josé da silva carvalho - DSpace CEU

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das dispensas pendentes, o mesmo Nuncio foi de opiniao que elle as podia e devia ultimar, porque as dispensas estavam concedidas, e no processo nada mais se tratava senáo de averiguar se as causas se verificavam. Continuou, pois, o arcebispo de Lacedemonia a despachar esses processos á face do Nuncio, e Roma nao se accordou da necessidade de algum rescripto para revalidar esses matrimonios. A que proposito, pois, apparece hoje esta providencia nova, inútil e estranha ? Mas eu disse, ha pouco, que o mencionado decreto apostólico (assim se intitula) contém doutrina absurda; convem, pois, provar esta asserçSo, porque ó gravissima. Declarou o Internuncio na sua missiva aos prelados, dictada conforme as instrucçSes pontificias, que para a revalidaçSo dos contrahidos nullos matrimonios nao é necessaria a renovaçao do consenso dos conjuges: e eis ahi está o grande absurdo. Se o Papa considera nullos os matrimonios, nao podem estes revalidar-se sem o novo oonsentimento dos contrahentes, porque a essencia do matrimonio consiste na uniao do mutuo consentimento dos conjuges. A falta d'este mutuo consentimento nao pode supprir-se de modo algum por um breve pontificio; a opiniao contraria só pode ser admittida pela ignorancia e adulaçao ultramontana, torpe e abjecfca. Os ministros do sacramento do matrimonio sao os proprios contrahentes; o parocho é urna testemunha qualificada, essencial, para evitar a clandestinidade, e o abençoa. A materia d'esse sacramento, tanto próxima como remota, é o mutuo consenso prestado naquelle acto. Ora, em materia sacramental é regra, é axioma e dogma que a Egreja nao pode mudar, alterar, substituir e muito menos dispensar na materia dos sacramentos. Creio firmemente que se o Papa estivesse persuadido da nullidade dos ditos matrimonios, mandaría que se revalidassem com a renovaçao do consenso dos conjuges. Dispensou nesse necessario consenso, porque entendeu que os matrimonios süo validos, mas se elle assim o entende, para que manda promulgar um tal decreto, e para que ordena que se faca publico nos diocesesf O fim nao pode ser outro senáo o de propagar a dontrina ultramontana, dando a entender aos povos o seu poder absoluto na Egreja, e a perfeita nullidade dos bispos e da sua jurisdiccáo ordinaria, toda dependente da vontade e arbitrio papal, dirigindo-se outrosim a humilhar os prelados que concederam validamente essas dispensas, e a exaltar, consolar e animar o partido scismatico-miguelista, mostrando que esse partido fanático e turbulento seguia a verdadeira dontrina, quando perseguia por todos os meios possiveis os prelados legítimos, e apoiava e seguia os prelados scismaticos e clandestinos. Os bispos da Egreja Lusitana deviam rejeitar unánimemente esse

absurdo decreto; por honra, decencia e dignidade propria assim o deviam fazer; mas menor nao ó a obrigacáo que tem o governo de lhe negar o beneplácito e de prohibir a sua publicacáo. Esse decreto coiitém doutrina nova e absurda, é contrario á praxe e disciplina da Egreja Lusitana, e repugnante aos principios de direito, ácima ponderados. Deve, pois, o governo ordenar aos prelados, que o tiverem recebido, que o remettam á secretaria d'estado, e fazer-lhes constar e ao Nuncio que semelhante decreto nao pode ter execucáo. Faca o governo por man ter a disciplina e prerogativas da Egreja, e recorde-se de que os ordinarios concederam as dispensas, bem certos da sua jurisdiccáo, e em virtude de uma insinuacáo do governo. Recorde-se elle e advirta bem ñas consequencias que pode ter de futuro a execucáo d'esse estranho decreto e o regio beneplácito que por fatalidade lhe seja concedido. Se Roma tem a ousadia de apre­ sentar uma táo escandalosa novidade para deprimir os prelados da Egreja e o proprio governo, tenha este a coragem de a repellir, e evite, se pode, mais este exemplo de baixa condescendencia a favor das pretensSes ultramontanas, e em menoscabo dos prelados diocesanos, que já devem estar bem torturados com o que téem visto e se lhes tem feito. Lisboa, 23 de julho de 1843.=José da Silva Carvalho. 1844 Conselho d'Estado. — Dia 5 de fevereiro. — Recebi em casa de lord Howard de Walden aviso para ir ao Conselho d'Estado ás nove horas da noite: fui, e achei no paco os ministros e conselheiros, menos o duque da Terceira. O ministerio deu conta do comeco de uma revo­ lucáo em Torres Novas, em que tomava parte a tropa; e receava que a combinacáo fosse muito seria; quería adiar as cortes e suspender as garantias. Concordou-se em que tomasse logo todas as medidas para suffocar a revolucáo, levando no outro dia ás cortes a medida da suspensáo das garantias, e adiando-as depois, se o julgasse conveniente. Dia 20 de fevereiro.—Propoz o ministró do reino se deveria demittir, ou poderia, aquelles empregados públicos que tivessem des­ amparado os seus logares, e a respeito dos quaes houvessem documentos irrefragaveis de que estavam com os rebeldes promovendo a revolucáo. Votei que sim; porque entendi que, revestido o governo de poderes extraordinarios e discrecionarios, nao havia outras leis que os guiassem na direccáo dos negocios, senáo o que a sua prudencia e discrecáo lhe dictasse para fazer parar a revolucáo. Se elles tivessem de se guiar pelas leis existentes, entáo escusavam de pedir poderes extraordinarios

<strong>da</strong>s dispensas pendentes, o mesmo Nuncio foi de opiniao que elle as<br />

podia e devia ultimar, porque as dispensas estavam concedi<strong>da</strong>s, e no<br />

processo na<strong>da</strong> mais se tratava senáo de averiguar se as causas se<br />

verificavam. Continuou, pois, o arcebispo de Lacedemonia a despachar<br />

esses processos á face do Nuncio, e Roma nao se accordou <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de<br />

de algum rescripto para revali<strong>da</strong>r esses matrimonios. A que<br />

proposito, pois, apparece hoje esta providencia nova, inútil e estranha ?<br />

Mas eu disse, ha pouco, que o mencionado decreto apostólico (assim<br />

se intitula) contém doutrina absur<strong>da</strong>; convem, pois, provar esta asserçSo,<br />

porque ó gravissima.<br />

Declarou o Internuncio na sua missiva aos prelados, dicta<strong>da</strong> conforme<br />

as instrucçSes pontificias, que para a revali<strong>da</strong>çSo dos contrahidos<br />

nullos matrimonios nao é necessaria a renovaçao do consenso dos<br />

conjuges: e eis ahi está o grande absurdo. Se o Papa considera nullos<br />

os matrimonios, nao podem estes revali<strong>da</strong>r-se sem o novo oonsentimento<br />

dos contrahentes, porque a essencia do matrimonio consiste na<br />

uniao do mutuo consentimento dos conjuges. A falta d'este mutuo<br />

consentimento nao pode supprir-se de modo algum por um breve pontificio;<br />

a opiniao contraria só pode ser admitti<strong>da</strong> pela ignorancia e<br />

adulaçao ultramontana, torpe e abjecfca. Os ministros do sacramento<br />

do matrimonio sao os proprios contrahentes; o parocho é urna testemunha<br />

qualifica<strong>da</strong>, essencial, para evitar a clandestini<strong>da</strong>de, e o abençoa.<br />

A materia d'esse sacramento, tanto próxima como remota, é o mutuo<br />

consenso prestado naquelle acto. Ora, em materia sacramental é regra,<br />

é axioma e dogma que a Egreja nao pode mu<strong>da</strong>r, alterar, substituir<br />

e muito menos dispensar na materia dos sacramentos.<br />

Creio firmemente que se o Papa estivesse persuadido <strong>da</strong> nulli<strong>da</strong>de<br />

dos ditos matrimonios, man<strong>da</strong>ría que se revali<strong>da</strong>ssem com a renovaçao<br />

do consenso dos conjuges. Dispensou nesse necessario consenso, porque<br />

entendeu que os matrimonios süo validos, mas se elle assim o entende,<br />

para que man<strong>da</strong> promulgar um tal decreto, e para que ordena que se<br />

faca publico nos diocesesf<br />

O fim nao pode ser outro senáo o de propagar a dontrina ultramontana,<br />

<strong>da</strong>ndo a entender aos povos o seu poder absoluto na Egreja,<br />

e a perfeita nulli<strong>da</strong>de dos bispos e <strong>da</strong> sua jurisdiccáo ordinaria, to<strong>da</strong><br />

dependente <strong>da</strong> vontade e arbitrio papal, dirigindo-se outrosim a humilhar<br />

os prelados que concederam vali<strong>da</strong>mente essas dispensas, e a<br />

exaltar, consolar e animar o partido scismatico-miguelista, mostrando<br />

que esse partido fanático e turbulento seguia a ver<strong>da</strong>deira dontrina,<br />

quando perseguia por todos os meios possiveis os prelados legítimos,<br />

e apoiava e seguia os prelados scismaticos e clandestinos.<br />

Os bispos <strong>da</strong> Egreja Lusitana deviam rejeitar unánimemente esse

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