15.04.2013 Views

Lenda da Moura Encantada do Penedo do Fial

Lenda da Moura Encantada do Penedo do Fial

Lenda da Moura Encantada do Penedo do Fial

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

História de ficção<br />

Peça de Teatro<br />

JOSÉ MORAIS<br />

LENDA DA MOURA ENCANTADA<br />

Texto e ilustração de J. Morais<br />

Composição: Pedro Pimenta<br />

DO<br />

PENEDO DO FIAL


PERSONAGENS<br />

Mágico<br />

Britolá – mestre proeminente <strong>da</strong> magia<br />

Fa<strong>da</strong> Mor <strong>da</strong> Macedónia<br />

Grupo de Dança de Ballet<br />

Daniel – Pesca<strong>do</strong>r<br />

Telmo – Pesca<strong>do</strong>r<br />

Bento – Pesca<strong>do</strong>r<br />

Mareante 1<br />

Mareante 2<br />

Mareante 3<br />

Mareante A<br />

Mareante B<br />

Mareante C<br />

Mareante E<br />

Figa<strong>da</strong>l – Mareante (capitão)<br />

Mareante (qualquer homem de Figa<strong>da</strong>l - bêba<strong>do</strong>)<br />

Mareante invasor 1º<br />

Mareante invasor 2º<br />

Alibá (árabe - rapaz com cerca de 20 anos)<br />

Manolo (lavra<strong>do</strong>r)<br />

Sara (mulher <strong>do</strong> lavra<strong>do</strong>r)<br />

Menina de cerca de 9 anos (filha <strong>do</strong>s lavra<strong>do</strong>res)<br />

Mirita (avó <strong>do</strong> lavra<strong>do</strong>r)<br />

Princesa – <strong>Moura</strong> Encanta<strong>da</strong> <strong>do</strong> Pene<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Fial</strong><br />

Bruxa<br />

2


LENDA DA MOURA ENCANTADA DO PENEDO DO FIAL<br />

Pano de Boca fecha<strong>do</strong><br />

Mágico (aparecen<strong>do</strong> como se tivesse aterra<strong>do</strong>, diz): - Meninas e meninos, senhoras e<br />

senhores, não nos conhecemos como é óbvio, pelo que desde já me apresento.<br />

Senhoras e Senhores, meninas e meninos, estão na presença <strong>do</strong> maior mágico <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>. Outro como eu não houve em tempo algum.<br />

E sabem porque estou aqui junto de vós? Claro que não. Pois como poderiam saber,<br />

se eu próprio fui incumbi<strong>do</strong> desta missão, há escassas horas, e, lá tão longe, em terras <strong>da</strong><br />

Arábia !...<br />

Pois senhoras e senhores, o meu tempo é sempre muito limita<strong>do</strong>, isto para dizer que<br />

não posso deter-me em demasia<strong>do</strong>s preâmbulos porventura desnecessários. Ain<strong>da</strong> hoje,<br />

senhoras e senhores, terei de presidir ao congresso milenar <strong>do</strong>s magos de to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, a<br />

realizar na Macedónia.<br />

Não é pois o momento de invocar façanhas <strong>da</strong> minha milenar activi<strong>da</strong>de e muito<br />

menos pôr à vossa consideração a minha extraordinária árvore genealógica.<br />

Contu<strong>do</strong>, senhoras e senhores, é imperativo dizer-lhes que, graças aos meus recursos<br />

de mágico me desloco nos ventos sobre a terra e sobre o mar, <strong>do</strong> Norte ao Sul, ou, num ápice,<br />

<strong>da</strong>r uma volta ao Equa<strong>do</strong>r.<br />

Agora mesmo estou a chegar num voo sem escala lá <strong>da</strong> longínqua Babilónia.<br />

Sim, Sim!... Mas, perguntar-me-ão: - que fazes tu aqui, afinal?... Que temos nós a ver<br />

com tu<strong>do</strong> isso!?<br />

Ora, oiçam! Mas oiçam, com muita atenção...<br />

(Começa a ouvir-se um fun<strong>do</strong> musical <strong>da</strong>n<strong>do</strong> a ideia de sons ao vento.<br />

Abre o Pano de Boca<br />

Cenário: É noite. Pano de fun<strong>do</strong> representan<strong>do</strong> um castelo, montes e uma lua.<br />

3


O mágico sai <strong>da</strong> boca de cena e, vai sentar-se pomposamente numa poltrona coloca-<br />

<strong>da</strong> a meio <strong>do</strong> palco, devi<strong>da</strong>mente foca<strong>da</strong> por um projector vermelho.).<br />

Continua:<br />

Vinha eu sobrevoan<strong>do</strong> a Arábia, alta noite, descontraí<strong>do</strong>, feliz, como é meu costume,<br />

quan<strong>do</strong>, repentinamente, fui assedia<strong>do</strong> por uma fome intolerável. Oh! Que tortu-<br />

ra...Acreditem que até me veio a ideia ser capaz de comer uma avestruz inteira, imaginan<strong>do</strong>-a<br />

churrasca<strong>da</strong> num grande braseiro ou mesmo torna<strong>da</strong> canja numa enorme panela.<br />

Mas, senhoras e senhores, como se não bastasse o incómo<strong>do</strong> de semelhante fome,<br />

algo mais me inquietava profun<strong>da</strong>mente. É que eu sentia sobre os meus ombros uma podero-<br />

sa força, a empurrar-me violentamente para terra, impossível de contrariar.<br />

Sem olhar para trás, pois nem a isso me atrevia, pensava: - mas que é isto... Nunca tal<br />

me aconteceu!? Senhoras e senhores, meninas e meninos, eu, um Magico de tão alto gabarito,<br />

confesso com vergonha, que tive me<strong>do</strong>.<br />

4


E lá vinha eu por aí abaixo, perguntan<strong>do</strong> – me que coisa seria aquela. Onde iria ater-<br />

rar, e também como iria eu arranjar comer às três horas <strong>da</strong> madruga<strong>da</strong>. Sim – pensava: -, qual<br />

seria o taberneiro que, espreitan<strong>do</strong> a me<strong>do</strong> pelo postigo e deparan<strong>do</strong> com um mágico, tivesse<br />

coragem de lhe abrir as portas <strong>da</strong> sua taverna, àquelas horas.<br />

próprio!<br />

Fosse como fosse, o caso é que eu descia, quase em que<strong>da</strong> livre, sem ter mão e mim<br />

De repente vejo-me a passar à tangente por um velho castelo, envolto numa neblina,<br />

alcan<strong>do</strong>ra<strong>do</strong> no alto de uma serra, algures na Arábia.<br />

Ain<strong>da</strong> sujeito a uma veloci<strong>da</strong>de louca, a misteriosa força fez-me estancar de repente.<br />

Qual não foi o meu espanto quan<strong>do</strong> dei de caras com um respeitavel ancião, de barbas<br />

brancas, ali senta<strong>do</strong>. Confuso, foram precisos alguns instantes para me refazer e ver que, afi-<br />

5


nal, estava na presença de Britolá, o Mestre <strong>do</strong>s Mestres <strong>da</strong> magia, a maior sumi<strong>da</strong>de de<br />

to<strong>do</strong>s os tempos.<br />

(o mágico levanta-se aproxima-se <strong>da</strong> boca de cena e continua dizen<strong>do</strong> com ênfase): -<br />

- Fiquei furioso. Ain<strong>da</strong> sem fôlego, ia a dirigir-lhe a palavra. É claro que outra não<br />

poderia ser, senão, de revolta; mas, o velho sábio, de mão no ar, calmo e pachorrento, como<br />

se na<strong>da</strong> tivesse aconteci<strong>do</strong>, antecipou-se, dizen<strong>do</strong> com to<strong>do</strong> o desplante:<br />

- Estava aqui à tua espera.<br />

- Ora esta, mestre Britolá!... (disse-lhe): - eu, um mágico, de reconheci<strong>do</strong>s poderes,<br />

habitua<strong>do</strong> a enfrentar emoções de to<strong>da</strong> a espécie, capaz até de prever o futuro, ia agora fican-<br />

<strong>do</strong> gago com a sua parti<strong>da</strong>!... Bom: isto cá para nós, eu estava, era, deveras chatea<strong>do</strong> com a<br />

minha ignorância, e feri<strong>do</strong> na minha vai<strong>da</strong>de, eu que pensava saber tu<strong>do</strong>, quanto há para<br />

saber, na arte <strong>da</strong> magia. De qualquer mo<strong>do</strong>, ven<strong>do</strong> o velho, o meu desagra<strong>do</strong> e também a<br />

minha confusão, teceu para ali umas desculpas esfarrapa<strong>da</strong>s, e logo se apressou a convi<strong>da</strong>r-<br />

me para ir a sua casa.<br />

- Vem! (disse): - aí te servirão “uma lauta ceia”; se bem que não vim aqui para te <strong>da</strong>r<br />

de comer. (e continuou sem cerimónia alguma, dizen<strong>do</strong>): -<br />

Ouve, aluno meu! Não vim aqui para te matar a fome, mas sim para te contar uma his-<br />

tória. Exactamente: uma história. Não uma história qualquer, mas uma história admirável<br />

perdi<strong>da</strong> já na poeira <strong>do</strong>s tempos. Agora, que sinto chega<strong>do</strong> o fim <strong>do</strong>s meus dias, e vejo que és<br />

o meu sucessor, eis que se tornou imperativo <strong>da</strong>r-ta a conhecer para que tu mesmo lhe dês a<br />

conclusão que ela merece.<br />

- Francamente (disse-lhe eu com apreensão):- Oh Mestre, tu<strong>do</strong> isto por causa de uma<br />

história, mas que história é essa, assim tão extraordinária!?...<br />

- Sim! (disse Britólá, de olhar perdi<strong>do</strong> no infinito): - uma história de tal mo<strong>do</strong> impor-<br />

tante que se tornou coisa de consciência: e mais te digo: morreria infeliz se esta história não<br />

chegasse ao conhecimento de um certo povo, um povo que existe nesses confins <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,<br />

onde a terra acaba e o mar começa.<br />

6


- Ain<strong>da</strong> incomo<strong>da</strong><strong>do</strong> pela inespera<strong>da</strong> surpresa, mas agora também curioso, só me res-<br />

tava ouvir, com to<strong>da</strong> a atenção, tão misteriosa história!<br />

Partimos pois <strong>da</strong>li voan<strong>do</strong>, até que descemos e, uma vez ultrapassa<strong>do</strong>s os<br />

umbrais de uma vetusta mansão, logo surgiu na minha frente uma enorme mesa, cheia de<br />

iguarias.<br />

Uma mesa virtual? Não! Não era uma mesa virtual. É certo que tu<strong>do</strong> brilhava, como<br />

brilham os cristais, as pratas, os <strong>do</strong>ura<strong>do</strong>s e os espelhos, quan<strong>do</strong> toca<strong>do</strong>s pela luz de candela-<br />

bros, como era o caso; mas a ver<strong>da</strong>de é que aquela fome arrelia<strong>do</strong>ra, logo reclamou, um fran-<br />

go de churrasco – ain<strong>da</strong> fumegante – que estava a meio <strong>da</strong> mesa. É que a fome não se engana<br />

com miragens e artifícios: Fui-me logo a ele esfrangalhan<strong>do</strong> e comen<strong>do</strong> à unha. Devorei-o a<br />

pensar: - Como a fome é negra!.. Enquanto isso, na minha frente a taça enchia-se por si mes-<br />

ma; coisa banal – para mim, claro –. Mas, quanto ao precioso néctar, superava tu<strong>do</strong> quanto<br />

tinha saborea<strong>do</strong>, em qualquer parte <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Oh! Que rica “poma<strong>da</strong>”!<br />

Claro que, semelhante banquete, em breve silenciou a minha fome, e o especialíssimo<br />

néctar, pôs longas asas no meu espírito. Oh! Que bem ali me sentia, assim refastela<strong>do</strong>, nos<br />

avelu<strong>da</strong><strong>do</strong>s cadeirões!!!<br />

Bom. Ain<strong>da</strong> eu comia sofregamente, e o velho Britolá não cessava de insistir na<br />

necessi<strong>da</strong>de de me transmitir a sua história. Era bem notória a sua ansie<strong>da</strong>de; talvez, assim<br />

como quem tem pressa de libertar-se de um encargo, <strong>do</strong> qual pouco tempo de vi<strong>da</strong> tem, para<br />

o fazer. Mas, tu<strong>do</strong> passou e agora, senta<strong>do</strong>s em macios cadeirões, quedei-me para ouvir, aten-<br />

tamente, a tão misteriosa história.<br />

Britolá Expressava-se com acentua<strong>do</strong> ênfase e largos gestos, transfiguran<strong>do</strong>-se<br />

enquanto eu me sentia ca<strong>da</strong> vez mais empolga<strong>do</strong>.<br />

A <strong>da</strong><strong>do</strong> momento, o velho terminou, dizen<strong>do</strong> solene e muito pausa<strong>da</strong>mente:<br />

Aluno meu: Tu<strong>do</strong> isto que ouviste <strong>da</strong> minha boca, teve lugar, há muitos, muitos anos,<br />

lá longe, em terras <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>.<br />

7


<strong>Fial</strong> – continuou o velho – é um pequeno lugar, lá longe, muito longe, à beira mar.<br />

São hoje lugares totalmente diferentes <strong>da</strong> velhinha paisagem de outrora. Em tempos i<strong>do</strong>s, o<br />

mar formava ali, uma enorme baía, a que chamavam: Baía <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>!<br />

Hoje é uma grande extensão lagunar circun<strong>da</strong><strong>da</strong> de campos e matas verdejantes.<br />

Naquelas terras pastam hoje vacas leiteiras, nascem e crescem frutos de to<strong>da</strong> a espécie, há<br />

leite manteiga e queijo, há pão e vinho, tu<strong>do</strong> isso com grande abundância. A par disso per-<br />

dem-se de vista marinhas de sal branquejan<strong>do</strong> à luz <strong>do</strong> Sol<br />

perguntei!?<br />

Oh! Mestre, isso é uma maravilha! Disse eu: - e como que se deu tal transformação –<br />

Bom. Foi tu<strong>do</strong> obra <strong>da</strong> Natureza, mas é como se um milagre ali acontecesse, a avaliar<br />

pelos efeitos que, mais tarde, se vieram a verificar. Foi como se uma mão poderosa apontasse<br />

o seu de<strong>do</strong> ordenan<strong>do</strong> ao mar que se afastasse, e que ele próprio edificasse um cordão de<br />

areia entre duas águas para que uma planura imensa emergisse, viçosa e robusta, <strong>da</strong>s profun-<br />

di<strong>da</strong>des <strong>do</strong> mar.<br />

8


Oh Mestre – disse eu: conte lá, por favor, de uma vez por to<strong>da</strong>s, o que afinal aconte-<br />

ceu... Já não aguento mais esta curiosi<strong>da</strong>de!<br />

Tens razão – disse ele – Foi assim: - O mar, quase sempre tumultuoso, “construiu” ao<br />

longo de uns mil anos, um gigantesco cordão de areia, crian<strong>do</strong> assim outros limites de uma<br />

nova costa marítima. Por sua vez esse cordão interposto, entre o mar e a terra, deu origem a<br />

uma extensa planura com potenciali<strong>da</strong>des, como poucas há no mun<strong>do</strong>. Os rios de água <strong>do</strong>ce<br />

nasci<strong>do</strong>s lá nas montanhas, rios que, até ali, desaguavam directamente no mar imenso, passa-<br />

ram a serpentear, <strong>do</strong>cemente, as novas terras, matan<strong>do</strong> a sede a tu<strong>do</strong> que nelas florescesse. A<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong> altura, a fabulosa extensão passou a designar-se por, Terras de Aveiro.<br />

Que coisas extraordinárias me contas (disse eu)!...<br />

Pois é. (disse o velho mágico) – Mas, o que importa agora é que vás dizer àquela gen-<br />

te, de como foi interessante, a génese <strong>da</strong>s suas próprias terras.<br />

Só que, Senhoras e senhores, meninas e meninos, certamente contagia<strong>do</strong> pelos efeitos<br />

<strong>do</strong> precioso néctar, sentia-me, como direi, “ ausente” ain<strong>da</strong> que maravilha<strong>do</strong>. Já nem tinha a<br />

certeza, se era real o lugar em que me encontrava ou, ao fim e ao cabo, tu<strong>do</strong> aquilo era um<br />

sonho, e eu simplesmente voava sobre os céus <strong>da</strong> Arábia. Mas não. Tu<strong>do</strong> aquilo era pura rea-<br />

li<strong>da</strong>de e a confirmá-lo era a forte insistência <strong>do</strong> velho sábio “empurran<strong>do</strong>-me”, man<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-me<br />

embora, exigin<strong>do</strong>-me rapidez no cumprimento desta missão.<br />

Mostrei-me agradeci<strong>do</strong> e também feliz. Agora mais lúci<strong>do</strong>, acabo dizen<strong>do</strong> ao velho:<br />

sim, tenho de partir imediatamente, pois também eu sinto agora o dever de contar àquela gen-<br />

te, como fora bela a criação <strong>da</strong> sua terra e encanta<strong>do</strong>ra a antiquíssima baía <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>.<br />

Vai...vai. – disse Britolá- as minhas forças já não chegam para tanto, e sabes agora,<br />

qual a razão por que te esperava, ali senta<strong>do</strong>, nas ameias <strong>da</strong>quele castelo.<br />

Depois, ponderan<strong>do</strong> ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s suas palavras, tornou a responsabilizar-me por<br />

qualquer descui<strong>do</strong> ou insucesso <strong>da</strong> sua incumbência.<br />

Nota bem, aluno meu – disse: - esta é a minha última intervenção de mágico sobre a<br />

terra. Ouvis-te?...<br />

9


Mas os truques e as diligências <strong>do</strong> velho mágico ain<strong>da</strong> não tinham termina<strong>do</strong>. É que,<br />

sem que eu tivesse tempo de pronunciar uma só palavra, eis que se fez um grande clarão à<br />

nossa frente e, no centro, apareceu a figura <strong>da</strong> fa<strong>da</strong> mor <strong>da</strong> Macedónia! Devo desde já dizer-<br />

lhes, senhoras e senhores que, a fa<strong>da</strong> mor <strong>da</strong> Macedónia é a criatura mais bela, que já se viu<br />

na terra, ao longo de to<strong>do</strong>s os tempos!<br />

Pairava ain<strong>da</strong> no ar aquela visão, enquanto o velho me disse: - “Também ela vai estar<br />

contigo, em apraza<strong>do</strong> momento”<br />

Pois senhoras e senhores, meninos e meninas, o caso é que eu próprio fiquei sem<br />

saber qual o momento <strong>da</strong> sua chega<strong>da</strong>; mas que a Fa<strong>da</strong> <strong>da</strong> Macedónia vai aparecer, disso não<br />

tenho dúvi<strong>da</strong>!<br />

Mal acaba de falar, tocam clarins, e o mágico sobressalta<strong>do</strong> diz:<br />

Já!? É ela, com certeza. Só pode ser ela! (a música aumenta de volume, o mágico<br />

chega-se a boca de cena, e o pano fecha atrás de si. Trata-se de um breve momento para<br />

descer um pano de fun<strong>do</strong>: A Baía <strong>do</strong> Pene<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Fial</strong> (mar e orla costeira. Os clarins conti-<br />

nuam a tocar ao longe).<br />

(continua): Senhoras e Senhores, meninas e meninos, irão deliciar-se com o que vão<br />

ver. Eis que chega a fa<strong>da</strong> mor <strong>da</strong> Macedónia, sem dúvi<strong>da</strong> rodea<strong>da</strong>, como sempre, <strong>do</strong> seu<br />

séquito imperial.<br />

10


Oiço o rumor <strong>da</strong> sua passagem irrompen<strong>do</strong> <strong>da</strong>s nuvens, vejo-a agora sobrevoan<strong>do</strong> as<br />

árvores. Senhoras e senhores, meninas e meninos, eis que chega a fa<strong>da</strong> mais lin<strong>da</strong> de to<strong>do</strong>s os<br />

tempos; a fa<strong>da</strong> mor <strong>da</strong> Macedónia! (abre o pano).<br />

(Vê-se a fa<strong>da</strong> à janela de um coche muito brilhante, várias fa<strong>da</strong>s atrás e outras a saí-<br />

rem de vários pontos <strong>da</strong> cena. As fa<strong>da</strong>s colocam-se em semi circulo e executam uma <strong>da</strong>nça<br />

de balet. A <strong>da</strong><strong>do</strong> momento perfilam-se <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s <strong>do</strong> coche).<br />

O mágico dirige-se para o coche, abre a porta aju<strong>da</strong>n<strong>do</strong> a fa<strong>da</strong>, beija-lhe a mão, e<br />

assim se vão chegan<strong>do</strong> para a boca de cena –<br />

Fa<strong>da</strong>: - (Afavelmente) Senhoras e senhores, meninas e meninos, como já sabem, eu<br />

sou a fa<strong>da</strong> mor <strong>da</strong> Macedónia.<br />

11


Tal como Britolá falou a este jovem (estende a mão para o mágico) -, também a mim<br />

me chamou para vos contarmos uma história passa<strong>da</strong> em tempos imemoráveis, tão remotos<br />

que, o solo em que habitais, jazia no leito <strong>do</strong> vosso mar.<br />

Eu própria sou de eras passa<strong>da</strong>s e estou aqui a pedi<strong>do</strong> de Britolá, visto que, segun<strong>do</strong><br />

as suas palavras, a importância <strong>da</strong> bela história <strong>da</strong> <strong>Moura</strong> Encanta<strong>da</strong> <strong>do</strong> Pene<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>,<br />

exige a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> minha presença.<br />

Aqui estamos, pois. É uma história que tem o seu início em balbúrdias por demais<br />

ordinárias de obscuros marinheiros que, atraí<strong>do</strong>s pela beleza <strong>da</strong> Baía, tendiam a frequentá-la<br />

por longos perío<strong>do</strong>s. Eram eles bandi<strong>do</strong>s maltrapilhos que saqueavam e matavam a seu belo<br />

prazer, fazen<strong>do</strong> com que, os habitantes fugissem lá para bem longe <strong>do</strong> mar.<br />

Agora mesmo, senhoras e senhores, meninas e meninos, está por aí, escondi<strong>do</strong>, na<br />

baía, um desses malditos navios. Eles esperam atacar e destruir um mareante assassino de<br />

nome Figa<strong>da</strong>l, o mais temível corsário de to<strong>do</strong>s os mares. Ora, o navio destes bandi<strong>do</strong>s, aqui<br />

escondi<strong>do</strong>s, seria apenas mais um entre outros; mas este barco é para nós de suma importân-<br />

cia. Senhoras e senhores, meninos e meninas, neste barco, está preso um pobre rapaz, de<br />

nome Alibá, e Alibá é, exactamente, o grande herói <strong>da</strong> nossa história, E eu, Fa<strong>da</strong> Mor <strong>da</strong><br />

Macedónia, estou aqui para o aju<strong>da</strong>r e proteger. Senhoras e senhores, meninas e meninos,<br />

este pobre rapaz, foi trazi<strong>do</strong> pelo destino, a estes lugares, para libertar uma infeliz princesa,<br />

também ela rapta<strong>da</strong> por uma bruxa maldita transforman<strong>do</strong>-a numa <strong>da</strong>s pedras <strong>do</strong> Pene<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>Fial</strong>. Porém, senhoras e senhores, o pobre rapaz nem sonha qual a missão que lhe cabe nesta<br />

história <strong>da</strong> <strong>Moura</strong> Encanta<strong>da</strong> <strong>do</strong> Pene<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>.<br />

Ora, senhoras e senhores, meninas e meninos, vamos ver como as coisas se passaram<br />

(As fa<strong>da</strong>s <strong>da</strong>nçam de novo sain<strong>do</strong> <strong>do</strong> palco, empurram o coche também para fora de<br />

cena, e o mágico dá o braço à fa<strong>da</strong> mor. Vão caminhan<strong>do</strong> enquanto o pano vai fechan<strong>do</strong> len-<br />

tamente).<br />

12


te:<br />

Iº. ACTO<br />

(cenário: matagal e uma baía. (música diferente)<br />

Dois mareantes maltrapilhos atravessam a cena alvoraça<strong>do</strong>s, dizen<strong>do</strong> alterna<strong>da</strong>men-<br />

- Lá vem o gajo... lá vem o gajo!<br />

Mareante 1: - É pá, finalmente. Há já três semanas que esperamos este filho <strong>da</strong> mãe,<br />

mas aí está ele.<br />

Mareante 2: - Desta vez é certo e sabi<strong>do</strong> que vamos limpar o sebo ao grande Figa<strong>da</strong>l.<br />

Estou-lhe cá com uma gana...<br />

Mareante 1: - Toca a correr; vamos avisar os nossos (e saem a correr. O mágico e a<br />

fa<strong>da</strong> aparecem um de ca<strong>da</strong> la<strong>do</strong> <strong>da</strong> boca de cena).<br />

13


Fa<strong>da</strong> (segre<strong>da</strong>n<strong>do</strong> para o público):- Senhoras e senhores, estes são <strong>do</strong>is <strong>do</strong>s bandi<strong>do</strong>s<br />

ocultos aqui na baía que em breve atacarão o temível Figa<strong>da</strong>l.<br />

São apenas <strong>do</strong>is <strong>do</strong>s bandi<strong>do</strong>s que têm Alibá preso a ferros no seu navio. Mas, afinal,<br />

quem é, e o que aconteceu na vi<strong>da</strong> a este pobre Alibá?<br />

Trata-se de um príncipe que fora rapta<strong>do</strong> em criança <strong>do</strong>s jardins <strong>do</strong> seu palácio, em<br />

terras <strong>da</strong> Arábia e que fora vendi<strong>do</strong> e compra<strong>do</strong>, como escravo, pelas sete parti<strong>da</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Teve pois um destino cruel e, este momento, mais não é que uma passagem <strong>da</strong> sua tumultuo-<br />

sa caminha<strong>da</strong>. Porém, agora, está próxima a sua redenção.<br />

Mágico: - Portanto, senhoras e senhores, estes mareantes na<strong>da</strong> têm a ver com o resga-<br />

te <strong>da</strong> infeliz princesa nem com a missão salva<strong>do</strong>ra Alibá. Eles esperam, isso sim, tomar, de<br />

assalto, o navio <strong>do</strong> temível aventureiro de alcunha de O Figa<strong>da</strong>l, e destruir, se possível a<br />

famosa criatura.<br />

Fa<strong>da</strong>: – Senhoras e Senhores, a beleza impar <strong>da</strong> antiquíssima Baía <strong>do</strong> <strong>Fial</strong> e igual-<br />

mente o gozo <strong>da</strong> sua praia, de mo<strong>do</strong> algum era pertença <strong>do</strong>s povos ribeirinhos desta área, mas<br />

sim desses malditos mareantes. A reentrância de mar azul, calmo e límpi<strong>do</strong>, orla<strong>da</strong> de mato e<br />

denso arbore<strong>do</strong>, era permanentemente conspurca<strong>da</strong> pela presença destes sabujos marinheiros.<br />

(Tem lugar neste espaço um apontamento de luz e som. Sons de harpa, grasnar de<br />

gaivotas, marulhar <strong>da</strong>s águas, etc. Tu<strong>do</strong> isso processa<strong>do</strong> numa cadência lenta sustenta<strong>da</strong><br />

pelas palavras <strong>do</strong> Mágico):<br />

Mágico: – À parte nuvens e borrascas que, naturalmente, sopram <strong>do</strong> mar nos inver-<br />

nos, nela se produziam os mais esplen<strong>do</strong>rosos espectáculos <strong>do</strong> entardecer.<br />

A baia revestia-se de mil cores, desde vivos amarelos até à sua fusão em vermelhões<br />

colossais, ten<strong>do</strong> por centro uma enorme bola de fogo. Beleza essa chispan<strong>do</strong> nas águas salti-<br />

14


tantes <strong>do</strong> oceano, até que tu<strong>do</strong> a<strong>do</strong>rmecia na escuridão <strong>da</strong> noite. Assim era, assim foi, dia a<br />

dia, por milhares e milhares de anos. (mu<strong>da</strong>nça na música: algumas notas dissonantes)<br />

Fa<strong>da</strong>: – Mas, senhoras e senhores, meninas e meninos, só muito poucos se arriscavam<br />

por esses montes sem esquadrinhar, minuciosamente, a linha <strong>do</strong> horizonte. Uma eventual<br />

luzinha na noite, ou uma pequena silhueta à luz <strong>do</strong> dia eram sinais evidentes dessa temível<br />

“pirataria”. Contu<strong>do</strong>, sempre havia um ou outro aventureiro que, viesse aqui, ain<strong>da</strong> que por<br />

uns momentos, lançar as suas redes.<br />

Britolá.:<br />

entre cena)<br />

Mágico: – Voltemos pois à história, e vejamos o que por aqui se passava, segun<strong>do</strong><br />

(ouve-se um certo rumor de pessoas a falar. O mágico e a fa<strong>da</strong> escutam e olham para<br />

(continua: – (falan<strong>do</strong> para o público) Oiçam!... são pesca<strong>do</strong>res! Pesca<strong>do</strong>res <strong>da</strong>quele<br />

tempo, claro. (volta a olhar e diz):<br />

Exactamente, Vêm aí três pesca<strong>do</strong>res!... Escon<strong>da</strong>mo-nos. (saem).<br />

(Vozes ca<strong>da</strong> vez mais perto).<br />

Entra em cena um pesca<strong>do</strong>r trazen<strong>do</strong> uma pequena rede sobre o ombro. Pousa a rede<br />

e, desconfia<strong>do</strong>, olha para to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s principalmente para o mar com a mão sobre os<br />

olhos<br />

o horizonte.<br />

Ouve-se o movimento <strong>da</strong>s on<strong>da</strong>s e, o pesca<strong>do</strong>r, continua a ajeitar a rede e a observar<br />

Daniel (é o nome <strong>do</strong> pesca<strong>do</strong>r, falan<strong>do</strong> para entre cena): - Eh! Rapazes; podemos<br />

avançar. Vão lá e pesquem muito. Estejam descansa<strong>do</strong>s. Eu cá fico de atalaia; boa pesca.<br />

Vozes a curta distância (entre cena): – Certo. olho vivo ãh!?... Até mais logo.<br />

Começa a ouvir-se uma música de fun<strong>do</strong>, muito suave, música esta que vai <strong>da</strong>r com<br />

uma cantiga grava<strong>da</strong> ou canta<strong>da</strong> em coro nos basti<strong>do</strong>res:<br />

15


Cantiga: - Espreita ao longe ó pesca<strong>do</strong>r<br />

Não te fiques distraí<strong>do</strong><br />

Pois que <strong>da</strong> bruma <strong>do</strong> mar<br />

Vem de repente um bandi<strong>do</strong><br />

Lin<strong>do</strong>, lin<strong>do</strong> és ó mar<br />

O mar <strong>da</strong> nossa baía<br />

Quem me dera lá morar<br />

Sempre, sempre noite e dia<br />

Daniel (de novo, meditan<strong>do</strong>) E tem razão; eu próprio já quase fui apanha<strong>do</strong> por tais<br />

bandi<strong>do</strong>s. Má sina esta, vivermos na nossa terra cheios de me<strong>do</strong>!<br />

Lin<strong>da</strong> é a nossa terra e lin<strong>do</strong> é o céu que nos cobre; mas estes malditos marinheiros!...<br />

(procura remen<strong>da</strong>r a rede. Ouvem-se entretanto as gaivotas e o pesca<strong>do</strong>r vai trautean<strong>do</strong> a<br />

cantiga, sem palavras; porém, a <strong>da</strong><strong>do</strong> momento, olhan<strong>do</strong> o horizonte levanta-se bruscamen-<br />

te, pois parece-lhe ter enxerga<strong>do</strong> um barco lá muito longe, no alto mar. Afirma-se melhor o<br />

que o leva a dizer:<br />

– São eles! Só podem ser eles! (e com as mãos em porta voz, bra<strong>da</strong>:<br />

– Hei! Ó Telmo! „Ó Bento! Fujam! Vêm lá os bandi<strong>do</strong>s<br />

(Mostra-se agita<strong>do</strong> – de um la<strong>do</strong> para o outro, acenan<strong>do</strong> com um lenço, etc.. - e chama<br />

de novo. Ouve-se uma resposta ao longe:<br />

16


Bento: – lá vamos... (os sons <strong>do</strong> mar aumentaram. Música trágica). Aparecem os <strong>do</strong>is<br />

pesca<strong>do</strong>res esbafori<strong>do</strong>s com redes aos ombros)<br />

Telmo – Fujamos rapi<strong>da</strong>mente, vamos avisar o povo.<br />

Daniel – Corram, sim! (disse resoluto) vão e avisem to<strong>da</strong> a gente. Mas hoje, fico aqui<br />

escondi<strong>do</strong>. Quero ver, ao menos uma vez, o focinho desse desgraça<strong>do</strong> <strong>do</strong> “Figa<strong>da</strong>l”.<br />

Bento – Estás louco, Daniel! Já pensaste na aflição em que to<strong>do</strong>s nós ficaríamos!?<br />

Telmo – Nem penses!... Vamos mas é embora <strong>da</strong>qui antes que seja tarde demais...<br />

(ouve-se um tiro de canhão ao longe)<br />

Bento – Eles aí estão. Vamos mas é embora; não há tempo a perder.<br />

(pegam nas redes apressa<strong>da</strong>mente fogem. Mais tiros de canhão. música trágica. Saem.<br />

A Fa<strong>da</strong> e o Mágico reaparecem.<br />

Mágico: - Os pesca<strong>do</strong>res tinham razão. E quem mais poderia ser senão o temível<br />

Figa<strong>da</strong>l!?... Porém, senhoras e senhores, meninas e meninos, pese embora a presença asque-<br />

17


osa de tal figura, foi providencial a sua aparição neste momento porquanto os pobres pesca-<br />

<strong>do</strong>res estavam prestes a cair nas mãos <strong>do</strong>s bandi<strong>do</strong>s ocultos na baía.<br />

Fa<strong>da</strong>: – Exactamente; se tal não acontecesse, estes mesmos facínoras teriam aboca-<br />

nha<strong>do</strong>, os despreveni<strong>do</strong>s pesca<strong>do</strong>res! Sorte deles. (ouvem-se tiros de canhão)<br />

Mágico – Senhoras e senhores, meninos e meninas, aí vêm eles. O perigo é agora<br />

eminente. Peço-vos o mais profun<strong>do</strong> silêncio. Por nós vamos esconder-nos. (saem).<br />

(mais tiros de canhão. A <strong>da</strong><strong>do</strong> momento entram em cena três mareantes a puxarem<br />

um bote para terra. O seu aspecto é horrível. Sujos, barbas grandes, far<strong>da</strong><strong>do</strong>s de azul claro,<br />

vivo, mas esfarrapa<strong>do</strong>s).<br />

Mareante 1 – Como sempre, o nosso capitão, desconfia<strong>do</strong> que nem um rato, mais<br />

uma vez nos man<strong>da</strong> esquadrinhar a costa palmo a palmo. Cá para mim, é coisa que não vale a<br />

pena. Então pode haver por aqui algum gajo, com coragem de se meter connosco!? Ah! Ah!..<br />

Era boa! Pobre <strong>do</strong> desgraça<strong>do</strong>...<br />

Mareante 2 – Claro que vale a pena, meu asno. O nosso capitão, raposa velha, nem<br />

na mãe confia e é por isso que ninguém o vence.<br />

Mareante 3 – (Viran<strong>do</strong>-se para o mareante 1) Mas, que conversa é essa, seu pato<br />

bravo!? Ordens são ordens. Vamos, é, fazer a ron<strong>da</strong>, e bico cala<strong>do</strong>.<br />

Mareante 2 – Pronto. Lá está este gajo a fazer reflectir as divisas!...<br />

Mareante 3 – E não tenho razão, filho de cabra tinhosa?! Quem nos diz que não há<br />

por aí um parvalhote, escondi<strong>do</strong>, que nos possa lixar a vi<strong>da</strong>!? Vamos; vamos. (decidi<strong>do</strong>, diz<br />

ain<strong>da</strong>): - Tu vais por aqui, tu por ali. Toca... toca.<br />

Mareante 1 – Tá bom, tá bom, senhor Imediato duma figa. Mas antes deixa-me beber<br />

um golo p´ró caminho. (puxam <strong>da</strong>s ancoretas um após outro, e saem a beber.<br />

18


Ouvem-se uns quantos tiros (compassa<strong>do</strong>s) de canhão, de mo<strong>do</strong> a proporcionar um<br />

tempo de ron<strong>da</strong> pelos três mareantes, à mistura com a música. Segui<strong>da</strong>mente ouvem-se<br />

vozes, e o mágico reaparece pé ante pé<br />

Mágico – (espreitan<strong>do</strong>) Silêncio por favor. A ron<strong>da</strong> será breve, isto por agora. Mais<br />

tarde virão outros para bater to<strong>da</strong> a planura até às montanhas. (cantorias ao longe, ca<strong>da</strong> vez<br />

mais perto) – continua – Olhem, já lá vêm. Vou esconder-me: até já. (sai) (reentram os<br />

mareantes <strong>do</strong> Figa<strong>da</strong>l)<br />

Mareante 3 – Rapazes, Ron<strong>da</strong> feita. Agora vamos lá p`rá bebedeira. Dia de anos <strong>do</strong><br />

nosso ama<strong>do</strong> capitão, é borracheira de caixão à cova.<br />

mo<strong>do</strong> tão...<br />

Mareante 2 - É um gajo fixe, o nosso capitão! Pena foi, ficar sem aquele olho de um<br />

Mareante 3 – (atalhan<strong>do</strong>): - tão... tão... tão quê meu desletra<strong>do</strong> analfabeto!? Tão<br />

inglório, palerma! É assim que se lê no diário de bor<strong>do</strong>.<br />

Mareante 2 – (calmamente): - Pois foi; aquele sacana <strong>do</strong> “lascarino” logo acertou<br />

com a rolha <strong>da</strong> garrafa de champanhe, no olho <strong>do</strong> homem, e lá se lhe foi a vista pró caraças!..<br />

Mareante 3 – (atalhan<strong>do</strong>): - Olha, foi exactamente nesta baía, quan<strong>do</strong> festejáva-<br />

mos, as 59 primaveras que, o nosso capitão ficou zarolho; coita<strong>do</strong>... já não lhe bastava<br />

ter fica<strong>do</strong> sem a perna na luta contra os gregos, e em cima disso, cegueta!... É demais<br />

pra um homem só!<br />

Mareante 1 – Foi pena, claro, mas olhem, rapazes, bailemos; a vi<strong>da</strong> também se<br />

vive com um só olho; o nosso ama<strong>do</strong> capitão perdeu um olho, mas pior seria se perdesse<br />

os <strong>do</strong>is.<br />

19


<strong>da</strong>nça).<br />

(com isto começa a <strong>da</strong>nçar <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> mais caricato, dizen<strong>do</strong>:-<br />

É rapazes; vamos é p´rá bebedeira... nem imaginam a sede que me rói! (continua a<br />

Mareante 3 – Sim, sim! Vamos, que eu quero aperaltar-me para a cerimónia.<br />

Mareante 1 - (rin<strong>do</strong>-se):- Ah, ah, ah!... Aperaltar-se para a cerimónia... Ouve lá, meu<br />

farrapilha <strong>do</strong> caraças... Se calhar vais de fraque, e sapato poli<strong>do</strong>, não?...<br />

Mareante 3 (mostran<strong>do</strong>-se zanga<strong>do</strong>) Ouve lá, ó pandilha... Não vou de fraque mas<br />

sempre <strong>do</strong>u uma lavadela aos olhos, boto um boca<strong>do</strong> de brilhantina, risco ao meio, e, vá lá,<br />

com umas cuspidelas e deixo os sapatos a brilhar que nem verniz É claro, meus asnos; sem-<br />

pre é uma Ocasião Especial. Os anos <strong>do</strong> nosso capitão. Vocês é que são uns broncos <strong>do</strong> cara-<br />

ças.<br />

Mareante 1 – Ó “Doutor”! Tu desculpa. Não te quis ofender. De resto, o nosso capi-<br />

tão merece tu<strong>do</strong>. Mas, vamos, vamos; além de tu<strong>do</strong> estou com uma sede louca.<br />

(saem, cantan<strong>do</strong> muito alto e desafina<strong>do</strong>. Sobrepõe-se à cantoria uma marcha.<br />

Empurram a embarcação para a água e um deles cai para dentro. To<strong>do</strong>s se riem. Aumenta o<br />

marulhar <strong>da</strong>s águas <strong>do</strong> mar à mistura com a música e cai o pano.<br />

Fim <strong>do</strong> Primeiro Acto<br />

20


2º ACTO<br />

Cenário: O convés de um navio<br />

Ambiente: Azáfama de alguns marinheiros subin<strong>do</strong> e descen<strong>do</strong> esca<strong>da</strong>s de cor<strong>da</strong>.<br />

Berram para baixo e para cima até que o barulho abran<strong>da</strong> e termina.<br />

(mágico e fa<strong>da</strong> aparecem à boca de cena, pé ante pé. dizen<strong>do</strong>): -<br />

Fa<strong>da</strong> - Estamos agora a bor<strong>do</strong>, bem próximos <strong>do</strong> temível capitão. Segun<strong>do</strong> nos disse<br />

o velho mágico <strong>da</strong> Arábia, vai ter lugar uma grande festa a bor<strong>do</strong>, a propósito <strong>do</strong> aniversário<br />

de Figa<strong>da</strong>l. Oito dias irão passar beben<strong>do</strong> vinho e comen<strong>do</strong> carniça; mas, os infelizes, nem<br />

imaginam, sequer, que, aquela vinhaça, abre caminho à desgraça e à morte. Por causa disso,<br />

to<strong>do</strong>s sucumbirão.<br />

Mágico - Preparemo-nos, pois, para assistir ao tremen<strong>do</strong> farrobodó destes miseráveis<br />

mareantes. (saem).<br />

(alguns mareantes vão entran<strong>do</strong>, já far<strong>da</strong><strong>do</strong>s, em cena conversan<strong>do</strong>. As suas far<strong>da</strong>s<br />

são de gala. Cor azul claro com debruns amarelos, mas com aspecto de grande desleixo.<br />

Sentam-se ali pelas amura<strong>da</strong>s <strong>do</strong> navio).<br />

anos.<br />

Mareante A – Ora cá estamos nós na baía <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>. É o lugar mais porreiro <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Mareante B – É mesmo. Razão tem o nosso capitão para vir aqui festejar os seus<br />

Mareante C - ( Já far<strong>da</strong><strong>do</strong>, entra também, berran<strong>do</strong> muito alto para o outro la<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

cena) Olha aí seus sacanas, seus imbecis. Vistam-se p´rá bo<strong>da</strong>, seus parvos. O nosso Capitão<br />

já saiu <strong>do</strong> camarote e vós ain<strong>da</strong> aí. Asnos <strong>do</strong> diabo.<br />

21


(mal termina a frase ouve-se uma cantoria sempre crescente até que entra no convés<br />

o grupo que cantava entre cena. Trazem instrumentos; (ferrinhos, latas, violas e bombos,<br />

gaitas de boca). Dançam.<br />

Trazem em ombros o Figa<strong>da</strong>l - um gran<strong>da</strong>lhão forte, bigo<strong>da</strong>ças, barba uma ven<strong>da</strong> no<br />

olho, e perna de pau. Sentam-no num trono de onde vai assistir à festa em sua honra).<br />

Mareante E – É rapazia<strong>da</strong>, calem-se to<strong>do</strong>s, que eu vou discursar.<br />

(não se calam. Um deles agarra num sarrafo e dá três valentes panca<strong>da</strong>s, que<br />

impressionam pelo enorme estron<strong>do</strong>, e o mareante E, continua)<br />

Calem-se seus ignorantes analfabetos. Eu vou discursar em honra <strong>do</strong> nosso ama<strong>do</strong> e<br />

queri<strong>do</strong> Capitão!<br />

22


Um – Viva o nosso Capitão!...<br />

To<strong>do</strong>s – Viva! (fez-se silêncio absoluto e o Mareante E, continua)<br />

Nosso muito, muito ama<strong>do</strong> Capitão:<br />

Estamos aqui para celebrar os teus anos, pois que, segun<strong>do</strong> reza na tua cédula, fazes<br />

hoje sessenta lin<strong>da</strong>s primaveras! Queremos dizer-te, nosso muito ama<strong>do</strong> capitão, que vieste a<br />

este mun<strong>do</strong> para seres o maior entre os maiores, o mais temi<strong>do</strong>, de quantos gajos navegam<br />

por esses mares. E nós temos a sorte de te termos como nosso Capitão e nosso Mestre. Falta-<br />

te uma vista e uma perna, é certo; mas isso que importa, se mesmo assim és o mais ágil, o<br />

mais esperto, talvez o mais... Sacana!?<br />

Foi contigo, matreiro e esperto, que aprendemos a limpar o sebo a qualquer gajo. Foi<br />

contigo que aprendemos a abalroar e a afun<strong>da</strong>r os mais poderosos navios... Ah! Caraças, meu<br />

Capitão, e nosso mestre, tu és o maior<br />

(neste momento destaca-se um qualquer <strong>do</strong>s marinheiros presentes atravessan<strong>do</strong> a<br />

cena, já bêba<strong>do</strong>, <strong>da</strong>nçan<strong>do</strong> e cantan<strong>do</strong>)<br />

Mareante C – (Dirige-se ao bêba<strong>do</strong>, passa-lhe uma rasteira e este cai)<br />

23


Ó meu parvo tu não vês que estamos a aqui, aqui neste momento solene, a engraxar o<br />

nosso Capitão!? (O bêba<strong>do</strong> levanta-se.)<br />

Bêba<strong>do</strong> – Desculpa Capitão; é que, leva<strong>do</strong> por esta alegria, só me dá vontade de <strong>da</strong>n-<br />

çar... Desculpa meu Capitão.<br />

Figa<strong>da</strong>l – Muito bem meus rapazes, sei o que vos vai na alma, sei <strong>da</strong> vossa dedicação,<br />

e agradeço, <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> peito, o eleva<strong>do</strong> carinho que me tendes.<br />

Obriga<strong>do</strong>. Obriga<strong>do</strong> mesmo. Mas agora, meus rapazes, deixemo-nos de discursos, e<br />

vamos encher o bandulho.<br />

Está inicia<strong>da</strong> a festa. Durante oito dias, ca<strong>da</strong> qual fará o que quiser, sem restrições,<br />

sem disciplina.<br />

(pega numa garrafa de whisky e bebe-a de um só fôlego. (continua)<br />

Siga a festa, minha gente!<br />

To<strong>do</strong>s - Viva o nosso Capitão!... Viva!<br />

(“Parabéns a Você”, algazarra, cantares, <strong>da</strong>nça e música)<br />

(Saem to<strong>do</strong>s com o capitão em ombros. A algazarra e a música desvanece até ao<br />

silêncio. A cena, por intermédio <strong>do</strong> reóstato, torna-se, gradualmente, azul. É o fim <strong>do</strong> dia.<br />

Música suave. Aparecem em cena pé ante pé, o Mágico e a Fa<strong>da</strong>.<br />

Magico – (segre<strong>da</strong>n<strong>do</strong> para assistência): - Como se viu, a festa começou. Para tal<br />

contam com uma salgadeira repleta de porcos pilha<strong>do</strong>s, por esse mun<strong>do</strong> além e vinho. Muito<br />

vinho.<br />

Fa<strong>da</strong> – Como acontece dia após dia, cai a noite e a lua não tar<strong>da</strong> a romper no horizon-<br />

te. A Baía submete-se a sombras profun<strong>da</strong>mente misteriosas enquanto que nos nossos senti-<br />

<strong>do</strong>s se deixam envolver no marulhar <strong>da</strong>s pequenas on<strong>da</strong>s chapinhan<strong>do</strong> na areia <strong>da</strong> praia. É<br />

24


claro que mesmo estes bandi<strong>do</strong>s sabem tirar parti<strong>do</strong> desta paz e, muito a propósito, não tar-<br />

<strong>da</strong>m a deitar-se por aí, perdi<strong>do</strong>s de bêba<strong>do</strong>s, gozan<strong>do</strong> a fresca <strong>da</strong> noite.<br />

(ouve-se a voz de um bêba<strong>do</strong> que se aproxima, cantan<strong>do</strong>)<br />

Mágico: – Olhem, lá vem um. (entra um mareante cambalean<strong>do</strong> – o vigia - com um<br />

garrafão ao ombro. A fa<strong>da</strong> e o mágico permanecem em palco e o mareante dá de caras com<br />

eles)<br />

Mareante – Ouçam lá, vocês aí. Eu sou o vigia, ouviram? Acaso vos conheço de<br />

algum la<strong>do</strong>!? Com quem tenho o prazer de estar a falar!?<br />

O mágico e a fa<strong>da</strong> desaparecem. O marujo arregala os olhos e, não ven<strong>do</strong> na<strong>da</strong>, faz<br />

um gesto de desinteresse. (continua) Ora, que se lixe!... Isto é uma visão. Se calhar já estou<br />

c„os copos. Bom; vou mas é para o meu posto, não venha p‟raí algum salafrário lixar a gente.<br />

Sim... porque agora, além de bêba<strong>do</strong>s, tu<strong>do</strong> <strong>do</strong>rme minha gente. (sai)<br />

(entretanto a luz passa pelo, amarelo, o vermelho que<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-se num tom azul. Impor-<br />

ta que a luz contraste com as roupas <strong>da</strong>s personagens. Música dissonante, sugerin<strong>do</strong> algo<br />

trágico. O Mágico e a Fa<strong>da</strong> entram em cena.<br />

Mágico – Senhoras e Senhores, eis que se aproxima um momento de grande desgraça.<br />

Esta é a hora <strong>do</strong>s inimigos <strong>do</strong> Figa<strong>da</strong>l! (cresce a música e diminui de novo)<br />

Fa<strong>da</strong> – Afastemo-nos. Não nos cabe fazer na<strong>da</strong>. A nossa missão consiste em proteger<br />

o pobre Alibá, mas não é este o momento certo.<br />

(saem. A música dissonante aumenta fortemente, até que se ouve um tiro de canhão<br />

segui<strong>do</strong> de um enorme estron<strong>do</strong> – parte de um mastro a cair no convés. Acto contínuo entra<br />

em cena uma quanti<strong>da</strong>de de indivíduos gritan<strong>do</strong>, vesti<strong>do</strong>s de camisas brancas, calças pretas,<br />

lenços vermelhos com pintas brancas ata<strong>do</strong>s à cabeça. Empunham espa<strong>da</strong>s.<br />

25


Uma Voz que grita: A eles rapazes, agora ou nunca! Entram corren<strong>do</strong> alguns<br />

homens de figa<strong>da</strong>l. Lutam.<br />

É de referir que esta cena de luta será escura, de um azul em que sobressaem, tanto<br />

quanto possível, apenas silhuetas. Silhuetas florescentes. Em certo lugar perto <strong>da</strong> boca de<br />

cena, estará coloca<strong>do</strong> um foco para incidir, a seu tempo, sobre os personagens que ali veem<br />

actuar). Isto significa que, ao fun<strong>do</strong> <strong>da</strong> cena ou nos basti<strong>do</strong>res decorrerá uma luta geral e,<br />

perto <strong>da</strong> boca de cena, viram mareantes lutan<strong>do</strong> e dialogan<strong>do</strong> entre si. Aí, um <strong>do</strong>s mareantes<br />

<strong>do</strong> la<strong>do</strong> inimigo, salta sobre um homem <strong>do</strong> Figa<strong>da</strong>l aplican<strong>do</strong>-lhe uma forte espadeira<strong>da</strong>)<br />

Invasor: Toma lá meu, que já almoçaste! (e ri)<br />

Mareante (<strong>do</strong> Figa<strong>da</strong>l, atingi<strong>do</strong>) -<br />

26


Ah! Ladrão que me lixaste<br />

Que desta vou pró galheiro!...<br />

Eu nem sei <strong>do</strong>nde pintaste,<br />

Meu sacana traiçoeiro!?<br />

Invasor: (rin<strong>do</strong>)<br />

Venho lá de mares distantes<br />

Na rota <strong>do</strong> Figa<strong>da</strong>l<br />

Que prazer quebrar os dentes<br />

A esse grande animal<br />

27


Mareante: (outro homem de Figa<strong>da</strong>l, aparece de surpresa. Dá uma espadeira<strong>da</strong> no<br />

invasor. Este cai no chão.<br />

<strong>da</strong>).<br />

Enganas-te meu figurão!<br />

Seu grande filho <strong>da</strong> mãe<br />

Aí tens a tua ração<br />

Já não esfolas mais ninguém (e ri à gargalha<strong>da</strong>).<br />

Tu vais é lá p´rós peixinhos<br />

Que estão no fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> mar<br />

Até lhes man<strong>do</strong> beijinhos<br />

Por ti, que sabes na<strong>da</strong>r.<br />

Invasor (prestes a morrer)<br />

Oh desgraça <strong>da</strong>s desgraças<br />

Um Raios parta o meu azar<br />

Assim me vou p`ró caraças<br />

Sem nem sequer me estrear<br />

(gritan<strong>do</strong>)<br />

Não é justo!..........<br />

Não é justo<br />

OOOOOOOOOh!<br />

(morre. Aparece por detrás <strong>do</strong> vence<strong>do</strong>r um outro intruso com a espa<strong>da</strong> levanta-<br />

28


Uma Voz (de entre cena) Cui<strong>da</strong><strong>do</strong>!...<br />

(O marinheiro <strong>do</strong> Figa<strong>da</strong>l baixa-se e a espa<strong>da</strong> <strong>do</strong> atacante leva-lhe o chapéu. Há<br />

então lugar a uma sessão <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is conten<strong>do</strong>res. Por fim perde o invasor)<br />

Mareante (venci<strong>do</strong>, caí<strong>do</strong> de joelhos)<br />

Não me mates por favor<br />

Passo-me já p´ró teu la<strong>do</strong><br />

Tenho jóias de valor<br />

Que oiro tenho guar<strong>da</strong><strong>do</strong><br />

Mareante vence<strong>do</strong>r –<br />

Não preciso <strong>do</strong> teu oiro<br />

Que eu ouro tenho “muito”<br />

Levas é um grande estoiro<br />

Antes te quero defunto. (dá-lhe uma espadeira<strong>da</strong>)<br />

Uma voz que grita (<strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong> invasor)<br />

Oh desgraça! Fujam!.. Fujamos <strong>da</strong>qui! Mataram o nosso capitão!<br />

(Aumenta a berraria e a confusão. Dá-se a deban<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>do</strong>s agressores com os homens<br />

<strong>do</strong> Figa<strong>da</strong>l a persegui-los.<br />

29


Entram em cena – sempre no meio de grande algazarra - o Figa<strong>da</strong>l e alguns <strong>do</strong>s seus<br />

homens a protegê-lo. O Figa<strong>da</strong>l está num esta<strong>do</strong> lastimável. Sentam-no próximo <strong>da</strong> boca de<br />

cena. Ficam com ele <strong>do</strong>is marinheiros. A luta continua.<br />

Figa<strong>da</strong>l (de voz rouca):-<br />

A eles rapazia<strong>da</strong><br />

Que nem um só escape<br />

Acabai-lhes com a raça<br />

Lançai-os to<strong>do</strong>s no mar.<br />

(De repente entra em cena um mareante de Figa<strong>da</strong>l trazen<strong>do</strong> um rapaz vesti<strong>do</strong><br />

pobremente, com as mãos acorrenta<strong>da</strong>s)<br />

Mareante:- Meu ama<strong>do</strong> Capitão; antes de mais, as tuas melhoras: man<strong>da</strong>ste que nem<br />

um ficasse vivo, e eu, à minha conta, limpei meia dúzia. Mas, meu Capitão, está aqui este<br />

rapaz que encontrei nos porões <strong>do</strong> navio inimigo. Diz que é vítima destes sacanas e que nem<br />

sequer é mareante. Mas não é só isso meu capitão. Eu até estou parvo... É que lhe apliquei<br />

uma forte espadeira<strong>da</strong> no pescoço e a espa<strong>da</strong> nem sequer o arranhou! Eu estou parvo, meu<br />

capitão!<br />

O rapaz só pede que o oiças. Dirás pois, se o mato já, ou depois de falar.<br />

Alibá (falan<strong>do</strong> imediatamente): - Senhor, eu não sou marinheiro, nem tenho na<strong>da</strong> a<br />

ver com tu<strong>do</strong> isto.<br />

Fui rapta<strong>do</strong> criança e vendi<strong>do</strong> como escravo, em várias partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Na ver<strong>da</strong>de, eu sou um príncipe. Nasci em terras <strong>do</strong> Oriente.<br />

30


Figa<strong>da</strong>l (olhan<strong>do</strong> para o rapaz e mostran<strong>do</strong> constrangimento de grande sofrimento,<br />

disse:- Talvez seja ver<strong>da</strong>de; até me parece que já vi<br />

vê.<br />

este rapaz em qualquer la<strong>do</strong>. Poupem-no por agora; metam-no no porão. Amanha se<br />

Com alguns gemi<strong>do</strong>s Figa<strong>da</strong>l vai sain<strong>do</strong> de cena leva<strong>do</strong> por alguns homens enquanto<br />

sobressai um apontamento musical de marcha fúnebre. Passam na cena “piratas” cheios de<br />

ligaduras, contorcen<strong>do</strong>-se. Aumenta a música.<br />

Fecha o Pano<br />

Fim <strong>do</strong> Segun<strong>do</strong> Acto<br />

31


3º ACTO<br />

Notas:<br />

A cena passa-se no convés <strong>do</strong> barco <strong>do</strong> Figa<strong>da</strong>l.<br />

É noite-<br />

Do la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> <strong>do</strong> palco, encosta<strong>do</strong> ao fun<strong>do</strong> <strong>da</strong> cena, estão deita<strong>do</strong>s no chão<br />

alguns marinheiros enfeixa<strong>do</strong>s em ligaduras brancas<br />

Do la<strong>do</strong> direito, também ao fun<strong>do</strong> um apontamento de cela com a grade suficiente-<br />

mente larga para tornar bem visível a figura de Alibá, ali preso.<br />

Luz ténue em to<strong>da</strong> a cena e um pequeno projector sobre a cara de Alibá.<br />

A razão de encostar os elementos o mais possível ao fun<strong>do</strong> <strong>da</strong> cena, é porque a meio<br />

<strong>da</strong> cena irá descer um pano representan<strong>do</strong> um matagal com uma clareira ao centro. Tu<strong>do</strong><br />

isto será feito sem fechar o pano de boca.<br />

Som: Propõe-se uma parte lenta <strong>da</strong>s Quatro Estações de Vivaldi.<br />

Fa<strong>da</strong>: (aparecen<strong>do</strong> à boca de cena)<br />

Como viram tu<strong>do</strong> se resumiu a uma chacina de parte a parte; e se <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de Figa<strong>da</strong>l<br />

foram severamente castiga<strong>do</strong>s e mortos alguns deles, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s intrusos, nem um só ficou<br />

vivo.<br />

Como já sabem, eu sou a Fa<strong>da</strong> Mor <strong>da</strong> Macedónia e, de acor<strong>do</strong> com o que me foi<br />

pedi<strong>do</strong> pelo grande mágico Britolá, a minha missão é mostrar-lhes como o pobre Alibá - ago-<br />

ra com 20 anos de i<strong>da</strong>de - foi salvo <strong>da</strong>s mãos destes facínoras. Ora vejam:<br />

(abrir o projector lentamente sobre a cela até que se distingue claramente a figura de<br />

Alibá por detrás <strong>da</strong>s grades).<br />

Alibá:- (com as mãos nas grades <strong>da</strong> cela. Lentidão e desalento):<br />

32


– Estão mais mortos que vivos......como seria bom fugir! Mas como? (continua)<br />

Como poderei escapar-me <strong>da</strong>s mãos destes bandi<strong>do</strong>s!?...<br />

(abana as grades com alguma violência. Um <strong>do</strong>s feri<strong>do</strong>s mexe-se e geme. Alibá volta<br />

a abanar as grades).<br />

(Música de harpa. A luz passa por várias cores. A <strong>da</strong><strong>do</strong> momento a grade cai, com estron<strong>do</strong>.<br />

Alibá (levanta a cabeça espanta<strong>do</strong>): - Mas, que é isto!?... Estarei a sonhar!?...<br />

(esfrega os olhos, olha de novo, dá bofeta<strong>da</strong>s na cara. Continua)<br />

Não, isto não pode ser ver<strong>da</strong>de! Mas eu estou acor<strong>da</strong><strong>do</strong>. Como pode isto acontecer!?<br />

Fa<strong>da</strong> (foca<strong>da</strong> agora por uma luz branca forte) – Alibá, Alibá; Escuta. Sou uma fa<strong>da</strong><br />

que vem <strong>do</strong> TEMPO para te acudir. Ouve Alibá, chegou, o momento <strong>da</strong> tua libertação; mas<br />

por agora não há tempo para explicações.<br />

33


Agora importa que fujas, por esses montes, corren<strong>do</strong>, sempre na mesma direcção e<br />

sem nunca olhares para trás. Nisso reside a tua salvação.<br />

Lá longe, muito longe, acharás um lugar seguro. Passarás tormentos, mas vencerás.<br />

Irás debater-te com forças muito poderosas – ver<strong>da</strong>deiras forças <strong>do</strong> mal – mas tu<strong>do</strong><br />

farás com prazer e valentia, saben<strong>do</strong> que agora lutas pela salvação de uma princesa que há<br />

muito te espera, encerra<strong>da</strong> no Pene<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>.<br />

Mais, Alibá; quan<strong>do</strong> tiveres cumpri<strong>da</strong> a tua missão, voltarás a este local, mas sem ris-<br />

co algum, pois que to<strong>do</strong>s estes mareantes, entretanto, morrerão.<br />

Mais te digo ain<strong>da</strong>: estes navios – carrega<strong>do</strong>s que estão de fabulosos tesouros, serão<br />

pertença tua e é exactamente nestes navios que voltarás à tua terra, ao teu palácio, à tua famí-<br />

lia. Teus pais vivem ain<strong>da</strong> na esperança de voltarem a ver-te.<br />

Por agora, na<strong>da</strong> mais. Vai, que o tempo urge.<br />

(sai- desaparece)<br />

Alibá:- Será que tu<strong>do</strong> isto está a acontecer!?... Estarei apenas a sonhar!?<br />

(estenden<strong>do</strong> as mãos para fora <strong>da</strong> área onde estavam as grades. Continua)<br />

Na ver<strong>da</strong>de as grades caíram, eu posso fugir!...<br />

(Salta cautelosamente <strong>da</strong> cela. Ensaia uns passos por entre os corpos <strong>do</strong>s mareantes<br />

estendi<strong>do</strong>s pelo convés, olha para to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s, procura equilibrar-se para não cair sobre<br />

eles, até que sai.<br />

34


Os mareantes ressonam assusta<strong>do</strong>ramente e a luz diminui, aumenta um pouco o som.<br />

Desce o pano a meio <strong>da</strong> cena – é o matagal sugeri<strong>do</strong> para a montagem <strong>do</strong> terceiro<br />

acto. Como se disse, sem fechar o pano de boca)<br />

ren<strong>do</strong>.<br />

A música passará a ideia de correr, fugidia, até que Alibá reapareça no palco cor-<br />

Alibá ( paran<strong>do</strong> de correr):<br />

Onde estarei?... Passam-se noites e dias e, mais uma vez, não tar<strong>da</strong> a romper de novo<br />

a madruga<strong>da</strong>! Estarei a ser persegui<strong>do</strong>!?... Onde irei parar!?.... Seja como for, não posso<br />

mais... vou deixar-me <strong>do</strong>rmir.<br />

(senta-se numa fraga: Olha em re<strong>do</strong>r e acaba por a<strong>do</strong>rmecer)<br />

35


e desaparece.)<br />

Surge um relâmpago e a fa<strong>da</strong> aparece com um cesto de frutos. Deixa-o junto de Alibá<br />

(Alibá acor<strong>da</strong>, espreguiça-se e dá conta <strong>do</strong>s frutos à sua beira. Olha espanta<strong>do</strong> à sua<br />

volta, olha para os frutos e come-os sofregamente.<br />

Continua) Não vejo viva alma, mas alguém me segue, protegen<strong>do</strong>-me decerto! Estes<br />

frutos não estavam aqui quan<strong>do</strong> cheguei. Tu<strong>do</strong> me parece um sonho, mas a ver<strong>da</strong>de é que<br />

estou em liber<strong>da</strong>de. Alguém me matou a fome!... Então é real a fa<strong>da</strong> que me tirou <strong>da</strong> prisão!<br />

Mas onde está ela? Porque não se mostra claramente!? Sei lá... a ver<strong>da</strong>de, porém, é que não<br />

me sinto só. (olhan<strong>do</strong> para o céu, continua) Lá está a estrela-d‟alva! A manhã está chegan<strong>do</strong>;<br />

a lua declina no Ocaso... Se tu<strong>do</strong> isto não for apenas um sonho, um terrível engano, estou<br />

mesmo a regressar à vi<strong>da</strong>!!!<br />

Como recor<strong>do</strong> certa madruga<strong>da</strong> <strong>da</strong> minha infância... Teria seis anos. Meu pai acor<strong>do</strong>u<br />

- me e levou-me à varan<strong>da</strong> <strong>do</strong> palácio, para me mostrar a estrela <strong>da</strong> manhã cintilan<strong>do</strong> nos<br />

céus.<br />

Ele achava que aquela estrela era um sinal. A promessa de um novo dia, e talvez uma<br />

referência nos céus. Quem sabe se um ponto de encontro universal para to<strong>do</strong>s aqueles que,<br />

olhan<strong>do</strong>-a, pensassem na paz <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Quantas coisas lin<strong>da</strong>s ele me dizia!...<br />

Quem sabe até, se neste momento, meus pais se encontram na sau<strong>do</strong>sa varan<strong>da</strong>, a<br />

pensar na minha desventura, rogan<strong>do</strong> pela minha volta!?...<br />

Se assim for, esperem mais um pouco, pais <strong>do</strong> coração... vou a caminho; não tar<strong>da</strong>rá<br />

que venham esperar-me nos átrios <strong>do</strong> palácio, e <strong>da</strong>í em diante terem-me convosco para sem-<br />

pre. Esperem, só mais um pouco.<br />

Mas que digo eu...<br />

36


(senta-se num gesto de aban<strong>do</strong>no, com a cara entre as mãos. Instantes depois, ouvem-<br />

se cantar galos ao longe. As luzes aclaram a cena. Enquanto Alibá tem a cara entre as mãos<br />

desce um pano de fun<strong>do</strong> que representa uma quinta de lavoura distante<br />

farei!?<br />

Oiço galos a cantar. Se galos cantam, há gente por perto!<br />

(supõe-se que sobe a um ponto mais alto e, olhan<strong>do</strong> para baixo, diz): –<br />

Oh maravilha!... Um pra<strong>do</strong>... uma quinta! Que coisa maravilhosa! E agora... que<br />

(ouve-se ladrar um cão).<br />

Vou descer o monte; espero que seja esta a boa gente que, segun<strong>do</strong> a fa<strong>da</strong>, me há-de<br />

acolher. Tremo só de pensar o contrário, mas, pelo menos, corsários não haverá por aqui<br />

(sai.)<br />

Mu<strong>da</strong>nça de cenário<br />

Desce um pano de fun<strong>do</strong> representan<strong>do</strong> uma manje<strong>do</strong>ura. No palco havia já – camu-<br />

fla<strong>do</strong> - um praticável, sugerin<strong>do</strong> uma manje<strong>do</strong>ura. Nela se destacarão duas vacas leiteiras,<br />

talvez pinta<strong>da</strong>s e recorta<strong>da</strong>s em cartão.<br />

Sons: Cão que ladra ao longe e se ouve ca<strong>da</strong> vez mais alto. Chilreiam passarinhos<br />

Fa<strong>da</strong> (aparecen<strong>do</strong> à boca de cena) Alibá tenta, agora, saltar a ve<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> quinta de<br />

Manolo, assim se chama o <strong>do</strong>no <strong>da</strong> Quinta. Receia que, o enorme cão, o fareje e o ataque.<br />

Quanto a Manolo, é um bom homem que aqui vive com sua família, felizes e abasta-<br />

<strong>do</strong>s, mas também com algum receio, como aliás to<strong>da</strong> a gente, apesar <strong>da</strong> grande distância que<br />

os separa <strong>da</strong> baía <strong>do</strong> <strong>Fial</strong> e <strong>do</strong>s malditos mareantes.<br />

Mas deixemos isso por agora, e vamos seguir as pega<strong>da</strong>s de Alibá. Vejamos pois.<br />

37


(Alibá entra saltan<strong>do</strong> para o praticável <strong>da</strong> manje<strong>do</strong>ura mas fican<strong>do</strong> um pouco escon-<br />

di<strong>do</strong> pelo feno.<br />

Alibá (olhan<strong>do</strong> para to<strong>do</strong> os la<strong>do</strong>s)<br />

Que hei-de fazer!?... Só por milagre não fui visto pelo cão; mas agora... que faço!?...<br />

(entretanto as vacas mugem. Continua)<br />

Será esta a dita boa gente que eu haveria de encontrar!?<br />

(Ouvem-se vozes de uma mulher e de um homem a falar indistintamente, até que<br />

entram em cena. São os <strong>do</strong>nos <strong>da</strong> Quinta: Manolo e Sara. Ca<strong>da</strong> um trás um balde na mão.<br />

Veem para ordenhar as vacas).<br />

Manolo (um tipo de ar alegre, bem disposto; mangas arregaça<strong>da</strong>s) –<br />

Ó Sara; tu ordenhas a Muchacha e eu a Ritalina, está bem?<br />

Sara: – Está bem, homem; eu sei que a Ritalina dá sempre mais leite. Mas que mania<br />

a tua de queres ganhar sempre. Olha se isso te dá assim tanta satisfação, tu<strong>do</strong> bem. (e viran-<br />

<strong>do</strong>-se para a vaca) Ouviste “muchacha”.. Aceitas o desafio!?... Hoje vamos ganhar-lhes, nem<br />

que seja pela medi<strong>da</strong> de um de<strong>da</strong>l. Aceitas?<br />

(a vaca muge, Manolo ri escancara<strong>da</strong>mente. Sentam-se a ordenham em jeito de<br />

competição. Manolo assobia e canta quadras populares, elogia a vaca para que dê mais lei-<br />

te.<br />

A <strong>da</strong><strong>da</strong> altura entra uma menina de 8/9 anos).<br />

Manolo: – Oh filha... levantaste-te tão ce<strong>do</strong>!?<br />

38


Não houve tempo para qualquer resposta. A menina viu, de repente, Alibá.<br />

Menina – Ó pai. Está ali um rapaz escondi<strong>do</strong> no feno!...<br />

Sara – O quê filha?... (com o susto entorna-se-lhe o leite)<br />

Manolo – (assusta<strong>do</strong>, dá um salto, mune-se de uma forquilha e vai sobre Alibá). As<br />

vacas estranhan<strong>do</strong> o ambiente desatam a mugir.<br />

me socorram.<br />

Sara encostou-se à parede protegen<strong>do</strong> a filha.<br />

Alibá – (com as mãos no ar) Senhor, eu não sou ladrão nem malfeitor. Peço-lhes que<br />

Manolo – (baixan<strong>do</strong> a forquilha) Quem és tu, rapaz!?... Que fazes aqui!?.<br />

Alibá – (Com dificul<strong>da</strong>de em pronunciar correctamente as frases, lá conseguiu<br />

dizer): - Senhor, eu não sou <strong>da</strong>qui. Acabo de fugir de um navio, julgo que com a aju<strong>da</strong> de<br />

uma Fa<strong>da</strong>. Na minha terra sou um príncipe, mas, há já muitos anos, fui vítima de saltea<strong>do</strong>res<br />

e de miseráveis mareantes<br />

Sou árabe. Vivi muitos anos preso em navios. Fui escravo, vendi<strong>do</strong> e compra<strong>do</strong>, em<br />

várias partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Manolo – Ó rapaz; não enten<strong>do</strong> na<strong>da</strong> <strong>do</strong> que me estás a dizer!... Mas afinal tu vens <strong>do</strong><br />

mar?... Espero que não sejas um desses malditos mareantes. E como poderias ter chega<strong>do</strong><br />

aqui, lá de tão longe!?<br />

Alibá: – Corren<strong>do</strong> dia e noite. Não sei bem como tu<strong>do</strong> isso aconteceu, mas sei que<br />

uma Fa<strong>da</strong> me libertou <strong>da</strong> prisão de um navio. Também me disse que vim aqui para libertar<br />

uma princesa a quem chamam de moura encanta<strong>da</strong> <strong>do</strong> Pene<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>!...<br />

Sara – O quê, rapaz. Disseste que vens libertar a moura no Pene<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>!!!<br />

Manolo: - ca<strong>da</strong> vez enten<strong>do</strong> menos.<br />

39


Menina (atalhan<strong>do</strong>) – Ó pai. Deve ser aquela fa<strong>da</strong> <strong>da</strong> história <strong>da</strong> avó!<br />

Sara – Está bem, está bem rapaz; depois falaremos.<br />

Manolo: – An<strong>da</strong> lá <strong>da</strong>í. A tua história é muito esquisita mas... an<strong>da</strong> <strong>da</strong>í. (Saem). A<br />

fa<strong>da</strong> aparece de novo à boca de cena e o pano de boca fecha atrás de si)<br />

Fa<strong>da</strong> – Pobre Alibá. Quanto sofre Alibá. Mas, ele vai ter êxito. Vão ver.<br />

Os lavra<strong>do</strong>res acabam por levá-lo para o aconchego Vejamos o que ali se vai passar.<br />

A intervenção <strong>da</strong> fa<strong>da</strong> deu tempo de mu<strong>da</strong>r o cenário<br />

Cenário – Um pano de fun<strong>do</strong> representan<strong>do</strong> uma lareira ( chaminé fogueira potes de<br />

três pernas) e prateleiras laterais com tachos.<br />

demais.<br />

Três ou quatro cadeiras, uma mesa e um escano.<br />

Abre o pano.<br />

Entram em cena Manolo, Sara, a menina e Alibá. Este vem, obviamente, cabisbaixo.)<br />

Manolo – Senta-te ali junto à lareira.<br />

Alibá senta-se encolhi<strong>do</strong><br />

Sara – vou arranjar-te alguma coisa para comeres. Sem dúvi<strong>da</strong> que fome tens tu<br />

(Sai)<br />

Menina (chegan<strong>do</strong>-se para junto de Alibá) – Tu és mesmo um príncipe!? (e sem<br />

esperar pela resposta continua) Se calhar estás a mentir... nas histórias <strong>da</strong> minha avó, os<br />

príncipes e as princesas an<strong>da</strong>m sempre vesti<strong>do</strong>s com roupas de se<strong>da</strong> e de velu<strong>do</strong>, punhos de<br />

ren<strong>da</strong>, botões <strong>do</strong>ura<strong>do</strong>s... e coisas assim; e tu estás to<strong>do</strong> sujo e roto. Pareces um pedinte.<br />

Alibá: – Sim, minha menina, assim é. A tua avó tem razão. Era desse mo<strong>do</strong> que meus<br />

pais me vestiram até aos meus oito anos de i<strong>da</strong>de. Mas um dia, brincava eu nos jardins <strong>do</strong><br />

40


meu palácio, quan<strong>do</strong> uns ladrões, me abafaram numa manta, e, depois, só vi a luz <strong>do</strong> sol num<br />

merca<strong>do</strong> de escravos. Daí em diante fui continuamente vendi<strong>do</strong>. É por isso, minha menina,<br />

que me encontro nesta situação. Sabes... a minha casa é lá muito longe no Oriente<br />

(parte <strong>da</strong> conversa já foi ouvi<strong>da</strong> pela senhora Sara em silêncio, ten<strong>do</strong> para<strong>do</strong> no meio<br />

<strong>da</strong> cozinha com o comer nas mãos)<br />

Sara – An<strong>da</strong>; toma esta sopa quente.<br />

Alibá : – Obriga<strong>do</strong> minha senhora; andei dias e noites sem comer, e sem saber por<br />

onde an<strong>da</strong>va. Mas não há dúvi<strong>da</strong> que, alguém muito especial, arrancou as grades <strong>da</strong> prisão<br />

onde estava, e me libertou <strong>da</strong>s mãos <strong>do</strong>s malditos mareantes.<br />

Mais tarde, em certo sítio, tenho ideia de ter visto uns pene<strong>do</strong>s, e não sei que mais à<br />

mistura. Estava muito confuso e caí no sono, cansa<strong>do</strong> e com muita fome.<br />

frutos.<br />

O que se passou não sei, mas, quan<strong>do</strong> acordei, tinha junto de mim um açafate cheio de<br />

Sara – Bem. Ou tu estás a variar <strong>do</strong> juízo, ou então tens muito mesmo muito, que nos<br />

contar. Por agora come que é o que tu precisas.<br />

(Alibá comia com avidez, enquanto to<strong>do</strong>s olhavam para ele).<br />

Manolo: – Ó Sara, acho que tens de <strong>da</strong>r mais comi<strong>da</strong> ao rapaz. Pelo que se vê, a cria-<br />

tura ia morren<strong>do</strong> de fome. Bom. Come rapaz, até te fartares. Podes até <strong>do</strong>rmir um boca<strong>do</strong>.<br />

Depois falaremos.<br />

Alibá: – Senhores, peço-lhes que acreditem em mim. E ain<strong>da</strong> que muito se admirem,<br />

começo a perceber que os senhores são a tal boa gente que – segun<strong>do</strong> a Fa<strong>da</strong> - eu haveria de<br />

encontrar. Ain<strong>da</strong> estão nos meus ouvi<strong>do</strong>s as suas palavras, dizen<strong>do</strong>:<br />

“Alibá, não receies. Eu sou a tua boa fa<strong>da</strong> que vem <strong>do</strong> TEMPO para te acudir”.<br />

Menina: – Que vem <strong>do</strong> “Tempo”... No Tempo mora a minha bisavó!<br />

Sara – (Atalhan<strong>do</strong> com curiosi<strong>da</strong>de) E depois, e depois?... Conta lá o que se passou.<br />

41


perder.”<br />

Alibá –“ Alibá, disse ela:- chegou o momento <strong>da</strong> tua libertação, e não há tempo a<br />

“Por agora importa que fujas rapi<strong>da</strong>mente, mato fora, sempre a correr sem nunca<br />

olhares para trás; seguirás sempre na mesma direcção. Por fim, acharás um lugar seguro.”<br />

“Não conheces nem um palmo <strong>da</strong>s terras que vais pisar; mas, após algumas dificul-<br />

<strong>da</strong>des, acharás gente boa, que te acolherá.”<br />

cer.<br />

Depois, disse-me ain<strong>da</strong> mais coisas extraordinárias, que só em sonhos podem aconte-<br />

Por exemplo, disse: “ voltarás um dia a este mesmo local, mas dessa vez, sem corre-<br />

res qualquer risco. Não tar<strong>da</strong> que estes mareantes sucumbam para sempre.<br />

Fica também a saber que estes navios, carrega<strong>do</strong>s que estão de fabulosos tesouros,<br />

serão teus, e neles irás regressar à tua família, ao teu palácio, à tua terra.”<br />

“Para tua grande alegria, informo-te que teus pais ain<strong>da</strong> vivem, na esperança de vol-<br />

tarem a ver-te.”<br />

Depois preveniu-me de que teria de bater-me, em algures, com forças muito podero-<br />

sas, o que faria com prazer e valentia, visto que iria lutar por amor a uma princesa. Uma<br />

princesa encerra<strong>da</strong>, há muito, no tenebroso Pene<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>.<br />

Sara: – Diz-me rapaz; como é que tu entendes isso <strong>da</strong> fa<strong>da</strong> dizer que veio <strong>do</strong> tempo<br />

para te acudir!?<br />

Alibá: – Não sei... parece querer dizer que alguém terá vin<strong>do</strong> de tempos remotos<br />

“para me acudir”. Mas disso na<strong>da</strong> sei.<br />

Manolo: – Ó Sara, não me digas que...<br />

Sara – Sabes Manolo! Confesso que sinto uma certa confusão. Como sabes sempre<br />

vi na tua avó uma pessoa, diria, diferente: Uma pessoa muito especial. Conta já uma lin<strong>da</strong><br />

42


i<strong>da</strong>de. 120 Anos não são para to<strong>da</strong> a gente. Ain<strong>da</strong> fresca como se vê. Mexi<strong>da</strong>, sempre alegre,<br />

e sei lá que mais.<br />

Manolo – Ó Sara. Tu estás a querer dizer-me que a minha avó é uma fa<strong>da</strong>!?...<br />

Sara: – Não, não... só acho tu<strong>do</strong> isto muito curioso. Mas, para te falar ver<strong>da</strong>de, até<br />

este pormenor <strong>da</strong> tua avó morar no Lugar <strong>do</strong> Tempo, me intriga.<br />

Repara como a história <strong>da</strong> <strong>Moura</strong> Encanta<strong>da</strong> <strong>do</strong> Pene<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>, bate rigorosamente<br />

certo, com o que diz este rapaz. Mais que isso, Manolo. Diria que este rapaz é, sem tirar nem<br />

pôr, o próprio jovem <strong>da</strong> história <strong>da</strong> tua avó!<br />

vê-la.<br />

Menina (voltan<strong>do</strong>-se para o rapaz) – Sabes... a minha bisavó é muito lin<strong>da</strong>!... Hás-de<br />

Manolo – Ó mulher! Vou lá agora acreditar em fa<strong>da</strong>s... A minha avó é, simplesmente,<br />

uma pessoa como as outras.<br />

Isso de ela dizer que escutou “ niti<strong>da</strong>mente” –o triste canto <strong>da</strong> moura encanta<strong>da</strong> <strong>do</strong><br />

pene<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>, é tu<strong>do</strong> coisa <strong>da</strong> sua imaginação. Na<strong>da</strong> mais.<br />

Menina: – Mas, ó pai, a avó não mente. A avó disse que, ela e o avô, comeram frutos,<br />

sem saberem de onde vinham, durante os oito dias lá no <strong>Fial</strong>...<br />

Manolo: – Pois é, minha filha. Também eu gostava de ouvir as suas histórias, como tu<br />

agora; mas sabes, filha, são apenas histórias.<br />

Sara – Será. Contu<strong>do</strong> não sou capaz de explicar o facto deste rapaz vir aqui parar, e,<br />

mais que isso, ser, exactamente, a personagem <strong>da</strong> sua história.<br />

Manolo – Ora. Eu nem sequer sei quem é o rapaz. Isso está para se saber. Por exem-<br />

plo; como é que ele poderia ter chega<strong>do</strong> aqui, lá <strong>do</strong>s quintos, em tão pouco tempo, quan<strong>do</strong><br />

nós sabemos que é caminho para uns cinco dias, a an<strong>da</strong>r bem?<br />

43


Alibá: – Senhor Manolo, permita-me que fale.<br />

Manolo – Sim. Fala. Já agora...<br />

Realmente não sei como explicar na<strong>da</strong> <strong>do</strong> que se passa; mas há pelo menos algumas<br />

coisas, possíveis de averiguar.<br />

Sara: – Ora diz lá.<br />

Alibá: – Para já, senhores, não estou a mentir. Mas se concluímos que to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> que<br />

vivi até hoje, não passa de um sonho, então eu não estou aqui convosco. Estou sim a <strong>do</strong>rmir e<br />

a sonhar entre almofa<strong>da</strong>s, no meu palácio. Porém, se é real tu<strong>do</strong> isto que sinto, vejo e oiço,<br />

então eu sou, de facto, o príncipe Alibá, que foi rouba<strong>do</strong> aos pais, quan<strong>do</strong> tinha 8 anos de<br />

i<strong>da</strong>de!<br />

Fui realmente vendi<strong>do</strong> nos merca<strong>do</strong>s de escravos em várias partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, e che-<br />

guei a estas paragens, cativo de mareantes, vin<strong>do</strong>s sabe-se lá de onde.<br />

Mas é também ver<strong>da</strong>de que assisti à chacina entre esses malditos mareantes.<br />

Terei eu sonha<strong>do</strong>, entretanto, que uma esplen<strong>do</strong>rosa senhora derrubou, diante <strong>do</strong>s<br />

meus olhos, as grades <strong>da</strong> minha cela, e que, por esse facto, é que estou aqui na vossa presen-<br />

ça?<br />

Mas, senhor Manolo, podemos, afinal contar com provas, mais que suficientes, capa-<br />

zes de esclarecer os senhores e, já agora, também a mim próprio.<br />

lia.<br />

A fa<strong>da</strong> disse:- ficas a saber que estes navios serão teus e neles regressarás à tua famí-<br />

Por mim acredito que ninguém lhes tocará, graças à protecção <strong>da</strong> suposta fa<strong>da</strong>. Por<br />

isso, é só confirmar se tais navios estão fundea<strong>do</strong>s na baía.<br />

Concluo pois que; se esses navios e esses tesouros não estiverem exactamente na baía<br />

<strong>do</strong> <strong>Fial</strong> à minha espera, tu<strong>do</strong> isto não passa de uma alucinação e, simplesmente, não saberei<br />

quem sou, nem de onde venho.<br />

44


alguém)<br />

(nisto ouvem-se lati<strong>do</strong>s <strong>do</strong> cão. Manolo e Sara apercebem-se de que se aproxima<br />

Sara – (levantan<strong>do</strong>-se) Quem será a esta hora... assim tão ce<strong>do</strong>!?<br />

(prepara-se para ir abrir a porta)<br />

Manolo (impedin<strong>do</strong>-a rapi<strong>da</strong>mente) Deixa, que eu vou. Sei lá o que mais poderá<br />

acontecer! (abre a porta e, encaran<strong>do</strong> com a sua avó, diz muito admira<strong>do</strong>)<br />

Oh minha queri<strong>da</strong> avó!.. Como pode ser isto?... Que faz por aqui a esta hora? Lá de<br />

tão longe... e... tão ce<strong>do</strong>!?<br />

Mirita: – Olha... vim caminhan<strong>do</strong> à luz <strong>da</strong> lua... Estava um luar maravilhoso, e disse<br />

cá para comigo: vou por aí, talvez a casa <strong>do</strong> meu neto, tomar o café.<br />

(vai entran<strong>do</strong>, a menina corre para ela. A velhinha baixa-se para lhe <strong>da</strong>r um beijo)<br />

Ai deixa-me sentar um pouco. Estas minhas pernas já não são na<strong>da</strong> <strong>do</strong> que eram.<br />

Sara: – Pudera... a avozinha vai já nos os seus 120 e ain<strong>da</strong> fresca e mexi<strong>da</strong> que nem<br />

sei... Acho que não há ninguém no mun<strong>do</strong> como a senhora. Mas ain<strong>da</strong> bem, queri<strong>da</strong> avozi-<br />

nha. Nós gostamos muito de si.<br />

Mas a senhora, vir lá <strong>do</strong> “Tempo”, e para mais de noite, deixe-me que lhe diga...<br />

Vou mas é arranjar-lhe um café quentinho, está bem?<br />

Mirita: – Está bem; foi para isso que cá vim e já tenho um ratinho no estômago (e<br />

olhan<strong>do</strong> para Alibá)<br />

Quem é este rapaz? Tem ar de príncipe.<br />

Menina: – E é minha avozinha; está to<strong>do</strong> roto e sujo, mas é um príncipe! Sabes.<br />

Encontrámo-lo escondi<strong>do</strong> no feno <strong>da</strong> manje<strong>do</strong>ura.<br />

Mas sabe uma coisa, avó? Ele também comeu frutos, como a senhora e o avô, quan<strong>do</strong><br />

estiveram escondi<strong>do</strong>s no pene<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>.<br />

45


Mirita: – Como, minha filha?! (e olhan<strong>do</strong> para o rapaz, fixan<strong>do</strong>-o com curiosi<strong>da</strong>de,<br />

assumiu, desde logo, uma atitude de grande excitação)<br />

És tu!...Só podes ser tu! És tu mesmo!... És tal qual como te tenho visto nos meus<br />

sonhos. É como se te tivesse visto, pessoalmente, em qualquer parte.<br />

Alibá: – A mim, avozinha? Eu que passei a minha vi<strong>da</strong> a ser negocia<strong>do</strong> como escravo<br />

nas quatro parti<strong>da</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ou encerra<strong>do</strong> em porões <strong>do</strong> navios, como poderia a senhora ter-<br />

me visto, em qualquer la<strong>do</strong>, como a senhora diz?<br />

Mirita: – Pois é meu filho. É isso mesmo. Eu conheço-te. Tu foste rouba<strong>do</strong> a teus<br />

pais, tinhas apenas oito anos de i<strong>da</strong>de. Brincavas com os teus cria<strong>do</strong>s nos jardins <strong>do</strong> teu palá-<br />

cio, lá na Arábia, quan<strong>do</strong> foste traí<strong>do</strong> por um deles.<br />

Manolo – E esta hem? Lá vem a avó com as suas histórias. (continuan<strong>do</strong>) Olha, Sara.<br />

Enquanto vocês conversam vou à abegoaria tratar <strong>do</strong>s animais. Aquilo ficou tu<strong>do</strong> um pande-<br />

mónio. (sai).<br />

Alibá: – Isso que a senhora disse é ver<strong>da</strong>de; mas como é que a avozinha sabe essas<br />

coisas!?... Quem é então a senhora!?<br />

Mirita: – Ah meu rapaz. Vou contar-te uma passagem <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong> que aconteceu<br />

há mais de cem anos.<br />

Menina: – Avó, conta quan<strong>do</strong> te escondeste <strong>do</strong>s malva<strong>do</strong>s mareantes, com o avô, lá<br />

no pene<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>.<br />

Mirita: – Sim filha, era isso mesmo que ia contar, e, pelo que pressinto, não é a ti a<br />

quem mais interessa, neste momento, a minha história, mil vezes repeti<strong>da</strong>. (voltan<strong>do</strong>-se para<br />

o rapaz)<br />

Sabes, meu jovem. Aqui em casa sempre pensaram que foi pura invenção minha. Mas<br />

eu ouvi realmente o canto triste que vinha <strong>da</strong>s paredes <strong>da</strong>quele pene<strong>do</strong>. Sabes, era assim<br />

como se a pedra tivesse voz, uma voz sumi<strong>da</strong>, pedin<strong>do</strong> socorro. Ora ouve. Certo dia, eu e o<br />

meu Fernandes, o meu mari<strong>do</strong>, resolvemos, lá no Lugar <strong>do</strong> Tempo, ir de viajem até ao mar,<br />

46


mais propriamente à baía <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>. Só se falava na beleza <strong>do</strong> mar e <strong>da</strong>quela baía. To<strong>do</strong>s temos<br />

me<strong>do</strong> <strong>do</strong>s malditos corsários, mas dizia-se que esses perigosos mareantes haviam deixa<strong>do</strong> de<br />

frequentar a baía.<br />

Partimos e, depois de an<strong>da</strong>rmos três dias, avistávamos já o pene<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Fial</strong>, quan<strong>do</strong><br />

descobrimos relativamente perto, uns homens de far<strong>da</strong> azul. Claro que vimos logo que eram<br />

marinheiros. Portavam-se como se an<strong>da</strong>ssem à procura de alguém.<br />

Foi por um triz que não nos viram! O que nos valeu foi escondermo-nos tão rapi<strong>da</strong>-<br />

mente e penetrar na densa escuridão, que fazia dentro de um pene<strong>do</strong>. Vê lá tu que, apalpan<strong>do</strong><br />

no escuro, aqueles malfeitores só por milímetros não me tocaram num ombro. Apalparam,<br />

apalparam e por fim disseram: Não, aqui não está ninguém. Foi impressão nossa.<br />

Mas os malditos mareantes continuaram por ali ron<strong>da</strong>n<strong>do</strong>, o que nos obrigou a ficar<br />

naquela situação seis dias e seis noites. Claro que morreríamos de fome e sede. Mas, ouve<br />

meu rapaz. Estávamos nós já a desfalecer de fraqueza quan<strong>do</strong>, de repente, apareceu, ali mes-<br />

mo na nossa frente, um grande açafate cheio de frutos!<br />

Frutos ver<strong>da</strong>deiros, ouviste!?...<br />

Embora atónitos, sem pensar como é que tal coisa podia acontecer, num ápice, devo-<br />

ramos tu<strong>do</strong> quanto, naquele açafate, havia.<br />

dias.<br />

Para nosso espanto e felici<strong>da</strong>de também, aquilo acontecia, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong>, to<strong>do</strong>s os<br />

Mas, não foi só isto que aconteceu diante <strong>do</strong>s nossos olhos. Ali pela tardinha entrava<br />

uma réstia de sol no pene<strong>do</strong>. Nesse momento começavam a produzir-se páli<strong>da</strong>s e varia<strong>da</strong>s<br />

cores a que se juntavam sons harmoniosos, como se viessem de muito longe, mas que acaba-<br />

vam por se afirmarem com to<strong>da</strong> a nitidez, ali, junto de nós.<br />

Era então que se fazia ouvir uma voz feminina, <strong>do</strong>ce e triste, cantan<strong>do</strong>:<br />

47


Oh gentes que me ouvis<br />

Tentai, tentai libertar-me<br />

Estou presa por mãos vis<br />

Vinde ao menos consolar-me<br />

Princesa Real eu sou<br />

Num pene<strong>do</strong> lapi<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

Em pedra me transformou<br />

Horrível bruxa malva<strong>da</strong><br />

48


Perguntei ao meu Fernandes, muito baixinho, se tinha ouvi<strong>do</strong> o que eu ouvira. E ele,<br />

acenan<strong>do</strong>, disse-me que sim.<br />

Já os malditos mareantes teriam parti<strong>do</strong>, pois deles não se pressentia o menor sinal.<br />

Naquele silêncio profun<strong>do</strong>; a certa altura, ouvimos algo como se fosse o rugi<strong>do</strong> de<br />

leão. Ficamos aterra<strong>do</strong>s, porém tu<strong>do</strong> passou, como se o suposto leão se tivesse espreguiça<strong>do</strong><br />

e a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong> de novo.<br />

Breves momentos se passaram, e eis que soaram lindíssimos sons de harpa, e com eles<br />

voltou a ouvir-se a <strong>do</strong>ce voz, dizen<strong>do</strong>:<br />

Tinha eu dezoito anos<br />

Quan<strong>do</strong> um vento me pegou<br />

Envolveu-me em pretos panos,<br />

No seu ventre me enrolou<br />

E uma voz rin<strong>do</strong>, falou:<br />

P´ra ti, o tempo, parou!<br />

49


memória.<br />

Aqui vivo tristemente,<br />

Choro, choro, noite e dia;<br />

Neste meu viver pungente<br />

Sem um laivo alegria<br />

Sei que há-de vir um dia<br />

Meu salva<strong>do</strong>r, mareante<br />

Livrar-me com ousadia<br />

Deste ser repugnante<br />

Virá lá <strong>do</strong> Oriente,<br />

Percorren<strong>do</strong> mares sem fim,<br />

Mas também ele padecente,<br />

Às mãos de gente ruim<br />

Se o virdes no caminho,<br />

Que apresse a caminha<strong>da</strong>;<br />

Mas terá de vir sozinho,<br />

Arma<strong>do</strong> de uma espa<strong>da</strong>.<br />

Foi então meu rapaz que vi o teu perfil. A tua imagem jamais desapareceu <strong>da</strong> minha<br />

Entretanto, tu<strong>do</strong> emudeceu, e nós regressamos ao Tempo.<br />

50


É esta a minha história. História que conto há muito tempo, talvez imaginação minha,<br />

não sei, mas vou dizen<strong>do</strong> que existe no Pene<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Fial</strong> uma jovem de outros tempos, trans-<br />

forma<strong>da</strong> numa estátua de pedra, pelas mãos de uma bruxa maldita.<br />

Digo também que essa jovem, era a princesa mais bela de um reino antigo, que espera<br />

ser resgata<strong>da</strong>, por um certo jovem, também este vítima de ladrões e assassinos. Esse jovem<br />

virá um dia <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s <strong>do</strong> mar.<br />

Agora, olho para ti e não tenho a menor dúvi<strong>da</strong>, de que esse rapaz eras tu.<br />

(Fez-se um casual momento de silêncio)<br />

Manolo – (entran<strong>do</strong>) Mas que silêncio é este? Que aconteceu agora!?<br />

Sara: – Olha Manolo, estou pasma<strong>da</strong> com o que vejo e ouço!<br />

Para te ser franca, nunca a história <strong>da</strong> tua avó me pareceu tão ver<strong>da</strong>deira!... Sim, a his-<br />

tória <strong>da</strong> tua avó, é ver<strong>da</strong>deira!<br />

Pasma Manolo! Este é o rapaz que a tua avó haveria de encontrar antes de morrer!<br />

Imagina só! Pelos vistos, ela viu o seu perfil antes <strong>do</strong> rapaz ter nasci<strong>do</strong>!<br />

Manolo: – Ó mulher, francamente, estás mesmo sugestiona<strong>da</strong>... deixa-te dessas fanta-<br />

sias. (voltan<strong>do</strong>-se para a avó)<br />

Então avó, como se sente, depois de tão grande caminha<strong>da</strong>?<br />

Mirita: – Um pouco cansa<strong>da</strong>, mas, em boa hora resolvi cá vir. Contu<strong>do</strong> vou <strong>do</strong>rmitar<br />

um nadinha, aqui no canapé.<br />

(inclina-se para <strong>do</strong>rmir<br />

Manolo ampara-a e fica nessa posição<br />

Sara fora buscar uma panela para pôr ao lume, mas fica especa<strong>da</strong> no meio <strong>da</strong> casa<br />

com a panela nas mãos.<br />

A menina suspende a mão, no momento em que ia fazer uma festa à avó<br />

51


Alibá ia falar, mas fica de boca aberta com o braço suspenso no ar. A luz desvanece<br />

quase a zero e um foco distingue agora a figura <strong>do</strong> mágico.<br />

Mágico – Senhoras e senhores, meninas e meninos, aqui estou de novo.<br />

Algum tempo passou e o atribula<strong>do</strong> Alibá foi recuperan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s maus tratos infringi<strong>do</strong>s<br />

durante tantos anos. Deliciava-se, principalmente com leite fresco e frutos varia<strong>do</strong>s, que<br />

abun<strong>da</strong>vam por to<strong>da</strong> a Quinta.<br />

Era importante restabelecer-se para enfrentar, as tais forças demoníacas no Pene<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>Fial</strong>. Disso já to<strong>do</strong>s estavam convenci<strong>do</strong>s, incluin<strong>do</strong> Manolo.<br />

Já imaginaram, senhoras e senhores, meninos e meninas, como poderá travar-se uma<br />

luta entre uma bruxa terrível que se torna invisível, saltan<strong>do</strong> <strong>da</strong>qui e <strong>da</strong>li? E como poderá ele<br />

degolá-la?<br />

E pior ain<strong>da</strong>, como poderá o pobre Alibá, arrancar <strong>da</strong> garganta de um enorme dragão<br />

uma esmeral<strong>da</strong>, a qual terá de beijar para que o encanto se quebre para sempre?<br />

Bom. Esperemos para ver. Nós voltamos já.<br />

Fecha o pano.<br />

Fim <strong>do</strong> terceiro Acto<br />

52


fun<strong>do</strong>.<br />

Quarto Acto<br />

Cenários<br />

Bambolinas e bambinelas com árvores e ramagem, em perspectiva, até ao pano de<br />

Pano de fun<strong>do</strong>: um castelo alcan<strong>do</strong>ra<strong>do</strong> com paredes arruina<strong>da</strong>s Mostra uma torre<br />

estreita, bastante alta, uma janela, e o telha<strong>do</strong> fortemente pontiagu<strong>do</strong>. Na base evidencia-se<br />

um portão de cor laranja; os ferrolhos e a fechadura, pretos.<br />

Um céu ameaça<strong>do</strong>r: nuvens brancas, amarelas, cinzentas, azula<strong>da</strong>s etc. (trata-se<br />

de obter uma cena de terror. O castelo é a casa <strong>da</strong> bruxa)<br />

As árvores, além <strong>do</strong>s verdes, terão amarelos e brancos para tornar mais chocante<br />

o cenário. Tu<strong>do</strong> isto terá grande impacto ao surgir a luz <strong>do</strong>s relâmpagos e o ribombar <strong>do</strong>s<br />

trovões.<br />

As músicas serão pre<strong>do</strong>minantemente dissonantes.<br />

Abre o pano. Cena deserta.<br />

Fa<strong>da</strong> – (Entran<strong>do</strong> em cena pé ante pé. As suas vestes são esplen<strong>do</strong>rosas.)<br />

Senhoras e Senhores, meninas e meninos, Alibá, restabeleci<strong>do</strong>, saiu <strong>da</strong> Quinta de<br />

Manolo, à procura de um lugar, onde está aprisiona<strong>da</strong> a “<strong>Moura</strong> encanta<strong>da</strong> <strong>do</strong> Pene<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>Fial</strong>”. Pois, Senhoras e Senhores, Meninos e Meninas, este é o tenebroso lugar. (segre<strong>da</strong>n<strong>do</strong>)<br />

Eis que chega; já o vejo ali ao fun<strong>do</strong>.<br />

Mal sabe ele os tormentos que aqui vai passar. Naquele castelo está a pobre princesa<br />

transforma<strong>da</strong> numa estátua de pedra. Apenas lhe é permiti<strong>do</strong> entoar um triste canto acerca a<br />

53


sua desventura e comer apenas uns frutos de vez enquan<strong>do</strong>. Porém, a sua libertação está pres-<br />

tes a chegar. (olhan<strong>do</strong> para entre cena, continua) Aí está o nosso herói. Vou deixar-lhe aqui<br />

uma espa<strong>da</strong> – uma espa<strong>da</strong> com poderes especiais, evidentemente, como convém numa luta<br />

tão desigual.<br />

(Faz um estali<strong>do</strong> com os de<strong>do</strong>s e aparece outra fa<strong>da</strong> com uma espa<strong>da</strong> sobre os bra-<br />

ços. Entrega-a, faz uma vénia e sai. Continua) Vou sair; é bom que Alibá me não veja.<br />

Vejamos então o que vai acontecer (pousa a espa<strong>da</strong> e sai)<br />

Alibá: – (entra em cena cansa<strong>do</strong> de muito caminhar. Senta-se um pouco. Traz um tra-<br />

je semelhante ao <strong>do</strong> Robin <strong>do</strong>s Bosques .<br />

Aqui vou, novamente, a caminho <strong>do</strong> desconheci<strong>do</strong>. Onde estarei eu agora? Sei que<br />

tenho de libertar uma Princesa <strong>da</strong>s garras de uma bruxa maldita. Porém, como se lutará con-<br />

tra uma bruxa? Não dirão!? Ao que dizem, uma bruxa é um ser diabólico cheio de artima-<br />

nhas; aparece e desaparece, como poderei pois apanhá-la!?<br />

Bom. Pelo menos, me<strong>do</strong> não tenho. (nesse momento vê a espa<strong>da</strong>. Continua) Uma<br />

espa<strong>da</strong>. É para mim, certamente! (empunha- a e maneja-a. Continua) Quantas vezes vi <strong>da</strong><br />

54


minha cela, aqueles bandi<strong>do</strong>s marinheiros à espadeira<strong>da</strong>, em lutas de morte; posso até dizer<br />

que aprendi um pouco, ven<strong>do</strong>, mas nunca imaginei que, algum dia, tivesse de empunhar uma<br />

espa<strong>da</strong>, muito menos para enfrentar um poder maligno. Mas eu sei que não estou só. Comigo<br />

está o poder <strong>do</strong> Bem, e tenho a certeza que esta espa<strong>da</strong> é um presente <strong>da</strong> minha boa fa<strong>da</strong>.<br />

Deve ter-se escondi<strong>do</strong> por aí.<br />

(relampejou e de segui<strong>da</strong> ouve-se o ribombar de um trovão. Alibá olha para os céus<br />

e para o fun<strong>do</strong> <strong>da</strong> cena agora foca<strong>da</strong> intermitentemente. Continua)<br />

Pelo que vejo, devo ter chega<strong>do</strong> ao maldito lugar que procuro.<br />

Venham pois <strong>da</strong>í, raios e coriscos, e com eles cem demónios (e brande a espa<strong>da</strong> como<br />

que treinan<strong>do</strong> uns golpes. Ouvem-se fortes gargalha<strong>da</strong>s. Um vulto atravessa rapi<strong>da</strong>mente a<br />

cena e Alibá dá um grande salto com a espa<strong>da</strong> em riste, olha em re<strong>do</strong>r e não vê ninguém.<br />

Continua, bra<strong>da</strong>n<strong>do</strong>)<br />

Então bruxa, diabo, ou lá o que és! An<strong>da</strong>. Vem. Não faças cerimónia. (mais garga-<br />

lha<strong>da</strong>s, seguin<strong>do</strong>-se de um profun<strong>do</strong> silêncio. Alibá percorre o palco, procuran<strong>do</strong>, tentan<strong>do</strong><br />

ver qualquer sinal. Passa<strong>do</strong>s momento continua) Vou chamar pela princesa. Quem sabe se<br />

ela me ouve. (vai até ao fun<strong>do</strong> <strong>da</strong> cena. Surgem nesse momento mais relâmpagos<br />

alta, chama)<br />

Luzes intermitentes – e, após um <strong>do</strong>s estron<strong>do</strong>s Alibá dá <strong>do</strong>is passos atrás e, em voz<br />

Onde estás minha Princesa<br />

Vim aqui pr`ra te salvar<br />

Salvar-te-ei com certeza<br />

E vou contigo casar<br />

(O silêncio continua)<br />

55


Diz de lá se me ouviste<br />

Do meio desse tormento<br />

Deves estar muito triste<br />

Nesse vil encantamento<br />

(ouvem-se longas risa<strong>da</strong>s e sons aterra<strong>do</strong>res. Alibá agita-se)<br />

Agora sim. Eis que chegou a hora <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. (continua)<br />

(e bra<strong>da</strong>): –<br />

Onde estás bruxa malva<strong>da</strong>,<br />

56


Donde te vem o poder!?<br />

És <strong>do</strong> diabo man<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

Pr`a nos fazeres padecer?<br />

Mas eu te vou retalhar<br />

Nem por momentos duvi<strong>do</strong><br />

Sei que te vou degolar<br />

Que disso fui incumbi<strong>do</strong>.<br />

Bruxa - (entre gargalha<strong>da</strong>s )<br />

Tu, levares a tua ama<strong>da</strong>...<br />

Privares-me deste prazer?<br />

Pois <strong>da</strong>qui não levas na<strong>da</strong><br />

Bem podes pôr-te a mexer.<br />

Foi esta a presa mais bela<br />

Colhi<strong>da</strong> por minha mão<br />

Outra não há como ela<br />

Aqui, na minha mansão<br />

( e ri)<br />

57


Alibá: –<br />

Maldita bruxa asquerosa<br />

Não perdes pela demora<br />

Mostra-te feia tinhosa<br />

Não duras mais de uma hora<br />

Bruxa – ( ri )<br />

Mal sabes tu fanfarrão<br />

A força <strong>do</strong> meu poder<br />

Não tar<strong>da</strong>s num caldeirão<br />

Já pus a água a ferver<br />

(Mais risa<strong>da</strong>s e barulhos)<br />

Alibá: –<br />

Vem então <strong>da</strong>í buscar-me<br />

Para me veres cozidinho<br />

E eu verei o teu charme<br />

E se tens cara ou focinho<br />

58


Bruxa (com raiva)<br />

Meu orgulho provocaste<br />

Herói de meia tigela<br />

Mas vais ver o que ganhaste<br />

Quer p`ra ti quer p`ra <strong>do</strong>nzela<br />

Alibá: –<br />

Vem então bruxa maldita<br />

Não adianta esperar<br />

Eu sei que tenho a dita<br />

Do teu bandulho estripar<br />

Bruxa –<br />

Estou mesmo aqui a teu la<strong>do</strong><br />

Senta<strong>da</strong> num cadeirão<br />

Espero ver-te chamusca<strong>do</strong><br />

Pelo meu belo dragão<br />

59


Quero ver-te a estornicar<br />

Qual churrasco bem passa<strong>do</strong><br />

E tua ama<strong>da</strong> a gritar<br />

Ante o meu belo “assa<strong>do</strong>”<br />

Antes porém te vou <strong>da</strong>r<br />

Como se fora um presente<br />

Por artes te vou mostrar<br />

A princesa padecente<br />

Irás ver o esplen<strong>do</strong>r<br />

Duma beleza sem par<br />

Sempre à espera dum amor<br />

Que ninguém lhe pode <strong>da</strong>r<br />

Grande gozo é o meu,<br />

Pois de raiva me alimento<br />

Na<strong>da</strong> tenho com o céu<br />

Que lá não tenho assento<br />

(entre trovões e relâmpagos é visível uma lin<strong>da</strong> rapariga com vestes vaporosas.<br />

Simultaneamente Alibá corre para a princesa. São lança<strong>do</strong>s para o palco nevoeiros de teatro<br />

matiza<strong>do</strong>s de várias cores. Sai <strong>do</strong>s basti<strong>do</strong>res um dragão – construí<strong>do</strong> de pano e palha - de<br />

60


cor verde, bastante grande. O seu movimento ficará a cargo de um indivíduo disfarça<strong>do</strong> por<br />

detrás <strong>do</strong> “bicho”. A cena torna-se amarela e vermelha - luzes a tingir o nevoeiro – Focos<br />

amarelos e vermelhos tingin<strong>do</strong> o fumo que sai <strong>da</strong> boca <strong>do</strong> dragão.<br />

Alibá deixa de se ver por momentos, aqui e ali, naquele ambiente.<br />

Em <strong>da</strong><strong>do</strong> momento reaparece investin<strong>do</strong> contra o dragão. Espeta-lhe a espa<strong>da</strong> na<br />

garganta. (ouve-se um urro infernal e, segui<strong>da</strong>mente vários gritos)<br />

a bruxa aparece – agora visível - <strong>da</strong>n<strong>do</strong> grandes saltos, de um la<strong>do</strong> para o outro.<br />

Terá um nariz longo, óculos, um chapéu em bico muito alto, amarelo, um vesti<strong>do</strong> compri<strong>do</strong>,<br />

roxo, ata<strong>do</strong> com uma cor<strong>da</strong> pela cintura<br />

Uma voz feminina (chaman<strong>do</strong> <strong>do</strong>s basti<strong>do</strong>res))<br />

Alibá, há uma esmeral<strong>da</strong> escondi<strong>da</strong> na barriga <strong>do</strong> dragão. É nessa esmeral<strong>da</strong> que está<br />

a chave deste segre<strong>do</strong>. Arranca-a e beija-a. Nesse momento será quebra<strong>do</strong> o feitiço. Esse<br />

mun<strong>do</strong> ruirá, e com ele a maldita bruxa. (Alibá continua a golpear o dragão)<br />

Bruxa - ( olha para os ares aproxima-se <strong>da</strong> boca de cena e grita de raiva) Não me<br />

ganhareis, fa<strong>da</strong>s <strong>do</strong> bem!... O meu poder é mais forte que o vosso. (De segui<strong>da</strong>, de salto em<br />

salto crava as longas unhas no corpo de Alibá. Desenrola-se uma certa luta e, por fim, Alibá<br />

corta-lhe um braço.<br />

ra<strong>da</strong>.<br />

Bruxa – Ah maldição! Ah maldição! (cai). Alibá vai sobre ela e dá-lhe uma espadei-<br />

Ouve-se um grande grito e uma estron<strong>do</strong>sa derroca<strong>da</strong>. Segue-se uma enorme explo-<br />

são. Relâmpagos e música trágica.<br />

61


Cai o pano<br />

Fim <strong>do</strong> Quarto Acto<br />

62


Quinto Acto<br />

Nota: o quinto acto vale pela festa em geral, mas principalmente pelo investimento<br />

que se põe na <strong>da</strong>nça de ballet, o qual de si mesmo conta uma história enquadra<strong>da</strong> no espírito<br />

desta peça.<br />

Cena - Bambinelas: arvores flori<strong>da</strong>s.<br />

Pano de fun<strong>do</strong>: Céu azul, nuvens brancas. À direita um apontamento de serra, um<br />

vale e uma casa ao longe. Do la<strong>do</strong> direito: a baía <strong>do</strong> <strong>Fial</strong> com um barco à distância.<br />

Um praticável (construí<strong>do</strong> com ripas de madeira e cartão) coloca<strong>do</strong> em frente <strong>do</strong><br />

pano de fun<strong>do</strong> representan<strong>do</strong> um barco com velas. Do praticável faz parte uma esca<strong>da</strong> de<br />

subi<strong>da</strong> para bor<strong>do</strong>.<br />

Nele embarcará, no final, Alibá e a Princesa bem como vários marinheiros, e a cena<br />

termina com to<strong>do</strong>s os presentes a dizerem adeus, agitan<strong>do</strong> lenços. Trata-se de uma cena<br />

Apoteótica. Brilhante.<br />

e som.<br />

Como já se disse pretende-se que o acto seja, por si só, um espectáculo de ballet, luz<br />

Ain<strong>da</strong> com o pano de boca fecha<strong>do</strong>, ouvem-se sons fortes de harpa.<br />

Ao abrir o pano deparamos com fa<strong>da</strong>s estáticas (o grupo de ballet), coloca<strong>da</strong>s em<br />

semi circulo, volta<strong>da</strong>s para o público, posiciona<strong>da</strong>s em atitudes diferentes.<br />

Um pouco ao la<strong>do</strong> <strong>da</strong> cena, mais à frente, será coloca<strong>do</strong> o coche <strong>da</strong> Fa<strong>da</strong> Mor <strong>da</strong><br />

Macedónia. Junto <strong>do</strong> coche está a Fa<strong>da</strong> e o Mágico, também estáticos.<br />

Inicia-se a música apropria<strong>da</strong> à <strong>da</strong>nça de ballet, e as bailarinas (como que acor<strong>da</strong>n-<br />

<strong>do</strong>), iniciam a <strong>da</strong>nça.<br />

63


A Fa<strong>da</strong> e o Mágico movem-se também e contemplam a cena. A <strong>da</strong><strong>da</strong> altura irrompe<br />

uma música (marcha nupcial) e as bailarinas, harmonizam-se suspenden<strong>do</strong> a <strong>da</strong>nça lenta-<br />

mente.<br />

Entram: Alibá vesti<strong>do</strong> de fraque e a princesa vesti<strong>da</strong> de noiva. To<strong>do</strong>s batem palmas.<br />

Chovem pétalas de flores, ou papelinhos colori<strong>do</strong>s com profusão. A <strong>da</strong><strong>do</strong> momento Alibá e a<br />

princesa embarcam dizen<strong>do</strong> adeus. To<strong>do</strong>s correspondem com grande entusiasmo. Ain<strong>da</strong> a<br />

cena em movimento a Fa<strong>da</strong> interfere dizen<strong>do</strong>:<br />

Fa<strong>da</strong> (à boca de cena) – E assim, senhoras e senhores, meninos e meninas, Alibá e a<br />

lin<strong>da</strong> Princesa partem felizes para o Oriente, em navios carrega<strong>do</strong>s de oiro.<br />

Mágico – Quanto a nós, Senhoras e Senhores, Meninas e Meninos, esperamos ter-lhes<br />

transmiti<strong>do</strong>, com o coração, a história <strong>do</strong> nosso velho mágico Britolá.<br />

To<strong>do</strong>s dizem adeus, a música final aumenta.<br />

Fecha o pano<br />

FIM<br />

J.Morais<br />

64

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!