Política cultural na Bahia: o caso do Fazcultura - Universidade ...

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15.04.2013 Views

acúmulo de poder dos especialistas culturais, denotando assim a desestabilização de certas categorias hierárquicas que marcaram o projeto civilizador da modernidade. Neste sentido, a dicotomia estanque que outrora marcou a distinção entre alta-cultura e cultura de ganha outros matizes em consonância com esse feixe de mudanças que se processam no seio da esfera cultural. A interconexão, cada vez mais imbricada, entre economia e cultura aponta para as transformações ocorridas nas interdependências entre os agentes que conformam a esfera cultural e revelam, em última instância, as mudanças de equilíbrio na balança de poder daí decorrentes. A partir da segunda década do século XX, quando a lógica da produção artística passa a estar subordinada, sobretudo, aos meios de comunicação de massa e à racionalidade das indústrias culturais, presencia-se profundas mudanças no interior das práticas intelectuais o que faz originar uma espécie de desmonopolização de establishments até então responsáveis pelo controle da oferta de bens culturais (FEATHERSTONE, 1996). Nesse sentido, a entrada de grupos pertencentes a outros campos sociais e portadores de práticas diferenciadas (como as elites econômicas, por exemplo) afetou significativamente o encadeamento das interdependências entre os agentes de modo a reconfigurar os princípios de organização da esfera cultural – hierarquicamente constituídos durante seu processo de autonomização social – e, conseqüentemente, os modos de oferta e consumo de bens culturais. O setor econômico passou a reconhecer a cultura como uma área estratégica de investimento, fato que estreitou laços entre campos aparentemente opositivos: arte e capital, estética e lucros financeiros, o “sagrado” e o “profano”. As hierarquias culturais, desse modo, foram sendo desestabilizadas pelo poder de novos agentes intermediários – como a mídia e os organismos financeiros, por exemplo –que, paulatinamente, foram introduzindo uma nova lógica de funcionamento no campo cultural, alterando os modos de legitimação e consagração de tal forma que a sua autonomia passou a ser mais amplamente relativizada. Diante do ambiente da globalidade, o papel do Estado também sofre redefinições. Hoje parece ser mais pertinente entender sua função “como lugar de articulación de los gobiernos con las iniciativas empresariales y con las de otros sectores de la sociedad civil” (CANCLINI, 1999, p.189) e menos como agente protagonista e intervencionista nas diferentes esferas da vida – sejam elas econômicas ou sociais. 19

Analisar a reformulação dos papéis que cabem ao Estado em meio a reconfiguração do campo cultural na atualidade foi também um dos objetivos perseguidos nesse trabalho, tomando como parâmetro, evidentemente, a conformação da esfera cultural na experiência brasileira – e baiana mais especificamente – de modo a cotejar a atuação do Estado na promoção de políticas culturais neste contexto específico. Esse e os demais aspectos acima arrolados sobre as metamorfoses institucionais que vêm atingindo a esfera da cultura são tratados na segunda seção dessa dissertação a partir de uma revisão bibliográfica de autores já aqui referidos. O cenário descrito em relação à esfera cultural parece ser melhor visualizado em experiências de alguns países da Europa ocidental que de fato vivenciaram um processo de formação do campo cultural diferenciado no qual houve uma nítida separação entre as esferas da produção restrita e da grande produção. No Brasil, a formação de um mercado de bens simbólicos já traz, desde a sua origem, a semente da diluição das fronteiras entre público e privado como uma das suas principais características. Aqui, o processo de autonomização da esfera cultural se deu já com o forte estreitamento das relações entre Estado e as indústrias culturais, numa dinâmica sintonizada com o processo de modernização do país, forjando desse modo uma constituição bastante peculiar do campo cultural no Brasil (ORTIZ, 2001). Essa questão também estará contemplada na terceira seção, quando nos dedicamos ao entendimento das vicissitudes da relação entre Estado e cultura no Brasil, percurso que se fez necessário tendo em vista contemplar um dos objetivos desse trabalho: compreender os deslocamentos de poder entre os principais agentes (o governo, o setor empresarial e os especialistas culturais) que conformam o campo cultural brasileiro e que, por sua vez, conduziram ao modelo de gestão hoje em vigência no Brasil, qual seja: uma política cultural que tem como principal suporte as leis de incentivo à cultura. Com o intuito de apreender esse remanejamento, focalizamos os principais momentos históricos em que o poder público exerceu função-chave na gestão e organização do campo cultural – o estatismo populista de Getúlio Vargas, durante a década de 30 e o período da ditadura militar pós-64 – bem como analisamos o processo de redefinição das funções do Estado experimentado no último quartel do século passado, fenômeno esse que facultou um modelo de intervenção estatal no setor 20

acúmulo de poder <strong>do</strong>s especialistas culturais, denotan<strong>do</strong> assim a desestabilização de certas<br />

categorias hierárquicas que marcaram o projeto civiliza<strong>do</strong>r da modernidade. Neste senti<strong>do</strong>, a<br />

dicotomia estanque que outrora marcou a distinção entre alta-cultura e cultura de ganha outros<br />

matizes em consonância com esse feixe de mudanças que se processam no seio da esfera<br />

<strong>cultural</strong>.<br />

A interconexão, cada vez mais imbricada, entre economia e cultura aponta para as<br />

transformações ocorridas <strong>na</strong>s interdependências entre os agentes que conformam a esfera<br />

<strong>cultural</strong> e revelam, em última instância, as mudanças de equilíbrio <strong>na</strong> balança de poder daí<br />

decorrentes. A partir da segunda década <strong>do</strong> século XX, quan<strong>do</strong> a lógica da produção artística<br />

passa a estar subordi<strong>na</strong>da, sobretu<strong>do</strong>, aos meios de comunicação de massa e à racio<strong>na</strong>lidade<br />

das indústrias culturais, presencia-se profundas mudanças no interior das práticas intelectuais<br />

o que faz origi<strong>na</strong>r uma espécie de desmonopolização de establishments até então responsáveis<br />

pelo controle da oferta de bens culturais (FEATHERSTONE, 1996). Nesse senti<strong>do</strong>, a entrada<br />

de grupos pertencentes a outros campos sociais e porta<strong>do</strong>res de práticas diferenciadas (como<br />

as elites econômicas, por exemplo) afetou significativamente o encadeamento das<br />

interdependências entre os agentes de mo<strong>do</strong> a reconfigurar os princípios de organização da<br />

esfera <strong>cultural</strong> – hierarquicamente constituí<strong>do</strong>s durante seu processo de autonomização social<br />

– e, conseqüentemente, os mo<strong>do</strong>s de oferta e consumo de bens culturais.<br />

O setor econômico passou a reconhecer a cultura como uma área estratégica de<br />

investimento, fato que estreitou laços entre campos aparentemente opositivos: arte e capital,<br />

estética e lucros fi<strong>na</strong>nceiros, o “sagra<strong>do</strong>” e o “profano”. As hierarquias culturais, desse mo<strong>do</strong>,<br />

foram sen<strong>do</strong> desestabilizadas pelo poder de novos agentes intermediários – como a mídia e os<br />

organismos fi<strong>na</strong>nceiros, por exemplo –que, paulati<strong>na</strong>mente, foram introduzin<strong>do</strong> uma nova<br />

lógica de funcio<strong>na</strong>mento no campo <strong>cultural</strong>, alteran<strong>do</strong> os mo<strong>do</strong>s de legitimação e consagração<br />

de tal forma que a sua autonomia passou a ser mais amplamente relativizada.<br />

Diante <strong>do</strong> ambiente da globalidade, o papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> também sofre redefinições. Hoje<br />

parece ser mais pertinente entender sua função “como lugar de articulación de los gobiernos<br />

con las iniciativas empresariales y con las de otros sectores de la sociedad civil” (CANCLINI,<br />

1999, p.189) e menos como agente protagonista e intervencionista <strong>na</strong>s diferentes esferas da<br />

vida – sejam elas econômicas ou sociais.<br />

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