A Raposa e a Águia - Programa de Pós-Graduação em História ...
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1.2Referências culturais: tradição e inovação<br />
Rui Barbosa e José Joaquim Seabra circulavam no mesmo universo social. Ambos nasceram,<br />
foram educados e começaram a atuar profissional e politicamente ainda no Império. Rui tinha 40<br />
anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> na transição republicana, e Seabra, 34. Eram homens adultos, que conviveram<br />
plenamente com a socieda<strong>de</strong> brasileira da segunda meta<strong>de</strong> do século XIX, com seus valores,<br />
normas <strong>de</strong> conduta e hierarquias, inclusive com o estatuto da escravidão. Ambos vivenciaram<br />
essa realida<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> uma posição inicial b<strong>em</strong> s<strong>em</strong>elhante: eram baianos <strong>de</strong> Salvador,<br />
oriundos <strong>de</strong> famílias urbanas, s<strong>em</strong> terras ou gran<strong>de</strong>s fortunas, possuidores <strong>de</strong> escravos<br />
domésticos, dotados <strong>de</strong> bons vínculos sociais, formados <strong>em</strong> Direito e dispostos a participar<br />
ativamente do sist<strong>em</strong>a político imperial 7 .<br />
No entanto, quando Rui e Seabra iniciaram suas vidas adultas (po<strong>de</strong>-se tomar como marco o<br />
ingresso no ensino superior, respectivamente <strong>em</strong> 1866 e 1873), o sist<strong>em</strong>a imperial enfrentava<br />
uma profunda crise. Mudanças estruturais na socieda<strong>de</strong> brasileira, inerentes ao próprio processo<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>clínio do mo<strong>de</strong>lo escravista e <strong>de</strong> inserção no novo panorama mundial, aliadas à conjuntura<br />
política nacional e à difusão <strong>de</strong> certas doutrinas estrangeiras, <strong>de</strong>ram orig<strong>em</strong> a um movimento <strong>de</strong><br />
contestação às bases da or<strong>de</strong>m monárquica.<br />
Associações abolicionistas, republicanas, positivistas, fe<strong>de</strong>ralistas, entre outras, multiplicaram-se<br />
pelo país nas décadas <strong>de</strong> 1870 e 1880. Eram formadas, <strong>em</strong> sua maioria, por jovens letrados que<br />
não estavam encontrando espaços <strong>de</strong> atuação no regime. Como analisa Ângela Alonso (2002),<br />
<strong>em</strong> reação ao sist<strong>em</strong>a que os <strong>em</strong>purrava para a marg<strong>em</strong>, esses jovens buscaram subsídios para<br />
contestar o regime e suas tradições – daí o gran<strong>de</strong> sucesso <strong>de</strong> certas teorias que se difundiram<br />
nessa época, como o positivismo, o evolucionismo, o darwinismo social, entre outras. Elas<br />
traziam, apesar <strong>de</strong> suas especificida<strong>de</strong>s, a perspectiva <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, racional,<br />
científica, livre das amarras da velha or<strong>de</strong>m saquar<strong>em</strong>a.<br />
Rui Barbosa e Seabra eram jovens s<strong>em</strong> futuro garantido, já que não possuíam recursos próprios.<br />
Ambos tiveram dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> inserção na política imperial. Encaixavam-se, pois, no perfil da<br />
Geração <strong>de</strong> 1870, como os contestadores ficaram coletivamente conhecidos. Porém, a relação<br />
dos dois baianos com esses grupos teve características distintas.<br />
7 Rui Barbosa alforriou sua última escrava doméstica (a “crioula” Lia, herdada dos pais) <strong>em</strong> 1º <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1884, cinco dias<br />
antes da posse do gabinete Dantas, que viria a tratar da questão da escravidão (VIANA FILHO, 2008, p.203). Quanto a<br />
Seabra, os dados são s<strong>em</strong>pre incompletos, mas sabe-se que possuía ao menos uma escrava doméstica, chamada Paulina,<br />
<strong>em</strong> 1883, conforme registros <strong>de</strong> <strong>em</strong>barque citados por Renato Berbert <strong>de</strong> Castro (1990).<br />
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