A Raposa e a Águia - Programa de Pós-Graduação em História ...
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A partícula “seu” foi grifada no original, como a <strong>de</strong>stacar o tom informal da fala <strong>de</strong> Seabra. Em<br />
um registro formal, era esperado que ele chamasse o médico Imbassaí <strong>de</strong> “doutor”.<br />
Seabra lidava naturalmente com a complexa dinâmica dos favores, conforme o comportamento<br />
vigente. Não tinha vergonha <strong>de</strong> pedir e se esforçava para aten<strong>de</strong>r. Em 1896, ao recomendar a<br />
Rui um protegido seu, explicou que o rapaz era “muito acanhado” e que, talvez por isso, não<br />
havia seguido sua recomendação <strong>de</strong> “l<strong>em</strong>brar-lhe s<strong>em</strong>pre o pedido”, por achar que se tornava<br />
importuno. (ARB/CRUPF 1332.1/1 26/10/1896). Seabra não sofria <strong>de</strong>ssas inibições. Da mesma<br />
forma, facilitava o acesso aos seus próprios “clientes”. Quando ministro, instituiu um evento<br />
s<strong>em</strong>anal nas noites <strong>de</strong> quinta-feira, oportunida<strong>de</strong> para estabelecer contatos <strong>em</strong> um ambiente<br />
agradável, ao som <strong>de</strong> música. Em biografia escrita quando ele estava no ministério, com o<br />
propósito <strong>de</strong> enaltecê-lo, Melo Moraes Filho <strong>de</strong>screveu a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Seabra nessas recepções:<br />
De uma urbanida<strong>de</strong> insinuante e majestosa, inteligência clara, justa, precisa, nada tendo <strong>de</strong><br />
burocrático, <strong>de</strong> protocolar, o ministro do interior acolhe entre os braços os convivas da noite,<br />
liberalizando maneiras cortesãs, distinções espontâneas (MORAES FILHO, 1905, p.101).<br />
Nessas recepções do ministério, a frequência era, provavelmente, <strong>de</strong> pessoas das classes mais<br />
privilegiadas, como o próprio Rui, que recebeu um convite, hoje guardado <strong>em</strong> seu acervo. Era<br />
um <strong>de</strong>sses rituais políticos mais restritos, já mencionados. Mas, a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Seabra <strong>em</strong> fazer<br />
e receber pedidos, sua naturalida<strong>de</strong> <strong>em</strong> lidar com a “pequena política”, po<strong>de</strong> ser compreendida<br />
como uma característica marcante, <strong>em</strong> sua trajetória política, também na relação com pessoas<br />
<strong>de</strong> outras classes sociais. Essa é, a nosso ver, uma chave importante para a compreensão <strong>de</strong> sua<br />
ligação duradoura com o major Cosme <strong>de</strong> Farias, já mencionado, el<strong>em</strong>ento fundamental na<br />
articulação do apoio dos setores populares <strong>de</strong> Salvador ao seabrismo.<br />
Cosme <strong>de</strong> Farias era uma figura peculiar no horizonte político da Bahia republicana. Nascido <strong>em</strong><br />
família pobre, não teve acesso à educação superior e apren<strong>de</strong>u os ofícios <strong>de</strong> rábula e <strong>de</strong> repórter<br />
na prática. Freqüentava diversos sindicatos e associações, inclusive o Centro Operário da Bahia.<br />
Como rábula, advogava a favor <strong>de</strong> trabalhadores <strong>em</strong> greve, servindo <strong>de</strong> intermediário junto aos<br />
patrões. Promovia meetings contra a “carestia da vida”, pedindo providências das autorida<strong>de</strong>s<br />
para reduzir o preço dos alimentos. Mais tar<strong>de</strong>, o combate ao analfabetismo seria sua principal<br />
ban<strong>de</strong>ira. Em sua longa trajetória como político, lí<strong>de</strong>r popular, representante <strong>de</strong> trabalhadores,<br />
Cosme se mostrava guiado por um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> assistência e carida<strong>de</strong> que o levava a tentar minorar<br />
as dificulda<strong>de</strong>s do próximo. Não pedia nada para si, o que po<strong>de</strong> ser comprovado pela extr<strong>em</strong>a<br />
pobreza <strong>em</strong> que viveu e morreu. A abnegação pessoal reforçava sua imensa popularida<strong>de</strong> entre<br />
os pobres <strong>de</strong> Salvador (SANTOS, Mônica, 2005).<br />
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