Política cultural na Bahia: o caso do Fazcultura - Universidade ...

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15.04.2013 Views

governamental”, refletindo o alinhamento aos pressupostos da agenda internacional do desenvolvimento, apontados acima: 151 A cultura é que dá identidade e sentido à vida de um povo, formando simbólica e materialmente, as características que o diferenciam de outros povos, de outros agentes, de outras nações. A cultura está, portanto, intimamente ligada ao exercício da cidadania. Isso leva, necessariamente, ao reconhecimento da diversidade, ou seja: ao reconhecimento da existência do diferente no outro. Significa, amplamente, que os processos culturais refletem a realidade de seu tempo e dos contextos em que são produzidos, constituindo-se, ao mesmo tempo, base e reflexo do processo de desenvolvimento global de um povo. A atividade cultural permeia tudo: turismo, educação, economia, o meio ambiente. É, portanto, importante agente para o desenvolvimento econômico e social de um povo (...) O enfoque da política de desenvolvimento deve considerar, por conseguinte, o setor cultural como um sistema que requer uma ação específica do Estado como base ou marco referencial, com interface com todos os demais setores da atividade humana (BAHIA, 2003c, p.7). Terá a política cultural do Estado da Bahia conseguido extrapolar a dimensão meramente discursiva para converter seus projetos e intenções em ações efetivas, englobadas nessa concepção mais abrangente de desenvolvimento? Ou ela teria se consubstanciado em modelos mais tradicionais de intervenção pública, voltados para tarefas mais clássicas – louváveis, não se pode negar –, como o fomento de atividades artísticas, sejam elas referendadas pelos slogans de cultura de elite ou popular, porém que escapa aos pressupostos preconizados pelas agências internacionais, que reivindicam uma concepção lato de cultura e desenvolvimento, logo uma outra estratégia de intervenção pública? Por ora, ainda não nos cabe responder a tais questionamentos. Voltemos, portanto, à analise da concepção de cultura presente nos programas de ação e reveladas nas práticas acionadas pelo poder público local na gestão das suas políticas culturais. Na esteira da ênfase conferida pelas grandes agências internacionais à dimensão da cultura nos processos de desenvolvimento, um outro elemento se mostra bastante presente no projeto político oficial. Trata-se da intenção do governo estadual em impulsionar a atividade cultural rumo à sua auto-sustentabilidade, ou seja, a cultura passa a ser entendida como um “fato econômico”, constituindo-se numa atividade capaz de gerar dividendos, “enquanto importante vetor na geração de trabalho, emprego e renda” (GAUDENZI, 2000a, p.15). Podemos supor que, colocada dessa forma, essa relevância responde, à significativa

influência que hoje alguns mecanismos institucionais, inerentes à sociedade de consumidores(as indústrias do lúdico, sobremodo), exercem na condição social contemporânea. Ressaltar a expressividade econômica da atividade cultural, talvez seja, hoje, uma das bases de sustentação mais evidentes para as justificativas oficias dos governos ao investir o erário público em atividades mais voltadas ao “engrandecimento do espírito” e que não têm apelo direto às necessidades mais essenciais da população como educação, saúde, previdência social etc. Ao examinar a tendência em escala global do crescente afastamento do Estado na intervenção da economia, e mais expressivamente ainda na esfera artístico-cultural, Michel Nicolau (2003, p.2), chama a atenção para essa tendência: “é necessário agora, para qualquer governo ao investir na cultura justificar de modo prático e, se possível, estatístico, a razão pela qual a cultura deve receber recursos públicos.” Não é à toa que hoje os números e estatísticas que envolvem a economia da cultura passaram a ser tão alardeados e se tornaram uma rica fonte de convencimento para aqueles mais resistentes e céticos em relação à premência de estímulo à cultura – considerada uma atividade de natureza predominantemente “desinteressada”. Aqui, a inquietação shakespeariana 19 acerca dessa espécie de imposição à necessidade da cultura perde terreno. Pois mesmo que se ressalte os benefícios sociais que a atividade cultural pode gerar, não restam dúvidas de que são as cifras vigorosas que movimentam o mercado cultural (seja no que se refere aos números de empregos gerados, seja em torno da movimentação financeira decorrente de sua produção, circulação e consumo) o grande trunfo dos governos para justificar os gastos públicos nessa área. A notável produtividade do setor cultural na contemporaneidade constitui-se numa espécie de esteio que ampara e dá suporte à tendência atual de os Estados conduzirem um modelo de gestão que tem como premissa o afastamento gradual de sua intervenção nessa área e a constante ênfase de um discurso que comemora a auto-sustentabilidade da cultura – uma área cada vez mais produtiva e menos “desinteressada”. Apesar de o Ministério da Cultura ser a pasta contemplada com o menor orçamento da Federação – irrisórios 0,26% dos R$ 400 bilhões do orçamento total da União (HERNANDES, 2003; MERCADANTE, 2003) 19 “Não fale em necessidade! Reduza a natureza às necessidades naturais e o homem não passa de um animal. Entende que precisamos de algo mais para continuar vivendo? – Shakespeare – Rei Lear, século XVIII”. (COELHO, 1999, p.14). 152

influência que hoje alguns mecanismos institucio<strong>na</strong>is, inerentes à sociedade de<br />

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Ressaltar a expressividade econômica da atividade <strong>cultural</strong>, talvez seja, hoje, uma das<br />

bases de sustentação mais evidentes para as justificativas oficias <strong>do</strong>s governos ao investir o<br />

erário público em atividades mais voltadas ao “engrandecimento <strong>do</strong> espírito” e que não têm<br />

apelo direto às necessidades mais essenciais da população como educação, saúde, previdência<br />

social etc. Ao exami<strong>na</strong>r a tendência em escala global <strong>do</strong> crescente afastamento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>na</strong><br />

intervenção da economia, e mais expressivamente ainda <strong>na</strong> esfera artístico-<strong>cultural</strong>, Michel<br />

Nicolau (2003, p.2), chama a atenção para essa tendência: “é necessário agora, para qualquer<br />

governo ao investir <strong>na</strong> cultura justificar de mo<strong>do</strong> prático e, se possível, estatístico, a razão<br />

pela qual a cultura deve receber recursos públicos.” Não é à toa que hoje os números e<br />

estatísticas que envolvem a economia da cultura passaram a ser tão alardea<strong>do</strong>s e se tor<strong>na</strong>ram<br />

uma rica fonte de convencimento para aqueles mais resistentes e céticos em relação à<br />

premência de estímulo à cultura – considerada uma atividade de <strong>na</strong>tureza pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntemente<br />

“desinteressada”. Aqui, a inquietação shakespearia<strong>na</strong> 19 acerca dessa espécie de imposição à<br />

necessidade da cultura perde terreno. Pois mesmo que se ressalte os benefícios sociais que a<br />

atividade <strong>cultural</strong> pode gerar, não restam dúvidas de que são as cifras vigorosas que<br />

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em torno da movimentação fi<strong>na</strong>nceira decorrente de sua produção, circulação e consumo) o<br />

grande trunfo <strong>do</strong>s governos para justificar os gastos públicos nessa área.<br />

A notável produtividade <strong>do</strong> setor <strong>cultural</strong> <strong>na</strong> contemporaneidade constitui-se numa<br />

espécie de esteio que ampara e dá suporte à tendência atual de os Esta<strong>do</strong>s conduzirem um<br />

modelo de gestão que tem como premissa o afastamento gradual de sua intervenção nessa<br />

área e a constante ênfase de um discurso que comemora a auto-sustentabilidade da cultura –<br />

uma área cada vez mais produtiva e menos “desinteressada”. Apesar de o Ministério da<br />

Cultura ser a pasta contemplada com o menor orçamento da Federação – irrisórios 0,26% <strong>do</strong>s<br />

R$ 400 bilhões <strong>do</strong> orçamento total da União (HERNANDES, 2003; MERCADANTE, 2003)<br />

19 “Não fale em necessidade! Reduza a <strong>na</strong>tureza às necessidades <strong>na</strong>turais e o homem não passa de um animal.<br />

Entende que precisamos de algo mais para continuar viven<strong>do</strong>? – Shakespeare – Rei Lear, século XVIII”.<br />

(COELHO, 1999, p.14).<br />

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