Política cultural na Bahia: o caso do Fazcultura - Universidade ...

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15.04.2013 Views

cultural. Quem elucida o teor aparentemente ambíguo dos princípios que orientaram o documento da Política Nacional de Cultura é Gabriel Cohn (1984). Diz assim o autor: O tema geral desse documento (...) é bem representativo de uma posturaliberal conservadora às voltas com as exigências contraditórias da espontaneidade e da intervenção estatal, da modernização e da conservação, do desenvolvimento como meta e da preservação da cultura dos seus efeitos, da difusão dos resultados e da ênfase na participação criativa (COHN, 1984, p.92-93). Assim, ocorre uma rotação no argumento que primordialmente norteava os documentos anteriores. A temática da segurança nacional perde relevo para uma agenda que agora se impunha: a do desenvolvimento social, onde a cultura ganha lugar de destaque. Ao lado das políticas tradicionais de preservação do patrimônio artístico e histórico nacional, doravante ganham ênfase, nas diretrizes propostas pelo governo, ações de cunho mais instrumental tais como o incentivo à produção e a dinamização dos circuitos de distribuição e consumo de bens culturais. Porém, como observa Ortiz (2003), essa aparente ambigüidade entre duas concepções de cultura distintas (uma essencialista e outra instrumental) não implica em exclusão. O Estado continuará manipulando a categoria da identidade nacional, sendo um dos formuladores fundamentais na elaboração do ‘Ser nacional’. No entanto, isto se dará em um novo quadro de racionalização da sociedade, fato que leva o autor a concluir que: “não existem dois discursos governamentais sobre a cultura (...), mas um único que rearranja e reinterpreta as peças relativas à sociedade brasileira” (ORTIZ, 2003, p.124). No rastro do otimismo econômico gerado pelo “milagre”, o mercado cultural ganha ânimo e novos empreendimentos culturais são incentivados, seja pela presença atuante e sistemática do Estado, regulando e organizando as práticas no campo cultural, seja pela injeção de investimentos por parte da portentosa indústria cultural que vinha se consolidando como importante agente no cenário cultural brasileiro. A nova intelectualidade que compunha a máquina administrativa do Estado, de teor tecnocrata e empresarial, imputava um novo estilo de gestão – sobretudo para as atividades vinculadas aos meios de comunicação de massa, como o cinema –, agora mais ‘moderno’ e antenado à lógica de mercado 3 . Desse 3 As políticas implementadas pelo Instituto Nacional do Cinema, durante o governo Castello Branco e posteriormente pela Embrafiilme são exemplares da ideologia “moderna” – pautada no discurso alinhado às 79

modo, os aspectos relativos à difusão e consumo de bens culturais assumem a prioridade na política cultural do Estado e assim é acionada uma ideologia da democratização. É o que nos confirma Ortiz : O Estado seria democrático na medida em que procuraria incentivar os canais de distribuição dos bens culturais produzidos. O mercado, enquanto espaço social onde se realizam as trocas e o consumo, torna-se o local por excelência, no qual se exerceriam as aspirações democráticas(ORTIZ, 2003, p.116). Garantir um maior acesso aos bens culturais e potencializar a dimensão da rentabilidade da atividade cultural passavam a ser os objetivos da política cultural do governo. Compreendida dessa forma ela se tornou uma campanha levada adiante pelos executivos dos órgãos culturais: convencer as pastas mais influentes do governo de que a cultura poderia ser também “um bom negócio” – como que a prenunciar os fundamentos ideológicos do futuro ministro da cultura Francisco Weffort (1994-2002). Desse modo, a questão do financiamento à política de difusão cultural se impõe para o governo. Interessante notar que desde então as políticas de cultura e de turismo são integradas com o propósito de capitalizar os investimentos realizados na área cultural. Ilustrativo dessa tendência é a vinculação das atividades de preservação patrimonial ao setor turístico com fins de exploração comercial 4 . perspectivas de desenvolvimento econômico em voga no país – que orientava as ações desses órgãos. Voltadas para o desenvolvimento da indústria cinematográfica, essas políticas foram sendo executadas tendo como principal objetivo estimular a produção de filmes nacionais e garantir um mercado de exibição. Emblemático desse processo são algumas medidas implementadas pelo governo para atingirem tal fim, como é o caso da instituição do ingresso padronizado e do borderô que garantiam um maior controle do mercado de exibição como também geravam dividendos que voltavam aos cofres do Estado sendo destinados ao financiamento da produção cinematográfica nacional. Medidas desse caráter contribuíram para um crescimento considerável da produção de longas-metragens. Se no período de 1957-1966 a média girava em volta de 32 filmes anuais, entre os anos 67 e 69 o número de filmes realizados por ano chega a 50. O cinema então é entendido pelo governo como uma indústria, como um produto de consumo de forma que a ideologia que sustenta a intervenção estatal no setor “se volta para justificação de um cinema de entretenimento, voltado para o ‘interesse do público’, isto é, adequado ao mercado consumidor”(Ortiz, 2003, p.111). 4 O Programa Integrado de Reconstrução de Cidades Históricas (PCH) talvez tenha sido uma das políticas mais emblemáticas da interseção que o regime militar promoveu entre as áreas de cultura e turismo. Buscando compatibilizar as políticas de preservação ao modelo de desenvolvimento vigente na época, o programa tinha por objetivo restaurar sítios e monumentos históricos que servissem ao turismo, buscando assim potencializar o retorno econômico-financeiro fruto dessa atividade. Em última instância, o propósito desse programa era demonstrar que a relação entre valor econômico e valor cultural não era incompatível. Embasado nessa concepção, o PCH foi criado em 1973, envolvendo uma estrutura interministerial(Ministérios da Educação e Cultura, do Planejamento, da Indústria e Comércio e do Interior). Inicialmente atendia a nove estados do Norte e Nordeste, tendo sido estendido posteriormente também ao Sudeste. O programa ganhou relevância principalmente pelo volume de recursos que conseguiu angariar voltado para a área patrimonial. Promovendo 80

<strong>cultural</strong>. Quem elucida o teor aparentemente ambíguo <strong>do</strong>s princípios que orientaram o<br />

<strong>do</strong>cumento da <strong>Política</strong> Nacio<strong>na</strong>l de Cultura é Gabriel Cohn (1984). Diz assim o autor:<br />

O tema geral desse <strong>do</strong>cumento (...) é bem representativo de uma posturaliberal<br />

conserva<strong>do</strong>ra às voltas com as exigências contraditórias da<br />

espontaneidade e da intervenção estatal, da modernização e da conservação,<br />

<strong>do</strong> desenvolvimento como meta e da preservação da cultura <strong>do</strong>s seus<br />

efeitos, da difusão <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s e da ênfase <strong>na</strong> participação criativa<br />

(COHN, 1984, p.92-93).<br />

Assim, ocorre uma rotação no argumento que primordialmente norteava os <strong>do</strong>cumentos<br />

anteriores. A temática da segurança <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l perde relevo para uma agenda que agora se<br />

impunha: a <strong>do</strong> desenvolvimento social, onde a cultura ganha lugar de destaque. Ao la<strong>do</strong> das<br />

políticas tradicio<strong>na</strong>is de preservação <strong>do</strong> patrimônio artístico e histórico <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, <strong>do</strong>ravante<br />

ganham ênfase, <strong>na</strong>s diretrizes propostas pelo governo, ações de cunho mais instrumental tais<br />

como o incentivo à produção e a di<strong>na</strong>mização <strong>do</strong>s circuitos de distribuição e consumo de bens<br />

culturais. Porém, como observa Ortiz (2003), essa aparente ambigüidade entre duas<br />

concepções de cultura distintas (uma essencialista e outra instrumental) não implica em<br />

exclusão. O Esta<strong>do</strong> continuará manipulan<strong>do</strong> a categoria da identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, sen<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s<br />

formula<strong>do</strong>res fundamentais <strong>na</strong> elaboração <strong>do</strong> ‘Ser <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l’. No entanto, isto se dará em um<br />

novo quadro de racio<strong>na</strong>lização da sociedade, fato que leva o autor a concluir que: “não<br />

existem <strong>do</strong>is discursos gover<strong>na</strong>mentais sobre a cultura (...), mas um único que rearranja e<br />

reinterpreta as peças relativas à sociedade brasileira” (ORTIZ, 2003, p.124).<br />

No rastro <strong>do</strong> otimismo econômico gera<strong>do</strong> pelo “milagre”, o merca<strong>do</strong> <strong>cultural</strong> ganha<br />

ânimo e novos empreendimentos culturais são incentiva<strong>do</strong>s, seja pela presença atuante e<br />

sistemática <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, regulan<strong>do</strong> e organizan<strong>do</strong> as práticas no campo <strong>cultural</strong>, seja pela<br />

injeção de investimentos por parte da portentosa indústria <strong>cultural</strong> que vinha se consolidan<strong>do</strong><br />

como importante agente no cenário <strong>cultural</strong> brasileiro. A nova intelectualidade que compunha<br />

a máqui<strong>na</strong> administrativa <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, de teor tecnocrata e empresarial, imputava um novo<br />

estilo de gestão – sobretu<strong>do</strong> para as atividades vinculadas aos meios de comunicação de<br />

massa, como o cinema –, agora mais ‘moderno’ e ante<strong>na</strong><strong>do</strong> à lógica de merca<strong>do</strong> 3 . Desse<br />

3 As políticas implementadas pelo Instituto Nacio<strong>na</strong>l <strong>do</strong> Cinema, durante o governo Castello Branco e<br />

posteriormente pela Embrafiilme são exemplares da ideologia “moder<strong>na</strong>” – pautada no discurso alinha<strong>do</strong> às<br />

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