A bala de canhão e os olhos de B - LAM

A bala de canhão e os
texto / text Paola Rolletta
D escobrir o nome dela girava na minha cabeça há muito tempo.
Sempre que passo ao pé da Cadeia Civil, paro um bocadinho
a admirá-la. O cheiro doce e intenso, o veludo das fl ores, o aspecto pouco
comum encantam-me.
Como se chamará aquela árvore, das fl ores vermelhas, carnosas e atraentes
na Avenida Kim Il Sung? Esta pequena história é um relato de uma grande
paixão que começou desde que cheguei a Maputo, já lá vão alguns anos.
O tronco até é feio, de cor castanho acinzentado, muito comum. Os ramos
também não são nada de extraordinário: frondosos sim, mas sem fl ores. Têm
um efeito “vejo não vejo” como as transparências dos vestidos da Betty Boop,
a personagem de desenhos animados.
Só que, colados ao tronco, aparecem pequenos ramos, com umas fl ores
lindas e perfumadas, que não se encontram em outros sítios da cidade nem
no inteiro país. Parece um obelisco de pedra de onde saem aquelas fl ores
maravilhosas num manto encarnado que cai até ao chão.
Há pouco tempo, os habitantes da zona puseram uma pequena vedação
para a proteger, pois havia sempre alguém a arrancar os pequenos raminhos
de onde brotam as fl ores de veludo encarnado.
Aquelas fl ores são encantadoras. Também me lembram os olhos de
Betty Boop. Pistilos amarelos que pestanejam como os olhos da criatura
da banda desenhada de Max Fleischer. Voluptuosas como as curvas dela, a
imigrante trabalhadora de origem judaica, criada nos anos 30, que continua
a alimentar o imaginário de homens e mulheres. A Betty Boop que virou
símbolo da mulher moderna e da própria sedução, que pagava sempre as
suas contas, independente, segura, com as pernas de fora exibindo uma liga
provocadora.
Parecia impossível. Nunca encontrava ninguém que soubesse o nome
da árvore nem com a minha explicação dos olhos da Betty Boop! Até que
um dia… falei com Telma Faria e aí tudo foi mais fácil. Primeiro porque
era uma paixão que tínhamos em comum, segundo porque está a escrever
um livro sobre as árvores de Maputo, “As Árvores dos Arruamentos da
Cidade de Maputo”, com a engenheira fl orestal Regina Cruz e Luís Lage,
da Faculdade de Arquitectura.
Conhecido o nome da família, Lecythidaceae, foi relativamente fácil
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olhos de Betty Boop
The Cannonball Tree
and Betty
Boop’s Eyes
I had been intent on fi nding out its name for a long time
now. Whenever I passed the City Jail, I stopped awhile
and admire it. The sweet and intense scent, the velvet of its
fl owers, its unusual aspect, all enchant me.
What would be the name of that tree bearing attractive red
fl eshy fl owers that grows on the Avenida Kim Il Sung? This little
story is the tale of a great passion that began when I arrived in
Maputo, quite some time ago.
The tree trunk is an ugly grey brown, very common. Likewise,
the branches are nothing out of the ordinary, leafy, it’s true,
but without fl owers. They have a “now you see me now
you don’t” effect like the fi lmy garments of Betty Boop, the
cartoon character.
But, glued to the trunk, little stems appear with
beautiful perfumed flowers that cannot be found
elsewhere in the city or inland. It looks like a stone obelisk
sprouting those wonderful fl owers in a red mantle that falls
to the ground.
Not long ago, the inhabitants of the zone erected a fence to protect
it, because there was always someone pulling off the little stems with
their red velvet fl owers.
Those fl owers are captivating. They look like Betty Boop’s eyes.
Yellow pistils that wink like the eyes of Max Fleischer’s 1930’s cartoon
character. Voluptuous as the curves of that immigrant worker of Jewish
origin who continues to feed the imaginations of men and women.
The Betty Boop who became the symbol of modern womanhood and
seduction, who always paid her own bills, independent, secure, legs
on display showing a provocative garter.
10 ANOS Índico 53

descobrir o nome dela. É a couroupita guianensis. O nome popular era
“kouroupitoumou” na Guiana Francesa onde a planta foi estudada pela
primeira vez. Aparece desde a Costa Rica, Panamá, Venezuela, até ao Brasil,
sendo venerada por muitas tribos indígenas da Amazónia. E também está
presente no sul dos Estados Unidos embora não em estado selvagem, na
Índia e em Singapura.
Há ainda mais dois exemplares em África, um na Tanzânia, no Jardim
Botânico Amani, em Tanga, e um outro na Estação de Pesquisa Agrícola da
Universidade de Legon, no Gana. É fácil descobri-la através do site “http://
zipcodezoo.com/Plants/C/Couroupita_guianensis.asp#Distribution”.
Como terá chegado até Maputo? A taxonomista Telma Faria avança
com uma hipótese. Segundo ela, o professor Aurélio Quintanilha, cientista
famoso nos anos 50/60 pelos seus estudos sobre o algodão, seria o “responsável”.
“Morava naquela zona, talvez duas casas mais para lá da árvore”,
esclarece Telma.
Navegando na Internet descobri muita coisa acerca da “minha” árvore. O
óleo das flores é utilizado em perfumaria.
No Brasil é onde tem mais nomes: cuiarana, castanha-de-macaco, árvore-de-macaco,
amêndoa-dos-andes. Os nomes populares usados no Brasil
referem-se à forma da casca dos seus frutos esféricos que, após o apodrecimento
da polpa, têm a forma de uma “cuia”, como uma massala ou um coco,
utilizada como tigela; ou também porque as sementes são procuradas por
macacos. Mas o nome mais esquisito é em inglês: cannonball tree, a árvore da
bala de canhão, pois das flores maravilhosas saem uns frutos da forma de uma
bala de canhão, de vinte centímetros de diâmetro, com polpa azulada de odor
desagradável. Não vos vem à memória o lema dos hippies, do movimento
pacifista “Flower Power”: “ponham flores nos vossos canhões”?
Mesmo com todas as informações assim recolhidas, não consigo tirar da
cabeça que a Betty Boop vive na árvore da Kim Il Sung. Da próxima vez
que passarem pela avenida vejam lá se não tenho razão? A Árvore floresce
durante um longo período do ano, de Setembro a Março, atingindo o auge
em Janeiro/Fevereiro.
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The tree has a long flowering period, from September to March, reaching
a climax in January/February.
It seemed impossible. I never found anyone who knew the name of the
tree, not even with my Betty Boop eyes explanation! Until one day… I spoke
to Telma Faria and then it all became easier. Firstly, because it was a passion we
shared, and secondly because she was writing a book on the trees of Maputo,
“As Árvores dos Arruamentos da Cidade de Maputo” (The Trees of Maputo
City Streets), together with the forest engineer Regina Cruz, and Luís Lage from
the Architecture School.
Once I knew the family name, Lecythidaceae, it was relatively easy to
discover the flower name: couroupita guianensis. The popular name was
“kouroupitoumou” in French Guyana where the plant was studied for the first
time. It can be found in Costa Rica, Panama, Venezuela, and even Brazil. This
plant is worshipped by many Amazonian tribes. It grows in the south of the
USA, though not in the wild, and also in India and in Singapore.
There are another two specimens in Africa, one in the Amani Botanical Garden
in Tanga, and another in the Agricultural Research Station at the University of
Legon, in Ghana. You can find it easily via the website “http://zipcodezoo.
com/Plants/C/Couroupita_guianensis.asp#Distribution”.
How did it come to Maputo? Taxonomist Telma Faria has a theory. According
to her, professor Aurélio Quintanilha, a scientist who was famous in the 50’s
and 60’s for his research on cotton, was responsible. “He used to live in that
area, perhaps two houses down from the tree”.
Surfing the Internet, I found out many things about “my” tree. The oil from
its flowers is used in perfume making.
It has been dubbed with the most names in Brazil: cuiarana, or gourd tree,
castanha-de-macaco, monkey chestnut, árvore-de-macaco, monkey tree,
amêndoa-dos-andes, Andean almond. The Brazilian popular names refer to
the shape of the shells on its spherical fruits which, after ripening, have the
shape of a “cuia” or gourd, like a massala or a coconut, used as a bowl, or to
the fact that the seeds are sought after by monkeys. But the strangest name
is in English: cannonball tree, since its marvellous flowers produce cannonball
shaped fruits 20 centimetres in diameter, with a bluish, unpleasant smelling
pulp. Doesn’t it bring to mind the motto of the “Flower Power” hippy pacifist
movement: “Put flowers in your cannons”?
I also discovered an Internet site where you can order seeds: a pack of ten
costs 5 dollars and fifty cents. Its great beauty in flower makes it excellent for
the landscape, but its large size and the weight of its fruits are a drawback.
Even with all the information I have collected, I can’t get it out of my head
that Betty Boop lives in the tree on Kim Il Sung Avenue. Next time you pass
down there; see if I am not right?