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22 homem, as providências serão boas, né! Em seguida dava aquele sua risada quase sem som e saía como se me ignorasse ou quisesse que eu o acompanhasse, coisa que jamais fazia. José André estava destemido de seu destino. Caminhava como se seus pés não tocassem o chão. Um vento forte tocou em seus cabelos longos, espalhando-os sobre seu rosto suado grudando na pele e na boca. Com aquela rajada, misturada às folhas e ciscos, veio também uma folha de jornal amarelado da Folha de Santo Amaro, na sua manchete dizia: “TOME O TREM EM SANTO AMARO E VÁ PASSAR SUAS FÉRIAS EM SANTOS”. Era inaugurada então, a estação de Jurubatuba, a matéria dizia: “Em 16 de fevereiro de 1867 foi inaugurada a primeira ferrovia do Estado de São Paulo, a The São Paulo Railway Co. - Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, e agora a estação de Jurubatuba também é inaugurada (...)”. O jornal não era de sua época, devia ter saído de algum lixo, mas, parecia lhe prever alguma coisa que não soube definir, ou se atentar. A ferrovia saía da estação da luz e se esticava até o porto de Santos. Passando no meio de favelas e sobre viadutos. Na serra, entre curvas e precipícios, havia uma imensa ponte, este haveria de ser o lugar em que se jogaria, ele conhecia mais ou menos o local, já tinha viajado no trem indo a Santos e passado naquela ponte, não era muito longe de onde morava, hora e meia de caminhada ou pouco mais. Estava convicto que dali em diante terminaria seu sofrer, e sentiu certa paz interior, parecia-lhe que estava matando não a si, mas sua sede com uma água fresquinha de alguma daquelas muitas minas que há entre as pedras da serra. Imaginava, de verdade, que somente a morte lhe daria esta paz ou até a felicidade que tanto almejava ou, talvez, ambas as coisas... É claro que para a maioria das pessoas em geral, dentre seus amigos, suas ideias eram absolutamente absurdas, assim como ficar rico sem sacrifícios; seria uma ideia absurda. Tirar a própria vida, ainda mais. Na verdade ele não sabia o quanto era influenciável, e as influências são como poeiras invisíveis, estão por toda parte. É outdoor a lhe impingir: compre, adquira, faça, siga isso, beba aquilo, coma este ou
23 aquele alimento; são, de fato, influências que muitas vezes sem que percebamos estão nos conduzindo para caminhos alheios. Saiu naquele dia, como realmente a quem caminhasse para a morte, cabeça baixa, olhar triste, angústia no peito, o coração magoado doía-lhe na alma, como se algo o estivesse espetando de dentro para fora. Depois de horas de caminhada, não havia mais em si, ou em seu refolho, alguma resignação para com o mundo. Bem no meio daquela ponte enorme estava o jovem da história do livro. Havia ainda no seu coração, em meio à confusão que lhe passava pela cabeça, uma pontinha de dúvida, se faria ou não o que pretendia, foi quando pôde externar sua última oração: - Perdoe-me Deus, se pequei... Ele queria encenar e dar entonação perfeita às suas palavras, parecia uma vaidade sua impostar a voz e por em suas palavras à mesma emoção de um ator interpretando o Cristo, visto na tela do cinema, em uma das poucas vezes em que pôde ver uma fita. Parecia uma luta inglória com o destino. A lucidez se misturando à loucura. Olhava fixamente o horizonte como se buscasse nele algum alento para sua pobre alma perturbada. Tentou buscar dentro de sua cabeça alguma lembrança de seu pai, visualizou com isso um inteligível féretro saindo de algum lugar, tentou visualizar o semblante de sua mãe, e lhe veio uma imagem ofuscada e sombria, e tudo era tão vago, havia um elo partido cujo anelo jamais havia ou haveria de ser encontrado. Sentiu-se mais só ainda. Diante de seus olhos nublados de lágrimas misturadas ao verde das montanhas, viria como em sonhos, os cabelos pretos e grossos, como os de indígenas, de sua mãe, lhe aparecer emaranhados como cipós secos e retorcidos; numa visão assustadora, ela portava nas mãos aquela foice negra. Sua pele estava toda enrugada, com aspecto de folhas quebradiças de amontoados outonos, sua voz ressoava dentro de sua cabeça – Agora eu tenho que ir e não posso te levar, não posso. - Você é um homem, um homem, entendeu? Era uma pergunta cuja resposta estava na própria pergunta. Dali, de onde lhe parecia avistar o mundo todo, tudo tão minúsculo, naquela distância infinita, o fim, certamente, suplantava os montes circundados por grandes árvores. Da ponte, nem parecia que existia terra. Lá embaixo tudo era uma sombra verde e pequena. A distância de onde estava até o chão parecia
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