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No entanto, não me sentia bem ao ver a descrição daquele<br />
personagem. Percebi que, também eu, jamais havia me sentido feliz. Talvez, de<br />
verdade, eu jamais tivesse tido noção clara de algum estado de felicidade, era-me<br />
qualquer coisa de brincar com pipas que jamais tive; rodar piões, cujo riso de<br />
delícia somente compartilhava de longe ao ver outros meninos em pleno gozo da<br />
alegria, que certamente seria a tradução de algum desvendar de simples... Eu<br />
queria tanto saber de regozijos, mas, talvez o que sentisse fosse o mesmo que<br />
comer um pão com manteiga. Ah, um pão com manteiga! Lembrei-me - como me<br />
saciava a fome... Para mim era tão pouco, tão breve, tão pequeno, tão barato a<br />
felicidade, que não entendia como não tê-la. Será que aquele sentimento tão<br />
negativo, que nós, eu e José André sentíamos, não seria o reflexo dos sentimentos<br />
que víamos em adultos?<br />
Ouvíamos dizer: – A vida é barra pesada. - Que vida insuportável. - Que<br />
droga de vida! Estes jargões soavam tantas vezes em minha cabeça, e<br />
certamente na dele, que as frases, seguramente, haviam se tornado sangue,<br />
entrado em nossas circulações e nos transformados. Será que é isso que ressoa<br />
dentro dele e em mim - indaguei no silêncio.<br />
Comecei a associar os fatos de que muitos garotos da escola também haveriam de<br />
ter as mesmas similaridades que eu estava sentindo. Que tanto eles como José<br />
André e eu nunca havíamos tido grandes coisas, mas que não sentíamos aquela<br />
vontade tão sem bons propósitos. Fui remetido neste momento, às palavras da<br />
professora, quando perguntada, por que eu teria que fazer o que o outro não<br />
fazia, e ela me respondera: - “As pessoas, Henrique, são diferentes umas das<br />
outras”. Embora o personagem, ao menos até então, não portasse conduta<br />
marginal, o sentimento que mantinha em seu pobre coração era de desesperança,<br />
amargor, tristeza e desânimo.<br />
Apesar de sua pouca idade aquele personagem não era mais tão criança,<br />
bem podia saber das coisas. Os mais velhos sempre lhe aconselhavam a<br />
abandonar a revolta, mas ele fomentava sua ira, estava desiludido. Algo<br />
misterioso ou diabólico o conduzia a ser persuadido a insistir. Imaginava que seu<br />
sofrer era demasiado múltiplo. Como se tudo de doído lhe doesse em dobro.<br />
Havia em si uma ambição desproporcional, afinal estávamos no Brasil e as<br />
desigualdades eram marcantes e, para a maioria das pessoas, terem o que comer<br />
já era milagre, chegar ao final do primeiro grau era uma vitória inimaginável.<br />
Ele pensava fielmente, que se possuíssem coisas que tantos outros tinham, seria