Política cultural na Bahia: o caso do Fazcultura - Universidade ...

Política cultural na Bahia: o caso do Fazcultura - Universidade ... Política cultural na Bahia: o caso do Fazcultura - Universidade ...

poscom.ufba.br
from poscom.ufba.br More from this publisher
15.04.2013 Views

Em 8 anos de governo, FHC não formulou nem implementou nenhuma política cultural. Ou seja, faltou o principal: uma visão estratégica do papel do Estado no campo cultural de uma sociedade inserida no mundo globalizado, traduzida em planos de ações gerais e específicos para os diversos segmentos culturais, populacionais, geográficos, etc. O governo FHC nunca teve um projeto de desenvolvimento cultural que traduzisse seu respeito pela cultura. Acobertou a falta de idéias do setor com um sistema de financiamento baseado na dedução integral do imposto, que subverteu o princípio elementar do incentivo fiscal, que é o de usar o dinheiro público para estimular o investimento privado. Tornou as leis de incentivo repassadoras perdulárias do numerário público, condenando o meio cultural a peregrinar pelas empresas em busca de recursos do erário que deveriam estar disponíveis em fundos de financiamento direto (SARKOVAS, 2003a, p.1). Declarações de teor similar foram manifestadas por diversos representantes da comunidade cultural e soaram quase em uníssono a respeito da avaliação do modelo de política cultural que predominou na década de 90 no país. Grosso modo, a insatisfação manifestada pelos produtores e realizadores assenta-se no modo da condução da política oficial de cultura, cuja orientação, como mencionamos, pauta-se na lógica mercantilista das indústrias culturais. As reações refratárias advêm principalmente daqueles realizadores inscritos no circuito da produção restrita, tradicionalmente dependentes dos recursos públicos e que vêem com desconfiança a conformação de uma cena cultural tecida por mecanismos da natureza das leis de incentivo – uma política que estimula prioritariamente produções identificadas à esfera do entretenimento, logo de caráter mais comercial. Sintomático dessa tendência é a irrupção de movimentos culturais como “Arte contra a Barbárie” 11 ou ainda contendas que se estabelecem a partir do caráter das obras avalizadas pelo Ministério da Cultura, através das leis de incentivos fiscais 12 . Em geral, a reivindicação 11 O movimento “Arte contra barbárie” surgiu em 1998, tendo como premissa se constituir num espaço para a reflexão sobre “arte e sociedade, suas conjugações e implicações”(2º Manifesto Arte contra a Barbárie”). Vários foram os manifestos produzidos pelo movimento e que entre outras questões colocavam sob discussão os rumos da política cultural adotada pelo governo FHC, focando, preponderantemente, os usos das leis de incentivo à cultura. Através de críticas contundentes, os integrantes do movimento, em tom de denúncia, alardeiam os efeitos negativos da política cultural que tem como eixo norteador as leis de incentivo. 12 Em 2003, a Revista Carta Capital (12/02/2003) publicou matéria acerca do tema do perfil das produções culturais viabilizadas com verba pública, ao se dedicar à análise dos rumos da política cultural adotada pela prefeitura do Rio de Janeiro. Sintomaticamente intitulada de “A Broadway com verbas públicas”, a matéria focou a polêmica gerada pelo apoio que a prefeitura carioca concedeu – seja através de recursos diretos do próprio município ou das leis de renúncia fiscal – a produções musicais inspiradas na Broadway. A tendência se 97

que subjaz a essas contestações e manifestos diz respeito à consolidação de uma política que alimenta a privatização dos parcos recursos disponíveis para a cultura – já que tem por princípio conceder ao “mercado” a responsabilidade de decidir sobre o destino do dinheiro público – e que estimula, prioritariamente, produções inscritas no circuito da grande produção, logo, auto-sustentáveis por natureza. Ilustrativo dessa postura é o teor do conteúdo do “3º Manifesto Arte Contra a Barbárie”, redigido por um dos integrantes do movimento, o dramaturgo Aimar Labaki (2000): O povo acredita na Indústria Cultural. Acredita que essa indústria pode suprir suas necessidades estéticas e espirituais. Mesmo porque ele já não consegue distinguir entre Arte e Entretenimento (...) A culpa é de um governo que privatizou os poucos recursos púbicos da nossa área. A culpa é de uma mídia pouco instrumentalizada para compreender os meandros da batalha em curso entre produtores culturais e os burocratas investidos de livrar o Estado de seus deveres constitucionais (...) privatizar o dinheiro púbico da Cultura significa inviabilizar qualquer Arte que não seja passível de se transformar em Mercadoria (LABAKI, 2000, p.1-2). Com efeito, o teor ressentido de que se reveste a declaração é fruto da posição que o dramaturgo ocupa no campo da produção cultural no país – um agente inserido na lógica do campo de produção restrita, encrave esse tradicionalmente desprovido de uma política cultural mais específica e carente de recursos que viabilizem suas produções. Não se pode negar que a preponderância de uma política orientada pelas leis de estímulo fiscal acabou por beneficiar majoritariamente os nomes consagrados do circuito artístico-cultural nacional, vinculados a grandes eventos e espetáculos inscritos no circuito da grande produção, restringindo assim o acirrou a partir de fevereiro de 2003, quando o ator e diretor Miguel Falabella (“símbolo de uma corrente tipicamente comercial”) assumiu o cargo de gestor da Rede Municipal de Teatros e levou adiante a política definida pelo prefeito César Maia de “mais Broadway e menos off-Broadway”. A favor de uma política que incentivasse o entretenimento, essa orientação levada a cabo por Falabella não deixou de causar polêmica entre artistas e produtores devotados ao exercício de um teatro experimental, fazendo suscitar a controvérsia que ronda o funcionamento das leis de incentivo à cultura. O teor dos depoimentos de diferentes correntes é ilustrativo dessa polêmica e marca o diapasão da correlação de forças que se estabelece entre Estado e mercado a partir da lógica de estímulos fiscais. Vejamos. Defendendo sua posição Falabella declara que: “Durante muitos anos favoreceu-se o teatro experimental, que não atende aos anseios da população. As pessoas não são obrigadas a entender a genialidade de quem se acha gênio (...) O povo quer entretenimento”. Na outra ponta, defensor do espaço para um teatro mais autoral, o dramaturgo Aimar Labaki, integrante do movimento “Arte contra a Barbárie”, considera que “os musicais que imitam a produção americana não são um mal em si, mas com o lucro que dão não precisam das leis de incentivo e nem dos espaços públicos”. 98

que subjaz a essas contestações e manifestos diz respeito à consolidação de uma política que<br />

alimenta a privatização <strong>do</strong>s parcos recursos disponíveis para a cultura – já que tem por<br />

princípio conceder ao “merca<strong>do</strong>” a responsabilidade de decidir sobre o destino <strong>do</strong> dinheiro<br />

público – e que estimula, prioritariamente, produções inscritas no circuito da grande<br />

produção, logo, auto-sustentáveis por <strong>na</strong>tureza. Ilustrativo dessa postura é o teor <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> “3º Manifesto Arte Contra a Barbárie”, redigi<strong>do</strong> por um <strong>do</strong>s integrantes <strong>do</strong> movimento, o<br />

dramaturgo Aimar Labaki (2000):<br />

O povo acredita <strong>na</strong> Indústria Cultural. Acredita que essa indústria pode<br />

suprir suas necessidades estéticas e espirituais. Mesmo porque ele já não<br />

consegue distinguir entre Arte e Entretenimento (...) A culpa é de um<br />

governo que privatizou os poucos recursos púbicos da nossa área. A culpa é<br />

de uma mídia pouco instrumentalizada para compreender os meandros da<br />

batalha em curso entre produtores culturais e os burocratas investi<strong>do</strong>s de<br />

livrar o Esta<strong>do</strong> de seus deveres constitucio<strong>na</strong>is (...) privatizar o dinheiro<br />

púbico da Cultura significa inviabilizar qualquer Arte que não seja passível<br />

de se transformar em Merca<strong>do</strong>ria (LABAKI, 2000, p.1-2).<br />

Com efeito, o teor ressenti<strong>do</strong> de que se reveste a declaração é fruto da posição que o<br />

dramaturgo ocupa no campo da produção <strong>cultural</strong> no país – um agente inseri<strong>do</strong> <strong>na</strong> lógica <strong>do</strong><br />

campo de produção restrita, encrave esse tradicio<strong>na</strong>lmente desprovi<strong>do</strong> de uma política <strong>cultural</strong><br />

mais específica e carente de recursos que viabilizem suas produções. Não se pode negar que a<br />

preponderância de uma política orientada pelas leis de estímulo fiscal acabou por beneficiar<br />

majoritariamente os nomes consagra<strong>do</strong>s <strong>do</strong> circuito artístico-<strong>cultural</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, vincula<strong>do</strong>s a<br />

grandes eventos e espetáculos inscritos no circuito da grande produção, restringin<strong>do</strong> assim o<br />

acirrou a partir de fevereiro de 2003, quan<strong>do</strong> o ator e diretor Miguel Falabella (“símbolo de uma corrente<br />

tipicamente comercial”) assumiu o cargo de gestor da Rede Municipal de Teatros e levou adiante a política<br />

definida pelo prefeito César Maia de “mais Broadway e menos off-Broadway”. A favor de uma política que<br />

incentivasse o entretenimento, essa orientação levada a cabo por Falabella não deixou de causar polêmica entre<br />

artistas e produtores devota<strong>do</strong>s ao exercício de um teatro experimental, fazen<strong>do</strong> suscitar a controvérsia que ronda<br />

o funcio<strong>na</strong>mento das leis de incentivo à cultura. O teor <strong>do</strong>s depoimentos de diferentes correntes é ilustrativo<br />

dessa polêmica e marca o diapasão da correlação de forças que se estabelece entre Esta<strong>do</strong> e merca<strong>do</strong> a partir da<br />

lógica de estímulos fiscais. Vejamos. Defenden<strong>do</strong> sua posição Falabella declara que: “Durante muitos anos<br />

favoreceu-se o teatro experimental, que não atende aos anseios da população. As pessoas não são obrigadas a<br />

entender a genialidade de quem se acha gênio (...) O povo quer entretenimento”. Na outra ponta, defensor <strong>do</strong><br />

espaço para um teatro mais autoral, o dramaturgo Aimar Labaki, integrante <strong>do</strong> movimento “Arte contra a<br />

Barbárie”, considera que “os musicais que imitam a produção america<strong>na</strong> não são um mal em si, mas com o lucro<br />

que dão não precisam das leis de incentivo e nem <strong>do</strong>s espaços públicos”.<br />

98

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!