Política cultural na Bahia: o caso do Fazcultura - Universidade ...

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15.04.2013 Views

fomento à criação e produção de obras de caráter mais experimental, não afeitas aos dotes mercantis característicos dos bens da indústria cultural. Esse panorama se acirrou ainda mais tendo em vista que os outros mecanismos que conformam a Lei Rouanet (o Fundo Nacional de Cultura e os FICART), previstos para atender àquelas produções que não se enquadrariam pelos requisitos do mercado, não foram devidamente operacionalizados e regulamentados, o que restringiu a diversificação das fontes de financiamento, tornando mais crítico o processo de utilização do incentivo fiscal como ação quase que exclusiva do governo federal para desenvolver a produção cultural brasileira. É necessário reconhecer ainda que ao fincar o eixo do desenvolvimento das ações para a área cultural nas leis de incentivo à cultura, o governo federal, entre outros desequilíbrios, acabou proporcionando uma política de concentração de recursos na região Sudeste do país, mais precisamente no eixo Rio-São Paulo. Segundo Olivieri (2002, p.85), no período de 1996 a 2000, 85% da verba total captada esteve concentrada na região Sudeste do país, enquanto que, por exemplo, à Região Norte coube apenas a irrisória taxa de 1% dos recursos captados pela Lei Rouanet. A implementação de uma política embasada prioritariamente em um único mecanismo de financiamento à cultura contribuiu consideravelmente para a concentração de investimentos nos grandes centros econômicos – já que é na região Sudeste que se concentra o mecenato empresarial de médio e grande porte (WEFFORT, 2001) –, excluindo uma vasta população de potenciais consumidores de cultura. Esse fato revela-se, por exemplo, no estado de patente “carência cultural” em que se encontra a grande maioria dos municípios brasileiros. É evidente que a conformação do cenário delineado a seguir não se deve unicamente aos rumos que as leis de incentivo imprimiram no panorama cultural brasileiro. O quadro revela uma questão muito mais complexa de ordem política e econômica, indicador de um longo processo histórico de desigualdade social alimentado pelos avanços e reveses do desenvolvimento econômico do país. Para a seara mais específica da intervenção pública na esfera cultural, a situação apontada pela pesquisa acende o debate em torno do fato já constatado por estudiosos e especialistas dedicados ao tema das políticas culturais, qual seja: a inexistência de um sistema nacional de cultura em que os papéis das diferentes instâncias de governos (federal, estadual e municipal) e dos diversos agentes estejam minimamente 99

definidos no interior da dinâmica das relações intergrupais que movimenta o circuito da produção, disseminação e consumo de bens simbólicos no país. Analisando a questão sob o ponto de vista do argumento sugerido nessa dissertação, o cenário evidencia os contornos da tendência cada vez mais notória e acirrada pelos mecanismos de incentivos fiscais à cultura, qual seja: a assimetria de forças entre os agentes que conformam a esfera cultural, configuração esta que aponta a gradativa retirada do poder público no circuito da produção cultural brasileira. Passemos então a um breve relato dos referidos dados: A partir da pesquisa elaborada pelo IBGE a respeito do perfil dos municípios brasileiros, o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) divulgou um texto intitulado “Equipamentos culturais de lazer nos municípios”, revelando informações não muito animadoras sobre o perfil de consumo cultural da população brasileira (Boletim Prometheus, 2004). Vejamos alguns dados: quatro em cada cinco municípios brasileiros possuem bibliotecas públicas, no entanto, 68,6% dispõem de somente uma e apenas 0,8% dos municípios tem mais de seis. Em relação à existência de museus apenas 17,5% dos municípios do país dispõem deste equipamento cultural, sendo que apenas 13,9% têm um único museu. O quadro se agrava ainda mais em relação aos teatros: 13,4% das cidades dispõem de teatros, sendo que 10,9% contam com apenas um espaço para as artes cênicas. A situação dos cinemas é igualmente desoladora. Menos de um município em cada dez (8,2%) contam com salas de cinemas e deste irrisório percentual 5,6% das cidades dispõem de uma única sala de exibição. O texto ainda revela um dado interessante que confirma a tendência de privatização do consumo cultural, cada vez mais uma atividade exercida no conforto dos lares brasileiros e menos realizada em equipamentos púbicos. A tentacular penetração da televisão no Brasil proporcionou o acirramento desta tendência. Ilustrativo desse processo é um dado revelado pelo texto aqui referido. O texto informa que 63,9% dos municípios brasileiros dispõem de locadoras de vídeo. Aliás, a conformação deste cenário já havia sido apontada desde o início da década de 80 por Sérgio Miceli (1984b) quando se dedicava à análise do perfil de atuação do Estado na área cultural durante a década de 70. Conjeturando sobre a postura “patrimonial” do poder público de subvencionar as atividades artístico-culturais que vêem perdendo público, e como conseqüência, a possibilidade de auto-sustentação, o autor apresenta como uma das 100

fomento à criação e produção de obras de caráter mais experimental, não afeitas aos <strong>do</strong>tes<br />

mercantis característicos <strong>do</strong>s bens da indústria <strong>cultural</strong>.<br />

Esse panorama se acirrou ainda mais ten<strong>do</strong> em vista que os outros mecanismos que<br />

conformam a Lei Rouanet (o Fun<strong>do</strong> Nacio<strong>na</strong>l de Cultura e os FICART), previstos para<br />

atender àquelas produções que não se enquadrariam pelos requisitos <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, não foram<br />

devidamente operacio<strong>na</strong>liza<strong>do</strong>s e regulamenta<strong>do</strong>s, o que restringiu a diversificação das fontes<br />

de fi<strong>na</strong>nciamento, tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong> mais crítico o processo de utilização <strong>do</strong> incentivo fiscal como<br />

ação quase que exclusiva <strong>do</strong> governo federal para desenvolver a produção <strong>cultural</strong> brasileira.<br />

É necessário reconhecer ainda que ao fincar o eixo <strong>do</strong> desenvolvimento das ações para<br />

a área <strong>cultural</strong> <strong>na</strong>s leis de incentivo à cultura, o governo federal, entre outros desequilíbrios,<br />

acabou proporcio<strong>na</strong>n<strong>do</strong> uma política de concentração de recursos <strong>na</strong> região Sudeste <strong>do</strong> país,<br />

mais precisamente no eixo Rio-São Paulo. Segun<strong>do</strong> Olivieri (2002, p.85), no perío<strong>do</strong> de 1996<br />

a 2000, 85% da verba total captada esteve concentrada <strong>na</strong> região Sudeste <strong>do</strong> país, enquanto<br />

que, por exemplo, à Região Norte coube ape<strong>na</strong>s a irrisória taxa de 1% <strong>do</strong>s recursos capta<strong>do</strong>s<br />

pela Lei Rouanet.<br />

A implementação de uma política embasada prioritariamente em um único mecanismo<br />

de fi<strong>na</strong>nciamento à cultura contribuiu consideravelmente para a concentração de<br />

investimentos nos grandes centros econômicos – já que é <strong>na</strong> região Sudeste que se concentra o<br />

mece<strong>na</strong>to empresarial de médio e grande porte (WEFFORT, 2001) –, excluin<strong>do</strong> uma vasta<br />

população de potenciais consumi<strong>do</strong>res de cultura. Esse fato revela-se, por exemplo, no esta<strong>do</strong><br />

de patente “carência <strong>cultural</strong>” em que se encontra a grande maioria <strong>do</strong>s municípios brasileiros.<br />

É evidente que a conformação <strong>do</strong> cenário delinea<strong>do</strong> a seguir não se deve unicamente aos<br />

rumos que as leis de incentivo imprimiram no panorama <strong>cultural</strong> brasileiro. O quadro revela<br />

uma questão muito mais complexa de ordem política e econômica, indica<strong>do</strong>r de um longo<br />

processo histórico de desigualdade social alimenta<strong>do</strong> pelos avanços e reveses <strong>do</strong><br />

desenvolvimento econômico <strong>do</strong> país. Para a seara mais específica da intervenção pública <strong>na</strong><br />

esfera <strong>cultural</strong>, a situação apontada pela pesquisa acende o debate em torno <strong>do</strong> fato já<br />

constata<strong>do</strong> por estudiosos e especialistas dedica<strong>do</strong>s ao tema das políticas culturais, qual seja: a<br />

inexistência de um sistema <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de cultura em que os papéis das diferentes instâncias de<br />

governos (federal, estadual e municipal) e <strong>do</strong>s diversos agentes estejam minimamente<br />

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