Almanaque de Paulo Freire - DHnet
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1960<br />
Uma década <strong>de</strong> profundas mudanças<br />
Nos anos 60, quase todos os países do Oci<strong>de</strong>nte<br />
sofreram verda<strong>de</strong>iras convulsões sociais.<br />
O “po<strong>de</strong>r jovem”, marcado pela participação<br />
radical <strong>de</strong> estudantes em inúmeras áreas da<br />
cultura e da política (teatro, música, movimento<br />
estudantil etc.), abalou os alicerces do<br />
mundo adulto. A juventu<strong>de</strong> resolveu não esperar<br />
o mundo do futuro, resolveu se assumir<br />
sujeito da história no presente, na tentativa <strong>de</strong><br />
construir projetos sociais nos quais as pessoas<br />
pu<strong>de</strong>ssem ser mais livres e mais felizes.<br />
Como os jovens brasileiros, <strong>Paulo</strong> <strong>Freire</strong>, já<br />
adulto, engajou-se profundamente no movimento<br />
transformador e participou da fundação<br />
do Movimento <strong>de</strong> Cultura Popular (MCP),<br />
lançado pelas forças progressistas <strong>de</strong> Recife, e<br />
coor<strong>de</strong>nou, nessa ocasião, o “Projeto <strong>de</strong> Educação<br />
<strong>de</strong> Adultos”.<br />
Impressionado com os resultados alcançados<br />
pelo Método <strong>Paulo</strong> <strong>Freire</strong>, na alfabetização<br />
<strong>de</strong> camponeses <strong>de</strong> Angicos (RN), o então<br />
Ministro da Educação, <strong>Paulo</strong> <strong>de</strong> Tarso C.<br />
Santos, convida <strong>Paulo</strong> <strong>Freire</strong>, em junho <strong>de</strong><br />
1963, para a coor<strong>de</strong>nação do “Programa<br />
Nacional <strong>de</strong> Alfabetização”.<br />
As metas eram alfabetizar cinco milhões<br />
<strong>de</strong> brasileiros, em dois anos, e implantar, em<br />
Leitura do mundo<br />
Efervescência cultural e política: Brasil – início dos anos 60<br />
<strong>Paulo</strong> <strong>Freire</strong> (à esquerda) e o Ministro da Educação <strong>Paulo</strong> <strong>de</strong> Tarso<br />
Santos visitam o Círculo <strong>de</strong> Cultura do Gama (DF), em 1963.<br />
1964, mais <strong>de</strong> vinte mil Círculos <strong>de</strong> Cultura.<br />
Mesmo que alguns governantes utilizassem a<br />
alfabetização apenas com objetivos eleitorais (os<br />
analfabetos não podiam votar), o “Método <strong>Paulo</strong><br />
<strong>Freire</strong>” ia muito além, buscando apoiar a transformação<br />
dos alfabetizandos em sujeitos <strong>de</strong> sua<br />
própria aprendizagem, <strong>de</strong> seu próprio processo<br />
<strong>de</strong> conscientização, <strong>de</strong> seu protagonismo político,<br />
<strong>de</strong> seu próprio projeto <strong>de</strong> vida. O golpe <strong>de</strong><br />
1964 interromperia o Governo João Goulart e<br />
todas as suas propostas. O “Programa Nacional<br />
<strong>de</strong> Alfabetização” foi oficializado em 21 <strong>de</strong> janeiro<br />
<strong>de</strong> 1964 e extinto, pelo governo militar,<br />
em 14 <strong>de</strong> abril do mesmo ano.<br />
O Brasil viveu momentos <strong>de</strong> intensa mobilização cultural e política, no final dos anos 50 e início dos anos 60. Antes<br />
da repressão militar, além do Movimento <strong>de</strong> Cultura Popular (MCP), no qual atuou <strong>Freire</strong>, há que se ressaltar outros<br />
movimentos significativos, nessa fração da história brasileira:<br />
• A União Nacional dos Estudantes (UNE) discutia questões nacionais e as perspectivas <strong>de</strong> transformação que mobilizavam<br />
o país. O Centro Popular <strong>de</strong> Cultura (CPC), ligado à UNE, foi criado em 1961 e se espalhava pelo país, travando<br />
contato com bases universitárias, operárias e camponesas. Seu i<strong>de</strong>al era a construção <strong>de</strong> uma cultura nacional, popular<br />
e <strong>de</strong>mocrática, buscando ativida<strong>de</strong> conscientizadora junto às classes populares, restituindo-lhe “a consciência <strong>de</strong><br />
si mesma”. O CPC utilizava recursos como shows <strong>de</strong> música, teatro popular, cinema, produção <strong>de</strong> revistas e livros.<br />
P A L A V R A G E R A D O R A P A L A V R A G E R A D O R A<br />
CONSCIENTIZAÇÃO<br />
Em 1963, <strong>Freire</strong> publica, na revista Estudos Universitários<br />
(Recife, nº 4, abril-jun.), um artigo intitulado “Conscientização<br />
e alfabetização”. Esse conceito, central no<br />
pensamento <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>, foi melhor explicitado por ele a<br />
partir dos livros seguintes à “Educação como prática da liberda<strong>de</strong>”.<br />
<strong>Freire</strong> passou, então, a <strong>de</strong>stacar a relação necessária<br />
entre o conhecimento crítico e o compromisso <strong>de</strong><br />
intervenção transformadora sobre a realida<strong>de</strong>.<br />
Compreen<strong>de</strong>r esse conceito supõe, portanto, acompanhar<br />
a práxis freireana, estudá-la, ao longo <strong>de</strong> sua obra.<br />
“A conscientização não po<strong>de</strong> parar na etapa do <strong>de</strong>svelamento<br />
da realida<strong>de</strong>. A sua autenticida<strong>de</strong> se dá<br />
quando a prática <strong>de</strong> <strong>de</strong>svelamento da realida<strong>de</strong> constitui<br />
uma unida<strong>de</strong> dinâmica e dialética com a prática da<br />
transformação.”<br />
(FREIRE, <strong>Paulo</strong>. Ação cultural para a liberda<strong>de</strong>. 5. ed. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 117.)<br />
“Contra toda a força do discurso fatalista neoliberal,<br />
pragmático e reacionário, insisto, hoje, sem <strong>de</strong>svios<br />
i<strong>de</strong>alistas, na necessida<strong>de</strong> da conscientização. Insisto na<br />
sua atualização.”<br />
(FREIRE, <strong>Paulo</strong>. Pedagogia da autonomia. 2. ed. São <strong>Paulo</strong>.<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1996, p. 60.)<br />
Leitura do mundo<br />
<strong>Paulo</strong> <strong>Freire</strong> EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR <strong>Paulo</strong> <strong>Freire</strong><br />
✐<br />
GLAUBER ROCHA (1939-1981)<br />
Maior expressão do “Cinema Novo”,<br />
combativo, polêmico, revolucionou<br />
o cinema brasileiro<br />
e mundial, transformando-o<br />
em instrumento <strong>de</strong><br />
conhecimento e revelação<br />
da realida<strong>de</strong> brasileira. Fazer<br />
cinema era conscientizar.<br />
Efervescência cultural e política: Brasil – início dos anos 60<br />
ADAPTAÇÃO E<br />
INSERÇÃO<br />
<strong>Freire</strong> distingue os conceitos <strong>de</strong> adaptação e <strong>de</strong><br />
inserção:<br />
“Adaptação implica o esforço do ser humano em<br />
mudar-se para viver no mundo como ele é.”<br />
“Inserção implica a intervenção <strong>de</strong> homens e mulheres<br />
no mundo, para transformá-lo.”<br />
(<strong>Paulo</strong> <strong>Freire</strong>, in memoriam. PRIOLLI, Gabriel. São <strong>Paulo</strong>: TV<br />
PUC, 1997, sonoro, sem legenda, colorido.)<br />
• Surge o teatro <strong>de</strong> arena, com o palco em círculo e maior proximida<strong>de</strong> da platéia. O Teatro Brasileiro <strong>de</strong> Comédias<br />
passou a ser criticado por utilizar peças teatrais e recursos cênicos, predominantemente importados, numa postura<br />
colonizada. Uma nova geração <strong>de</strong> diretores e atores prefere, agora, textos nacionais e simples. Com Augusto Boal,<br />
Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho e outros, o teatro é visto como ferramenta política, capaz <strong>de</strong> contribuir<br />
para mudanças na realida<strong>de</strong> brasileira.<br />
• O Cinema Novo brasileiro, no início da década <strong>de</strong> 1960, critica o artificialismo, a simples diversão em cena. Jovens<br />
cineastas, como Glauber Rocha, propõem um cinema com temática e linguagem voltadas para a realida<strong>de</strong> nacional.<br />
• No campo político, forças nacionalistas, sensíveis às <strong>de</strong>mandas populares, favoreciam a emergência das esquerdas.<br />
O Partido Comunista tornou-se peça estratégica do jogo <strong>de</strong> alianças do período Goulart e, com seu i<strong>de</strong>ário da revolução<br />
<strong>de</strong>mocrática e antiimperialista, exercia influência no meio sindical, estudantil e intelectual.<br />
• A sindicalização rural se expandia com as Ligas Camponesas. Em 1963, a Reforma Agrária tornou-se tema <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>bate político nacional.<br />
• Trabalhadores urbanos uniam forças, articulando-se em novos pactos sindicais.<br />
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