Política cultural na Bahia: o caso do Fazcultura - Universidade ...

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Em interessante documento oficial, intitulado “Subsídios à fundamentação da proposta de junção Cultura e Turismo no projeto de criação da secretaria” (BAHIA, 1995, p.1), formulado como espécie de contra-argumento frente a uma possível reação negativa ao projeto de criação da Secretaria, são suscitados os aspectos controversos do casamento entre os dois setores, bem como as justificativas para sua união. Reconhecendo que a idéia de unir cultura e turismo provoca, historicamente, estranhamento na opinião pública, proveniente sobremodo das elites intelectuais e artísticas, no referido documento são elaboradas injunções teóricas que especulam sobre os “aspectos polêmicos” que gravitam em torno de tal fusão institucional, por assim dizer. Justificando que o receio da comunidade artística e intelectual pauta-se em alguns “preconceitos” em torno da (in)compreensão da “natureza das especificidades setoriais”, a classe dirigente da recém- criada secretaria tece seu argumento numa dialética em que reconhece os potencias “riscos” e “temores” dessa junção, ao tempo em que contra-argumenta a favor da fusão cultura-turismo, pautando-se principalmente num discurso que busca a autonomia e respeito à peculiaridade de cada setor. O documento é dividido em dois momentos. Na primeira parte, são aventados os “aspectos polêmicos” e levantada a “síntese de fatores e das conseqüências desfavoráveis” do amálgama cultura-turismo, chegando-se à conclusão de que o “preconceito” que ronda a possível junção está pautado numa concepção de cultura entendida como “processo de criação, de vivência e de manifestação de valores, gerando bens ou produtos, tangíveis, dentro de uma estrutura de significando e de significados” e o turismo concebido como “atividade econômica, imediatista, de natureza competitiva, que visa primordialmente o lucro pela exploração de seus bens e serviços”. Portanto, como sugere o documento, essas áreas se constituem como searas que possuem inteligibilidades próprias e divergentes entre si. Nesse sentido, chega-se à conclusão de que, sob essa perspectiva, cultura e turismo seriam inconciliáveis por possuírem racionalidades e dinâmicas diferenciadas, correndo-se o risco de nesse processo a cultura ser considerada como mera matéria-prima do turismo, numa dinâmica em que o aspecto econômico se sobrepõe ao cultural, provocando, por conseqüência, a folclorização e a massificação da cultura (BAHIA, 1995). 145

Como saída para esse dilema, por assim dizer, o discurso de justificativa para a consolidação da fusão entre os dois segmentos num único organismo é urdido de forma a responder aos pontos inconciliáveis para tal enlace. Sendo assim, o “desafio” que a Secretaria se propõe a realizar é sustentado sobretudo numa narrativa que ressalta a “autonomia e o respeito mútuo às especificidades” de cada setor. Vale a pena reproduzir um trecho do referido documento quando se refere ao “desafio” a ser enfrentado na realização de tal empreitada: 146 Promover condições de desenvolvimento mútuo, respeitando a natureza das suas especificidades setoriais de forma que: a) A CULTURA tenha no TURISMO um suporte e ampliação, facilitação e fortalecimento de mecanismos que favoreçam os processos de DIFUSÃO CULTURAL, em seus aspectos básicos de promoção/circulação/intercâmbio em bases que possam reforçar as suas estruturas e incentivar o meio cultural, respeitando a autonomia de seus processos de criação/produção, cuidando-se de salvaguardar a própria identidade cultural da Bahia. b) O TURISMO possa interagir em conformidade com a CULTURA, legitimando-se enquanto um importante e promissor agente de promoção e difusão e ter respaldo necessário nos aspectos de interesse mútuo, sem a perda de sua autonomia. (BAHIA, 1995, p.1) O que se pode depreender após a leitura desse documento é uma certa preocupação com o conceito de cultura que embasa a iniciativa de criação da nova secretaria, deixando-se entrever aí o empenho do discurso oficial em sustentar uma posição que expressa o “respeito” à especificidade do campo cultural e à liberdade dos seus processos de criação. Cabe apontar que não deixa de latejar aí um certo teor sacralizante que tradicionalmente ronda o conceito de cultura. Como contraponto, o turismo é referendado em sua “natureza administrativa e dimensão empresarial”, concebido como um “potente instrumento” de promoção e difusão, que “abre oportunidades de mercado para a cultura” (REIBER, 1997, p.7) 18 . Assim, num jogo dialético de construção de narrativas de justificação, a racionalidade específica da atividade turística, ou seja, aquela sua dimensão mais “ameaçadora”, de propósitos de teor 18 Eulâmpia Santana Reiber é, atualmente, Diretora Executiva do Museu Rodin Bahia. Compõe o quadro da elite dirigente da Secretaria de Cultura e Turismo desde sua criação, sendo uma das responsáveis pelas formulações das políticas do órgão. Concedeu essa entrevista à pesquisadora em 1997, publicada na Revista Pré-textos para Discussão (1997, n.2, p.7-10), número no qual o tema Cultura e Turismo era pauta principal daquela edição.

Como saída para esse dilema, por assim dizer, o discurso de justificativa para a<br />

consolidação da fusão entre os <strong>do</strong>is segmentos num único organismo é urdi<strong>do</strong> de forma a<br />

responder aos pontos inconciliáveis para tal enlace. Sen<strong>do</strong> assim, o “desafio” que a Secretaria<br />

se propõe a realizar é sustenta<strong>do</strong> sobretu<strong>do</strong> numa <strong>na</strong>rrativa que ressalta a “autonomia e o<br />

respeito mútuo às especificidades” de cada setor. Vale a pe<strong>na</strong> reproduzir um trecho <strong>do</strong><br />

referi<strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento quan<strong>do</strong> se refere ao “desafio” a ser enfrenta<strong>do</strong> <strong>na</strong> realização de tal<br />

empreitada:<br />

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Promover condições de desenvolvimento mútuo, respeitan<strong>do</strong> a <strong>na</strong>tureza das<br />

suas especificidades setoriais de forma que:<br />

a) A CULTURA tenha no TURISMO um suporte e ampliação,<br />

facilitação e fortalecimento de mecanismos que favoreçam os processos de<br />

DIFUSÃO CULTURAL, em seus aspectos básicos de<br />

promoção/circulação/intercâmbio em bases que possam reforçar as suas<br />

estruturas e incentivar o meio <strong>cultural</strong>, respeitan<strong>do</strong> a autonomia de seus<br />

processos de criação/produção, cuidan<strong>do</strong>-se de salvaguardar a própria<br />

identidade <strong>cultural</strong> da <strong>Bahia</strong>.<br />

b) O TURISMO possa interagir em conformidade com a CULTURA,<br />

legitiman<strong>do</strong>-se enquanto um importante e promissor agente de promoção e<br />

difusão e ter respal<strong>do</strong> necessário nos aspectos de interesse mútuo, sem a<br />

perda de sua autonomia. (BAHIA, 1995, p.1)<br />

O que se pode depreender após a leitura desse <strong>do</strong>cumento é uma certa preocupação com<br />

o conceito de cultura que embasa a iniciativa de criação da nova secretaria, deixan<strong>do</strong>-se<br />

entrever aí o empenho <strong>do</strong> discurso oficial em sustentar uma posição que expressa o “respeito”<br />

à especificidade <strong>do</strong> campo <strong>cultural</strong> e à liberdade <strong>do</strong>s seus processos de criação. Cabe apontar<br />

que não deixa de latejar aí um certo teor sacralizante que tradicio<strong>na</strong>lmente ronda o conceito de<br />

cultura. Como contraponto, o turismo é referenda<strong>do</strong> em sua “<strong>na</strong>tureza administrativa e<br />

dimensão empresarial”, concebi<strong>do</strong> como um “potente instrumento” de promoção e difusão,<br />

que “abre oportunidades de merca<strong>do</strong> para a cultura” (REIBER, 1997, p.7) 18 . Assim, num jogo<br />

dialético de construção de <strong>na</strong>rrativas de justificação, a racio<strong>na</strong>lidade específica da atividade<br />

turística, ou seja, aquela sua dimensão mais “ameaça<strong>do</strong>ra”, de propósitos de teor<br />

18 Eulâmpia Santa<strong>na</strong> Reiber é, atualmente, Diretora Executiva <strong>do</strong> Museu Rodin <strong>Bahia</strong>. Compõe o quadro da elite<br />

dirigente da Secretaria de Cultura e Turismo desde sua criação, sen<strong>do</strong> uma das responsáveis pelas formulações<br />

das políticas <strong>do</strong> órgão. Concedeu essa entrevista à pesquisa<strong>do</strong>ra em 1997, publicada <strong>na</strong> Revista Pré-textos para<br />

Discussão (1997, n.2, p.7-10), número no qual o tema Cultura e Turismo era pauta principal daquela edição.

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