Edição 39 - Memorial da América Latina

Nossa
COLOMBO
E O FUTEBOL
Revista do Memorial da América Latina N°39 - Ano 2010 | 4º trimestre - R$8,00
Presidente
da Colômbia
visita o
Memorial
TEATRO
COLÓN
LATINOS NA
29 a BIENAL
Juan Manuel Santos
FESTIVAL DE
CINEMA
PLACAS
TECTÔNICAS
JOSÉ ROBERTO TORERO • CELSO DE SOUZA MACHADO • PAULO RYDLEWSKI • FRANCISCO ALAMBERT
ANA MARIA CICCACIO • UMBERTO G. CORDANI • MATILDE MARÍN • PAULO ROBERTO FELDMANN • PILAR ATILIO

Nossa Revista do Memorial da América Latina N°39 - Ano 2010 | 4º trimestre - R$8,00
GOVERNADOR
ALBERTO GOLDMAN
SECRETÁRIO DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS
ALMINO MONTEIRO ÁLVARES AFFONSO
FUNDAÇÃO MEMORIAL
DA AMÉRICA LATINA
CONSELHO CURADOR
PRESIDENTE
ALMINO MONTEIRO ÁLVARES AFFONSO
SECRETÁRIO DA CULTURA
ANDREA MATARAZZO
SECRETÁRIO DE DESENVOLVIMENTO
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REITOR DA USP
JOãO GRANDINO RODAS
REITOR DA UNICAMP
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REITOR DA UNESP
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PRESIDENTE DA FAPESP
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DIRETORIA EXECUTIVA
DIRETOR PRESIDENTE
FERNANDO LEÇA
DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO
DE ESTUDOS DA AMÉRICA LATINA
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DIRETOR DE ATIVIDADES CULTURAIS
FERNANDO CALVOZO
DIRETOR ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO
SÉRGIO JACOMINI
CHEFE DE GABINETE
JOSÉ OSVALDO CIDIN VÁLIO
DIRETOR PRESIDENTE
HUBERT ALQUÉRES
DIRETOR INDUSTRIAL
TEIJI TOMIOKA
DIRETOR FINANCEIRO
FLÁVIO CAPELLO
DIRETOR DE GESTãO DE NEGÓCIOS
LUCIA MARIA DAL MEDICO
REVISTA NOSSA AMÉRICA
DIRETOR
FERNANDO LEÇA
EDITORA EXECUTIVA / DIREÇãO DE ARTE
LEONOR AMARANTE
COLABORADORA DE EDIÇãO
ANA CANDIDA VESPUCCI
ASSISTENTE DE REDAÇãO
MÁRCIA FERRAZ
TRADUÇãO
CLAUDIA SCHILLING
PRODUÇãO
HENRIQUE DE ARAUJO
DIAGRAMAÇãO E ARTE
EVERTON SANTANA
PAULO JAMES WOODWARD
REVISãO - ESTAGIÁRIO
ADRIANO TAKESHI MIYASATO
EDITORIAL 04
Fernando Leça
ALIANÇA 06
Daniel Pereira
ALIANÇA 09
Jorge Salmón Jordán
ESPORTE 11
José R. Torero
DEBATE 14
Celso de S. Machado
CULTURA 18
Paulo Rydlewski
ARTE 24
Francisco Alambert
CINEMA 29
Ana C. Vespucci
COLABORARAM NESTE NÚMERO
Ana Maria Ciccacio, Celso de Souza Machado, Daniel Pereira, Franscisco Alambert,
Jorge Salmón Jordán, José Roberto Torero, Matilde Marin, Paulo Roberto Feldmann,
Paulo Rydlewski, Pillar Atilio, Umberto G. Cordani e Wingston González.
CONSELHO EDITORIAL
Aníbal Quijano, Carlos Guilherme Mota, Celso Lafer, Davi Arrigucci Jr., Eduardo Galeano,
Luis Alberto Romero, Luis Felipe Alencastro, Luis Fernando Ayerbe, Luiz Gonzaga Belluzzo,
Oscar Niemeyer, Renée Zicman, Ricardo Medrano, Roberto Retamar, Roberto Romano,
Rubens Barbosa, Ulpiano Bezerra de Menezes.
NOSSA AMÉRICA é uma publicação trimestral da Fundação Memorial da América Latina.
Redação: Avenida Auro Soares de Moura Andrade, 664 CEP: 01156-001. São Paulo, Brasil.
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FOTO CAPA - WANDER MALAGRINE
Número 39
ISSN 0103-6777
LITERATURA 35
Ana M. Ciccacio
PLANETA 38
Umberto G. Cordani
OLHAR 44
Matilde Marín
ECONOMIA 50
Paulo R. Feldmann
HISTÓRIA 54
Pillar Atilio
FLIP 59
Leonor Amarante
CURTAS 62
Da redação
AGENDA 64
Da redação
POESIA 66
Wingston González

Edito
O Memorial da América Latina
está comemorando seus vinte e um anos
e, juntamente com as representações
diplomáticas dos países que celebram
seu bicentenário de independência, tem
sediado e participado de numerosos
atos alusivos à efeméride. A Colômbia é
um desses países e seu presidente, Juan
Manuel Santos, há pouco empossado,
esteve no Memorial por ocasião de sua
visita ao Brasil, no início de setembro,
circunstância muito honrosa para todos
nós e para São Paulo, que merece um
óbvio registro neste número de Nossa
América. Em novembro, coroando um
período de muito trabalho pela integração
latino-americana – afinal, o grande
objetivo para o qual o Memorial foi
criado –, cumprimos a honra de receber
o presidente peruano Alan García, em
meio à realização de um megaevento
significativamente denominado Expo
Peru 2010, também focalizado em Nossa
América.
A Copa do Mundo acabou, mas
a paixão dos brasileiros pelo futebol
continua viva e forte. O surpreendente
é que o interesse pelo esporte se arrasta
por mais de 500 anos, desde a chegada
de Cristóvão Colombo às Américas. Roberto
Torero, um dos analistas esportivos
que melhor tem refletido sobre a
questão, apresenta um documento fictício
curioso para os apaixonados, ou não,
por uma boa “pelada”. Trata-se de uma
carta “escrita” por um dos tripulantes,
Hernán Hernandes, ironizando a exportação
de nossos craques.
Dentro do cenário político do continente,
o Fórum Social Mundial e o Fórum
Econômico Mundial têm defendido
o fortalecimento ou a revitalização da
Organização das Nações Unidas, assim
como a globalização da democracia. Celso
de Souza Machado, cientista político,
traça um panorama do papel que a ONU
poderia estar desempenhando nesse processo
de equilíbrio das relações mundiais.
Finalmente o Teatro Colón reabriu
suas portas. Depois de um processo de
restauração que durou quase dez anos e
ultrapassou uma série de dificuldades, ele
já está com uma programação ampla e
diversificada. O maestro brasileiro Paulo
Rydlewski comenta tecnicamente a acústica
do teatro, considerada a quinta melhor
do mundo, e onde ele já teve a grata
oportunidade de reger. Da Argentina,
Hernán Lombardi, secretário de Turismo
de Buenos Aires, fala sobre a importância
da reabertura do Colón durante os
festejos do bicentenário.
A Bienal de Arte de São Paulo
foi inaugurada em setembro com a promessa
de recuperar seu papel na história
das artes plásticas. Além disso, inova ao
reunir um razoável contingente de artistas
latino-americanos, contrariando um
passado com poucos nomes da região.
O crítico Francisco Alambert analisa a
instituição e comenta as obras de alguns
artistas que marcam presença.
Assunto atual, que aterroriza pela
alta incidência nos últimos anos, os terremotos
são o tema do geólogo Umberto
Cordani. Ele explica como e porque os

ial
movimentos das placas tectônicas, que
são camadas existentes no interior da
terra, provocam o tão temível fenômeno
em várias partes do mundo.
A mesma Terra, mas vista sob outro
aspecto, agora pelas lentes sensíveis
da fotógrafa argentina Matilde Marín,
também pode ser de uma beleza ímpar,
se dissecada e reduzida as suas linhas
mais puras.
A falta que um grande escritor
faz. José Saramago, único prêmio Nobel
de Literatura em língua portuguesa,
que morreu este ano, ganha uma homenagem
de Ana Maria Ciccacio. No
artigo, a jornalista celebra a firmeza e a
coerência do autor nascido em Portugal
e residente na Espanha, em autoexílio
por razões políticas.
O Festival de Cinema Latino-
Americano, promovido anualmente
pelo Memorial chegou a sua quinta edição
reunindo pelo menos os 20 melhores
diretores do Continente. A jornalista
Ana Candida Vespucci traça um painel
da importância que o evento conquistou,
enquanto Leonor Amarante, editora
de Nossa América, publica uma entrevista
que fez com o cineasta argentino
Marcelo Piñeyro, um dos homenageados
deste ano, ao lado do brasileiro João
Batista de Andrade.
As empresas latino-americanas precisam
saber lidar com suas idiossincrasias,
na opinião de Paulo Roberto Feldmann,
engenheiro. O especialista comenta como
os aspectos culturais moldam as gestões
empresariais e aponta oportunidades e
ameaças no mundo globalizado.
O Memorial continua atento às
comemorações dos bicentenários de
independência de alguns países latinoamericanos.
Nesta edição, Nossa América
focaliza as festividades na Argentina
com um artigo da historiadora portenha
Pilar Atilio.
Este ano, a editora de Nossa América
voltou à Festa Literária Internacional
de Paraty (Flip) para conferir a
quantas anda a feira de literatura que
tanto sucesso faz e para entrevistar a
escritora chilena Isabel Allende, que
acaba de lançar seu mais recente romance,
A Ilha Sob o Mar.
Como estão as relações entre Venezuela
e Colômbia e a tecnologia na
América Latina são algumas das notícias
que a seção Curtas destacou para esta
edição. Ela também revela aspectos da
vida do escritor português Eça de Queiroz
quando embaixador em Havana, e
as novidades da Casa das Américas em
Portugal. A seção Agenda, por sua vez,
lembra alguns dos melhores eventos
promovidos pelo Memorial, como El
Día Del Español que inundou a instituição
de gente atraída por uma programação
diversificada.
Para fechar a edição, o poema Overtura
Fatal, de Wingston González, um jovem
e promissor poeta guatemalteco.
Boa Leitura!
Fernando Leça
Presidente do Memorial
da América Latina

ALIANÇA
NO MEMORIAL,
Presidente da colômbia
PREGA UNIãO
Daniel Pereira
Se a última impressão é a que fica, deve ter sido
com esta sensação que o recém-empossado
presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos,
voltou ao seu país depois de quase três
horas de visita ao Memorial daAmérica Latina,
último compromisso de sua agenda de
dois dias no Brasil, no início de setembro. Essa também foi
a leitura do presidente Fernando Leça, ao despedir-se do
mais novo protagonista do cenário geopolítico da América
Latina. “A visita do presidente Juan Manuel Santos tem
vários significados, mas o principal é que ela coloca em relevo
a missão integradora do Memorial da América Latina”.
A última vez que o Memorial recebeu a visita de um presidente
latino-americano foi em 1999, quando aqui esteve Hugo
Chávez. Por coincidência, também recém-empossado como
6

FOTOs: Wander Malagrine
Juan Manuel Santos, presidente da
Colômbia, discursa no Memorial da
América Latina, onde foi recebido por
Fernando Leça, presidente da Fundação.
presidente da Venezuela, escolheu o
Brasil para sua primeira viagem internacional.
Não por acaso, integração e
união foram os termos mais recorrentes
usados por Santos em seu discurso
no Pavilhão da Criatividade, em que
extravasou claramente sua satisfação
por ter vindo ao Memorial da América
Latina. “Que bom estar aqui neste
momento, na minha primeira viagem
como presidente da República. Que
bom terminar essa visita aqui no Memorial!
Não creio que tenha sido mera
coincidência, porque o Todo-Poderoso
faz a coisa certa. Este Memorial
está destinado a promover a integração
latino-americana. E eu vim nesta
primeira visita também para promover
a integração latino-americana”.
Juan Manuel Santos foi diplomático
quando evitou aprofundar comen-
tários a respeito de questões internas
da Colômbia (“eu era cadete na Escola
Naval, há 40 anos, e já ouvia falar do
narcotráfico”, disse) ou das tratativas
para solucionar o impasse com as Farc
– temas explorados pela imprensa no
encontro da véspera com o presidente
Lula. Em vez disso, fez questão de
deixar transparecer a sua disposição
de ser visto não apenas como um dirigente
“linha dura”, mas como o novo
player importante no mapa políticoeconômico
latino-americano.
Dois parágrafos pinçados de sua
fala são reveladores dessa pretensa
postura. Um deles, quando reinterpretou
a epígrafe do busto de Simón Bolívar,
que havia visitado minutos antes.
“A América Latina será a grande potência
sonhada por ele (Bolívar) quando
cada um de nós souber respeitar
7

Alunos da Escola
Estadual República
da Colômbia
recepcionam Juan
Manuel Santos.
Ao lado, ele
se despede de
representantes
da comunidade
colombiana em
São Paulo.
as diferenças com o outro”. E foi por
isso – pontuou – que ofereceu a mão
para Hugo Chávez e Rafael Correa.
Outro sinal de sua disposição
em mostrar que a Colômbia tem mais
afinidades do que divergências com
seus vizinhos foi quando exaltou o
imenso potencial de biodiversidade da
América Latina. “Tudo o que o mundo
discute e precisa hoje, nós temos. Temos
água e alimentos, principalmente
Brasil e Colômbia, e podemos trabalhar
juntos para abrir outras frentes de
sinergia e progresso no Continente”.
8
Fernando Leça e Juan Manuel Santos caminham
sobre a maquete da América Latina, no Pavilhão
da Criatividade.
O rito oficial da visita terminou
com o descerramento da placa que fica
nos anais do Memorial da América Latina.
À saída, Santos foi cercado pela
comunidade colombiana, conversou e
beijou crianças de uma escola estadual
que tem apoio do seu governo. Foi
embora feliz, mas sem conseguir disfarçar
certa tensão. Parecia esperar por
notícias ruins. E estava certo. As Farc
haviam atacado novamente.
Daniel Pereira é jornalista.
FOTOs: Wander Malagrine

ALIANÇA
VOzES DA
inteGraÇÃo
Brasil e Peru
Jorge Salmón Jordán
Vozes de Integração é o nome com que
se batizou o esforço de difusão que o
Peru realizará em novembro no impressionante
Memorial da América Latina
em São Paulo. É um maravilhoso espaço
de 80 mil metros quadrados destinado
à divulgação da cultura e da integração dos povos latinos.
Sem dúvida, uma generosidade do governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva ter facilitado o acesso a este cenário espetacular
projetado por um ícone da arquitetura mundial, Oscar
Niemeyer, de quem se diz não haver seguidores nem discípulos.
Os setores privados brasileiro e peruano, honrando sua condição
de parceiros (sócios estratégicos), vêm preparando uma série
9

Os presidentes Alan
García, do Peru,
e Luiz Inácio Lula
da Silva, do Brasil.
FOTO: rePrOdUÇÃO
de manifestações relacionadas com aspectos
culturais e econômicos para que
o povo paulista, em primeira instância,
tome consciência do significado do desenvolvimento
deste vínculo que está
refletindo em importantes investimentos
em mineração, fosfatos, estradas,
petroquímica e outras atividades produtivas
geradoras de emprego e progresso.
Nesta nova relação que se abre
com o gigante continental, a Amazônia
não será somente o pulmão do mundo,
mas o espaço que unirá, graças a um dos
eixos das estradas bioceânicas, os sólidos
vínculos que podem desenvolver o
Peru e o Brasil no futuro.
Esses e outros aspectos de importância
vital foram discutidos em
Brasília, a moderna capital brasileira,
onde a embaixada do Peru convocou
as empresas privadas e públicas mais
destacadas para conhecer o que será
Vozes de Integração, uma proposta
conjunta com nosso aliado estratégico
orientada ao maior desenvolvimento
de ambas as nações.
Tudo está pronto para esta convocação
singular. Espera-se que os
presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e
Alan García deem destaque ao evento
e que os setores público e privado de
10
ambos os países expressem ao mundo
o que pode alcançar a integração em
benefício de seus povos.
A presença cultural do Peru, de
suas regiões e das múltiplas expressões
gastronômicas, turísticas e comerciais
será a mostra do que se vislumbra à
luz dessa transcendente aliança binacional.
É certo que Brasil e o Peru
estiveram de costas por muitos anos.
Felizmente, os dois países descobriram
sua complementaridade e, por ela,
a partir desta convocatória em Brasília,
se estabeleça um marco para uma
agenda para o futuro.
É importante considerar o que
afirma Carlos Faggin, arquiteto, urbanista
e catedrático da Universidade de
São Paulo: “Até finais do século XIX,
o Brasil possuía 1.550 cidades, cem
anos mais tarde, são 6.000. O resultado
desta conta demonstra que os brasileiros
construíram quase quatro cidades
por mês. Uma delas foi Brasília,
que em três anos saiu do discurso do
candidato a presidência Juscelino Kubitschek.
Sem dúvida, o Brasil, mais
que um país, é um continente e tem
no Peru um sócio importante, especialmente
na perspectiva dos estados
do Acre e de Rondônia, próximos à
fronteira da aliança.
Primeiramente, os povos da
Amazônia e aqueles por onde passa o
eixo interoceânico serão os principais
beneficiados com esta aliança para o
desenvolvimento. É uma oportunidade
que não se pode desperdiçar.
Jorge Salmón Jordán é peruano e comunicador social.

FOTO: rePrOdUÇÃO
ESPORTE
CRISTÓVãO COLOMBO
e o FUtebol
A pouco inspiradora história
de Caycos e Lucayo
José Roberto Torero
Um importante documento recentemente encontrado
no Archivo Real del Descobrimento
trouxe uma nova luz sobre a história do
futebol, a colonização da América e o papel
do nosso continente no mundo. Trata-se
da carta de um integrante da tripulação de
Cristóvão Colombo, mais especificamente o cozinheiro Hernán
Hernandes. Deixo-vos cá com esta joia recém-descoberta:
11

Ilhéu de Guanahani, 19 de outubro do ano 1492 de Nosso Senhor Jesus Cristo
Carmencita querida,
finalmente chegamos a algum lugar. Já não aguentava mais o balanço do navio. Vomitei
feito uma mulher pejada por toda a viagem. Quando deixamos Palos de la Frontera, no dia 3 de
agosto, não pensei que ficaria mais de dois meses sem pisar em terra.
Pensamos até em fazer um motim contra Colombo. Mas, quando estávamos às vésperas
da revolução, chegamos às Índias (se bem que há marinheiros que dizem que este é um novo continente).
A beleza dessa ilha, com seus montes e suas serras, suas águas e seus vales regados por rios
caudalosos, é um espetáculo tal que em nenhuma outra terra sob o sol pode haver mais magnífica.
Mas o mais curioso destas paragens não é sua natureza, e sim seus naturais.
Vou contar-lhe como os encontramos:
Quando demos à praia não vimos ninguém, mas, olhando ao longe, percebemos uma poeira
que levantava e, pé ante pé, nos dirigimos até lá.
Qual não foi nosso espanto quando chegamos a um enorme terreno muito limpo, onde havia
uma grama cerradinha e mais de vinte selvagens correndo nus pelo campo. Curiosamente, metade
dos silvestres tinha o corpo totalmente pintado de branco e os outros, de vermelho.
Estavam jogando futebol. E bem. Conseguiam passar a bola de um pé a outro de tantas
e várias formas que eu só podia crer no que via porque meus olhos não mentem como minha boca.
Aos poucos fomos nos enturmando com os torcedores e descobrimos que estávamos vendo o
clássico da ilha, algo como o nosso Real Madrid x Barcelona.
Depois da partida, que terminou em 3 a 3, Colombo chamou os capitães das equipes e
disse que tomava possessão da dita Ilha pelo Rei e pela Rainha, seus senhores. Os selvagens em
nada se opuseram, talvez por reconhecerem nossa superioridade, talvez por não entenderem patavinas
de nossa língua.
Demos-lhes alguns gorros vermelhos e contas de vidro que colocaram no pescoço, e outras
coisas muitas de pouco valor, com o que tiveram grande prazer e ficaram tão nossos que era maravilha.
Depois nadaram até às barcas, e nos trouxeram fios de algodão em novelos e outras coisas
muitas.
Meus companheiros de navio levarão alguns papagaios para vender na Espanha. Já eu
levarei Caycos e Lucayo. O primeiro é um ágil ponta de lança e o segundo, um respeitável centroavante
trombador. Deixarei de ser cozinheiro e me tornarei empresário de futebol, Carmencita
querida, com o que penso que finalmente poderei pedir sua mão em casamento.
Receba esta carta como um beijo nas palmas de sua mão, dado por aquele que a ama com
desespero e esperança,
12
Hernán Hernandes.

FOTO: rePrOdUÇÃO
Pois bem, a história não registra
se Hernán realmente se casou com Carmencita,
mas sabemos que o Atlético
de Madri foi tetracampeão de 1493 a 96
graças à dupla Caycos e Lucayo, que depois
foi jogar no Liverpool.
O interessante é ver que continuamos
com esta tradição, com esta vocação,
com este triste destino de exportar
matéria-prima.
Se há algo que une o futebol
sul-americano, é o fato de que nossos
melhores jogadores vão embora para a
Europa e para a Ásia mal lhe crescem
pelos na cara. Alguns até antes, como é
o caso de Messi, que foi para a Espanha
aos 11 anos.
No Brasil, este número é assustador.
Jogador de futebol já é um dos
principais produtos de exportação do
país, ultrapassando produtos como banana,
maçã e uva. Desde 1993, as exportações
já somam dois bilhões de dólares.
Em 2008, 1.776 futebolistas saíram
do Brasil. Isso daria para formar 80
equipes, com 22 atletas cada. Ou seja, a
primeira divisão do Campeonato Brasileiro
é, na verdade, a quinta.
Essa perda dos nossos jogadores
é também uma perda de alegria. Vemos
jogos piores, menos gols, menos dribles.
E, nos fins das contas, perdemos até dinheiro,
pois vendemos os jogadores mas
pagamos para ver os jogos dos campeonatos
da Europa. Como diz Sócrates
(o jogador, não o filósofo), é como se
vendêssemos Michelângelo em vez de
vender suas obras.
É claro que a culpa não é dos jogadores,
que têm todo o direito de ir
atrás de melhores salários. A culpa é dos
nossos dirigentes, dos clubes e da Confederação
Brasileira de Futebol (CBF),
que não souberam se modernizar, que
não souberam, ou não quiseram, industrializar
nossa matéria-prima.
Caycos e Lucayo foram os primeiros
de milhares. Éramos uma colônia. E,
no futebol, ainda não deixamos de ser.
José Roberto Torero é jornalista, escritor e comentarista
de futebol
13

14
DEBATE
comUm?
Há UM PONTO
Fórum Social Mundial e
Fórum Econômico Mundial
Celso de Souza Machado
em praticamente todos os encontros do Fórum
Social Mundial e do Fórum Econômico
Mundial têm havido intervenções defendendo
o fortalecimento da Organização das
Nações Unidas (ONU). Já no Fórum Econômico
Mundial de 1995, a Comissão sobre
o Governo Global apresentou um relatório propondo “globalizar
também a democracia, por uma revolução nas estruturas
das Nações Unidas” – proposta encampada pelo então secretário-geral
da ONU, Boutros Ghali, no discurso de inauguração
do Fórum. No Fórum Social Mundial de 2003, um conjunto
de intervenções foi dedicado à “necessidade da construção de
um sistema de governança democrático global”. Discutiu-se
“como refundar e revitalizar a ONU”, a necessidade de “estudar
um sistema de financiamento independente” para ela (imposto
sobre as transações financeiras internacionais, loteria internacional
etc.) e colocou-se que a “democratização da ONU deve

FOTO: divUlgaÇÃO
ser um tema central para discussões
nas próximas edições do Fórum Social
Mundial”.
A necessidade de a ONU se converter
em um Estado mundial e democrático,
um Estado escolhido pelo eleitorado
mundial (ainda que inicialmente de
forma indireta) com partidos de âmbito
mundial e um Estado com poderes efetivos
(Executivo, Legislativo e Judiciário)
para executar políticas econômicas e sociais
de caráter global – não será esse um
ponto para o qual convergem os debates
do Fórum Social Mundial e do Fórum
Econômico Mundial? Não será esse um
ponto potencialmente em comum entre
os dois Fóruns?
Embora a necessidade de um Estado
mundial democrático não tenha
ainda sido proposta com todas as letras
nesses fóruns, ela está de certa forma
presente o tempo todo em todos os
debates. Sem um Estado democrático
mundial – com instrumentos efetivos
para executar políticas globais –, as conclusões
correm o risco de não sair do
papel. Elas dependerão – para serem levadas
à prática – da “boa vontade” da
potência hegemônica de cada momento
(hoje os EUA, amanhã talvez a Comunidade
Europeia ou a Comunidade Asiática).
Só um Estado democrático mundial
terá toda a estrutura dos instrumentos
públicos, os poderes institucionais e a
representatividade internacional para
executar as políticas globais debatidas e
eleitas pela sociedade mundial – políticas
globais que abrangem desde as macroeconômicas
até o combate à fome,
a pacificação da relação entre países, a
repressão ao narcotráfico, o aumento da
eficiência econômica, o aprimoramento
do processo democrático etc. Assim,
não se trata obviamente de um Estado
“nosferatu” ou “bicho-papão” – já tão
criticado tanto pela esquerda quanto
pela direita – , mas sim da construção de
um Estado democrático, comprometido
com o desenvolvimento permanente de
formas de representação e de participação
cada vez mais democráticas. Hoje,
quase todas as correntes políticas concordam
com a importância de os Estados
se pautarem por esses valores.
Está claro que, como o Fórum
Social e o Fórum Econômico representam
interesses e projetos contrários
para o planeta, seus objetivos para uma
ONU-Estado mundial e democrático
serão objetivos igualmente contrários.
Contudo, é exatamente por isso que
um eventual ponto em comum entre os
dois Fóruns só poderá se dar em torno
de uma questão organizacional (a forma
de organização política que se pretende
dar ao planeta): a necessidade de um
governo institucional mundial – um governo
que seja democrático (isto é, que
possa ser ocupado por correntes mais
conservadoras e por correntes mais
progressistas) e um governo que seja
um Estado (isto é, que tenha poderes
efetivos para executar políticas globais
mais conservadoras e mais progressistas).
Conteúdos concretos, como a luta
contra a fome, a luta pela eficiência
15
Crianças Caiapó
no Fórum Social
Mundial.

econômica, o combate às desigualdades
internacionais etc., poderiam talvez
contar com a concordância de ambos
os Fóruns, mas seria uma concordância
apenas aparente: o Fórum Social e
o Fórum Econômico defendem lógicas
diferentes para o funcionamento da
economia internacional e das economias
nacionais, e condicionariam a consecução
daqueles objetivos ao tipo de
lógica que defendem. Já a construção
de um Estado mundial democrático diz
respeito a uma questão formal: a forma
ou formato que se pretende dar à organização
política do planeta.
No dia seguinte à constituição de
um eventual Estado democrático mundial,
as forças representadas em cada
Fórum estarão sentadas em trincheiras
contrárias na disputa eleitoral e – como
ocorre no interior dos Estados nacionais
(países) – as forças com maior poder
econômico tenderão obviamente a ter
mais chances de vitória. No entanto –
havendo uma democracia formal – o dinamismo
das disputas eleitorais (os pontos
fortes e fracos das candidaturas, os
rachas, as coalizões), as movimentações
das bases sociais dos partidos, as avaliações
do eleitorado sobre as políticas desenvolvidas
pelos partidos no governo
etc., tudo isso irá abrindo espaço para
que as diversas forças políticas tenham,
num momento ou noutro, possibilidades
de vitória eleitoral.
É importante observar que não se
trata de ser a favor ou contra um governo
mundial. Esse governo de certa
forma já existe, mas, como já se observou
num dos Fóruns Sociais, “a atual
governança mundial não é legítima, nem
democrática nem eficaz” (referindo-se a
FMI, Banco Mundial e OMC). A questão
é se o governo mundial continuará a
ser feito dessa forma, ou se será adotado
o caminho que todos os países adotam
internamente – o caminho de uma
instituição pública (um Estado).
16
Não seria utópico ou irrealista pretender
uma revolução como essa na forma
de organização política do planeta?
Com quase 200 países em extrema
dependência econômica e tecnológica
entre si, tendo de competir intensamente
num salve-se-quem-puder e tendo conquistado
o direito de lutar abertamente
pelos seus interesses, a ideia de um governo
mundial e democrático deixou de
ser utópica ou irrealista – para se tornar,
ao contrário, uma necessidade objetiva e
inadiável, pelo nível de desenvolvimento
atingido pela economia mundial. Os dois
pontos que, embora iniciais, já permitiriam
dizer que temos um governo institucional
mundial – um imposto internacional
(que liberte a ONU de sua dependência
econômica em relação ao pequeno grupo
de países ricos, principalmente os EUA)
e uma moeda institucional internacional
(cuja emissão seja monopólio da ONU e
que seja obrigatória nas transações econômicas
internacionais, inicialmente, e
depois também nas nacionais) – seriam
hoje vistas provavelmente com simpatia
pela grande maioria dos países, das organizações
sociais e políticas (partidos,
sindicatos sociedades científicas, igrejas,
associações artísticas etc.) e do eleitorado
mundial. A inexistência de uma moeda
institucional internacional, aliás, sugere
um contrassenso: quase duas centenas de
países competindo economicamente entre
si e o dinheiro que intermedeia essa
competição ter o monopólio da sua emissão
não mãos de um dos competidores?!
É mais ou menos como um jogo em que
a bola pertencesse a um dos times...
Por que caberia ao Fórum Social e
ao Fórum Econômico a tarefa de tomar
a iniciativa e propor um amplo debate internacional
sobre a necessidade de um governo
institucional democrático mundial?
O Fórum Social e o Fórum Econômico
constituem hoje o centro do debate
mundial sobre as alternativas para
o planeta. São hoje as únicas instâncias

internacionais com respeitabilidade e
representatividade suficientes para dar
início a um amplo e democrático debate
mundial sobre a necessidade e a urgência
de uma mudança radical na forma de organização
política do planeta – sobre os
perigos de o mundo continuar sem um
governo institucional. Se o Fórum Social
e o Fórum Econômico, ou quaisquer
outras instâncias de debate mundial que
venham a ser criadas, se limitarem a debater
fins e não debaterem pra valer os
meios, as propostas, e não se concentrarem
em debater a fundo as ferramentas
para implementá-las, tenderão a se reduzir
a uma feira ou festival de propostas
programáticas, e a desempenhar no sistema
internacional a função de válvula de
escape (o Fórum Social) e decorativa (o
Fórum Econômico).
É a própria realidade econômica e
política do mundo de hoje que está colocando
a questão da governança mundial
(como exatamente o planeta deve ser
governado?) como tema nº1 do debate
internacional. Um Estado democrático
mundial é a peça que está faltando no tabuleiro
de xadrez. O planeta todo respiraria
aliviado se saíssemos da atual forma
de governo (ou desgoverno) mundial e a
ONU assumisse as funções e os poderes
de um Estado mundial democraticamente
eleito – o que mudaria a natureza da
relação entre os países, abrindo espaço
para a construção de uma verdadeira
comunidade internacional: os países começariam
a deixar de ser países para se
tornarem estados (subdivisões) de um
grande e único país mundial. Os países
não perderiam soberania – mas, pelo
contrário, ganhariam soberania (sobre
todo o planeta): haveria um Estado “acima”
dos países – mas um Estado eleito
pelos próprios países!
O Fórum Social e o Fórum Econômico
têm em suas mãos a oportunidade
e a responsabilidade histórica de
abrirem um amplo debate mundial sobre
o perigo de o mundo continuar sem um
governo institucional. É possível hoje
alguém acompanhar os noticiários das
TVs, dos jornais, e não perceber que o
mundo está grávido de um governo institucional?
Os horrores da 1 a Guerra Mundial
(com quase 10 milhões de mortos e
20 milhões de mutilados) traumatizaram
o mundo e levaram à criação da Liga das
Nações (1919), que tinha poucos poderes
e logo foi se enfraquecendo. Os horrores
da 2 a Guerra Mundial (com mais
de 60 milhões de mortos e 30 milhões
de mutilados) traumatizaram o mundo e
levaram à criação da ONU (1945), que
tem mais força do que tinha a Liga das
Nações, mas ainda está longe de ter os
poderes efetivos de um Estado para comandar
políticas econômicas e sociais de
âmbito mundial. Hoje, com quase 200
países numa competição econômica desenfreada
entre si e vários desses países
já possuindo ou em vias de possuir armamentos
de extermínio em massa (armas
nucleares, químicas e biológicas),
ou vamos para uma ONU-Estado democrático
mundial através do caminho
civilizado de um amplo e responsável
movimento internacional – ou através
do caminho de horrores de uma devastadora
3ª Guerra Mundial.
Celso de Souza Machado é cientista político.
17
Crianças no
Fórum Social
Mundial.

18
CULTURA
TEATRO COLÓN,
corPo e alma
A essência de um espaço
consagrado mundialmente
Paulo Rydlewski
Qualquer partitura musical não é nada além
de uma representação imprecisa da realidade
sonora que o compositor tentou expressar.
Imprecisa? Sim, pois nos permite
recriá-la à medida que o nosso conhecimento
musical avança e, nesse processo,
acrescentamos a quantidade de arte e sensibilidade
que podemos oferecer. Assim
como o objeto partitura, um teatro pode transcender a essa
condição, tornar-se um símbolo. Dia 24 de maio passado, foi
reinaugurado o Teatro Colón de Buenos Aires, um dos patrimônios
culturais de nosso continente, um símbolo internacional
da imensa capacidade artística do povo argentino.
Cerca de 3.000 pessoas compareceram à sua primeira noite
de gala e uma projeção em 3D, na lateral do teatro, transmitiu
o concerto para milhares de pessoas que se aglomeravam
na charmosa Avenida Nove de Julio. Na programação do

concerto de reinauguração, a abertura
Huemac, de Pascual de Hogatis, excertos
do balé O lago dos Cisnes de P. I. Tschaikovsky
e da ópera La Bohème de Giacomo
Puccini, com a participação do balé,
do coro e da Orquestra Filarmônica de
Buenos Aires.
O teatro Colón, ou Colombo, foi
inaugurado em 25 de maio de 1908. Construído
em um estilo próximo ao nosso
Theatro Municipal de São Paulo, mesclando
um pouco dos clássicos italiano e
francês, tem capacidade para 3.000 pessoas
acomodadas em luxuosas cadeiras de
veludo vermelho escuro. Com um fosso
capaz de acomodar 120 músicos, vitrais
e uma decoração suntuosa, o teatro ainda
oferece oficinas de máquinas, cenários,
adereços, figurinos, escultura, maquiagem
e cabeleireiro, além de salas de apoio, oficinas,
salas para ensaio: uma pequena cidade
em seus subterrâneos. Após nove anos de
reformas e uma série de dificuldades para
se cumprir prazos e metas, confrontos políticos
infindáveis, a luta para se manter a
essência arquitetônica do projeto original
teve sucesso. Seu “disco giratório”, um
surpreendente mecanismo antigo, mas
ainda eficiente, para a mudança rápida de
cenários, foi mantido juntamente com todas
suas características técnicas e arquitetônicas
originais. O “disco giratório”, os
candelabros, as pinturas, fazem parte da
alma de qualquer teatro. Não posso me esquecer
a primeira vez que vi a antiga “máquina
de vento” do Theatro Municipal de
São Paulo ser ligada. Foi como se estivéssemos
assistindo à estreia de Turandot no
Teatro alla Scala, de Milão. A conexão com
o passado se estabeleceu imediatamente e
o sentimento que a arte “assim é, se lhe
parece” ressurge com toda sua força. Não
se trata de manter uma ambiência e sim
de, como já dito antes, manter sua alma,
que se expressa principalmente no amor
do povo de Buenos Aires pelo Colón.
19
Depois de nove anos
de restauros e muitas
dificuldades, Buenos
Aires recebe de volta seu
teatro maior.

FOTO: ClaUdiO Zeiger
Patrimônio
cultural do
continente e
símbolo da
capacidade
artística do
povo argentino.
21

Um fato à parte, mas que merece comentários
– a acústica do teatro. Uma “boa
acústica” é capaz de, tanto para o público
como para os artistas, oferecer um perfeito
equilíbrio sonoro, a manutenção dos timbres,
da coloração sonora dos instrumentos
e permitir a percepção dos mínimos
detalhes da execução em todo o teatro.
“Gracias a Dios!” o projeto acústico original
foi preservado e uma das cinco melhores
acústicas do mundo, segundo o Instituto
Tanetaka do Japão (e todos os músicos
que já se apresentaram lá), foi mantida!
Mantendo suas tradições de grandes
temporadas, agora sob a direção geral
e artística de Pedro Pablo Garcia Caffi
e a direção musical de Reinaldo Censabella,
o Colón promete ótimas novidades
como a participação de Daniel Barenboim,
Zubin Mehta, Yo Yo Ma e Paloma
Herrara já nesta temporada.
Outra novidade é que o Teatro Colón
se transformou, a partir de 11 de setembro
de 2008, em uma autarquia, com
personalidade jurídica própria, autonomia
funcional e autossuficiência financeira. O
objetivo dessa medida é colaborar na resolução
de antigos problemas administrativos,
na criação de uma administração mais
moderna, eficiente e transparente.
Desde meados dos anos 70 na
Argentina, com a tomada do poder por
uma ditadura militar, houve um verdadeiro
êxodo de profissionais, artistas e
intelectuais e até hoje sua cultura ainda
não conseguiu se recuperar plenamente,
em um processo muito parecido com o
que vivemos no Brasil. Uma prova disso,
a despeito de todo o talento existente,
é o momento que passa hoje a nossa
querida música popular, acobertada na
mídia pelos “rebolations” da vida. Será
que não existe espaço para a convivência
do comercial com a qualidade? Saudade
dos tempos que eu ligava o rádio e ouvia
Chico Buarque, Ivan Lins e Tom Jobim.
Mas, voltando à Argentina, a sucessão de
crises econômicas locais e mundiais e a
22
situação nos últimos tempos, fez com
que essa reforma durasse quase dez anos.
Contudo, a reconstrução do Colón
parece correr em paralelo à retomada dos
caminhos da cultura argentina, em toda
sua extensão. O tango passou por uma
verdadeira renovação, porém sem perder
sua identidade. Novas orquestras e grupos
mais moderninhos surgem estabelecendo
novas fronteiras para o tango em meio às
ruas coloridas de “La Boca”. O cinema
obteve um Oscar de filme estrangeiro e
surgem diversos festivais por todo o país.
Surge uma nova luz no fim do túnel, talvez
um candelabro do Teatro Colón, que apesar
de remodelado, mantém sua beleza e
tradição, como um tango de Piazzolla.
Paulo Rydlewski é maestro e atuou em centenas
de concertos.
O GRANDE TEATRO REABRE
SUAS PORTAS
Com uma programação de luxo, o
Teatro Colón reabriu suas portas. A data
de sua reinauguração foi ainda mais importante:
coincidiu com o aniversário dos 200
anos de independência (1810), o que deixa
este acontecimento duplamente inscrito na
história argentina.
A beleza de sua arquitetura se destaca
na mansão que está entre as ruas
Cerrito, Viamonte, Tucumán e Libertad,
em pleno centro portenho. Sua acústica
é reconhecida internacionalmente como
uma das melhores. Em seu palco, viu-se
o mais virtuoso da ópera, da música e do
ballet do mundo. Toscanini, Stravinsky,
Pavarotti, Domingo, Callas, Rubinstein,
Nijinsky, Nureyev e Plissetskaia, citando
alguns inesquecíveis para aqueles que tiveram
o privilégio de experimentar a arte
em maiúsculas. Os mais afortunados, no
palco rebaixado, os demais, fixos no ‘paraíso’,
o que vulgarmente se conhece entre

os portenhos como o ‘galinheiro’. Sua sala
principal, com balcões até o terceiro piso,
comporta até 2.600 espectadores.
Sua primeira apresentação se realizou
em 25 de maio de 1908 a cargo da
Grande Companhia Lírica Italiana, com a
ópera Aída de Giuseppe Verdi. Foi na década
de 70 que o renomado artista argentino,
Raúl Soldi, pintou sua cúpula, com mais
de 300 metros quadrados. Desde sempre e
até nossos dias, o Colón é o símbolo mais
bem-acabado do que significa a cultura em
uma cidade como Buenos Aires.
Sua construção levou em torno de
20 anos. O mármore foi enviado da cidade
italiana de Verona, o mosaico trazido
de Veneza e os vitrais de Paris. O projeto
inicial ficou a cargo do arquiteto Francesco
Tamburini, e do seu sócio Víctor Meano.
Mas foi um belga, Jules Dormal, quem finalmente
conclui a obra e lhe deu o último
retoque do estilo francês.
Depois de seu fechamento, há quase
quatro anos, por falta de investimento
em manutenção e pela deterioração natural
produzida com o passar do tempo, o atual
governo da cidade de Buenos Aires decidiu
reformular o plano de obras para acelerar
o atraso que já sofria sua reabertura,
pensada originalmente para 2008.
“O turismo do mundo inteiro chega
a nossa capital buscando a expressão
artística em todas as suas manifestações.
Esse teatro é um imã, e presenciar uma
apresentação em sua sala é uma experiência
única”, afirma o presidente da pasta de
Turismo de Buenos Aires e ministro da
Cultura portenho, Hernán Lombardi, cuja
gestão impulsionou a reformulação e pôs
em marcha as obras que permitiram a reabertura
do teatro para as festividades do
bicentenário da Cidade. O projeto de turismo
cultural da pasta tem como objetivo
promover a inclusão da oferta do teatro –
tanto a visita como a programação de 2010
– nos pacotes turísticos.
A valorização do Colón lhe devolve
a hierarquia de grande teatro lírico que
sempre foi, à altura do Ópera de Paris ou
do Scala de Milão, e, ademais, o renova
tecnologicamente, atualizando-o com o
século XXI, num investimento em torno
de 100 milhões de dólares. Sua acústica
guarda a magia que, segundo os entendidos,
supera a da Ópera de Viena e atinge
o que os italianos denominam “niente”,
quando o som perdura ainda que concluída
sua execução.
“Para os portenhos é um orgulho
e para os visitantes um lugar obrigatório
em sua passagem por Buenos Aires. Conta
com uma programação de excelência que
inclui a Orquestra Filarmônica de Munique
e a do Teatro Alla Scala de Milão até a
apresentação de ballet Manon e o Corsário”,
assegura Lombardi.
Durante sua reabertura, centenas
de pessoas presenciaram um espetáculo
de luzes e música que recriou as figuras
e os momentos mais importantes na história
do Colón. Sua apresentação de gala
abriu com La Bohême. Aqueles que foram
protagonistas de sua história, como o renomado
bailarino argentino Julio Bocca,
se emocionaram ao ver novamente as
portas abertas do grande teatro, que conjuga
os melhores artistas do mundo com
a majestade de sua arquitetura.
23
Características
técnicas e
o projeto
arquitetônico
oficial foram
mantidos.

24
ARTE
DEPOIS DO VAzIO
bienal se recomPõe
Latino-americanos
na 29 a edição
Francisco Alambert
tudo soa instigante nesta proposta de Bienal.
Tudo agora se reveste de promessas para desfazer
o mal-estar causado pela Bienal anterior,
que ficará para a história como a Bienal
do Vazio. Promessas que poderiam até remeter
ao pior do discurso político tradicional.
E é justamente a relação entre arte e política o tema agora
proposto: novas promessas para se estabelecer, em um evento
do porte da Bienal, uma discussão contemporânea e digna.
A Bienal anterior, aliás, antes de ser “vazia” (ou “diet”, como
ironizou o crítico Paulo Sérgio Duarte), também prometeu
pôr a mão na política, escancarar o vazio, a crise constante
dessa mostra sempre turbulenta, que há um bom tempo vem
se afogando em denúncias de corrupção, brigas de ricos,
disputas por público de massa, e quase nenhuma relevância

cultural. Mas a proposta dos curadores
não ultrapassou o cenário vazio que
poderia ter encarado. Ela restará como
promessa não cumprida, como é comum
na vida pública.
Por tudo isso, o que se deseja hoje
é que a nova Bienal nos ofereça o que
a anterior não conseguiu: uma reflexão
consistente sobre o lugar da arte na nova
configuração mundial e, ao mesmo tempo,
sobre a própria instituição Fundação
Bienal, palco político de suas tantas crises.
Os curadores, Moacir dos Anjos e Agnaldo
Farias, dois dos mais importantes pensadores
brasileiros das artes, são pessoas
muito bem preparadas para a tarefa. É de
se louvar o fato, talvez inédito, de que todas
as instituições culturais de São Paulo
tenham sido convidadas para participar
da mostra paralela à Bienal, inclusive o
Memorial da América Latina.
Dentre os vizinhos latino-americanos
escolhidos para a Bienal, é curioso
antes de tudo notar que muitos deles
vivem fora do continente. A maioria
nos Estados Unidos (a começar pela
curadora adjunta Rina Carvajal), outros
na Europa (especialmente na Alemanha
e na Espanha). Há algo aqui que já fala
da política contemporânea das artes, de
seus deslocamentos e desterros, sejam
eles propriamente políticos ou especialmente
econômicos.
É o caso de Alessandra Sanguinetti,
que vive entre a Argentina e os Estados
Unidos, trabalhando também como fotógrafa
da agência Magnun. Seus trabalhos
se destacam por uma elaboração original,
que vai do universo dos sonhos da infância
e da adolescência até um olhar estranhado
(e entranhado) na vida do campo,
sobretudo na sua violência latente. Ou
da peruana radicada na Espanha, Sandra
Gamarra, que, anos atrás, apresentou um
trabalho provocativo baseado em cópias
de obras de artistas brasileiros contemporâneos,
criando uma interessante discussão
não apenas sobre autenticidade,
mas também sobre patrimônio cultural e
autoconhecimento em nações periféricas.
Já o jovem artista cubano Wilfredo
Prieto, que atualmente também vive
na Espanha, é uma das promessas do
circuito mundial. Curiosamente, um de
25

seus trabalhos mais conhecidos chamase
justamente Apolítico, uma instalação
feita com sessenta bandeiras de diversos
países, cujo desenho é mantido, mas
cujas cores são retiradas, substituídas
por tons de cinza, criando uma estranha
uniformidade. Nesta obra, a política
tradicional e suas cores fortes são
esvaziadas para se criar em seu lugar um
espaço tanto crítico quanto reflexivo
em relação à função das cores (da arte,
portanto), ao sentido da nacionalidade,
à uniformidade de um mundo sem utopias
identificáveis.
Mas certamente a grande “estrela”
latino-americana dessa Bienal deverá
ser a veterana argentina Marta Minujín
que, desde os anos 60, elabora divertidos
e provocantes projetos performáticos
e efêmeros. Ações, mais do que
26
“obras” que podiam questionar a mídia
(Leyendo las Noticias en el Río de la Plata, de
1961, no qual jornais eram “afogados”
no rio) ou a ditadura militar argentina,
nos anos 70, como o inusitado Partenón
de Libros, que reconstruía uma estrutura
nas dimensões do Partenon grego, só
que recoberta de livros proibidos pela
ditadura (a documentação dessa obra foi
apresentada na 7ª Bienal do Mercosul).
Nos anos 80, a artista inclusive “pagou”
a dívida externa da argentina oferecendo
espigas de milho a Andy Warhol, típica
performance pop à qual é afeita, ato
revelador de sua concepção de política,
ironia, arte e espetáculo.
Francisco Alambert é professor da Universidade
de São Paulo, historiador e pesquisador
de arte.

Uma das estrelas da 29 a
Bienal, a argentina Marta
Minujin já fez performance
com Andy Warhol na década
de 1970.
27

Acima, grafismo de
Edith Derdyk e as
camisetas de clubes de
futebol de várzea de
Júlio Leite. Ao lado,
obra eletrônica de
Diana Domingues.
28
MEMORIAL NO CIRCUITO
da 29 a bienal de sÃo PaUlo
O Memorial da América Latina fez parte do Polo de Arte Contemporânea
idealizado pela 29ª Bienal Internacional de São Paulo de 2010. A Galeria Marta Traba
exibiu a produção de brasileiros e artistas de cinco países que, neste ano, estão
comemorando o Bicentenário de sua Independência: Argentina, Chile, Colômbia,
México e Venezuela.
A coletiva reuniu diferentes linguagens, hibridismos formais e interações para
compor alguns dos atuais procedimentos da arte contemporânea. Com o título
TRANSfronteiras, a mostra refletiu sobre a ideia das passagens geográficas, culturais,
linguísticas, mediáticas e artísticas interligadas ao contexto do mundo informatizado.

CINEMA
marco na cidade
O 5 o Festival de Cinema
Latino-Americano
Ana Candida Vespucci
o
sucesso do 5o Festival de Cinema Latino-Americano,
promovido pelo Memorial da América
Latina, confirmou mais uma vez que o evento
se tornou o mais importante do gênero, ao
exibir a maioria das melhores produções regionais
realizadas no período de 2000 a 2009. A festa, além
das homenagens de praxe a cineastas – este ano ao brasileiro
João Batista de Andrade e ao argentino Marcelo Piñeyro -,
também teve outra celebração: comemorou o bicentenário de
29
Cena do filme
Memórias do
Desenvolvimento,
do cubano
Miguel Coyula,
inspirado no livro
de Edmundo
Desnoes.

Cena do filme A Água Fria do Mar, da costa-riquenha Paz Fábrega.
independência de Argentina, Chile,
Colômbia, México e Venezuela, com a
apresentação de curta-metragens, todos
realizados nos países aniversariantes.
A primeira edição do festival
foi em 2006, uma iniciativa inédita
no país, que revelou a vitalidade de
um cinema dono de estética singular,
mas, ainda assim, ligado à linguagem
cinematográfica universal. O cinema
latino-americano foi ganhando fôlego
ao longo do tempo e mostrou, nas edições
subsequentes, que seus cineastas
caminhavam, de fato, em direção ao
público e vice-versa.
Com parceria do Governo do
Estado de São Paulo (Secretaria de
Estado de Cultura e Secretaria de Relações
Institucionais) e organização da
Associação do Audiovisual, a edição
deste ano foi movimentada. A crítica
especializada afirmou que o festival
exibiu, no mínimo, 20 dos melhores filmes
já produzidos na América Latina.
A relação é vasta: de Viúvas das Quintasfeiras,
do homenageado e renomado
Marcelo Piñeyro, um dos principais
diretores latino-americanos, a A Água
Fria do Mar, filme que lança Paz Fábre-
30
ga, uma cineasta costa-riquenha, estreante
em um país sem qualquer tradição
cinematográfica.
As sessões lotaram a plateia do
Teatro Simón Bolívar, assim como das
demais instituições que receberam o
evento: o Cinesesc, o Cinusp, o Museu
da Imagem e do Som, e a Sala Cinemateca
BNDES. Muita gente compareceu,
desde a noite de abertura com a apresentação
da obra de Paz Fábrega, escolhida
pelas propriedades muito particulares
e pelo ineditismo em seu país de
origem. A afluência de público também
comprovou o interesse pelas oficinas
e pelos debates, cujas discussões correram
em torno da complexidade que
é fazer cinema na América Latina. Paz
Fábrega contou que sofreu para “tirar
do papel” o seu A Água Fria do Mar. Explicou
que, em seu país, as pessoas não
vão ao cinema, apenas assistem à televisão
e, além disso, ninguém vê o cinema
como uma vertente da vida cultural. Por
isso, demorou a obter o financiamento.
Quando os recursos foram liberados, o
filme – longamente amadurecido por
conta da espera – teve de ser rodado às
pressas, “havia uma pequena janela de

oportunidade para fazê-lo”. Ocorre que
o clima da localidade escolhida, uma
praia praticamente deserta, entraria na
temporada de chuvas fortes, o que inviabilizaria
a produção durante meses.
“Trabalho com o que tenho, fazendo
um intercâmbio com o que ocorre.”
Ainda na opinião dos cineastas,
tanta demora também gera outro tipo
de problema. Quem comentou foi
Marcelo Gomes, autor de Cinema, Aspirinas
e Urubus, um veterano, que já está
em fase de produção de seu terceiro
longa. Ele levou cinco anos para fazer
seu primeiro filme e mais quatro para o
segundo; um período, em que, de acordo
com sua experiência, o cineasta tem
de se repreparar para as mudanças tecnológicas,
embora essa evolução esteja
barateando as produções. Nem assim
tem sido fácil. Ele, em particular, en-
controu produtores criativos, que entendem
suas propostas. “São parceiros
dos meus projetos, pessoas interessadas
em filmes autorais.” Como Cinema,
Aspirinas e Urubus teve excelente repercussão,
todos achavam que captar
recursos para o segundo longa Viajo
Porque Preciso, Volto Porque Te Amo não
seria tão difícil. Porém, inicialmente o
tema não agradou eventuais patrocinadores.
Agora que está em sua terceira
produção, cuja história se desenrola no
Recife, conseguiu, por enquanto, os recursos
para a pré-produção: “Não dá
para inventar, por exemplo, que se trata
de um filme de ação.”
O fato é que para a maioria dos
cineastas, sobretudo jovens, a grande
dificuldade é financiamento. O próprio
Marcelo Gomes já foi questionado
quanto ao título Cinema, Aspirinas e Uru-
Um público cativo de cinema
lotou todas as sessões.
31

us. Perguntaram-lhe como ele pretendia
que assistissem a um filme “com um
título desses?” Ele acrescentou que faz
filmes “para instigar a imaginação”, que
faz mesmo apenas o que lhe interessa,
sem se preocupar com rentabilidade.
Felipe Bragança também. Premiado por
A Fuga da Mulher Gorila, o cineasta conta
que se preocupa com o imaginário audiovisual,
“não saberia construir uma
equação estratégica para alcançar um
público X,Y ou Z.”
Em outro debate, o tom descontraiu-se
com a intervenção do cineasta
e professor de roteiro Flavio González
Mello, mexicano autor de narrativas
para cinema, televisão e teatro: “A
pessoa mais importante em um filme é
o fotógrafo. Alguém com uma câmara
na mão pode prescindir da montagem
e a figura do diretor não tem a menor
32
As duas grandes premiadas deste ano:
acima, a argentina Natalia Smirnoff e
cena de seu filme Quebra-Cabeças; ao
lado, a brasileira Marilia Rocha e seu
filme A Falta Que Me Faz. Abaixo,
João Batista de Andrade, homenageado
brasileiro da edição deste ano.
importância.” O cubano Miguel Coyula,
jovem cineasta que mora nos Estados
Unidos por conta de uma bolsa da
Fundação Guggenheim, autor do filme
Memórias do Desenvolvimento, arrematou
que “alguém com um computador pode
prescindir de um fotógrafo”. Peremptório
foi o brasileiro Kiko Goifman, autor
do documentário 33, sobre a busca por
sua mãe biológica, que começou aos 33
anos de idade, com um diário online que
se transformou em filme. Ele acha que
se produz muito no Brasil, mas se exibe
pouco, frase que pode ser um paradigma
da atual situação do cinema latinoamericano,
permanentemente encarando
o poder do cinema norte-americano.
Ana Candida Vespucci é jornalista especializada
em cultura.

MARCELO PIÑEyRO
ícone do cinema arGentino
REVISTA NOSSA AMÉRICA – O
que faz com que o cinema argentino tenha uma narrativa
mais centrada na classe média, sem cair na técnica
de telenovela? Até que ponto vocês são influenciados
pela literatura?
MARCELO PIÑEYRO – Como
não poderia deixar de ser, a cultura argentina
tem o aporte da literatura, que é bastante
expressiva. Temos excelentes escritores,
ótimos contistas como Jorge Luis Borges,
Julio Cortázar, Bioy Casares, Manuel Puig
e tantos outros. Recebemos uma influência
natural da literatura.
R.N.A. – Na Argentina os diretores contam
com o Instituto de Cinema. Uma vez que no país
O cineasta argentino
que, ao lado de João
Batista de Andrade,
foi o homenageado
do festival deste ano,
concedeu entrevista à
Nossa América.
não há leis de incentivo fiscal, como vocês conseguem
fazer 50 filmes por ano? Há muitas estratégias para
se realizar as coproduções?
M.P. – Eu tenho a sorte de fazer parte
do reduzido grupo que não necessita de
apoio governamental, não faço parte de
suas instituições, na verdade eu trabalho
à margem e, por isso mesmo, às vezes tenho
problemas com o Instituto de Cinema.
Tenho muita liberdade para dizer o que eu
quero porque não dependo da verba do
governo. Mas já aconteceu de eu ser convidado
para um festival internacional e o
Instituto de Cinema enviar uma carta à organização
dizendo que meu filme não representa
a Argentina.
33

Os dois polos da carreira de Piñeyro: seu
último filme As Viúvas das Quintas-feiras e o
inaugural Tango Feroz, de 1973.
R.N.A. – Você hoje, praticamente, só participa
de coproduções. Isso não limita sua criatividade?
Até que ponto os parceiros estrangeiros interferem em
seu cinema, que tem fortes características de seus país?
M.P. – Hoje, recorremos muito às parcerias
internacionais, assim os filmes não são
mais decididos só na Argentina. Temos que
nos conciliar com os coprodutores, Não tem
jeito, mas posso dizer que tenho liberdade.
Até o ano 2000 ainda se podia fazer filmes
como Patagônia Rebelde, hoje não mais. Nem
mesmo A História Oficial ou O Beijo da Mulher
Aranha, por exemplo. De certa forma, sempre
há interferência da coprodução.
R.N.A. – Até que ponto você acha importante
festivais de cinema ? Quanto ao do Memorial,
o que você tem a comentar?
M.P. – Primeiro eu acho importante
que existam festivais para conhecermos
outras produções, diretores mais jovens,
depois, o importante também são as trocas
de ideias, que muitas vezes podem surgir de
um encontro como este. O Memorial está
organizando um bom festival, bem diversificado
e organizado.
R.N.A. – Em uma das mesas deste festival
alguns diretores desconstruíram a forma de se fazer
cinema. Primeiro questionaram as tradicionais duas
horas de duração e depois a presença de um diretor, de
um fotógrafo e de roteristas. Qual sua opinião sobre o
modelo de como se fazer cinema depois de mais de cem
anos que ele foi inventado?
M.P. – Faço cinema da forma tradicional,
mantenho todos esses profissionais des-
34
cartados acima e às vezes tenho uma equipe
mais numerosa do que gostaria de ter. Filmo
o suficiente para ter uma projeção de duas
horas, em sala particular. Não posso imaginar
meus filmes projetados fora de uma sala
tradicional.
R.N.A. – Como você escolhe o roteiro? Você
planeja e desenvolve uma ideia antes ou acontece ao
acaso?
M.P. – Na realidade, não tenho um plano
específico, meus filmes são resultados de
histórias que me dão vontade de contar. Só
isso.
R.N.A. – Qual a sua opinião sobre a cinematografia
brasileira?
M.P. – O cinema brasileiro é muito
potente. Vocês têm uma realidade diferente
da nossa, o que inspira também
um cinema diferente. Considero Cidade de
Deus e Lavoura Arcaica dois grandes filmes.
Leonor Amarante é editora da Revista
Nossa América.

LITERATURA
ExPANDINDO
CONSTELAÇõES
QUe vimos imPressas
Saramago, único prêmio Nobel
da língua portuguesa
Ana Maria Ciccacio
a
língua portuguesa enlutou em junho
com a morte de José Saramago, no dia
18, aos 87 anos. O mundo perdeu o ator
de algumas das páginas mais pungentes
contra a cegueira que leva os homens a
digladiarem-se e enganarem-se cruelmente,
as mulheres a serem estupradas em nome de partilhas
torpes, a comida a ser inflacionada a ponto de valer mais
que a vida. Certamente continuarão surgindo escritores dispostos
a brandir contra a omissão, mas, talvez, não com a
mesma sinceridade e a franqueza desse português de Azinhaga
(aldeia ao sul de Portugal), comunista convicto, polemista,
único Prêmio Nobel da língua portuguesa (em 1998).
35

Por que Saramago caiu tanto no
gosto dos brasileiros enquanto em seu
próprio país vivia às turras por causa
de seus escritos? Em 1992 – ponto
culminante dos entreveros com seus
compatriotas –, O Evangelho Segundo Jesus
Cristo foi excluído da lista de concorrentes
ao Prêmio Literário Europeu
pelo subsecretário de Estado da Cultura
de Portugal, Sousa Lara. De Portugal
à Itália, passando por Espanha, França
e Alemanha, os jornais manifestaram
perplexidade com o descabimento do
veto que, segundo eles, reeditava a Inquisição
e comprometia as liberdades
conquistadas pela Revolução dos Cravos,
em 1974. Lara, contudo, mostravase
inflexível: “O livro de Saramago não
representa Portugal”.
Há uma teoria: os brasileiros são
leitores cativos desse expoente da moderna
prosa portuguesa, ainda que com
traços de um barroquismo ao gosto espanhol,
pelo simples fato de Saramago
ter coragem de expor-se com dúvidas
que costumam consumir todo ser humano
pensante, mas na maioria das
vezes com medo de se expressar. Portugal,
evidentemente, reconciliou-se
com Saramago, e felizmente três anos
36
Saramago passeia ao lado de
alguns amigos escritores.
antes do Nobel de Estocolmo. Prova é
que a mais alta condecoração da língua
portuguesa, o Prêmio Camões, lhe foi
concedido em 1995.
Em setembro de 1983, como
jornalista de O Estado de S. Paulo, eu
tive o privilégio de entrevistá-lo sobre
o lançamento do romance Memorial do
Convento, no Brasil. E ele se referiu ao
legado que nos acompanha, mas foi
além. “Ao tomarmos consciência do
que somos, ao tentarmos apreender
melhor e definir o tempo em que vivemos,
sentimos uma espécie de onda
que vem de trás. Quando um homem
se sente tão plural, embora ainda confuso,
tenta clarear suas ideias por meio
do que escreve; como eu. E quer dizer
tudo e quer encontrar respostas. E está
perplexo”, ele disse e se definiu.
Saramago praticou essa perplexidade
por toda a vida, levando suas indagações
ao paroxismo de questionar a
tradição, inclusive a religiosa católica, ao
escrever sobre Jesus Cristo, sobre Caim,
sobre o que pode ser feito em nome de
Deus. Por que não indagar?, perguntam
os leitores brasileiros e, certamente, os
de todo o mundo que passaram a respeitar
o autor de Jangada de Pedra. Na en-

FOTOs: rePrOdUÇÃO
trevista que me concedeu sobre a obra
Memorial do Convento, à questão sobre se
não poderíamos recordar Memórias de
Adriano ou A Obra em Negro, de Marguerite
Yourcenar, escritora que comparece
na epígrafe de seu “Memorial”, ele respondeu:
“Talvez, neste momento, estejamos
procurando emendar a História,
apesar do atrevimento. Não se trata de
emendar erros, mas fazer História de
outra maneira. É como se alguém me
tivesse feito uma narrativa errada, e eu,
sem saber qual a verdadeira, tentasse
recontá-la pelos meus próprios meios,
desconhecendo ainda se é a verdadeira.
Mas é outra, e é necessária.”
O Convento de Mafra, tema do
Memorial do Convento, foi erguido entre
1717 e 1735 por cerca de 40 mil
homens a 40 quilômetros ao norte de
Lisboa por determinação de D. João V,
sem que jamais se apurasse exatamente
a fortuna que consumiu para alimentar
a Inquisição. E isto em um contexto
no qual o brasileiro Bartolomeu
de Gusmão sonhava voar e o músico
italiano Domenico Scarlatti edificava
sua magnífica obra. Portugal, segundo
Saramago, ainda vivia em trevas, “com
grande luxo, grande corrupção, ignorância
e superstição”.
Em todos os seus livros, José Saramago
perscrutou o passado com a
intenção de que seus textos transcendessem
o tempo memorialístico para
ganhar a dimensão da interioridade
do leitor, terreno pleno de liberdade
se não assombrado por preconceitos e
medos. “Não é ilusão do escritor que,
ao concluir sua leitura, alguém alce voo
e continue a expandir a constelação
que viu impressa”, disse ele na rápida
entrevista de tanta verdade. Saramago
se foi, mas em seus livros ele permanece
íntegro e inquietante, buscando
respostas que nem sempre obteve, levando-nos
a expandir as constelações
que vimos impressas.
O ranking dO nObel
nO mundO ibéricO
Por enquanto, Saramago é o único escritor
de língua portuguesa laureado com o
Nobel de Literatura. Porém, da Península
Ibérica foram vários autores espanhóis
já agraciados com o prêmio, como, por
exemplo, José Echevaray Y Eizaguirre, em
1904, Jacinto Benavente Y Martinez (1922)
e Vicente Aleixandre, em 1977.
Entre os iberos e latino-americanos,
foi uma escritora a primeira
a levar o prêmio que já era considerado
o mais respeitado do
mundo das letras: a chilena Gabriela
Mistral (1945). Na sequência,
ganharam o guatemalteco
Miguel Ángel Asturias, em 1967,
o chileno Pablo Neruda (1971), o
colombiano Gabriel García Márquez
(1982) e o mexicano Octavio
Paz, em 1990.
A obra de Saramago não se limita
aos grandes romances que circulam
pelo mundo em várias línguas, como
Levantado do Chão, de 1980, seu primeiro
best-seller internacional, ou Jangada de Pedra
(1986) ou História do Cerco de Lisboa
(1989). O escritor transitava em todos
os segmentos em que a palavra escrita
lhe permitisse se expressar. Dos contos,
a exemplo de Objeto Quase (1978), aos
ensaios, nove livros deles, listagem em
que se inserem Deste Mundo e de Outro
(1971) e Democracia e Universidade (2010),
Saramago também incursionou pela
poesia (O Ano de 1993, de 1975) e pela
dramaturgia: são suas, entre outras peças,
A Noite (1979) e Dom Giovanni ou O
Dissoluto Absolvido (2005).
Ana Maria Ciccacio é jornalista da área
cultural.
37

38
PLANETA
NAS PROFUNDEzAS DA
terra
A força incontrolável
da natureza
Umberto G. Cordani
o
homem pode conhecer bem o que
acontece a milhares de quilômetros acima
de sua cabeça, mas não consegue saber
direito o que acontece a algumas centenas
de quilômetros abaixo de seus pés. As
perfurações mais profundas efetuadas na
Terra atingem no máximo uma dezena de quilômetros de
profundidade, de modo que têm que ser utilizadas outras armas
para a investigação da composição e condições físico-químicas
dos materiais existentes no interior do planeta. Tudo o que
sabemos é estabelecido com base em evidências indiretas,
tais como estudos de meteoritos, planetologia comparada,
estudos de petrologia experimental, bem como evidências
geofísicas oriundas de pesquisas sobre magnetismo terrestre,
comportamento de ondas sísmicas e fluxo térmico do planeta.

ilUsTraÇões: insTiTUTO de geOCiênCias - UsP
A Terra formou-se há 4,57 bilhões de anos atrás, ao mesmo tempo do que o
Sol e os demais planetas do Sistema Solar, através da condensação do gás e da poeira
cósmica que constituíam a nebulosa solar. Portanto ela, nos primórdios de sua formação,
consistia de uma mistura caótica de materiais que foi mantida coesa pela atração
gravitacional. A evolução do planeta resultou da transformação dessa mistura caótica
em um corpo estruturado em camadas concêntricas diferentes entre si. O material
mais denso afundou e concentrou-se no interior do planeta ao passo que o material
menos denso constitui a parte mais superficial. Nesse contexto formaram-se dois
sistemas fundamentais: um núcleo interno formado por Ferro e Níquel e um manto
envolvente rochoso. A crosta terrestre, a camada mais externa do planeta onde estamos
situados, originou-se mais tarde, por modificações do material do manto.
A FIGURA 1 mostra um perfil genérico
mostrando as camadas superficiais
da Terra, com as denominações pertinentes.
Há dois tipos de crosta terrestre: a
crosta continental, de natureza granítica e
espessura média maior, e a crosta oceânica,
de natureza basáltica e espessura média
menor. Esta última situa-se nas extensas
regiões de domínio oceânico, e seu topo
corresponde ao assoalho marinho. A litosfera
inclui inteiramente os dois tipos
de crosta, e mais parte do assim chamado
manto superior. Em consequência,
também há duas denominações para a
litosfera, continental e oceânica, correspondendo
à natureza da crosta nela inclu-
ída. Ambos os tipos de litosfera possuem
comportamento rígido e sobrepõem-se a
uma zona com características físicas mais
plásticas, denominada astenosfera. O seu
topo situa-se de aproximadamente 100 a
200 km de profundidade, sempre dentro
do manto, e nela ocorre pequena percentagem
de material líquido (magma).
A dinâmica interna do planeta tem
suas origens na mobilidade do material do
manto, apesar deste ser quase que totalmente
no estado sólido. A temperatura no
seu interior aumenta na direção ao centro
da Terra, atingindo no limite manto/núcleo
cerca de 4000ºC. Nas proximidades
do centro da Terra, no núcleo constituído
39
Figura 1 – Perfil
esquemático dos primeiros
300 km a partir da
superfície da Terra,
mostrando duas placas
tectônicas com limite
divergente. São indicadas
as principais feições da
litosfera, e a denominação
das unidades maiores da
crosta e da litosfera.

Figura 2 - Configuração
da superfície da Terra
com a denominação
e a delimitação das
placas tectônicas mais
importantes.
por Ferro e Níquel, a temperatura atinge
por volta de 5500ºC. O calor interno, produzido
principalmente através da desintegração
dos elementos radioativos de meiavida
longa existentes no manto, tais como
Urânio, Tório, Potássio e outros, é transportado
para a superfície, para em seguida
ser dissipado para fora do planeta. Consequentemente,
com a diminuição progressiva
e inexorável dos elementos radioativos,
o planeta vai lentamente resfriando.
O transporte do calor interno pode ser
por condução ou por convecção, e este
último modo consiste da movimentação
de massa das zonas mais quentes para as
mais frias. No entender de muitos geofísicos,
as principais fontes de energia interna
da Terra localizam-se na zona limite entre
o manto e o núcleo, onde existe uma camada
de alta temperatura, cerca de 1000ºC
mais elevada do que as rochas mantélicas
adjacentes. As correntes de convecção no
manto, embora muito lentas, são o motor
da dinâmica interna do planeta, responsáveis
pelo fluxo térmico observado na
superfície e pelos movimentos das placas
tectônicas, que serão descritos a seguir.
FIGURA 2. A litosfera é dividida
em cerca de uma dúzia de placas tectônicas
grandes e muitas placas menores. Essas
placas se movimentam tangencialmente
à superfície do planeta, com velocidades
distintas que podem variar de menos de
40
um centímetro por ano a uma dezena de
centímetros por ano. Esse movimento depende
das correntes de convecção mantélicas
subjacentes, que originam-se nas
zonas mais quentes do manto, onde o material
inicia uma ascensão para níveis superiores.
Ao mesmo tempo, para compensar
essa ascensão, rochas mais frias e por isso
mesmo mais densas descem e preenchem
o espaço deixado pelo material que subiu,
completando o movimento circular das
células de convecção. As placas tectônicas,
constituídas de porções da litosfera rígida,
se movimentam sobre o material mais
plástico da astenosfera, e os limites entre
elas constituem o sítio ideal para a ocorrência
das atividades que caracterizam a
dinâmica interna da Terra. As figuras 2 e 3
mostram que esses limites não correspondem
àqueles entre continentes e oceanos.
Nos limites entre placas tectônicas
contíguas concentram-se, praticamente,
todos os terremotos de grande intensidade
e a grande maioria dos vulcões ativos
do planeta. Eles podem ser convergentes,
divergentes, ou conservativos.
Nos limites convergentes ocorre
o choque entre duas placas que se aproximam.
As feições geológicas criadas e as
modificações produzidas na crosta irão
depender da natureza de sua litosfera.
No caso de choque de uma placa oceânica
com outra da mesma natureza, uma
delas mergulhará por debaixo da outra,
voltando para o manto, e criando o que
se denomina “zona de subducção”. Se
as duas placas tiverem litosfera continental,
haverá um processo colisional, com
a geração de cordilheiras de montanhas,
como os Alpes e os Himalaias. Por fim,
se o limite convergente envolver uma placa
continental e uma placa oceânica, esta
mergulhará em subducção, e na placa vizinha
haverá magmatismo intenso, como
ocorre na Cordilheira Andina. No caso de
limites divergentes entre placas tectônicas
aparecem aberturas na crosta, ao longo de
grandes sistemas de fraturamento, associa-
ilUsTraÇões: insTiTUTO de geOCiênCias - UsP

dos com vulcanismo intenso. É o caso das
chamadas dorsais meso-oceânicas, as cordilheiras
submersas que atravessam todos
os oceanos, as quais representam os locais
de geração de crosta oceânica nova, pela
subida de magmas basálticos provenientes
do manto. Se o movimento divergente
durar muitos milhões de anos, o que é comum,
fundos oceânicos inteiros poderão
ser formados. A título de exemplo, pode
ser mencionada a Dorsal Meso-Atlântica,
que divide o Atlântico em duas partes simétricas.
Nela situa-se a Islândia, sítio de
grandes fraturamentos e muitos vulcões,
um deles bastante ativo neste ano de 2010,
lançando cinzas e gases na atmosfera. Por
sua vez, os limites de placas conservativos
apresentam grandes sistemas de falhamento,
em que as placas contíguas deslizam
horizontalmente, uma em relação à outra,
com movimentação oposta. O exemplo
mais conhecido e mais característico é o
sistema de falhas de San Andréas, na costa
ocidental da América do Norte.
Pelo exposto decorre que se situa
no manto o motor dos processos da dinâmica
interna do planeta, que produzem as
maiores modificações na fisiografia, estrutura
e natureza do material da crosta terrestre.
Esse motor interno é responsável
pela existência do relevo, ou seja, das terras
emersas no planeta, os continentes. Com
efeito, o relevo é continuamente atacado e
desbastado pelos agentes da dinâmica externa,
e se não houvesse um mecanismo
adequado para a sua contínua reposição,
não haveria continentes, e o fundo do único
oceano global estaria situado por volta
de 2.500 metros de profundidade.
A FIGURA 3 mostra a situação das
placas tectônicas na região do planeta em
que situam-se os países da América Latina.
As placas maiores são a Norte-Americana
e a Sul-Americana, que incluem as
respectivas litosferas continentais, mais as
porções de litosfera oceânica relativas às
regiões do Oceano Atlântico que lhe são
contíguas. A placa do Caribe, que inclui
Figura 3 – Denominação e delimitação das placas tectônicas maiores na
região que inclui os países da América Latina. Nela estão indicados os
sentidos dos movimentos atuais no limites entre as placas, e sua velocidade
aproximada, em cm/ano. A localização de alguns vulcões ativos e de locais em
que ocorreram alguns grandes terremotos também foi mostrada.
• Círculos: vulcões ativos. 1 – Islândia; 2 – Tristão da Cunha; 3 – Saint Helens;
– 4 Saint Pierre; 5 – Nevado Ruiz; 6 – Galapagos; 7 – Arenal; 8 – Cerro
Hudson; 9 – Ilha de Páscoa.
• Triângulos: Epicentros de grandes sismos. 10 – Cidade do México; 11 – Porto
Príncipe; 12 – Valdívia; 13 – Concepción; 14 – San Francisco.
numerosas ilhas vulcânicas, e as placas de
Nazca, de Cocos, do Pacífico e da Antártica,
nas margens do Oceano Pacífico, são
todas formadas por litosfera oceânica.
Na figura 3, limites divergentes
ocorrem apenas ao longo das dorsais do
Atlântico e do Pacífico Oriental, onde
as ilhas vulcânicas da Islândia, Tristão da
Cunha, de Páscoa e Galápagos são testemunho
dos grandes fraturamentos e do
seu vulcanismo associado. Com exceção
do limite conservativo entre a placa do
Pacífico e da América do Norte, sítio do
grande Falhamento de San Andréas, os
demais limites são convergentes, indicando
aproximação entre placas tectônicas.
Este é o caso das placas de Nazca e de
Cocos em relação às placas das Américas
do Norte e do Sul, em que a convergência
41

O globo terrestre, e
as variações térmicas.
No caso, a linha
grifada delimita a
placa do pácifico.
se dá entre uma placa com litosfera continental
e outra com litosfera oceânica.
Na parte oriental da placa do Caribe e da
placa de Scotia, a convergência se dá entre
duas porções de litosfera oceânica.
Nos limites convergentes ou conservativos
é que ocorrem os maiores
riscos sísmicos e vulcânicos. No caso
dos terremotos, a data e hora do evento,
mesmo que aproximadas, não podem
ser previstas. A dificuldade para esta previsão
é a seguinte: os movimentos direcionais
continuados de material, com o
tempo, pressionam gradativamente a
litosfera rígida, acumulando energia justamente
nos limites das placas. Quando
as pressões ultrapassam o que a litosfera
pode suportar, a energia acumulada
é liberada em curto espaço de tempo, o
que provoca um grande terremoto, com
o seu séquito de tremores associados.
Para cada região sísmica, os seus registros
históricos indicam a frequência e a
intensidade aproximada dos terremotos,
medida pela sua magnitude. No caso dos
vulcões, a previsão de erupções é possível
em certa medida. De início, o local
dos centros eruptivos é conhecido, de
modo que os assentamentos e demais
atividades humanas não precisam localizar-se
nas proximidades dos centros de
perigo. Além disso, com o monitoramento
dos vulcões, através de sismógrafos, a
42
subida do magma pode ser sentida com
alguma antecedência, dias ou semanas, o
que permite operações de evacuação das
populações em áreas perigosas. O caso
mais emblemático aconteceu em 1991,
quando uma das maiores manifestações
vulcânicas do século XX foi prevista
com o tempo apenas necessário para salvar
cerca de 80 mil vidas nas proximidades
do vulcão Pinatubo, nas Filipinas. A
erupção foi tão grande que cinzas vulcânicas
e aerosóis foram lançados para a estratosfera,
e seus produtos ainda podem
ser encontrados a mais de 2.000 quilômetros
de distância do vulcão.
Na figura 3 são indicados alguns
locais escolhidos onde ocorreram grandes
eventos sísmicos ou vulcânicos que devastaram
regiões da América Latina, comentados
a seguir, todos relacionados com
limites entre placas.
Os sismos de Valdívia (1960 –
magnitude 9,5), e de Concepción (2010
– magnitude 8,8), cujos epicentros estão
relativamente próximos entre si, no Chile,
ilustram muito bem a recorrência dos
grandes terremotos que afetam regiões
sismicamente muito ativas. No caso trata-se
do avanço da placa Sul-Americana
sobre a placa de Nazca, na medida de
onze centímetros por ano (Figura 3). Na
região ocorre pelo menos um terremoto
importante em cada década, e os dois
indicados estão entre os maiores eventos
mundiais dos últimos tempos, em termos
de magnitude sísmica.
Quanto aos riscos que as zonas sísmicas
apresentam para a humanidade, os
grandes terremotos sempre causam danos
materiais substanciais. Entretanto, com
relação à perda de vidas, a relação maior é
com a vulnerabilidade dos assentamentos
locais. Na figura 3 estão indicados, além
dos dois exemplos chilenos, os locais dos
grandes terremotos de São Francisco,
EUA (1987 – magnitude 7,1), Cidade do
México (1985 – magnitude 8,1 ) e Porto
Príncipe, Haiti (2009 – magnitude 7,0 ).

Sabe-se que nos EUA as construções civis
são antissísmicas, feitas levando em conta
as possibilidades da ocorrência de grandes
sismos, e portanto seguindo regulamentos
e controles muito rigorosos. Isto seguramente
impediu que no sismo de São Francisco
os edifícios da cidade colapsassem,
e fez com que o número de vítimas fosse
pequeno, menos de vinte pessoas. Em
contraste, no terremoto de Porto Príncipe,
cuja magnitude foi similar, a cidade inteira
foi destruída, pela fraqueza estrutural
de suas construções civis. Nesse evento o
número de vítimas foi descomunal, mais
de 200 mil pessoas pereceram. No Chile
os códigos para construção civil também
são rigorosos. Entretanto a magnitude
dos terremotos de Valdívia e Concepción
foi tão elevada que a destruição foi grande,
e o custo em vidas também foi muito
alto, cerca de 6 mil pessoas no primeiro
caso, e mil no segundo. De qualquer
forma, muito menos vítimas do que em
Porto Príncipe. Caso intermediário foi o
da Cidade do México, situada em terreno
pouco consolidado, de sedimentos lacustres.
Esse material amplificou as vibrações
do solo durante o terremoto de 1985, a
destruição foi considerável, e cerca de 10
mil pessoas foram vitimadas.
Com relação aos vulcões ativos, o
seu monitoramento possibilita evitar grandes
perdas de vidas, embora a devastação
provocada por erupções de lavas e outros
materiais vulcânicos não possa ser impedida.
Vulcões recentemente ativos, como
o Cerro Hudson no Chile ou o Arenal na
Costa Rica, estão relativamente afastados
de assentamentos urbanos para provocar
vítimas fatais. Entretanto, isto pode ocorrer
em condições particulares, em que a atividade
vulcânica se associa a circunstâncias
adicionais que podem em muito aumentar
a sua capacidade destrutiva. Três exemplos
são dados a seguir.
Pelo acúmulo de pressão em sua
câmara magmática, o vulcão Saint Helens,
nos EUA, explodiu em 1980, lançando aos
ares grande parte de seu edifício vulcânico,
o que reduziu de 400 metros a sua elevação,
e devastou uma enorme área em seus
arredores. Como a região tem ocupação
humana pouco relevante, apenas cerca de
60 vítimas foram contabilizadas. Em 1985,
o Nevado Ruiz, na Colômbia, teve uma
erupção moderada em termos vulcânicos,
mas que aqueceu e fundiu grande quantidade
de material de suas geleiras, provocando
a formação de grandes massas de
lama e fragmentos de rocha, que desceram
vales abaixo com grande velocidade e grande
força destrutiva. A cidade de Armero,
situada num dos vales que se originam no
vulcão, contabilizou cerca de 25 mil vítimas.
Finalmente, características insólitas
teve a erupção do Mt. Pelée que destruiu
completamente a cidade de Saint Pierre,
na Martinica, em 1902. Na ocasião, além
de materiais vulcânicos normais, o vulcão
emitiu uma grande quantidade de vapor
superaquecido a mais de 1000 graus centígrados,
misturado com outros gases e cinza
vulcânica, que desceu as encostas a atingiu
Saint Pierre, incendiando-a completamente
em poucos minutos.
Os poucos exemplos aqui descritos
servem para ilustrar que os movimentos
inerentes à tectônica de placas, embora a
velocidade destas seja muito pequena para
ser observada no dia a dia, pode ter consequências
trágicas nas regiões que situam-se
no limite entre placas contíguas. Nesse aspecto
o Brasil pode considerar-se beneficiado
pela sua situação geográfica. Apesar
de ser um país de grande dimensão, está ele
localizado na região central da Placa Sulamericana,
onde não há vulcões ativos, e as
atividades sísmicas assinaladas em seu território
são de baixa intensidade, sem grandes
riscos para os assentamentos humanos.
Umberto G. Cordani é diretor do Instituto
de Estudos Avançados da Universidade de
São Paulo e professor do Instituto de Geociências
da USP.
43

44
OLHAR
MATILDE MARíN
itinerÁrio

matilde Marín, artista argentina, mergulhou
no vasto território da Patagônia
para compor um poema visual impregnado
de mistério, magnetismo e sedução,
ingredientes contidos na imensidão dos
horizontes infinitos. A paisagem que seduz
e repele não é dura, ao contrário, romantiza uma das regiões
mais enigmáticas do planeta. Um dos desafios propostos
por Matilde, tanto em fotos como em vídeos, é o de revisar a
relação da cultura e da natureza. Ela vai muito além disso.
45

50
ECONOMIA
COMPORTAMENTO
aFeta resUltados
Como a cultura molda
a forma de gerir empresas
Paulo Roberto Feldmann
a
História de uma nação define valores que se
perpetuam por gerações e que acabam por
determinar o comportamento dos seus cidadãos.
Ou seja, é por conta desses valores
que os indivíduos estão dispostos a assumir
mais ou menos riscos, serão mais ou menos
patriotas, estarão dispostos ou não a repartir lucros e assim por
diante. Ela acaba por afetar costumes e hábitos e, consequentemente,
interferir nos fatores culturais, influindo também na forma
como as empresas de uma região ou país são administradas.
Max Weber (1930) já dizia que a cultura pesa, determina, inclina
e acaba por decidir que nações prosperam e quais estão
condenadas à pobreza, enquanto seus povos não mudarem
de hábitos, crenças e valores. Weber dizia que a ética

FOTO: rePrOdUÇÃO
protestante era a responsável pelo fato
da Alemanha e da Suíça serem mais
bem-sucedidas economicamente no
século XIX que os países católicos
como Espanha e Portugal. As empresas
latino-americanas decorrem de
uma sociedade de formação aristocrática
e oligárquica. Essa sociedade sempre
foi centrada nas classes mais abastadas,
cujas famílias fundamentadas na
forma patriarcal foram responsáveis
pelo surgimento das primeiras empresas
importantes da região. É natural
que a forma das empresas se organizarem
fosse muito parecida com a forma
como as pessoas dentro das famílias se
relacionavam. Por outro lado, durante
muitos séculos, a atividade agrícola era
praticamente a única atividade econômica,
o que acabou por fazer com
que o sistema feudal predominante
no campo acabasse tendo raízes fundas
na cultura latino-americana e até
na forma como as empresas da região
são administradas.
Um dos exemplos mais típicos
dessa influência da cultura nos negócios
no caso latino-americano está no tema
das amizades. Misturar negócios com
amizade é comum na América Latina. O
contrato às vezes não é tão importante
quanto à palavra empenhada. Enquanto
nos Estados Unidos existe o culto
ao advogado, sendo tudo enfocado
nos contratos, na América Latina existe
o culto à “personalidade”, ou seja,
tudo depende de com quem você estiver
negociando.
Vários autores que estudaram o
tema realçam que a principal caracte-
51

ística de comportamento dos latinos,
que afeta a forma como as empresas
da região são geridas, são as extensas
redes de relacionamento pessoal. Ao
contrário dos norte-americanos os
latino-americanos têm uma visão negativa
da competição individual, mas
dão uma enorme importância aos
grupos sociais de que fazem parte.
Há uma frase corrente que diz que os
americanos fazem negócios e depois,
se possível, amigos; enquanto os latinos
primeiro verificam se são amigos
para depois irem aos negócios.
Outro traço cultural muito característico
e também problemático é
o fato da quase totalidade da grande
empresa latino-americana possuir seu
controle acionário nas mãos de um indivíduo
ou, quando muito, nas mãos
de uma ou duas famílias. Isto leva a
um afrouxamento dos controles sobre
os resultados e a ausência de profissionalização
da gestão, ou seja, os
acionistas muitas vezes não cobram
resultados porque eles mesmos são
os executivos. É comum os donos das
empresas não conseguirem separar
claramente os limites da empresa dos
limites da família.
O contrário ocorre nos EUA,
onde o capital da grande empresa é
muito mais pulverizado e os acionistas
minoritários pressionam muito
mais por resultados consistentes. Nas
empresas latino-americanas dificilmente
se encontra a separação entre
o Conselho de Administração e a Diretoria
Executiva. Enquanto em boa
parte das empresas norte-americanas
é muito difícil descobrir-se quem é o
dono das mesmas, tamanha a pulverização
das ações, nas empresas latinoamericanas
praticamente sempre se
sabe quem é o dono.
Por outro lado, quando ocorrem
problemas ou fracassos nas suas empresas,
o primeiro culpado a ser apon-
52
tado pelos empresários é sempre o
governo. Os empresários de nossa região
estão sempre na defensiva, nunca
admitindo suas próprias falhas ou de
suas empresas. Se houver problemas,
prejuízos ou fracassos, o primeiro culpado
é o governo. Mas se não deste,
então a culpa pelos fracassos é do fornecedor,
ou dos sindicatos de trabalhadores,
ou dos distribuidores ou até
mesmo do cliente, quando não da natureza;
mas nunca da própria empresa
e de seus acionistas ou executivos.
Mas, ao mesmo tempo que critica,
o empresariado latino-americano
está permanentemente buscando
apoio governamental para suas atividades.
Basear o crescimento de suas
empresas em favores governamentais
é algo muito frágil, pois esses favores
são efêmeros e acabam por não proporcionar
vantagens competitivas efetivas
e perenes para as empresas.
Aliás, se existe um traço cultural
latino-americano marcante é a sempre
presente necessidade de que haja uma
liderança superior para tomar decisões
importantes. A busca de uma resposta
para tudo através de um líder caudilhesco
é algo que perpassou a história
de praticamente todos os países deste
continente. Provavelmente por isso
é que as decisões gerenciais são frequentemente
tomadas por uma única
pessoa de uma maneira central e decisiva
e, por sua vez, os proprietários
das empresas comumente contam
com algum alto governante para tomar
decisões que lhes favoreçam.
Em suma, gestão familiar, pouco
profissionalismo, paternalismo,
manipulação de políticos, atitudes defensivas
e não éticas são alguns dos
principais ingredientes que fomentaram
as empresas originárias da região,
com raríssimas exceções. Esse estilo
de administração não condiz com as
exigências atuais de competição global

FOTO: rePrOdUÇÃO
do século XXI. As grandes empresas
globais que dominam o cenário
competitivo mundial são profissionais,
transparentes, não dependem
de favores governamentais e em
muitos casos seus acionistas não são
conhecidos, ou seja, não possuem a
figura do “dono”. Talvez seja por
isso que tenhamos um número tão
pequeno de empresas da nossa região
nos rankings das maiores empresas
do mundo . Na última delas,
publicada pela Revista Forbes, entre
as 2.000 maiores apenas 54 tinham
sede no nosso continente.
De qualquer forma o que é
importante é estarmos conscientes
de que os fatores culturais exercem
uma forte influência sobre como as
empresas são geridas. A cultura está
aí para ficar. Precisamos apreender a
tirar proveito dela.
Precisamos olhar para outras
nações que conseguiram transformar
aquilo que aparentemente eram
deficiências da sua cultura em fatores
alavancadores de sucesso. Há inúmeros
exemplos nessa linha. A Itália é
apenas um deles, com a sua vocação
para a microempresa familiar baseada
no forte apego que os italianos
têm pela família. A Itália soube aproveitar
muito bem essa sua característica
e desenvolveu uma forte competência
em promover associações
de pequenas empresas. Unidas elas
passam a ser fortes, e por isso conseguem
exportar ou pesquisar inovações
tecnológicas. Esse pode ser
um caminho para a pequena empresa
latino-americana, pois uma outra
característica importante das empresas
de nossa região é que as mesmas
raramente se unem para atingir um
objetivo comum, a não ser que este
seja pressionar o governo.
Paulo Roberto Feldmann é engenheiro de produção.
53

HISTÓRIA
BI, CENTENáRIO
e oUtros bis
54
Pilar Atilio
existe atualmente na Argentina um acordo tácito
muito fácil de ser comprovado através da mídia:
considera-se importante o bicentenário, suas
celebrações, sua realização, as discussões que
ele suscita e o múltiplo acordo entre setores de
todo tipo e a segmentação regional ou políticoideológica.
Em suma, em toda a república celebra-se este Bicentenário
com renovado fervor pátrio repleto de bandeiras argentinas.
A disponibilidade de uma palavra como esta, respeitada por
consenso, e minha condição de cinquentenária, induziram-me
a permanecer atenta e a comprar, ler, escutar e comentar todas
as edições especiais de jornais, revistas, canais de televisão –
especializados ou não – sobre história. Por outro lado, todas
as esferas do governo – municipais, estaduais e nacional – trabalharam
em silêncio e com um bom ritmo para os grandes

FOTOs: rePrOdUÇÃO
Atos do Bicentenário, celebrado durante
uma semana, de 17 a 25 de maio. Pois
bem, naqueles dias de maio de 1810,
as inquietações começaram no dia 17,
transformaram-se em pedido formal no
dia 24, entregue à comissão que deliberava
no Cabildo de Buenos Aires, com
o povo na praça pressionando e esperando
novidades. Finalmente, o acordo
é aprovado por pressão e com várias
negociações em 25 de maio. Elege-se
a Primeira Junta de Governo com a vitória
das ideias dos revolucionários de
maio, levando em consideração o dado
que não pode ser deixado de lado da prisão
do rei espanhol Fernando VII, efetuada
por Napoleão.
Embora essa primeira junta tenha
sido fruto de uma escolha aprovada, foi
preciso superar numerosos obstáculos,
valas, restrições e incômodos, entre eles
os de armar um exército e combater os
espanhóis, obrigando-os progressivamente
a abandonar o território. Um dos
historiadores argentinos mais respeitados,
Tulio Halperín Donghi – que mora nos
Estados Unidos desde os anos 70 e leciona
universidade de Berkeley –, afirma que
as condições dessa revolução não provinham
apenas das ideias dos combativos
Mariano Moreno e Manuel Belgrano, mas
tinham também um antecedente claro na
resistência do povo na época das Invasões
Inglesas de 1806 e 1807. A organização
doméstica tinha acabado com as pretensões
de um conquistador tão poderoso
quanto a frota inglesa dos primeiros anos
do século XIX e evidenciou a fraqueza do
vice-rei Cisneros e seus homens.
Analisaremos juntos algumas palavras-chave
presentes neste Bicentenário,
com a intenção de aprofundar uma
55
A Calle Florida no
auge de seu glamour.

análise da nossa condição atual, tanto
no âmbito político quanto no cultural.
A primeira palavra que merece
destaque é Revolução; este termo teve
várias interpretações ao longo dos anos
deste bicentenário, mas sempre aludiu
a um aspecto de reconstrução alentadora,
um regresso às bases. A Revolução
de Maio tem sido interpretada a
partir de diferentes abordagens: como
uma revolução patrícia sem conteúdo
democrático ou – como afirma Roberto
Marfany – “feitos realizados por um
exército em linha com seus comandos
naturais, cuja missão histórica continuava
sendo no presente guiar os avanços
da nação surgida de sua ação nessas
jornadas”. Houve outros historiadores,
sociólogos e militantes na década
de 60 e 70, que viram no antecedente
local, o da Grande Revolução Socialista
de Outubro, destino histórico de toda
a humanidade. Também é consensual
o reconhecimento do gradualismo das
ações ou momentos críticos que levaram
à formação de um estado como
o que somos atualmente. Os outros
passos seriam: a Assembleia do ano
13, que legislou sobre questões como a
escravidão ou a tortura; o trabalho nas
regiões, cujo resultado foi a possibilidade
concreta de formar uma Confederação
soberana do trono da Espanha,
em 1816, em San Miguel de Tucumán.
Tudo isso até chegar ao estado atual de
uma democracia representativa e federal,
que marca o início da República
Argentina em 1853.
A segunda palavra à qual pretendo
prestar a máxima atenção é Imprensa,
o poder que tem a palavra difundida
por meios impressos. Na verdade, pela
imprensa foram difundidas ideias e palavras
de ordem que despertaram no
povo sentimentos libertários e acordos
conjuntos. Para corroborar este fato é
suficiente relatar dois acontecimentos:
em 3 de março de 1810 – meses antes
56
da Revolução de Maio –, é fundado o
Correo de Comercio, editado por Manuel
Belgrano, jovem membro proeminente
da sociedade portenha e estimulador de
diversos projetos, junto com Hipólito
Vieytes. Embora os conceitos a serem
difundidos estivessem restritos aos aspectos
comerciais de um porto muito
importante como o de Buenos Aires,
outras ideias estavam presentes. E logo
depois da posse da Primeira Junta, em
maio de 1810, esta decreta a criação de
um órgão de imprensa oficial, a Gazeta
de Buenos Aires, dirigida por Mariano
Moreno, uma pluma aguda e bem
formada, junto com outros integrantes
desse corpo colegiado: Gregorio Funes,
Juan José Agrelo e Bernardo de
Monteagudo.
“Tempos de felicidade, aqueles
nos quais se pode sentir o que se deseja
e é lícito dizê-lo”. A frase corresponde
ao historiador romano Cornélio Tácito
e foi repetida em todas as edições, junto
com um esclarecimento no qual se explicitava
que as ideias e opiniões contrárias
à causa não seriam publicadas.
A terceira palavra que atravessa
nosso Bicentenário e é uma característica
constante da nossa história, é Fúria.
Segundo o historiador argentino Miguel
Wizñaki: “O poder, uma forma de administrar
a fúria” ou aquilo que se experimenta
ao transformar o temor em
fúria. Fúria e também sanha para o que
pode ser lido como “decidir em situação
de poder a quem é conveniente odiar”,
fustigar, usar golpes baixos ou mandar à
morte. Essa fúria de base tem características
especiais, é patrícia, conservadora
e militarista, sempre segundo Wizñaky.
No trecho do livro Facundo, civilización o
barbarie, de Domingo Faustino Sarmiento,
narra-se a história que levou à criação
do apelido “Tigre das planícies” do
caudilho de La Rioja, morto em 1835.
Temos a quarta palavra-chave:
Crise. Definida como um sistema de

mudanças em qualquer aspecto de uma
realidade organizada, porém instável e
sujeita a evolução; este sistema contou
com notáveis intervenções de homens
e mulheres, políticos e intelectuais que
desempenharam o papel de pares antagônicos
em diferentes momentos. Juan
Lavalle (1797-1841) unitário, mandou
fuzilar Manuel Dorrego depois de derrubá-lo;
por sua vez, foi inimigo cabal
de Juan Manuel de Rosas (1793-1877),
que em 1835 consegue fazer com que
a Legislatura o eleja Governador com
a soma do poder público, mas que tinha
sido vencido pelo general Urquiza
na batalha de Caseros. Rosas, exilado e
morto anos depois longe de sua pátria,
teve de esperar a mitigação do ódio para
regressar ao país muito tempo mais tarde.
O Pai da Pátria, José de San Martín,
também teve de partir para o exílio para
“não derramar sangue de irmãos” e ser
repatriado em outros tempos para ocupar
o lugar que lhe corresponde como
Libertador de América. E que podemos
dizer sobre a fúria exercida sobre
o corpo mumificado de Eva Perón, que
passou por um itinerário digno de um
romance para retornar ao país depois
de muitos desvelos e desocultamentos.
Crises políticas associadas a revoluções,
com personagens antagônicos agindo
com fúria com as pessoas ou com os
corpos ou com a memória.
Em 1880, já constituídos como
Nação Argentina com Carta Magna e
reconhecimento internacional, começa
uma enorme produção de escritores,
intelectuais e cientistas que mudarão a
agenda dos temas e modas que atravessam
os discursos até 1910, ano do Centenário,
que depois analisaremos. No
grupo de seletos positivistas estavam
José Ramos Mejía e José Ingenieros. E
entre os modernistas, influenciados pela
poesia do nicaraguense Rubén Darío,
potencializava-se a pergunta referente à
identidade nacional. Esta questão com-
põe outro forte par de opostos antagônicos
que estão presentes na história:
identidade nacional versus influências
europeizantes, como as apoiadas por
Domingo Faustino Sarmiento.
No entanto, das crises saíram bons
projetos que se materializaram muito antes
que no resto da América. A Lei da
Educação Comum, ensino primário gratuito,
gradual e obrigatório para crianças
de 6 a 14 anos, foi concebida em 1884
para integrar os imigrantes e, embora
tenha sofrido a resistência da educação
religiosa, representou uma das bases do
nosso capital de progresso. Em 1918 foi
realizada a Reforma Universitária promovida
por alunos da Universidade de Córdoba,
que dirimia o novo papel da Igreja
na educação, a renovação dos programas
de estudo e mudanças no governo das
faculdades, com maior participação dos
alunos na tomada de decisões.
A Toda Orquestra II,
obra do artista plástico
argentino Carlos
Gallardo.
57

A imigração revolucionou o campo
do trabalho, introduzindo as palavras
de ordem de salário digno nos
sindicatos, e deu origem a algumas das
mais sangrentas repressões, como a
da Semana Trágica, na qual morreram
muitos trabalhadores dos Talleres Metalúrgicos
Vasena. A de 1921, quando
os operários de Santa Cruz protestavam
pelas condições de trabalho e as demissões
da indústria da lã, terminou com
mil e quinhentos trabalhadores assassinados,
no episódio que ficou conhecido
como Patagônia Trágica, imortalizada
pela pena do escritor Osvaldo Bayer e
base do filme dirigido por Héctor Olivera
em 1974. Esta situação de morte,
supressão, invisibilidade, que afetou
desde os povos originários até a entrega
para o sacrifício de mulheres, crianças,
trabalhadores e estudantes, apoiada
por grupos que pretendiam moldar a
república às suas ideias, avassalando o
poder político e usando a força das armas
e os militares, constata-se nos primeiros
cem anos e repete-se a seguir.
Fuzilamentos, desaparecimentos, ódios
e perseguições várias desgarram as entranhas
argentinas do século XX desde
aqueles acontecimentos até os presos
desaparecidos dos anos 70 e primeiros
anos dos 80. Assim como golpes de estado,
revoluções que derrocam governos,
bombardeios de civis e proscrição
de peronistas, ainda há gente nas ruas
manifestando sua posição com cartazes
que explicitam suas ideias. Isto também
nos distingue: continuamos mobilizados
e usando as ruas como bandeira de
várias palavras de ordem.
Há algum tempo, um dos consensos
que capitalizamos dessas penas,
tal como afirmam lúcidos intelectuais
como Beatriz Sarlo e Horacio González,
é o seguinte: não há consenso para um
regresso das forças armadas ao poder,
há uma opção pelo sistema democrático
representativo, embora sejam conheci-
58
das suas fissuras e más práticas. O percurso
pelas nossas crises, e sobretudo
o efeito da última, de 2001, nos fazem
lembrar que queremos que ocorram
dentro do sistema democrático, com os
mecanismos próprios do sistema e com
o cumprimento da lei.
Mas vamos incluir uma nova palavra
nessa descrição breve e sucinta
que estamos tentando fazer. Vamos falar
de celebrações, pois sem dúvida um
Bicentenário traz consigo a ideia de festa,
os faustos de uma data importante
para a Nação.
O Teatro Colón viveu sua reabertura
(ver página 18). A cidade também
montou, perto do teatro na Plaza Lavalle,
uma instalação de Carlos Gallardo,
para homenagear o artista falecido
em 2008. A obra, denominada A Toda
Orquesta II, é uma orquestra virtual, simbólica,
com 36 atris metálicos em cujas
bandejas há retângulos de diferentes
tipos de gramas em vez de partituras.
Mas não faltaram no país problemas no
tocante a quais seriam os personagens
da história. Em um ato escolar, uma
professora primária de uma cidade do
interior considerou personagens importantes
do Bicentenário tanto Mirtha Legrand
(atriz de televisão), como Leopoldo
Fortunato Galtieri, um dos ditadores
que declarou a Guerra das Malvinas e
levou as forças armadas à sua pior derrota,
junto com milhares de inocentes.
Das celebrações em todo o país, as que
passarão à história foram as que ocorreram
nos locais históricos de Buenos
Aires: o desfile temático de 25 de maio,
um espetáculo sobre a Argentina, com
os povos originários unidos por uma orquestra
multiétnica, a representação da
imigração, o tango, o folclore e outros
símbolos da identidade argentina.
Pilar Atilio é argentina, historiadora, professora
e pesquisadora de arte.

FOTO: divUlgaÇÃO - FliP
FLIP
LITERATURA
PUlsa em Paraty
Leonor Amarante
com personagens tão díspares quanto o resultado
do encontro, a 8ª Festa Literária
Internacional de Paraty tomou como
ponto de partida um Brasil multifacetado
para promover os debates sobre Gilberto
Freyre, o homenageado da edição. Coube
a Fernando Henrique Cardoso dar início às reflexões,
com o apoio do também sociólogo Luiz Felipe Alencastro.
Em sua primeira edição, em 2003, a Flip convidou mais escritores
que personalidades de outras áreas. Era de fato uma
feira literária. Hoje, tornou-se também palco de outros interesses,
em que todos segmentos convergem. O evento
59

O indiano Salman
Rushdie, o alemão
Berthold Zilly; os
americanos Gilbert
Shelton e Robert
Crumb; os irlandeses
William Kennedy, à
esquerda, e Colum
McCann.
aposta na diversidade de culturas e de
interesses para manter a chama do mais
badalado encontro literário do País.
Foram colocados no mesmo caldeirão
a combativa iraniana Azar Nafisi
e a frágil irlandesa Pauline Melville, o
sério teórico marxista Terry Eagleton e
a patricinha cubana Wendy Guerra. O
irriquieto iraniano Salman Rushdie, que
voltou à Paraty para lançar seu último
Luka e o Fogo da Vida, teve de conviver
com Terry Eagleton, crítico inglês, que
o chamou de direitista. “Ele é um covarde”,
resmungou Rushdie.
Mas, entre todos os contrários,
quem roubou a cena foram mesmo a
chilena Isabel Allende, que arrastou uma
legião de fãs, além do desbocado e irreverente
Robert Crumb. O norte-americano
autor do famoso gato Fritz se destaca
dos demais. Ele debochou de tudo
e de todos, xingou as ruas de Paraty pavimentadas
com pedras enormes, irregulares,
datadas do período colonial. Aos
67 anos, mas com aparência de quase 80,
o mito da geração beatnik, símbolo da
contracultura nos anos 1960, continua
autêntico. Segue um ferrenho agnóstico
que verteu, com um viés cortante, o
Gênesis 2009, adaptação para quadrinhos
60
do mais antigo livro da Bíblia. Ele foi
a azeitona no pastel da Flip, animou a
festa com suas tiradas divertidas sobre
governos, bares, porres e trabalho. Ele
reinventou Kafka, Charles Bukowski em
situações perturbadoras e lançou na Flip
Meus Problemas com as Mulheres.
O destino de Sakineh Moahammadie
Ashtiani, iraniana condenada a
morrer apedrejada por suposto adultério,
também foi tema de discussão em algumas
mesas. Salman Rusdie acha que é importante
outras nações ajudarem o Irã a
colocar em prática os direitos humanos,
e não condenou diretamente a participação
de Lula nesse aspecto. No entanto,
Azar Safisi levantou o tom, foi mais ácida,
e sugeriu que o presidente brasileiro
desse asilo ao presidente iraniano Mahmoud
Ahmadimejad.
O advento do livro eletrônico também
foi discutido. O historiador Peter
Burke disse não acreditar que no futuro
as pessoas leiam Guerra e Paz impresso
em papel, ao que John Makinson, executivo
da editora Penguin, rebateu e afirmou
que é absurdo dizer que os livros
estão morrendo. “Nos próximos anos
serão publicados mais de milhão de novos
títulos impressos em todo o mundo.”
FOTOs: divUlgaÇÃO - FliP

FOTO: divUlgaÇÃO - FliP
isabel allende
POLêMICA E FRANCA
“...Em meus quarenta anos,
eu, Zarité Sedella, tive mais sorte que
outras escravas. Vou viver muito e
minha velhice será boa porque minha
estrela - minha z´etoile - brilha até em
noites nubladas. Conheço a satisfação
com o homem escolhido por meu coração
quando suas mãos grandes despertam
minha pele...”
Acima, fragmento do livro A Ilha
Sob o Mar de Isabel Allende,
lançado na 8 a Flip.
REVISTA NOSSA AMÉRICA – Você iniciou
sua vida na literatura por meio do jornalismo.
O que fez com que abandonasse as redações para se
dedicar somente à literatura?
ISABEL ALLENDE – Deixei o jornalismo
porque eu era péssima profissional, inventava
muita coisa para melhorar a matéria.
R.N.A. – Quando você decidiu escrever para valer?
I.A. – Com a ditadura de Augusto Pinochet,
por uma questão de sobrevivência,
eu saí do Chile. Esse período marcou fortemente
minha vida pessoal e profissional.
Interferiu na minha forma de pensar, de ver
o mundo e, é claro, de escrever. Não é por
acaso que o binômio “poder e justiça” é recorrente
em meus livros.
R.N.A. – Você é uma das raras escritoras latinoamericanas
best-sellers, com 18 livros publicados
em mais de 30 idiomas e uma legião de fãs de fazer
inveja a qualquer escritor. Por que ainda há preconceitos
no Chile contra sua obra?
I.A. – Os chilenos não gostam de quem vende
livro, preferem os que ficam à margem.
Depois há o fato de eu ser mulher.
R.N.A. – Quer dizer que autores como Fernando
Bolaños não gostam de seus livros?
I.A. – Não só não gostam como odeiam.
Todos os escritores chilenos odeiam meus livros.
Nos Estados Unidos e na Europa não é
pecado vender livros. No Chile, sim. Se você
vende livros, seus colegas vão execrá-lo.
R.N.A. – Você veio ao Brasil para lançar a versão
em português de seu último livro, A Ilha Sob
o Mar. Como você chegou à personagem central,
uma escrava negra?
I.A. – O livro tem a ver com o deslocamento
de minha família para os Estados
Unidos. É uma história ambientada em
Santo Domingo, no século XVIII, e conta
a história de Zarité, escrava mulata em sua
luta para conquistar a liberdade.
R.N.A. – Você veio ao festival acompanhada de seu
marido, o escritor americano William Gordon. Como
é conviver com um parceiro que também escreve?
I.A. – Ele veio à Flip para lançar The Ugly
Dwarf, um romance de intrigas policiais.
Na hora em que estamos trabalhando,
quando um emperra o outro ajuda.
61

CURTAS
CResCe investimento em teCnologia
na améRiCa latina
2
Em 2010, o mercado de
tecnologia deve investir na
América Latina 5,1% a mais
que no ano passado, segundo
estudo divulgado pela International
Data Corporation (IDC).
O crescimento, no entanto,
ocorre em um cenário de queda
provocada pelos reflexos da
crise mundial, que retraiu os
gastos das empresas em 7,5%.
O estudo trimestral realizado pela IDC – Worldwide Black
Book – aponta também que na América Latina a queda dos
gastos na área de tecnologia foi ainda maior no ano passado,
chegando a 9%. Segundo o levantamento, “o principal motivo
foi a diminuição dos investimentos feitos por México e
Brasil, que em conjunto representam pouco mais de 65% do
total empregado na região”. O aumento dos investimentos na
região, aponta a IDC, deve vir da reativação de projetos de TI
– Tecnologia de Informação –, que ficaram parados em 2009,
e das boas expectativas de consumo em massa em 2010.
62
Relações Reatadas.
até quando?
Colômbia e Venezuela reataram relações, depois de uma
reunião a portas fechadas que durou quase quatro horas.
Chegaram a um acordo. E Juan Manuel Santos, presidente
colombiano recém-empossado, retirou do Tribunal Penal
Internacional a solicitação, feita por seu antecessor Álvaro
Uribe, para investigar a presença na Venezuela de acampamentos
e terroristas das Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia. Por declarações anteriores do próprio Santos,
uma aproximação assim seria bastante improvável. Com o
desfecho, um, ou o outro, ou os dois recuaram. O que já era
esperado, já que os prejuízos econômicos com o rompimento
eram grandes. Os negócios bilaterais entre os dois
países despencaram: 7 bilhões de dólares em 2009, para 1
bilhão no início de 2010.
ResistênCia louvada:
mujiCa ganha PRêmio
1
3
Mónica González Mujica,
jornalista chilena que foi
presa e torturada durante
a ditadura de Augusto
Pinochet (1973-1990),
ganhou o Prêmio Mundial
Guillermo Cano de
Liberdade de Imprensa,
outorgado pela Unesco.
“Ao longo de toda sua vida profissional, ela deu provas de
valor e mostrou o lado obscuro do Chile”, comentou em um
comunicado da Unesco Joe Thloloe, presidente do júri e ombudsman
do Conselho de Imprensa da África do Sul. “Tratase
de uma mulher forte. Presa, torturada e processada, ainda
assim continuou firme”, disse. Irina Bokova, diretora geral da
Unesco, fez a entrega do prêmio no Dia Mundial da Liberdade
de Imprensa, no início de maio, em uma conferência
realizada em Brisbane, na Austrália, informou a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
Nascida em 1949, González ficou quatro anos exilada depois
do golpe militar de 1973.
FOTOs: rePrOdUÇÃO

FOTOs: rePrOdUÇÃO
4
Casa da améRiCa latina
A Casa da América Latina,
criada em 1998 em
Portugal, acaba de inaugurar
a Aleph, uma emissora
de rádio com conteúdo
dedicado à atualidade
latino-americana, com
relatos de experiências
e projetos de relevo envolvendo
o eixo. Com gravações abertas e feitas na própria
CAL, os programas são transmitidos a cada quinze dias, aos
domingos, sempre entre 10 e 11h na Rádio CSB – Comunicação
Sem Barreiras(105.4 Mhz). A Casa da América Latina
é uma associação sem fins lucrativos e de direito privado,
constituída pelo Município de Lisboa, pelo Ministério dos
Negócios Estrangeiros e pelas embaixadas dos países latinoamericanos,
além de um conjunto de empresas.
6 7
PoRtuguês PaRa estRangeiRos FeiRa de FRankFuRt
A crescente exposição do Brasil na mídia internacional está
gerando o crescimento do contingente de estrangeiros que
estudam o português do Brasil. O interesse que antes era
gerado apenas pela música e pelo esporte, ganhou força com
a presença relevante do Brasil entre os chamados Bric’s –
Brasil, Rússia, Índia e China –, países com taxas de crescimento
econômico acima da média mundial, com modelos de
gestão macroeconômica.
eça de queiRoz,
um diPlomata
em havana
5
Nem todos sabem, mas o célebre romancista português
Eça de Queiroz viveu um tempo em Cuba. Chegou em
dezembro de 1872; era o novo Cônsul. Segundo consta,
ele se assustou não só com o clima dos trópicos, mas com
a sociedade escravagista decadente que encontrou. Lopes
de Oliveira em seu relato “Eça de Queiroz, a sua vida e
a sua obra”, explica que “em Cuba existiam mais de cem
mil colonos asiáticos, que, tendo emigrado pelo porto de
Macau, encontravam-se, como os portugueses”, sob proteção
de seu consulado. Porém, as condições legais eram
ignoradas e todos viviam como verdadeiros escravos. Eça
decidiu então lutar: em nome do prestígio de Portugal e
da própria causa humanitária. Encontrou oposição dos
fazendeiros e do próprio governo. Porém não desistiu. A
batalha foi difícil, mas bem-sucedida.
A Feira do Livro de
Frankfurt vai abrir,
provavelmente ainda
em 2010, um escritório
no Brasil, para
intermediar as relações
com editores e
escritores do Brasil
e da América Latina.
Realizada desde
1949, em Frankfurt
AM Maim, na Alemanha, a Frankfurter Buchmesse, é o
maior encontro mundial do setor editorial. Promovida pela
Börsenverein des Deutschen Buchhandels (Associação do
Comércio de Livro Alemão), atrai anualmente mais de 7.000
expositores e 280.000 visitantes.
A internacionalização da feira começou já na edição de
1950 quando reuniu em torno de cem editoras estrangeiras.
Três anos mais tarde, já eram exatos 534, maior do que o de
editoras alemãs – 524. Uma das iniciativas que contribuiu
para atrair o setor do mundo todo foi instituir uma homenagem
a um país ou a uma região, como a América Latina, a
primeira a ganhar destaque, em 1976.
63

DA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AG
AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGEND
memorial exPõe braUn-veGa
Na pintura contemporânea há um lugar
garantido para Braun-Vega, peruano residente
em Paris. Seu discurso visual propõe
a intervenção em obras de artistas
consagrados ao introduzir-lhes novos
personagens. Em Déjeuner sur I’Herbe, de
Manet, impressionista francês, colocou
Picasso acompanhado de Velásquez.
Em a Lição de Anatomia, de Rembrandt,
optou por uma inusitada cena política.
Retrata um grupo de “notáveis” junto ao
cadáver de um mendigo, assassinado por
64
ter roubado um casaco, naquele rigoroso
inverno de 1631. A intenção desses supostos
“homens de bem” era perpetuar
em pintura o castigo, para que servisse de
lição aos futuros ladrões da aldeia. Este
e dezenas de outros trabalhos estarão na
mostra que faz parte do projeto da 29ª
Bienal e da Expo Peru 2010 e ocorrerá
na Galeria Marta Traba, do Memorial,
com abertura no dia 28 de outubro às
19h30, seguido de bate-papo com o artista.
A mostra vai até 28 de novembro.
a Festa arGentina
Como parte das comemorações do bicentenário
da independência argentina, o
Consulado Geral da Argentina trouxe a
São Paulo o show de tango da casa Esquina
Carlos Gardel. O espetáculo que
atraiu os paulistanos ao Auditório Simón
Bolívar é considerado uma das mais tradicionais
atrações portenhas, conhecida
internacionalmente por seu corpo de
dança e pela casa de shows que mantém
um restaurante de comidas típicas.

ENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA
A AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGEN
FOTOs: rePrOdUÇÃO
el día del s-Pñol
Setenta e três cidades de 56 países comemoram
o Dia do Espanhol, que festeja
uma das línguas mais faladas no mundo.
São Paulo entrou no circuito. Pela segunda
vez realiza a festa, cujas dimensões
crescem, já que de um evento pequeno,
promovido pelo Instituto Cervantes em
suas dependências, transforma-se em
uma grande celebração no Memorial
da América Latina. Das 10h da manhã
à meia-noite, as apresentações de música,
de folclore, teatro, debates, oficinas e
feira gastronômica atraiu o público estimado
em milhares de pessoas dispostas
a apreciar a riqueza da cultura espanhola.
Várias instituições e empresas, como o
Centro Cultural Espanhol, os consulados
do México, Uruguai e Peru, o Banco Santander
e a Telefônica apoiaram o evento,
que promete fazer parte do calendário
cultural de São Paulo.
Padre vieira 400 anos
Escritor, sacerdote, educador e político,
cada faceta de Padre Antonio Vieira
foi analisada por especialistas durante
o colóquio realizado no Memorial da
América Latina e desenvolvido pelo
Centro de Estudos Fernando Pessoa. A
presença de dezenas de escritores e professores
interessados no estudo da obra
e da vida de Vieira atesta a importância
que o autor dos Sermões e das Cartas tem
para a cultura luso-brasileira. O encontro,
como sempre ocorre com eventos
do gênero realizados pelo Memorial,
foi condensado no livro, já lançado, 400
Anos do Padre Vieira – “Imperador da Língua
Portugues”, sob coordenação do jornalista
e também escritor João Alves das
Neves. Um elenco de historiadores, do
Brasil e de Portugal, focaliza os vários
aspectos da produção
de Vieira, que é considerado
um grande
prosador e chamado
de “O Imperador da
Língua Portuguesa”.
Entre eles estão Hernanni
Donato, Tereza
Rita Lopes, Carlos
Francisco Moura,
Eduardo Navarro,
Maria Beatriz Rosário
Alcântara e Raul
Francisco Moura,
que abordam temas
como “A Inconstância da Alma Selvagem
do Sermão do Espírito Santo” e
“Padre Antonio Vieira, Defensor dos
Índios e dos Escravos Africanos”.
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OVERTURA FATAL
POESIA
Iniciación en brujería y versión latina del milagro
(bienvenidos al show aplaudan más fuerte)
/mi quimera Fabiola negra la pauta gaita
melódica serpiente de fuego a secas
en su cuerpo entrada/
:se fue al varón y no foreció
mi quimera quiera Fabiola mar de cantos de paganos
y ojos a porro y ventana a puertas
a las jaulas que aprisionan su sangre
de la sombra el hombro fera libertad el sacrilegio
pero no torno
que comienza el amor en el mar juraba
que la lluvia lesbia no es más lánguida
que el agua
es la lejanía
entre la tiniebla y su sombra
a los alientos de tu noche en vela a los baladros
Tan civilizados estos tipos
me dijiste
de la ciénaga del mundo duros hermanos
de Asia furiosos lobos incendiarios
contra Corinto el verbo confrma trémulo por Cristo
que de la traición Eva sola se salva
y soñar con piernas que se quiebran en los dientes
Wingston González é um jovem poeta guatemalteco de apenas 24 anos, com uma trajetória
ainda curta, mas internacional. Participou, entre outros, do I Festival de Poemas “Arquimedes
Cruz”, em El Salvador em 2006 e no IV Encontro Internacional de Poesia “El Turno del
Ofendido”, também, em El Salvador, em 2007.