Política cultural na Bahia: o caso do Fazcultura - Universidade ...
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5.1.2 Quando o poder executivo se reveste do papel de ‘produtor cultural’ Os projetos encaminhados ao Fazcultura são alocados em sete grandes áreas, a saber: “Artesanato, Folclore e Tradição Popular”; “Música”; “Artes Cênicas”; “Literatura”, “Arquivo, Biblioteca, Museu, Bens Móveis e Imóveis”; “Artes Gráficas, Plásticas e Fotografia” e “Cinema e Vídeo”. Cabe ainda observar que parte dos recursos são também reservados a projetos de “interesse direto do próprio Estado”, como assim definiu o secretário executivo do Fazcultura em entrevista concedida à pesquisadora, constituindo-se em uma modalidade cunhada de “Poder Público”. Cabe assinalar que essa área nem mesmo consta no regulamento do programa e não são definidos critérios claros sobre a natureza desses projetos, deixando-se antever aí uma classificação de matizes muito pouco esclarecedoras. A menção que se faz a essa modalidade encontra-se apenas registrada em decretos anuais que versam sobre a cota de renúncia destinada ao programa para cada exercício fiscal. Nesses documentos, o governador do Estado estabelece um percentual de recursos que deve ser reservado a “projetos de interesse do poder público”. Para o exercício de 2004, por exemplo, a cota de renúncia fiscal ficou estipulada em R$ 13 milhões, sendo que R$ 3 milhões, ou 23% dos recursos, foram reservados ao incentivo de propostas classificados como de interesse direto do governo. Analisando a relação dos projetos patrocinados no ano de 2002, e mais especificamente aqueles relacionados sob a rubrica de “Poder Público”, foi possível observar que se incluem nessa modalidade específica projetos de diferentes linguagens tais como artes cênicas, festas juninas, espetáculos de música, manutenção de equipamentos culturais etc. O mais curioso a observar é a possibilidade que se abre para que o próprio poder executivo assuma o papel de produtor cultural, por assim dizer, ao se constituir como proponente de projetos passíveis de concorrer aos incentivos fiscais do Fazcultura. De acordo com Durand (1997), as leis, em geral, acatam a possibilidade de o próprio governo se beneficiar do incentivo criado por ele mesmo. No entanto, o autor chama a atenção para a possível conseqüência de os governos transferirem para os incentivos suas despesas correntes com seus eventos e com a manutenção de suas entidades culturais. Nesse sentido, os incentivos fiscais podem também servir como fonte de capitalização do próprio Estado, como possível saída para a crise fiscal que vem se abatendo sobre grande parte dos governos. 179
Enquadrando-se nessa modalidade, órgãos executivos da Secretaria da Cultura e Turismo, prefeituras, entre outras entidades que compõem a esfera governamental podem lançar-se no mercado em busca de patrocínio para a realização de seus projetos, lançando mão do atrativo do mecanismo das leis de incentivo fiscal. Algumas das propostas classificadas pelo Fazcultura como “Poder Público” são idealizadas ou estão sob a coordenação do próprio executivo, seja através de órgãos vinculados à própria estrutura administrativa da Secretaria da Cultura e Turismo, seja através de prefeituras municipais. Um caso exemplar dessa especificidade da lei é o projeto “Caminhada Axé”. Voltado para a valorização de tradições populares da Bahia, esse evento vem sendo promovido há treze anos pela própria Fundação Cultural do Estado (Funceb) – órgão que compõe o staff administrativo da Secretaria da Cultura e Turismo. Se antes do Fazcultura a caminhada era realizada basicamente com recursos oriundos diretamente do cofre púbico, hoje é um projeto que se beneficia dos incentivos da lei estadual de renúncia fiscal e é patrocinado também com recursos privados – nesse caso específico de uma empresa de telefonia celular, que apoiou o projeto por dois anos consecutivos (2002 e 2003). Projetos que tradicionalmente são fomentadas com fundos diretos do próprio Estado, como é o caso da manutenção física e recuperação do patrimônio histórico e artístico, também são apoiados com recursos incentivados – situação esclarecedora da tendência que vimos apontando nesse trabalho, qual seja: a desregulamentação das funções do Estado ao dividir a responsabilidade de prover recursos para o fomento à produção cultural com a iniciativa privada. E o que é mais sugestivo: nessa lógica, é o setor empresarial quem patrocina as iniciativas do próprio poder público. A racionalidade que orienta essa prática acaba por gerar um paradoxo: de agente regulador, o executivo passa a ser beneficiário direto do mecanismo criado sob seus próprios auspícios. Suzana Varjão (2000b), refletindo sobre essa idiossincrasia da lei na ocasião do debate proposto pelo jornal A Tarde sobre o desempenho do Fazcultura, conclui que “os recursos do Estado (leia-se dos contribuintes) que o Legislativo determinou que deveriam retornar à comunidade estão sendo interceptados (e mal aplicados) pelo executivo”. Não nos cabe aqui uma análise valorativa sobre a destinação desses recursos por parte do poder executivo, como assim se posicionou a jornalista. No entanto, o mais heurístico é observar a irrupção de um fenômeno, decorrente desta peculiaridade da lei, qual seja: a ambigüidade no escopo de atuação do Estado. Ao tempo em que promove a desregulamentação de sua função 180
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5.1.2 Quan<strong>do</strong> o poder executivo se reveste <strong>do</strong> papel de ‘produtor <strong>cultural</strong>’<br />
Os projetos encaminha<strong>do</strong>s ao <strong>Fazcultura</strong> são aloca<strong>do</strong>s em sete grandes áreas, a saber:<br />
“Artesa<strong>na</strong>to, Folclore e Tradição Popular”; “Música”; “Artes Cênicas”; “Literatura”,<br />
“Arquivo, Biblioteca, Museu, Bens Móveis e Imóveis”; “Artes Gráficas, Plásticas e<br />
Fotografia” e “Cinema e Vídeo”. Cabe ainda observar que parte <strong>do</strong>s recursos são também<br />
reserva<strong>do</strong>s a projetos de “interesse direto <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong>”, como assim definiu o secretário<br />
executivo <strong>do</strong> <strong>Fazcultura</strong> em entrevista concedida à pesquisa<strong>do</strong>ra, constituin<strong>do</strong>-se em uma<br />
modalidade cunhada de “Poder Público”. Cabe assi<strong>na</strong>lar que essa área nem mesmo consta no<br />
regulamento <strong>do</strong> programa e não são defini<strong>do</strong>s critérios claros sobre a <strong>na</strong>tureza desses projetos,<br />
deixan<strong>do</strong>-se antever aí uma classificação de matizes muito pouco esclarece<strong>do</strong>ras. A menção<br />
que se faz a essa modalidade encontra-se ape<strong>na</strong>s registrada em decretos anuais que versam<br />
sobre a cota de renúncia desti<strong>na</strong>da ao programa para cada exercício fiscal. Nesses<br />
<strong>do</strong>cumentos, o gover<strong>na</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> estabelece um percentual de recursos que deve ser<br />
reserva<strong>do</strong> a “projetos de interesse <strong>do</strong> poder público”. Para o exercício de 2004, por exemplo,<br />
a cota de renúncia fiscal ficou estipulada em R$ 13 milhões, sen<strong>do</strong> que R$ 3 milhões, ou 23%<br />
<strong>do</strong>s recursos, foram reserva<strong>do</strong>s ao incentivo de propostas classifica<strong>do</strong>s como de interesse<br />
direto <strong>do</strong> governo.<br />
A<strong>na</strong>lisan<strong>do</strong> a relação <strong>do</strong>s projetos patroci<strong>na</strong><strong>do</strong>s no ano de 2002, e mais especificamente<br />
aqueles relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s sob a rubrica de “Poder Público”, foi possível observar que se incluem<br />
nessa modalidade específica projetos de diferentes linguagens tais como artes cênicas, festas<br />
juni<strong>na</strong>s, espetáculos de música, manutenção de equipamentos culturais etc. O mais curioso a<br />
observar é a possibilidade que se abre para que o próprio poder executivo assuma o papel de<br />
produtor <strong>cultural</strong>, por assim dizer, ao se constituir como proponente de projetos passíveis de<br />
concorrer aos incentivos fiscais <strong>do</strong> <strong>Fazcultura</strong>. De acor<strong>do</strong> com Durand (1997), as leis, em<br />
geral, acatam a possibilidade de o próprio governo se beneficiar <strong>do</strong> incentivo cria<strong>do</strong> por ele<br />
mesmo. No entanto, o autor chama a atenção para a possível conseqüência de os governos<br />
transferirem para os incentivos suas despesas correntes com seus eventos e com a manutenção<br />
de suas entidades culturais. Nesse senti<strong>do</strong>, os incentivos fiscais podem também servir como<br />
fonte de capitalização <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong>, como possível saída para a crise fiscal que vem se<br />
abaten<strong>do</strong> sobre grande parte <strong>do</strong>s governos.<br />
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