Edição 39 - Memorial da América Latina

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15.04.2013 Views

cultural. Mas a proposta dos curadores não ultrapassou o cenário vazio que poderia ter encarado. Ela restará como promessa não cumprida, como é comum na vida pública. Por tudo isso, o que se deseja hoje é que a nova Bienal nos ofereça o que a anterior não conseguiu: uma reflexão consistente sobre o lugar da arte na nova configuração mundial e, ao mesmo tempo, sobre a própria instituição Fundação Bienal, palco político de suas tantas crises. Os curadores, Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, dois dos mais importantes pensadores brasileiros das artes, são pessoas muito bem preparadas para a tarefa. É de se louvar o fato, talvez inédito, de que todas as instituições culturais de São Paulo tenham sido convidadas para participar da mostra paralela à Bienal, inclusive o Memorial da América Latina. Dentre os vizinhos latino-americanos escolhidos para a Bienal, é curioso antes de tudo notar que muitos deles vivem fora do continente. A maioria nos Estados Unidos (a começar pela curadora adjunta Rina Carvajal), outros na Europa (especialmente na Alemanha e na Espanha). Há algo aqui que já fala da política contemporânea das artes, de seus deslocamentos e desterros, sejam eles propriamente políticos ou especialmente econômicos. É o caso de Alessandra Sanguinetti, que vive entre a Argentina e os Estados Unidos, trabalhando também como fotógrafa da agência Magnun. Seus trabalhos se destacam por uma elaboração original, que vai do universo dos sonhos da infância e da adolescência até um olhar estranhado (e entranhado) na vida do campo, sobretudo na sua violência latente. Ou da peruana radicada na Espanha, Sandra Gamarra, que, anos atrás, apresentou um trabalho provocativo baseado em cópias de obras de artistas brasileiros contemporâneos, criando uma interessante discussão não apenas sobre autenticidade, mas também sobre patrimônio cultural e autoconhecimento em nações periféricas. Já o jovem artista cubano Wilfredo Prieto, que atualmente também vive na Espanha, é uma das promessas do circuito mundial. Curiosamente, um de 25

seus trabalhos mais conhecidos chamase justamente Apolítico, uma instalação feita com sessenta bandeiras de diversos países, cujo desenho é mantido, mas cujas cores são retiradas, substituídas por tons de cinza, criando uma estranha uniformidade. Nesta obra, a política tradicional e suas cores fortes são esvaziadas para se criar em seu lugar um espaço tanto crítico quanto reflexivo em relação à função das cores (da arte, portanto), ao sentido da nacionalidade, à uniformidade de um mundo sem utopias identificáveis. Mas certamente a grande “estrela” latino-americana dessa Bienal deverá ser a veterana argentina Marta Minujín que, desde os anos 60, elabora divertidos e provocantes projetos performáticos e efêmeros. Ações, mais do que 26 “obras” que podiam questionar a mídia (Leyendo las Noticias en el Río de la Plata, de 1961, no qual jornais eram “afogados” no rio) ou a ditadura militar argentina, nos anos 70, como o inusitado Partenón de Libros, que reconstruía uma estrutura nas dimensões do Partenon grego, só que recoberta de livros proibidos pela ditadura (a documentação dessa obra foi apresentada na 7ª Bienal do Mercosul). Nos anos 80, a artista inclusive “pagou” a dívida externa da argentina oferecendo espigas de milho a Andy Warhol, típica performance pop à qual é afeita, ato revelador de sua concepção de política, ironia, arte e espetáculo. Francisco Alambert é professor da Universidade de São Paulo, historiador e pesquisador de arte.

cultural. Mas a proposta dos curadores<br />

não ultrapassou o cenário vazio que<br />

poderia ter encarado. Ela restará como<br />

promessa não cumpri<strong>da</strong>, como é comum<br />

na vi<strong>da</strong> pública.<br />

Por tudo isso, o que se deseja hoje<br />

é que a nova Bienal nos ofereça o que<br />

a anterior não conseguiu: uma reflexão<br />

consistente sobre o lugar <strong>da</strong> arte na nova<br />

configuração mundial e, ao mesmo tempo,<br />

sobre a própria instituição Fun<strong>da</strong>ção<br />

Bienal, palco político de suas tantas crises.<br />

Os curadores, Moacir dos Anjos e Agnaldo<br />

Farias, dois dos mais importantes pensadores<br />

brasileiros <strong>da</strong>s artes, são pessoas<br />

muito bem prepara<strong>da</strong>s para a tarefa. É de<br />

se louvar o fato, talvez inédito, de que to<strong>da</strong>s<br />

as instituições culturais de São Paulo<br />

tenham sido convi<strong>da</strong><strong>da</strong>s para participar<br />

<strong>da</strong> mostra paralela à Bienal, inclusive o<br />

<strong>Memorial</strong> <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>.<br />

Dentre os vizinhos latino-americanos<br />

escolhidos para a Bienal, é curioso<br />

antes de tudo notar que muitos deles<br />

vivem fora do continente. A maioria<br />

nos Estados Unidos (a começar pela<br />

curadora adjunta Rina Carvajal), outros<br />

na Europa (especialmente na Alemanha<br />

e na Espanha). Há algo aqui que já fala<br />

<strong>da</strong> política contemporânea <strong>da</strong>s artes, de<br />

seus deslocamentos e desterros, sejam<br />

eles propriamente políticos ou especialmente<br />

econômicos.<br />

É o caso de Alessandra Sanguinetti,<br />

que vive entre a Argentina e os Estados<br />

Unidos, trabalhando também como fotógrafa<br />

<strong>da</strong> agência Magnun. Seus trabalhos<br />

se destacam por uma elaboração original,<br />

que vai do universo dos sonhos <strong>da</strong> infância<br />

e <strong>da</strong> adolescência até um olhar estranhado<br />

(e entranhado) na vi<strong>da</strong> do campo,<br />

sobretudo na sua violência latente. Ou<br />

<strong>da</strong> peruana radica<strong>da</strong> na Espanha, Sandra<br />

Gamarra, que, anos atrás, apresentou um<br />

trabalho provocativo baseado em cópias<br />

de obras de artistas brasileiros contemporâneos,<br />

criando uma interessante discussão<br />

não apenas sobre autentici<strong>da</strong>de,<br />

mas também sobre patrimônio cultural e<br />

autoconhecimento em nações periféricas.<br />

Já o jovem artista cubano Wilfredo<br />

Prieto, que atualmente também vive<br />

na Espanha, é uma <strong>da</strong>s promessas do<br />

circuito mundial. Curiosamente, um de<br />

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