool em gel.<br />

“Inicialmente começamos com<br />

instruções voltadas para os soldados,<br />

nossos militares que estão<br />

patrulhando as ruas, <strong>de</strong> modo a<br />

evitar o contato com a doença. E<br />

também medidas <strong>de</strong> controle na<br />

própria entrada da nossa base,<br />

on<strong>de</strong> fazemos a higienização<br />

dos veículos, dos coturnos e<br />

orientamos os procedimentos,<br />

se porventura passarmos por<br />

uma área contaminada, a gente<br />

não venha a contaminar a base”,<br />

explicou Polsin.<br />

Depois <strong>de</strong>ssas primeiras<br />

Divulgação BRABATT 2<br />

medidas, palestras começaram<br />

a ser feitas a grupos <strong>de</strong> universitários,<br />

em ONGs (Organizações<br />

Não Governamentais)<br />

brasileiras que estão no país, os<br />

campos <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocados e em escolas<br />

e orfanatos. Polsin <strong>de</strong>staca<br />

que “coinci<strong>de</strong>ntemente, quando<br />

nós tomamos conhecimento<br />

da epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> cólera, nós tínhamos<br />

um curso avançado <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> para alunos <strong>de</strong> um curso<br />

<strong>de</strong> Enfermagem aqui <strong>de</strong> Porto<br />

Príncipe e, <strong>de</strong> imediato, nós alteramos<br />

um pouco a programação<br />

<strong>de</strong>senvolvida e incluímos instruções<br />

<strong>de</strong> prevenção ao cólera”.


o <strong>Estado</strong><br />

MATO GROSSO DO SUL<br />

Lucia Morel<br />

Os serviços básicos no<br />

<strong>Haiti</strong>, como saú<strong>de</strong>, transporte,<br />

abastecimento e<br />

educação são precários como<br />

tantas outras áreas <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong><br />

do país. Sem um controle<br />

do governo, a população<br />

fica à mercê das próprias leis<br />

para ter acesso ao transporte<br />

coletivo, às escolas e mesmo<br />

aos hospitais. Nas ruas manda<br />

quem buzinar mais alto. Em um<br />

trânsito tumultuado e em que os<br />

semáforos servem apenas como<br />

luminárias, os carros abrem<br />

passagem ao som histérico das<br />

buzinas que produzem uma melodia<br />

peculiar que se assemelha<br />

ao <strong>de</strong>sespero.<br />

Para ir <strong>de</strong> um canto ao outro<br />

da cida<strong>de</strong>, ao invés <strong>de</strong> ônibus coletivos<br />

há os coloridos taptaps, que<br />

são pequenos veículos <strong>de</strong> carga<br />

adaptados para o transporte <strong>de</strong><br />

pessoas. O mais comum é ver<br />

uma pick-up em que o espaço<br />

<strong>de</strong> carga tem dois bancos nas<br />

laterais e cobertos com um teto,<br />

que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira ou ferro,<br />

pintado à mão com cores alegres e<br />

divertidas. O nome do carro po<strong>de</strong><br />

ser qualquer um e a criativida<strong>de</strong><br />

toma conta das ruas: Files <strong>de</strong> Dieu<br />

(Filhos <strong>de</strong> Deus), Merci Jesus (Misericórdia<br />

Jesus) e Marie Claire<br />

são apenas alguns exemplos.<br />

Não há horário <strong>de</strong> parada,<br />

mas alguns dos pontos são<br />

marcados. Os taptaps po<strong>de</strong>m<br />

parar em qualquer via e não<br />

há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> registro do<br />

transporte no governo, assim,<br />

quem tiver uma pequena caminhonete<br />

e quiser adaptá-la, já<br />

po<strong>de</strong> começar a trabalhar transportando<br />

pessoas <strong>de</strong> um lado<br />

para o outro. O custo médio das<br />

passagens é <strong>de</strong> US$ 0,25 e conforme<br />

o estudante <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong><br />

da Universida<strong>de</strong> Nacional<br />

<strong>de</strong> Administração <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do<br />

<strong>Haiti</strong>, Chamir A. Jean, o Chacha,<br />

<strong>de</strong> 26 anos, “não tem transporte<br />

público no <strong>Haiti</strong>, são só os taptaps,<br />

que andam na cida<strong>de</strong> e<br />

os ônibus maiores transportam<br />

entre as cida<strong>de</strong>s”.<br />

Quando se fala em educação,<br />

a fiscalização e o controle<br />

também são inexistentes.<br />

Nessa área e também na saú<strong>de</strong>,<br />

a corrupção toma conta e, segundo<br />

o que disse o estudante,<br />

“só tem como estudar se pagar<br />

<strong>Haiti</strong><br />

CADERNO ESPECIAL - GUERREIROS PELA VIDA<br />

D5<br />

Sábado, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2010<br />

Transporte, educação,<br />

trânsito, saú<strong>de</strong>, ressurreição<br />

e só é atendido no hospital<br />

quem pagar também”. Mas isso<br />

não acontece porque há apenas<br />

serviço privado <strong>de</strong> educação<br />

e saú<strong>de</strong>, pelo contrário, esses<br />

serviços são públicos e <strong>de</strong>veriam<br />

ser gratuitos, no entanto, como<br />

explica Chacha, “a universida<strong>de</strong><br />

é pública e da forma correta você<br />

não paga, mas se você precisar <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong> entrar numa universida<strong>de</strong><br />

pública, você tem que conhecer uma<br />

pessoa que trabalha lá <strong>de</strong>ntro.<br />

Você dá um dinheiro para ela,<br />

que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> US$ 2 mil, US$<br />

3 mil dólares. Você vai pagar um<br />

pouco <strong>de</strong> dinheiro a uma pessoa<br />

e não à administração da universida<strong>de</strong>”,<br />

relata.<br />

Nas escolas e hospitais o método<br />

é o mesmo: se você conhece<br />

alguém, você po<strong>de</strong> estudar ou<br />

ser atendido. “Funciona assim:<br />

uma relação entre uma pessoa<br />

que trabalha na universida<strong>de</strong> e<br />

outra que quer entrar na universida<strong>de</strong>.<br />

Se não fosse essa<br />

pessoa não tinha como entrar.<br />

No governo do <strong>Haiti</strong> tem muita<br />

corrupção e em tudo tem corrupção.<br />

Nada é <strong>de</strong> graça no<br />

<strong>Haiti</strong>, se você me falar que uma<br />

escola é <strong>de</strong> graça não vou acreditar,<br />

porque não tem”.<br />

Com todos esses problemas, o<br />

estudante que está tendo aulas<br />

em um local adaptado porque<br />

o prédio da universida<strong>de</strong> ruiu,<br />

Divulgação BRABATT 2<br />

<strong>Haiti</strong>anos são carentes <strong>de</strong> tudo e as ruas da capital Porto Príncipe traduzem as necessida<strong>de</strong>s do povo, que fica a mercê das próprias leis para necessida<strong>de</strong>s básicas<br />

acredita e ama seu país e afirma<br />

que o <strong>Haiti</strong> precisa <strong>de</strong> “um presi<strong>de</strong>nte<br />

que tenha um coração que<br />

conheça a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />

pessoa que vive numa barraca,<br />

da pessoa que não po<strong>de</strong> comer,<br />

que não po<strong>de</strong> dormir, que não<br />

tem on<strong>de</strong> morar. Precisa <strong>de</strong> um<br />

presi<strong>de</strong>nte que pense nisso”.<br />

As eleições realizadas no<br />

último domingo (28), apesar<br />

<strong>de</strong> acusadas <strong>de</strong> frau<strong>de</strong> por<br />

organismos internacionais,<br />

representavam para Chacha<br />

uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança.<br />

“Tem 20 anos que não se tem<br />

um bom presi<strong>de</strong>nte para governar<br />

o país. Tem muita gente<br />

que não tem comida, que não<br />

tem on<strong>de</strong> morar e o presi<strong>de</strong>nte<br />

manipula a população para<br />

fazer outra coisa. Eu vou votar<br />

e acredito que se um bom presi<strong>de</strong>nte<br />

for eleito as coisas vão<br />

melhorar”, disse.<br />

Além <strong>de</strong> toda confiança que<br />

po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>positada em homens<br />

e governantes, o estudante não<br />

esqueceu <strong>de</strong> comentar sobre o<br />

que, ou quem, realmente acredita<br />

que po<strong>de</strong> modificar seu<br />

país e fazê-los “ressurgir”. Com<br />

muita fé e uma certeza que<br />

transparecia em seus olhos, ele<br />

afirmou que ama seu país e<br />

“muito” e que “Deus vai vir e<br />

fazer tudo pelo <strong>Haiti</strong> porque eu<br />

tenho fé”.


D6 <strong>Haiti</strong><br />

o <strong>Estado</strong><br />

Sábado, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2010<br />

CADERNO ESPECIAL - GUERREIROS PELA VIDA<br />

MATO GROSSO DO SUL<br />

Quase tudo está à venda nas ruas <strong>de</strong> Porto Príncipe; população tenta e inventa todo tipo <strong>de</strong> meio para sobreviver, em especial, <strong>de</strong>pois que o país foi varrido por um terremoto que levou vida e dignida<strong>de</strong><br />

Renda que po<strong>de</strong> custar muitas vidas<br />

Lucia Morel<br />

Venda informal. Essa é<br />

a principal forma <strong>de</strong><br />

renda da população haitiana.<br />

Ven<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> tudo: <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

roupas usadas, lingeries, ervas,<br />

verduras, produtos para o lar,<br />

quadros, peças feitas à mão<br />

ou recicladas dos escombros,<br />

produtos doados, frutas, e etc.<br />

Po<strong>de</strong> parecer normal, não fosse<br />

a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>sses<br />

produtos, principalmente os alimentares.<br />

Pelas ruas <strong>de</strong> Porto<br />

Príncipe é difícil não ver alguém<br />

ven<strong>de</strong>ndo alguma coisa, seja nas<br />

calçadas, seja a pé. A tentativa<br />

<strong>de</strong> sobrevivência em meio a um<br />

país sem governo e sem lei é válida,<br />

mas contém alguns riscos.<br />

A epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> cólera se<br />

alastra pelo país e o que se<br />

percebe, os cuidados com a<br />

alimentação não existem. Milhares<br />

<strong>de</strong> pessoas comem nas<br />

ruas bananas e bolinhos fritos<br />

em barracas montadas em meio<br />

ao lixo e nas proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

córregos que são verda<strong>de</strong>iros<br />

esgotos a céu aberto. Água é<br />

vendida em garrafinhas reutilizadas<br />

e em saquinhos plásticos<br />

sem que haja controle.<br />

No Mercado do Porto, que<br />

ocupa uma extensão <strong>de</strong> mais<br />

<strong>de</strong> 5 km na orla <strong>de</strong> Porto Príncipe,<br />

é possível ver <strong>de</strong> “tudo”.<br />

As roupas são expostas sobre<br />

sacos plásticos próximos à<br />

lama; alimentos como repolho,<br />

tomate, batata, raízes e outros<br />

tipos <strong>de</strong> legumes e verduras se<br />

misturam a outras comidas em<br />

<strong>de</strong>composição ou já estragadas.<br />

Montes <strong>de</strong> restos são formados<br />

em frente às barracas e não há<br />

nenhum tipo <strong>de</strong> coleta.<br />

A situação mais alarmante<br />

é na área on<strong>de</strong> se ven<strong>de</strong> carne.<br />

Próximo às casas <strong>de</strong> uma favela,<br />

às margens da canaleta<br />

<strong>de</strong> um córrego tomado por lixo<br />

e excrementos, são criados carneiros<br />

e porcos, alimentados<br />

na sujeira. A pouco menos <strong>de</strong><br />

30 metros dali, esses animais<br />

são abatidos e num poço escavado<br />

pelos moradores do local,<br />

também a metros <strong>de</strong> distância<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> está o abatedouro, os<br />

restos são enterrados.<br />

Não há nenhum tipo <strong>de</strong> controle<br />

sanitário e o mau cheiro<br />

percorre a região. Ao lado do<br />

abatedouro fica uma das unida<strong>de</strong>s<br />

do BRABATT 2 em Citè<br />

Soleil, chamado <strong>de</strong> Forte 12.<br />

Mais adiante do mercado fica o<br />

centro <strong>de</strong> Porto Príncipe, on<strong>de</strong> a<br />

situação das ruas, o mau cheiro<br />

e a venda informal sem nenhuma<br />

higiene também predominam.<br />

MINUSTAH gera emprego e<br />

condições <strong>de</strong> vida à população<br />

Mas se há como falar <strong>de</strong><br />

um “lado bom” <strong>de</strong> toda a situação<br />

econômica do país, po<strong>de</strong>-se<br />

referir aos empregos que<br />

a MINUSTAH e outras entida<strong>de</strong>s<br />

geram no <strong>Haiti</strong>. Somente no 2º<br />

batalhão brasileiro, on<strong>de</strong> a reportagem<br />

ficou hospedada, mais<br />

<strong>de</strong> 200 trabalhadores são beneficiados<br />

diretamente com as<br />

vagas oferecidas. Os haitianos<br />

trabalham prestando serviços<br />

na área <strong>de</strong> jardinagem, limpeza,<br />

construção, manutenção e tradução.<br />

O salário é <strong>de</strong> US$ 250, o<br />

que garante uma vida <strong>de</strong> “classe<br />

média” no país.<br />

É o caso do jovem Mark<br />

Arhur, 22 anos, que cursou<br />

Lucia Morel<br />

três anos da faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras<br />

em Porto Príncipe, mas a<br />

universida<strong>de</strong> em que estudava<br />

foi <strong>de</strong>struída no terremoto.<br />

Ele trabalha com a tropa brasileira<br />

como intérprete e se<br />

orgulha ao falar que, além do<br />

Creoule e do Francês, também<br />

fala Inglês, Português e Espanhol.<br />

Questionado se com todo<br />

seu conhecimento ele po<strong>de</strong>ria<br />

trabalhar em outro lugar e<br />

até mesmo ganhar mais, ele<br />

não pestaneja. “Eu posso dar<br />

aula nas escolas e tem muitas<br />

escolas que já me chamaram<br />

para dar aulas <strong>de</strong> inglês, mas<br />

estou aqui para ter uma experiência<br />

diferente. Em outros<br />

lugares se ganha mais, mas<br />

fico aqui para ter experiência<br />

e conhecer a história do Brasil,<br />

porque a esperança é com o<br />

pessoal do Brasil”.


o <strong>Estado</strong><br />

MATO GROSSO DO SUL<br />

Lucia Morel<br />

Os IDP camps, ou campos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>slocados que se formaram<br />

em todo o <strong>Haiti</strong><br />

<strong>de</strong>pois do terremoto <strong>de</strong> janeiro<br />

<strong>de</strong>ste ano dispõem <strong>de</strong> “certa estrutura”<br />

sanitária e <strong>de</strong> higiene se<br />

comparados às favelas e alguns<br />

outros bairros. Em apenas 40%<br />

do país há sistema <strong>de</strong> esgoto,<br />

abastecimento <strong>de</strong> água, energia<br />

e coleta <strong>de</strong> lixo. Nos campos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>slocados, montados em antigas<br />

praças, terrenos amplos<br />

e também em campos <strong>de</strong> golfe,<br />

as ONGs mantêm trabalhos <strong>de</strong><br />

distribuição <strong>de</strong> água, montagem<br />

e limpeza <strong>de</strong> latrinas e coleta <strong>de</strong><br />

resíduos, o que garante alguma<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida a quem passou<br />

a viver nesses locais.<br />

Em um dos 80 IDPs que ficam<br />

na área <strong>de</strong> atuação do BRABATT<br />

2, o IDP Campo <strong>de</strong> Golfe, com<br />

cerca <strong>de</strong> 50 mil famílias, entida<strong>de</strong>s<br />

como a Unicef (Fundo das<br />

Nações Unidas pela Infância) e a<br />

Save the Children (organização<br />

com atuação mundial no direito<br />

das crianças) mantêm centros<br />

<strong>de</strong> atendimento à saú<strong>de</strong> e outros<br />

serviços para a população <strong>de</strong>sabrigada.<br />

Nesse IDP, especialmente,<br />

o ator norte-americano<br />

Sean Pean é quem mantém esses<br />

trabalhos, por meio <strong>de</strong> doação.<br />

Apesar <strong>de</strong>ssa aparente “qualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> vida”, o que as famílias<br />

que hoje vivem nesses locais realmente<br />

querem é voltar para casa.<br />

O casal Yves Clau<strong>de</strong> George Flis,<br />

39 anos, e Maria Michel, <strong>de</strong> 21,<br />

completaram em novembro sete<br />

meses <strong>de</strong> acampamento. A barraca<br />

em que moram é organizada<br />

e a alimentação sempre chega <strong>de</strong><br />

doações da ONU e outras entida<strong>de</strong>s.<br />

No entanto, “a vida aqui<br />

não serve, temos comida, mas o<br />

melhor mesmo seria ter a minha<br />

casa”, relata.<br />

Ele trabalha com a venda <strong>de</strong><br />

quadros, pintados por ele, por<br />

sua mulher e um amigo, Eddy<br />

Charlies. Com o dinheiro que<br />

consegue, ele diz que compra<br />

alimentos e sustenta os filhos<br />

na escola. O amigo pintor conta<br />

que, além <strong>de</strong> água e comida, com<br />

o dinheiro que ganha compra o<br />

material que precisa para continuar<br />

fazendo seus quadros.<br />

“Pinto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> criança, sempre<br />

gostei e com isso consigo ganhar<br />

meu dinheiro”, diz.<br />

Em outro IDP camp, o Jean<br />

Marie, localizado em uma área do<br />

BRABATT 1 e instalado na praça<br />

que <strong>de</strong>u nome ao local, a situação<br />

é semelhante: caminhões-pipa e<br />

um tanque levam água potável<br />

à população e as doações internacionais<br />

garantem o alimento,<br />

mas ainda assim, as condições<br />

sanitárias são precárias e há<br />

muito lixo espalhado entre as<br />

barracas. Mais <strong>de</strong> 60 mil pessoas<br />

vivem no lugar.<br />

<strong>Haiti</strong><br />

CADERNO ESPECIAL - GUERREIROS PELA VIDA<br />

<strong>Haiti</strong>anos convivem com a falta <strong>de</strong><br />

entes queridos e futuro incerto<br />

Para Michel Belone, <strong>de</strong> 56<br />

anos, a vida no campo <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocados<br />

tem um sabor ainda<br />

mais amargo que o normal. No<br />

terremoto <strong>de</strong> janeiro, ele per<strong>de</strong>u<br />

os seis filhos e a mulher soterrados.<br />

Ele passou a morar<br />

no IDP <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, mas diz<br />

que queria mesmo era voltar<br />

para casa. “Todos os meus filhos<br />

morreram e estou aqui<br />

sozinho agora. Trabalho com<br />

o que posso, mas isso aqui não<br />

é casa, ninguém merecia estar<br />

aqui”, lamenta.<br />

O jovem Pablo Karmouse, <strong>de</strong><br />

17 anos, também per<strong>de</strong>u a família<br />

no terremoto e disse que nunca<br />

teve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar. Ele<br />

divi<strong>de</strong> uma barraca com outros<br />

colegas e conta que consegue<br />

alimento e água com as doações.<br />

“Eu queria minha casa <strong>de</strong> volta,<br />

D7<br />

Sábado, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2010<br />

<strong>Haiti</strong>anos querem ‘voltar para casa’<br />

Todos os meus filhos<br />

morreram e eu estou<br />

aqui sozinho agora.<br />

Isso aqui não é minha<br />

casa, ninguém merecia<br />

estar aqui<br />

Michel Belone, refugiado<br />

Divulgação BRABATT 2<br />

Campos <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocados abrigam quem se per<strong>de</strong>u no pior terremoto da história do <strong>Haiti</strong>; além da sauda<strong>de</strong>, a falta <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> é vista como uma assombração<br />

aqui no <strong>Haiti</strong> não tenho mais<br />

oportunida<strong>de</strong>, não sei o que vou<br />

fazer”, diz.<br />

Para as crianças, essa realida<strong>de</strong><br />

parece ser ainda<br />

mais cruel. Alegres, elas<br />

se aproximam para cum-<br />

primentar e tirar fotos,<br />

mas pouco <strong>de</strong>pois começam<br />

a pedir água e<br />

comida. As <strong>de</strong>zenas que<br />

se aproximaram da reportagem<br />

buscavam carinho<br />

e também algum alimento<br />

ou água e mesmo aos<br />

risos e olhares curiosos,<br />

não escondiam que tudo<br />

que <strong>de</strong>sejavam era uma<br />

casa <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, uma família,<br />

um lar.


D8 <strong>Haiti</strong><br />

o <strong>Estado</strong><br />

Sábado, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2010<br />

CADERNO ESPECIAL - GUERREIROS PELA VIDA<br />

Apren<strong>de</strong>r uma arte<br />

e ensinar a viver<br />

Lucia Morel<br />

Apren<strong>de</strong>r uma arte. Essa<br />

é a motivação <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />

3 mil crianças e jovens<br />

que participam dos projetos da<br />

ONG (Organização Não governamental)<br />

Viva Rio, no <strong>Haiti</strong>. Do<br />

outro lado estão os instrutores<br />

e professores, que doam seu<br />

tempo e conhecimento para ensina-los<br />

a viver num país que sobrevive<br />

em meio ao caos. Esses<br />

mestres, com todo seu esforço e<br />

<strong>de</strong>dicação, também tentam fazer<br />

brotar a esperança <strong>de</strong> que essas<br />

crianças comecem a contar uma<br />

história mais bonita para suas<br />

próprias vidas.<br />

Em uma tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> quartafeira,<br />

cerca <strong>de</strong> 500 crianças<br />

e adolescentes faziam aula <strong>de</strong><br />

capoeira e outras 30 aprendiam<br />

a dançar ao som <strong>de</strong> música<br />

folclórica haitiana. Professores<br />

brasileiros li<strong>de</strong>ravam os grupos<br />

com animação e força. Na aula<br />

<strong>de</strong> capoeira, o mestre Flávio<br />

Soares tocava e cantava enquanto<br />

os pequenos mostravam<br />

e rodopiavam as coreografias da<br />

dança, que chegou ao Brasil com<br />

seus ancestrais africanos.<br />

Na roda <strong>de</strong> capoeira, mesmo<br />

quem não fazia parte da aula<br />

era bem recebido e motivado<br />

a bater palmas ao som do berimbau.<br />

Bebeto Dorsainvil, 13<br />

anos, e o amigo Peterson Lalan,<br />

da mesma ida<strong>de</strong>, foram convidados<br />

por um outro colega a<br />

conhecer o espaço. Encantados,<br />

eles olhavam a roda e pouco<br />

<strong>de</strong>pois foram chamados pelo<br />

mestre a fazer parte do grupo.<br />

“Quero participar porque aqui<br />

tem alegria”, disse Bebeto, já<br />

às palmas.<br />

No piso superior à sala on<strong>de</strong><br />

acontecia a aula <strong>de</strong> capoeira, a<br />

professora <strong>de</strong> dança Aíla Machado,<br />

28 anos, ensinava os<br />

passos <strong>de</strong> danças folclóricas do<br />

Aulas <strong>de</strong> capoeira juntam mais <strong>de</strong> 500 crianças todos os dias na entida<strong>de</strong><br />

<strong>Haiti</strong>. Crianças e jovens dançavam<br />

ao som <strong>de</strong> tambores e<br />

violão, mostrando que conheciam<br />

os passos e queriam apren<strong>de</strong>r<br />

ainda mais. “As danças são<br />

fortes e para dar mesmo essa<br />

conotação chamamos o grupo <strong>de</strong><br />

“Asham Crioule”, que significa<br />

“Dá licença””, contou Aíla. Ela é<br />

carioca e dispensou um trabalho<br />

como bailarina na Turquia para<br />

se <strong>de</strong>dicar às aulas <strong>de</strong> dança<br />

com as crianças no <strong>Haiti</strong>.<br />

Entre seus alunos está a<br />

pequena Eliana Briganol, 11<br />

anos. A menina que parece ter<br />

menos ida<strong>de</strong> do que realmente<br />

tem conta que gosta da dança<br />

porque lá encontra amigos e<br />

esquece dos problemas. “Meus<br />

pais confiam nos professores<br />

aqui porque sabem que po<strong>de</strong>m<br />

fazer alguma coisa por mim”,<br />

diz. A amiguinha Woodline Joseph,<br />

<strong>de</strong> 12, fala que nas aulas <strong>de</strong><br />

dança, realizadas todos os dias,<br />

apren<strong>de</strong> muitas coisas novas e<br />

Lucia Morel<br />

tem a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> melhorar<br />

<strong>de</strong> vida.<br />

Para fugir da miséria, sonho <strong>de</strong><br />

crianças é viver e ter paz no Brasil<br />

As duas disseram, sem pestanejar,<br />

mas com a inocência que<br />

apenas as crianças têm, que não<br />

gostam do país em que vivem e<br />

que o sonho <strong>de</strong>las era morar no<br />

Brasil. “Aqui tem muita gente<br />

ruim que atira nas outras pessoas<br />

e muitos pais não po<strong>de</strong>m pagar<br />

a escola dos filhos e nem comer<br />

bem”, contou Eliana. Woodline<br />

concordou e disse que “o <strong>Haiti</strong> não<br />

tem bons presi<strong>de</strong>ntes e as pessoas<br />

sofrem muito”, e enfatizou que<br />

“queria ir morar um tempo no<br />

Brasil, na verda<strong>de</strong> queria ficar lá<br />

pra sempre porque lá é limpo”,<br />

disse aos risos. As duas moram<br />

em IDPs.<br />

Já com maturida<strong>de</strong> e as emoções<br />

mais controladas, Katsu<br />

Nazaire, 32 anos, e a jovem<br />

Além das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

dança, a Viva Rio também <strong>de</strong>senvolve<br />

ações voltadas para<br />

o meio ambiente e educação<br />

sanitária. A entida<strong>de</strong> atua nos<br />

dois bairros mais violentos<br />

<strong>de</strong> Porto Príncipe, Citè Soleil<br />

e Bel Air, aten<strong>de</strong>ndo indiretamente<br />

ao menos 300 mil<br />

pessoas. Um dos trabalhos<br />

já realizados e que já dão<br />

frutos na comunida<strong>de</strong> são as<br />

Brigadas <strong>de</strong> Proteção Comunitária.<br />

O gerente da ONG no<br />

<strong>Haiti</strong>, Jean Philipie Espírito<br />

Santo explica que há cerca<br />

<strong>de</strong> um ano o trabalho teve<br />

início e 71 pessoas já foram<br />

capacitadas.<br />

A ação tem o objetivo <strong>de</strong><br />

preparar pessoas da própria<br />

comunida<strong>de</strong> no combate a<br />

doenças, primeiros socorros,<br />

alertas sobre o cólera, orientação<br />

quanto à higiene e<br />

também solução <strong>de</strong> conflitos.<br />

De todos os capacitados, 60%<br />

são homens e 40% mulheres.<br />

“Trabalhamos para que<br />

essas pessoas sejam multiplicadores<br />

<strong>de</strong>sses conceitos e<br />

assim possam fomentar novas<br />

práticas <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong>”,<br />

disse.<br />

A ONG também atua nas<br />

áreas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, meio ambiente,<br />

resíduos sólidos, esporte<br />

e cultura e formação,<br />

com aulas <strong>de</strong> Português, Informática,<br />

Francês e Creoule.<br />

Na saú<strong>de</strong>, a entida<strong>de</strong> começou<br />

após o terremoto <strong>de</strong> janeiro,<br />

atendimento médico aos<br />

mol<strong>de</strong>s do PSF (Programa<br />

MATO GROSSO DO SUL<br />

Educação ambiental também<br />

faz parte das metas da ONG<br />

Bertine Role, <strong>de</strong> 23, falaram que<br />

amam o <strong>Haiti</strong> porque é “a terra<br />

natal” e porque acreditam que<br />

po<strong>de</strong>m fazer algo <strong>de</strong> bom pelo<br />

país. “Acredito nessas eleições<br />

para que venha um bom governo<br />

que seja capaz <strong>de</strong> ajudar”, disse<br />

Nazaire, ao que Bertine completou:<br />

“faltam muitas coisas no<br />

meu país, mas foi aqui que eu<br />

nasci e um bom dirigente po<strong>de</strong><br />

mudar as coisas”.<br />

<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> da Família) brasileiro,<br />

com consultas em clínica<br />

<strong>de</strong>ntro da ONG e visita<br />

<strong>de</strong> médicos e outros profissionais<br />

aos <strong>de</strong>sabrigados. A entida<strong>de</strong><br />

ainda abriu uma UTC<br />

(Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tratamento <strong>de</strong><br />

Cólera) em sua se<strong>de</strong>, para receber<br />

as vítimas da doença.<br />

Nas áreas <strong>de</strong> meio ambiente<br />

e resíduos sólidos, a Viva Rio<br />

trabalha na construção <strong>de</strong> biodigestores<br />

nas comunida<strong>de</strong>s e<br />

ainda na coleta <strong>de</strong> lixo, que é<br />

praticamente inexistente no<br />

<strong>Haiti</strong>. Os biodigestores funcionam<br />

como “recicladores”<br />

<strong>de</strong> matéria orgânica, transformando<br />

as excreções em<br />

gás/energia e em água. De <strong>de</strong>z<br />

biodigestores que estavam<br />

programados para serem<br />

construídos até 2011, 60 já<br />

estão em operação.<br />

Já na parte <strong>de</strong> resíduos<br />

sólidos, a ONG dispõe <strong>de</strong> 23<br />

caçambas <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> lixo<br />

distribuídas na área <strong>de</strong> atuação<br />

e ainda contratou 400<br />

haitianos para trabalharem<br />

na coleta <strong>de</strong> resíduos e limpeza<br />

nos córregos tomados<br />

pelo lixo. Além da Viva Rio,<br />

outras ONGs também contrataram<br />

trabalhadores haitianos<br />

para o mesmo trabalho,<br />

oferecendo alimentação<br />

e pagamento que gira<br />

em torno <strong>de</strong> US$ 250. Muitos<br />

haitianos também trabalham<br />

com as tropas da ONU e com<br />

outras instituições que estão<br />

no país para ajuda humanitária.<br />

Os alunos fazem apresentações<br />

em escolas, nos batalhões<br />

brasileiros e também em orfanatos<br />

e ao governo. Por conta<br />

do terremoto, em janeiro, muitas<br />

ativida<strong>de</strong>s foram paralisadas.<br />

“Nossa idéia não é apenas<br />

ensina-los, mas também criar<br />

mercado com a dança e profissionaliza-los<br />

para que tenham<br />

uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho<br />

também”, afirmou Aíla.


o <strong>Estado</strong><br />

MATO GROSSO DO SUL<br />

<strong>Haiti</strong><br />

CADERNO ESPECIAL - GUERREIROS PELA VIDA<br />

D9<br />

Sábado, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2010<br />

Campos recebem Centros <strong>de</strong><br />

tratamento contra o cólera<br />

Lucia Morel<br />

Nos campos <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocados<br />

também há CTCs (Centros<br />

<strong>de</strong> Tratamento do<br />

Cólera), que são como postos<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> exclusivos para atendimento<br />

<strong>de</strong> pessoas que estejam<br />

com suspeita <strong>de</strong> terem<br />

contraído o cólera. Muitos<br />

<strong>de</strong>sses centros são mantidos<br />

pela O<strong>MS</strong> (Organização Mundial<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>) por meio da Opas<br />

(Organização Pan-Americana<br />

<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>). Outros locais são<br />

coor<strong>de</strong>nados pela MINUSTAH<br />

ou pela ONG Viva Rio e Médicos<br />

Sem Fronteiras.<br />

Em toda base do 2º batalhão<br />

brasileiro, são 80 campos <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocados,<br />

chamados <strong>de</strong> IDP camps.<br />

Nos campos há CTCs, que servem<br />

para um primeiro atendimento do<br />

paciente com cólera.<br />

Outras entida<strong>de</strong>s mantêm<br />

Centros <strong>de</strong> Atenção ao Cólera,<br />

O atendimento<br />

é oferecido em<br />

80 campos<br />

mantidos pela<br />

Organização<br />

Mundial da<br />

Saú<strong>de</strong> e a<br />

Organização<br />

Pan-Americana<br />

<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong><br />

Fotos: Divulgação BRABATT 2<br />

Exército<br />

distribui<br />

água tratada<br />

e oferece<br />

palestras para<br />

evitar novas<br />

mortes por<br />

cólera entre<br />

a população<br />

hatiana<br />

que somam 36 nos 10 <strong>de</strong>partamentos<br />

do <strong>Haiti</strong> (são como os<br />

<strong>Estado</strong>s).<br />

Há, ainda, um total <strong>de</strong> 2.830<br />

leitos para atendimento das<br />

vítimas mais graves da doença<br />

e esses locais ficam isolados <strong>de</strong><br />

outros hospitais, com o intuito<br />

<strong>de</strong> isolar a transmissão da<br />

doença.<br />

Na última quinta-feira (2) o<br />

Ministério da Saú<strong>de</strong> do Brasil<br />

divulgou o repasse <strong>de</strong> US$ 1<br />

milhão por meio da Opas para<br />

a manutenção <strong>de</strong> 110 leitos. A<br />

verba será aplicada, ainda, na<br />

compra <strong>de</strong> equipamentos para<br />

a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Carrefour, norte<br />

do <strong>Haiti</strong>.<br />

Os recursos têm condições<br />

para manter os atendimentos<br />

por apenas três meses.<br />

Até esta semana, 70 mil pessoas<br />

já haviam sido infectadas<br />

e novo prognóstico divulgado<br />

pela O<strong>MS</strong>.


D10 <strong>Haiti</strong><br />

o <strong>Estado</strong><br />

Sábado, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2010<br />

Lucia Morel<br />

Seis meses longe <strong>de</strong> casa e<br />

da família para cumprir<br />

uma missão no país mais<br />

pobre e miserável das Américas<br />

do Sul, Central e do Norte. Esse<br />

período é muito longo quando<br />

se pensa na distância e também<br />

nos riscos que uma missão po<strong>de</strong><br />

trazer à saú<strong>de</strong> e à vida dos militares.<br />

O médico responsável pela<br />

equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do 2º batalhão,<br />

Carlos Eduardo Parra, disse<br />

que os problemas mais comuns<br />

atendidos na enfermaria do batalhão<br />

são relacionados a queda<br />

<strong>de</strong> pressão ou contusões. No<br />

entanto, Parra <strong>de</strong>staca que é<br />

comum oficiais aparecerem para<br />

atendimento com problemas que<br />

po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>correntes do fator<br />

emocional. “Uma dor <strong>de</strong> cabeça,<br />

ou uma febre sem causa po<strong>de</strong>m<br />

ter origem em algum problema<br />

emocional, como <strong>de</strong>pressão ou<br />

mesmo tristeza por estarem<br />

longe <strong>de</strong> casa”, disse.<br />

Essa sauda<strong>de</strong> é amenizada<br />

com a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação,<br />

já que a estrutura do batalhão<br />

conta com linhas telefônicas e<br />

internet <strong>de</strong> alta velocida<strong>de</strong>. É<br />

a tecnologia que permite aos<br />

sargentos Edmilson <strong>de</strong> Souza<br />

Bravo e Márcio Amâncio Rodrigues,<br />

ambos <strong>de</strong> Campo Gran<strong>de</strong>,<br />

se comunicarem e manterem<br />

atualizadas as informações da<br />

família. “A sauda<strong>de</strong> é gran<strong>de</strong>,<br />

mas todos os dias temos como<br />

conversar e saber o que está<br />

acontecendo lá”, disse Bravo,<br />

que sacrificou seis meses <strong>de</strong><br />

convivência com a mulher e os<br />

dois filho <strong>de</strong> 13 e 5 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong><br />

para participar da missão.<br />

Para o sargento Rodrigues, a<br />

situação é semelhante. Ele chegou<br />

ao <strong>Haiti</strong> em setembro e <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

então mantém contato com a<br />

mulher e o filho <strong>de</strong> 13 anos pela<br />

internet ou pelo telefone. “Sempre<br />

foi meu <strong>de</strong>sejo vir para cá e minha<br />

mulher ficou abalada, porque é<br />

muito tempo <strong>de</strong> distância, mas<br />

para fazer um trabalho <strong>de</strong>sses<br />

temos <strong>de</strong> abrir mão <strong>de</strong> algumas<br />

coisas”, <strong>de</strong>stacou.<br />

Terremoto, cólera e malária também<br />

preocupam contingente brasileiro<br />

Após um terremoto que<br />

<strong>de</strong>ixou mais <strong>de</strong> 230 mil mortos<br />

CADERNO ESPECIAL - GUERREIROS PELA VIDA<br />

MATO GROSSO DO SUL<br />

A facilida<strong>de</strong> que a tecnologia<br />

proporciona ajuda o sargento<br />

Amâncio, <strong>de</strong> Campo Gran<strong>de</strong>,<br />

a reduzir o impacto da<br />

sauda<strong>de</strong> da família<br />

Cuidados com a saú<strong>de</strong> são necessários<br />

para enfrentar a sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong> casa<br />

e uma epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> cólera que<br />

infectou mais <strong>de</strong> 75 mil até a<br />

última quinta-feira (2), os militares<br />

aumentaram os cuidados<br />

com a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro e fora do batalhão.<br />

Além <strong>de</strong>sses problemas,<br />

ainda há o risco <strong>de</strong> malária, uma<br />

doença muito comum no <strong>Haiti</strong>.<br />

Somente este ano, 25 militares<br />

foram infectados, sendo<br />

a maioria (21) do 1º batalhão,<br />

dois do BRABATT 2 e outros<br />

dois da Companhia <strong>de</strong> Engenharia.<br />

“Depois <strong>de</strong>sses casos<br />

<strong>de</strong> malária no BRABATT 1,<br />

intensificamos o combate e<br />

cada militar é responsável<br />

por seus cuidados também,<br />

como tomar o medicamento<br />

que enfraquece a doença (Nefloquina)<br />

e também o uso <strong>de</strong><br />

repelente”, sustentou o mé-<br />

dico do 2º batalhão.<br />

Além disso, os batalhões<br />

brasileiros ainda intensificam<br />

o fumacê, com a pulverização<br />

<strong>de</strong> veneno contra o mosquito<br />

Anófeles logo pela manhã, às<br />

5 horas, e no final da tar<strong>de</strong>, às<br />

17 horas.<br />

Esses são os períodos <strong>de</strong><br />

mais atuação do inseto, que<br />

gosta <strong>de</strong> espaços escuros e da<br />

Lucia Morel<br />

penumbra. Parra <strong>de</strong>staca que,<br />

apesar <strong>de</strong> todos os problemas<br />

que o <strong>Haiti</strong> enfrenta, a malária<br />

seria a principal inimiga dos<br />

oficiais brasileiros. “Contra a<br />

cólera temos todos os cuidados<br />

e há higiene nos batalhões, mas<br />

o mosquito transmissor da malária<br />

po<strong>de</strong> picar qualquer um e<br />

isso sim, é um risco, porque a<br />

doença é séria”.


o <strong>Estado</strong><br />

MATO GROSSO DO SUL<br />

Lucia Morel<br />

Um orfanato. Cinquenta e<br />

duas crianças. Mais <strong>de</strong><br />

850 mãos amigas. Esses<br />

são os números que mostram<br />

que mais do que “braço forte”,<br />

os militares brasileiros também<br />

têm um coração voluntário e solidário.<br />

Adotado com serieda<strong>de</strong> e<br />

compromisso pelos militares do<br />

BRABATT 2, um orfanato hai-<br />

tiano, localizado próximo à se<strong>de</strong><br />

do batalhão, recebe há cerca <strong>de</strong><br />

um mês cuidados especiais do<br />

componente brasileiro.<br />

O 1º Batalhão já fazia um<br />

trabalho na mesma entida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2004, mas o <strong>de</strong>safio agora,<br />

segundo o sargento João Pereira<br />

<strong>de</strong> Carvalho, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> com<br />

afinco a adoção, é manter as ativida<strong>de</strong>s<br />

mesmo quando um novo<br />

contingente chegar ao <strong>Haiti</strong>.<br />

<strong>Haiti</strong><br />

CADERNO ESPECIAL - GUERREIROS PELA VIDA<br />

“Queremos a partir <strong>de</strong> agora<br />

começar um processo <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>,<br />

sem a quebra da ajuda<br />

ao orfanato, mesmo quando nós<br />

formos embora e outros militares<br />

forem enviados ao país”,<br />

disse. Casado, e com muita<br />

sauda<strong>de</strong> da família, o sargento<br />

afirma que os momentos que<br />

passa com as crianças na entida<strong>de</strong><br />

o fazem feliz e esquecer<br />

da sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong> casa. “Quando<br />

chego lá acaba toda tristeza,<br />

eles me alegram e eu os alegro”<br />

e ensina: “quando chego lá eu<br />

percebo que a gente não sofre,<br />

a gente reclama”.<br />

Além da doação <strong>de</strong> brinquedos,<br />

alimentos e roupas, o<br />

BRABATT 2 também faz atendimento<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> das crianças,<br />

com tratamentos, curativos e<br />

medicamentos. Aos domingos,<br />

os militares que <strong>de</strong>sejarem,<br />

D11<br />

Sábado, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2010<br />

‘Mão amiga’ e coração voluntário<br />

cuidam <strong>de</strong> 52 órfãos haitianos Divulgação<br />

BRABATT 2<br />

Muitas crianças<br />

ficaram órfãs após<br />

o terremoto, mas<br />

<strong>de</strong>ntro ou fora<br />

do orfanato elas<br />

mantém sorriso<br />

no rosto e um<br />

olhar cheio <strong>de</strong><br />

esperança<br />

ainda participam <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

esportivas com as crianças, a<br />

partir das 8 horas, com aulas<br />

<strong>de</strong> violão, canto, artes marciais,<br />

futebol, basquete e vôlei.<br />

“O que cada um <strong>de</strong> nós sabe<br />

fazer ensinamos lá e é muito<br />

bom”, sustenta o sargento. Das<br />

52 crianças atendidas pelo orfanato,<br />

ao menos 15 ficaram<br />

órfãs após o terremoto <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong><br />

janeiro.


D12 <strong>Haiti</strong><br />

o <strong>Estado</strong><br />

Sábado, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2010<br />

Reportagem<br />

faz tour por<br />

Porto Príncipe e<br />

conhece a triste<br />

realida<strong>de</strong> do <strong>Haiti</strong><br />

Lucia Morel<br />

A<br />

convite do CMO (Comando<br />

Militar do Oeste) e em<br />

companhia <strong>de</strong> militares<br />

que foram ao <strong>Haiti</strong> para avaliar<br />

a estrutura do BRABATT 2 (2º<br />

Batalhão Brasileiro <strong>de</strong> Infantaria<br />

<strong>de</strong> Força <strong>de</strong> Paz), a reportagem do<br />

jornal O <strong>Estado</strong> visitou também o<br />

país mais pobre das Américas e se<br />

<strong>de</strong>parou com cenas tristes, mas<br />

também com muitas pessoas que<br />

<strong>de</strong>sejam ajudar e amenizar o sofrimento<br />

da população haitiana.<br />

A recepção no Aeroporto Internacional<br />

<strong>de</strong> Porto Príncipe foi<br />

calorosa e contou com explicações,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a chegada, sobre qual<br />

a função da MINUSTAH (Missão<br />

das Nações Unidas pela Estabilização<br />

do <strong>Haiti</strong>) e a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

toda a área que é cuidada pelo<br />

batalhão em Porto Príncipe. Foi<br />

nesse momento que a reportagem<br />

soube que a área <strong>de</strong> atuação brasileira<br />

no país é uma das mais<br />

violentas <strong>de</strong> todo o <strong>Haiti</strong>.<br />

No trecho entre o aeroporto e a<br />

base on<strong>de</strong> estão instalados, além<br />

<strong>de</strong> dois batalhões brasileiros,<br />

também o <strong>de</strong> militares do Nepal<br />

e do Japão, já foi possível ter<br />

uma i<strong>de</strong>ia do <strong>Haiti</strong> visto <strong>de</strong> perto.<br />

As imagens chocantes recebidas<br />

pela televisão e por fotos retratam<br />

muito pouco <strong>de</strong> como é a miséria<br />

do país: um trânsito caótico e<br />

<strong>de</strong>sorganizado, tendas <strong>de</strong> venda<br />

<strong>de</strong> produtos montadas em meio<br />

ao lixo, córregos tomados por entulho<br />

e que se transformaram em<br />

esgoto a céu aberto são apenas as<br />

primeiras impressões.<br />

O restante do dia se dividiu<br />

entre a recepção e o conhecimento<br />

dos meios <strong>de</strong> controle<br />

ao cólera <strong>de</strong>ntro do batalhão e,<br />

também, um jantar, que contou<br />

com a presença do embaixador<br />

do Brasil no <strong>Haiti</strong>, Igor Kipman e<br />

a embaixatriz Roseana Kipman.<br />

Nessa oportunida<strong>de</strong>, a reportagem<br />

garantiu uma entrevista<br />

exclusiva com o diplomata, publicada<br />

na última segunda-feira (29)<br />

no jornal O <strong>Estado</strong>.<br />

No dia seguinte, a reportagem,<br />

junto com outros membros da<br />

comitiva e também com outros<br />

repórteres que acompanharam<br />

as ativida<strong>de</strong>s, conheceu as instalações<br />

da O<strong>MS</strong> (Organização<br />

Mundial da Saú<strong>de</strong>). Na terça e<br />

na quarta-feira (23 e 24 <strong>de</strong> novembro),<br />

o contato foi mais direto<br />

com a população, tanto nas ruas<br />

quanto nos campos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sabrigados.<br />

Cada membro da comitiva<br />

CADERNO ESPECIAL - GUERREIROS PELA VIDA<br />

<strong>de</strong>via vestir um colete à prova <strong>de</strong><br />

balas, <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> oito quilos, e<br />

mais um capacete <strong>de</strong> fibra, que<br />

pesa ao menos dois quilos. Todo<br />

o conjunto, chamado <strong>de</strong> “tudão”,<br />

totaliza mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z quilos. O material<br />

é necessário para todas as<br />

ativida<strong>de</strong>s fora da base brasileira<br />

que sejam realizadas em áreas<br />

vermelhas, ou seja, <strong>de</strong> risco.<br />

Nesse período foi possível verificar<br />

a falta <strong>de</strong> saneamento<br />

básico, a estrutura precária das<br />

casas que restaram após o terremoto,<br />

a condição <strong>de</strong> vida nas<br />

tendas dos IDP camps, a sujeira<br />

em meio às barracas <strong>de</strong> venda<br />

<strong>de</strong> comida e roupas, a utilização<br />

dos córregos como latrina por<br />

crianças e adultos, a precarieda<strong>de</strong><br />

das instalações elétricas,<br />

a lei da buzina que garante a<br />

passagem no trânsito, a venda <strong>de</strong><br />

produtos recebidos como doação,<br />

enfim, uma série <strong>de</strong> cenários que<br />

lembram os <strong>de</strong> populações assoladas<br />

por uma guerra.<br />

Apesar disso, nos dias seguintes,<br />

também foi possível<br />

perceber como os soldados brasileiros<br />

são respeitados, principalmente<br />

pelas crianças, e como<br />

as tropas da ONU são necessárias<br />

para manter a or<strong>de</strong>m e a paz.<br />

Também foi possível i<strong>de</strong>ntificar<br />

MATO GROSSO DO SUL<br />

Todos os dias a comitiva saía pelos portões do batalhão em viaturas da ONU e a cada dia havia uma nova surpresa no <strong>Haiti</strong><br />

COMO AJUDAR O POVO HAITIANO<br />

AO PNUD (Programa das Nações<br />

Unidas para o Desenvolvimento)<br />

Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral<br />

Agência: 0647<br />

Operação: 003<br />

Conta: 600-1<br />

CNPJ: 03.723.329/0001-79<br />

AO UNICEF (Fundo das Nações<br />

Unidas para a Infância)<br />

Banco do Brasil<br />

Agência: 3382-0<br />

Conta: 404700-1<br />

CNPJ: 03.744.126/0001-69<br />

Telefone: 0800 601 8407<br />

Fonte Reportagem<br />

Lucia Morel<br />

a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma “nova vida”, já<br />

que dos escombros muitas pessoas<br />

retiram ferro para fabricar<br />

outros produtos, como portões,<br />

ca<strong>de</strong>iras e mesas.<br />

Para contar a experiência <strong>de</strong><br />

cinco dias no <strong>Haiti</strong> seria necessário<br />

um livro inteiro, ou quem<br />

sabe até, uma vida inteira, tamanha<br />

a confusão e alegria causadas<br />

pelo contato com um país<br />

que, apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>struído, consegue<br />

ter adultos que cantam<br />

quando conversam com os brasileiros<br />

e <strong>de</strong> crianças que sorriem<br />

quando se aproximam.<br />

À VIVA RIO:<br />

Banco do Brasil<br />

Agência: 1769-8<br />

Conta: 5113-6<br />

Favorecido: VIVA RIO DOAÇÕES<br />

CNPJ: 00343941/0001-28<br />

PARA DOAÇÕES À VIVA RIO EFETUADAS<br />

DE OUTROS PAÍSES:<br />

Viva Rio - Banco do Brasil<br />

Ag. New York- 600 5th Avenue 3rd fl oor<br />

NEW YORK, NY 10020<br />

C/C: 100065090<br />

ABA: 026003557<br />

Swift co<strong>de</strong>: BRASUS33

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!