Política cultural na Bahia: o caso do Fazcultura - Universidade ...

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15.04.2013 Views

movimento do campo artístico em direção a sua autonomização: a deflagração de um mercado de bens simbólicos. Neste sentido, para Bourdieu, a formação de um mercado específico, movido pelo jogo que se conforma em torno dos capitais que lhes são próprios (o capital simbólico, cultural e os capitais específicos), passa a ser um elemento revelador da dinâmica da constituição de um campo social específico. Quem ressalta essa tese do sociólogo francês é sua comentadora, Alicia Gutierrez: “El surgimiento del mercado especifico señala el surgimiento del campo específico, com sus posiciones y sus relaciones entre posiciones. Podría decirse entonces que al mayor desarrollo del mercado propio, mayor autonomía del campo respecto a los demás” (GUTIERREZ, 1994, p.42). Sendo assim, o sentido das obras produzidas bem como as práticas dos seus produtores, os artistas, estão diretamente implicados por esta complexa rede de relações que se estabelece entre os diferentes agentes que compõem o sistema de produção e circulação das obras. É nessa dinâmica, então, que se estabelece o processo de autonomização do campo intelectual e artístico, marcado por certa peculiaridade que lhe distingue, a saber: um campo que tem por atividade a prática artística – caracterizada sobretudo pelo seu valor ontológico, calcado na criação livre e “desinteressada”, irredutível às necessidades “vulgares” da economia –, vê-se constrangido na sua constituição justamente ao surgimento de um mercado de arte. Paradoxalmente, será a formação de um mercado específico de bens simbólicos que possibilitará a irredutibilidade da obra de arte ao estatuto de mercadoria, e, por conseqüência, o surgimento de uma teoria pura da arte. Nas próprias palavras do autor, No momento em se constitui um mercado da obra de arte, os escritores e artistas têm a possibilidade de afirmar – por via de um paradoxo aparente – ao mesmo tempo, em suas práticas e nas representações que possuem de sua prática, a irredutibilidade da obra de arte ao estatuto de simples mercadoria, e também, a singularidade da condição intelectual e artística. (...) Tudo leva a crer que a constituição da obra de arte como mercadoria e a aparição, devido aos progressos da divisão do trabalho, de uma categoria de produtores de bens simbólicos especificamente destinados ao mercado, propiciaram condições favoráveis a uma teoria pura da arte - da arte enquanto tal -, instaurando uma dissociabilidade entre a arte como simples mercadoria e arte como pura significação (BOURDIEU, 2001, p.103). 35

Esse paradoxo que marca a especificidade do campo artístico pode ser constatado na constituição e na dinâmica do sistema de produção cultural, representado pela oposição e pela complementaridade que se estabelece entre o campo de produção restrita e o campo da grande produção. Esses dois campos que, segundo o autor, possuem lógicas de funcionamento distintas, “só podem ser complementariamente definidos através de suas relações” (BOURDIEU, 2001, p.139). É neste antagonismo que se instaura os dois princípios norteadores do grau de autonomia de determinado sistema de produção cultural, a saber: o princípio de autonomia (a arte pela arte) e o princípio de heteronomia – autonomia relativa (práticas culturais subsumidas ao volume do público ou às leis de mercado), representados respectivamente pelos campos da produção restrita e da grande produção. Neste sentido, o grau de autonomia irá variar de acordo com o maior ou menor gradiente de subordinação entre os princípios de hierarquização externa e hierarquização interna, ou seja, entre os índices de consagração externos ou internos a determinado campo. A título de exemplificação, no campo da grande produção, o que irá prevalecer será o princípio de hierarquização externa, medido, por exemplo, pelo sucesso comercial da obra. Constata-se, então, um maior grau de dependência desse campo aos indicadores externos, derivantes da dinâmica de funcionamento de outros campos, como o da economia ou o da política, por exemplo. Diferentemente do sistema da indústria cultural, a estrutura e o funcionamento do campo de produção restrita serão definidos com base no poder que dispõe de produzir suas próprias regras de produção e critérios de avaliação de seus produtos, referendados pelo reconhecimento de seus pares. Portanto, a referencialidade da obra e do artista bem como sua possível consagração estão condicionadas, aqui, à legitimidade conferida entre os “iguais”, sendo desconsiderada a lógica que norteia os princípios mercadológicos da grande produção. Desse modo, o grau de autonomia de um campo da produção restrita será medido pela maior ou menor capacidade que terá de regular-se pelos seus próprios princípios de legitimidade cultural e de ser refratário aos princípios de divisão externos como a diferenciação econômica, social ou política. Assim, índices como o “sucesso de público”, essencial para o campo da grande produção, constitui-se em uma espécie de “ameaça” à pretensão do campo da produção erudita em monopolizar seus princípios de consagração cultural. Esclarecendo ainda a assertiva, Bourdieu acrescenta que: “O grau de autonomia de 36

movimento <strong>do</strong> campo artístico em direção a sua autonomização: a deflagração de um merca<strong>do</strong><br />

de bens simbólicos.<br />

Neste senti<strong>do</strong>, para Bourdieu, a formação de um merca<strong>do</strong> específico, movi<strong>do</strong> pelo jogo<br />

que se conforma em torno <strong>do</strong>s capitais que lhes são próprios (o capital simbólico, <strong>cultural</strong> e os<br />

capitais específicos), passa a ser um elemento revela<strong>do</strong>r da dinâmica da constituição de um<br />

campo social específico. Quem ressalta essa tese <strong>do</strong> sociólogo francês é sua comenta<strong>do</strong>ra,<br />

Alicia Gutierrez: “El surgimiento del merca<strong>do</strong> especifico señala el surgimiento del campo<br />

específico, com sus posiciones y sus relaciones entre posiciones. Podría decirse entonces que<br />

al mayor desarrollo del merca<strong>do</strong> propio, mayor autonomía del campo respecto a los demás”<br />

(GUTIERREZ, 1994, p.42). Sen<strong>do</strong> assim, o senti<strong>do</strong> das obras produzidas bem como as<br />

práticas <strong>do</strong>s seus produtores, os artistas, estão diretamente implica<strong>do</strong>s por esta complexa rede<br />

de relações que se estabelece entre os diferentes agentes que compõem o sistema de produção<br />

e circulação das obras.<br />

É nessa dinâmica, então, que se estabelece o processo de autonomização <strong>do</strong> campo<br />

intelectual e artístico, marca<strong>do</strong> por certa peculiaridade que lhe distingue, a saber: um campo<br />

que tem por atividade a prática artística – caracterizada sobretu<strong>do</strong> pelo seu valor ontológico,<br />

calca<strong>do</strong> <strong>na</strong> criação livre e “desinteressada”, irredutível às necessidades “vulgares” da<br />

economia –, vê-se constrangi<strong>do</strong> <strong>na</strong> sua constituição justamente ao surgimento de um merca<strong>do</strong><br />

de arte. Para<strong>do</strong>xalmente, será a formação de um merca<strong>do</strong> específico de bens simbólicos que<br />

possibilitará a irredutibilidade da obra de arte ao estatuto de merca<strong>do</strong>ria, e, por conseqüência,<br />

o surgimento de uma teoria pura da arte. Nas próprias palavras <strong>do</strong> autor,<br />

No momento em se constitui um merca<strong>do</strong> da obra de arte, os escritores e<br />

artistas têm a possibilidade de afirmar – por via de um para<strong>do</strong>xo aparente –<br />

ao mesmo tempo, em suas práticas e <strong>na</strong>s representações que possuem de sua<br />

prática, a irredutibilidade da obra de arte ao estatuto de simples merca<strong>do</strong>ria,<br />

e também, a singularidade da condição intelectual e artística. (...) Tu<strong>do</strong> leva<br />

a crer que a constituição da obra de arte como merca<strong>do</strong>ria e a aparição,<br />

devi<strong>do</strong> aos progressos da divisão <strong>do</strong> trabalho, de uma categoria de<br />

produtores de bens simbólicos especificamente desti<strong>na</strong><strong>do</strong>s ao merca<strong>do</strong>,<br />

propiciaram condições favoráveis a uma teoria pura da arte - da arte<br />

enquanto tal -, instauran<strong>do</strong> uma dissociabilidade entre a arte como simples<br />

merca<strong>do</strong>ria e arte como pura significação (BOURDIEU, 2001, p.103).<br />

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