Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
15<br />
À noite eu ficava perambulando até não mais aguentar a fome e só ia<br />
para casa quando já despontava a madrugada; minha mãe ao me ouvir forçar a<br />
porta para entrar ou mexer nas panelas, à procura de algo para comer, se<br />
levantava já de posse de um cinto de couro cru e me pegava pelos braços, com<br />
aquelas suas mãos de algemas, e ali eu ficava preso, então ela me batia até seus<br />
braços não mais aguentarem. Talvez, só não me matasse, por estar quase<br />
morrendo de cansada da lida no algodão. Depois ela me fazia comer e se banhar<br />
para dormir.<br />
– Quero eu ver você não ir pra roça comigo, amanhã cedo, quero ver, eu<br />
te mato, seu moleque ordinário! Dizia separando as silabas à sua maneira: quero<br />
vê-r n-ão ir- co-mi-go...Assim, mal eu adormecia, já tinha que me pôr de pé,<br />
com as costas em chamas por causa das chibatadas de minha mãe. Ela sempre<br />
vinha olhar o estrago e ai, talvez, como fuga de consciência me botava no colo, de<br />
barriga para baixo, e sobre os ferimentos, passava um pano molhado com água<br />
morna e sal. Aos meus reclamos ela dizia:<br />
-É para sarar, é para sarar, não reclama não!<br />
No retorno do trabalho, quando a noite já caía, chegávamos de volta à<br />
nossa casa, “moídos de cansaço”, e por isso: uns poucos cruzeiros eram anotados<br />
na caderneta do empreiteiro, “o gato”, como era chamado por todos, que se<br />
somariam aos outros dias de serviços para se receber de pagamento no final da<br />
semana. Aqueles míseros valores mal davam para se comprar comida para a<br />
semana seguinte. Mas era tudo que conseguia ter com aquele trabalho miserável,<br />
era tudo que tínhamos.<br />
- Temos que dar graças a Deus, ainda por ter isso – dizia a mãe – tem<br />
gente que está pior! Ela sempre repetia.<br />
Nossas noites eram interrompidas ao meio. Três e meia da madrugada a<br />
mãe se levantava e acendia o fogão de lenha, cozinhava o que tinha, colocava<br />
dentro de um caldeirão de alumínio, envolvido com papéis para manter a caloria<br />
por mais tempo possível e o metia dentro de um embornal de pano grosso, para<br />
aguardar às nove e meia da manhã, quando era o momento de almoçar. Logo<br />
após o almoço, lá vinha o homem dos doces: