josé da silva carvalho - DSpace CEU

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No dia 23 leu o ministro da fazenda, na cámara dos deputados, o relatorio do orçamento definitivo para o anno económico de 1835-1836. Neste documento, ha trechos muito notaveis: uns, porque annunciam as vantagens de medidas já adoptadas na vigencia do novo régimen politico; outros, pela excellencia dos principios theoricos que contéem : «... Eu nao cansarei a assembléa com a repeticáo das observacóes que lhe fiz ao apresentar o orçamento na sessáo extraordinaria. O que este apresenta de mais notavel é o augmento no rédito da alfandega de perto de setecentos contos, e urna diminuicáo de juros e annuidades de perto de seiscentos ... No ministerio do reino ha pequeñas alteraçoes do orçamento passado, e, nao obstante a necessidade que ha de emprehender muitas obras de utilidade publica, nao me persuado que deva esperar-se augmento consideravel de despesa, visto que o governo, seguindo o exemplo das naçoes vizinhas mais civilisadas, tem determinado fomentar essas obras, por meio de empresas particulares... A cámara observará, pois, pelo orçamento actual, que o déficit do futuro anno financeiro é de quatro mil e quatrocentos contos, isto é, menos mil contos que o do orçamcnto passado; e o governo tem hoje a satisfacáo de lhe repetir que nao carece nem de que o povo seja gravado com tributos novos, nem de augmentar a despesa vindoura com os juros de novos emprestimos. A cámara já approvou em globo a lei para a venda dos bens nacionaes e.já passaram como leis as outras medidas que o governo propoz para fazer fructificar aquella. Resta somente que a cámara a approve definitivamente, ou como se acha, ou com as alteraçoes que julgar mais proveitosas ao estado. Por taes meios seráo superados grandes obstáculos, e a cámara, auxiliando as medidas propostas pelo ministerio, conseguirá que Portugal dé um exemplo notavel de quanto pode urna administracáo patriótica e esclarecida. . . (feralmente se creria, á vista do que entre nos se tem passado até agora, que o único meio de occorrer ás despesas publicas e de cobrir o déficit fóra o de lançar novos tributos sobre a nacáo, onerando o presente e o futuro para pagamento do passado; porém, o meu systema, individualmente fallando, e o do governo de que tenho a honra de formar parte, é totalmente o inverso — elle consiste em alliviar o povo, para colher os fructos da geral prosperidade — elle consiste em fomentar toda a casta de empresas uteis, para elevar ao mais alto valor este nosso solo táo favorecido da Providencia. E, emquanto assim se augmentam os valores de que deve derivar-se a renda publica, o que se for vendendo dos bens nacionaes, e as cobranças do Brazil, da parte da divida já vencida, nao sómente nos háo de habilitar a pagar com promptidáo a despesa corrente, mas tambem nos daráo meios para irmos diminuindo os nossos empenhos. Fácil e mui fácil seria formalisar urna receita que cobrisse as despesas extraordinarias feitas com a Restauracáo. Cinco por cento de juros e um de amortisacáo, em quatro milhoes e meio esterlinos que se pediram de emprestimos, importam annualmente em pouco mais de mil contos de réis, e para cobrir este excesso nao era necessario mais que o dizimo da decima e dos outros tributos directos e indirectos. Quando assim me explico, nao pretendo tanto fallar aos srs. deputados, que téem presentes as contas e as provas do que avanço, como á nacáo inteira, que pode ter sido alienada por asserçoes exaggeradas, com grave prejuizo do crédito publico—ancora da nossa salvacáo, e que tanto nos convem manter e augmentar. Tambem nao seria difficil crear urna receita para cobrir aquello déficit, que traz a sua origem de causas, e, em muitos casos, de erros antigos. Em Portugal nao existem os impostos que hoje sao communs a quasi todas as naçoes. Os direitos de estampa, ou sello, calculados pelo valor das transacçoes — os direitos de consumo ñas cidades e villas do reino,

que de presente só paga a capital—um direito qualquer sobre a lavoura, ainda que remoto fosse do pesado tributo dos dizimos — todos estes e muitos outros alvitres se poderiam dar, se, como já manifestei, nao fosse o plano do governo o de crear primeiro, para suavemente depois colher os fructos. Neste plano o governo tem sido muito cxplicito e com satisfacáo observa que tanto nesta cámara como fora d'ella, tanto no reino como em outros paizes, elle tem merecido a approvacáo de todas as pessoas a quem nao sao estranhos os verdadeiros principios da sciencia do governo» K Na sessáo do dia 24, Silva Carvalho insistiu novamente na necessidade de se discutir com urgencia o projecto de lei para a venda dos bens nacionaes. Muito desejava o governo que a cámara se occupasse, logo depois, em elaborar as leis regulamentares da justiça, da fazenda e da administracáo. Este desejo era-lhe dispertado nao só pela utilidade maior d'estas leis, mas tambem pelo empenho que tinha em adiar -a cmbaraçosa questáo das indemnisaçoes, decretadas em 31 de agosto de 1833 e suspensas pela amnistia de 27 de maio de 1834. Porém, a opposicáo, que procurava todos os meios de contrariar o governo, bem longe de se entregar á discussáo leal dos projectos dos ministros, reúne trinta e tantas assignaturas numa proposta de dissolucáo do parlamento. Foi-lhe rejeitada, é certo, por grande maioria; mas, se esta estrategia lhe nao sortiu bom effeito, conseguiu, ainda assim, com outros expedientes, com insidias e delongas, que as cortes se encerrassem sem terem approvado o orçamento e discutido as leis regulamentares da justiça, da fazenda e da administracáo, e alcançou que se tratasse em primeiro logar da lei das indemnisaçoes. Assim demonstrou que mais a movia a ambicáo e o interesse pessoal immediato, do que o civümo e a prosperidade da patria. O decreto das indemnisaçoes, de 31 de agosto de 1833, ordenara que «os auctores da usurpacáo, nomeados no decreto de amnistia de 17 de julho de 1832, e todos aquelles que depois da sua publicacáo continuaram a ser agentes, instrumentos activos e cumplices do usurpador, ou com as armas na máo, ou com a sua cooperacáo, de qualquer modo que fosse, nao havendo jamáis acceitado a dita amnistia, nem acudido aos respectivos convites com que foram chamados aos seus deveres, estavam responsaveis todos e cada um, in solidum, a pagar por sua pessoa e bens as perdas e damnos causados pela usurpacáo e subsequentes discordias civis, e provindos ou de acçoes directas e indirectas dos rebeldes ou de obras e actos de defensa». Nao era nova a lei. Tinha precedentes de recente data. Repetida e ampliada no momento em que a indignacáo revoltava o coracáo dos ministros contra os auctores do vandalismo perpetrado sobre os vinhos armazenados em Villa Nova, e quando a imaginacáo lhes pintava as chammas devorando a propriedade de tantos particulares inoffensivos, consideraram-na como urna justificada represalia, e defenderam-na como urna medida de guerra — silent inter arma leges. Se a nao revogaram emquanto foi julgada necessaria para evitar a perda de mais vidas numa lucta fratricida, attenuaram-na quanto puderam na sua execucáo. Perante o inimigo vencido, a indignacáo cedeu o logar á magnanimidade : a amnistia de 27 de maio quebrou, perante a opiniáo publica satisfeita, o instrumento de guerra. i Este relatorio existe impresso juntamente com o de 30 de agosto de Encontra-se tambem a pag. 83 do Diario do governo do 1.° semestre de 1835.

que de presente só paga a capital—um direito qualquer sobre a lavoura, ain<strong>da</strong><br />

que remoto fosse do pesado tributo dos dizimos — todos estes e muitos outros alvitres<br />

se poderiam <strong>da</strong>r, se, como já manifestei, nao fosse o plano do governo o de<br />

crear primeiro, para suavemente depois colher os fructos. Neste plano o governo<br />

tem sido muito cxplicito e com satisfacáo observa que tanto nesta cámara como<br />

fora d'ella, tanto no reino como em outros paizes, elle tem merecido a approvacáo<br />

de to<strong>da</strong>s as pessoas a quem nao sao estranhos os ver<strong>da</strong>deiros principios <strong>da</strong> sciencia<br />

do governo» K<br />

Na sessáo do dia 24, Silva Carvalho insistiu novamente na necessi<strong>da</strong>de de se<br />

discutir com urgencia o projecto de lei para a ven<strong>da</strong> dos bens nacionaes. Muito<br />

desejava o governo que a cámara se occupasse, logo depois, em elaborar as leis<br />

regulamentares <strong>da</strong> justiça, <strong>da</strong> fazen<strong>da</strong> e <strong>da</strong> administracáo. Este desejo era-lhe<br />

dispertado nao só pela utili<strong>da</strong>de maior d'estas leis, mas tambem pelo empenho<br />

que tinha em adiar -a cmbaraçosa questáo <strong>da</strong>s indemnisaçoes, decreta<strong>da</strong>s em 31<br />

de agosto de 1833 e suspensas pela amnistia de 27 de maio de 1834. Porém, a<br />

opposicáo, que procurava todos os meios de contrariar o governo, bem longe de<br />

se entregar á discussáo leal dos projectos dos ministros, reúne trinta e tantas<br />

assignaturas numa proposta de dissolucáo do parlamento. Foi-lhe rejeita<strong>da</strong>, é<br />

certo, por grande maioria; mas, se esta estrategia lhe nao sortiu bom effeito,<br />

conseguiu, ain<strong>da</strong> assim, com outros expedientes, com insidias e delongas, que<br />

as cortes se encerrassem sem terem approvado o orçamento e discutido as<br />

leis regulamentares <strong>da</strong> justiça, <strong>da</strong> fazen<strong>da</strong> e <strong>da</strong> administracáo, e alcançou que<br />

se tratasse em primeiro logar <strong>da</strong> lei <strong>da</strong>s indemnisaçoes. Assim demonstrou que<br />

mais a movia a ambicáo e o interesse pessoal immediato, do que o civümo e a<br />

prosperi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> patria.<br />

O decreto <strong>da</strong>s indemnisaçoes, de 31 de agosto de 1833, ordenara que «os<br />

auctores <strong>da</strong> usurpacáo, nomeados no decreto de amnistia de 17 de julho de 1832,<br />

e todos aquelles que depois <strong>da</strong> sua publicacáo continuaram a ser agentes, instrumentos<br />

activos e cumplices do usurpador, ou com as armas na máo, ou com a sua<br />

cooperacáo, de qualquer modo que fosse, nao havendo jamáis acceitado a dita<br />

amnistia, nem acudido aos respectivos convites com que foram chamados aos seus<br />

deveres, estavam responsaveis todos e ca<strong>da</strong> um, in solidum, a pagar por sua pessoa<br />

e bens as per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>mnos causados pela usurpacáo e subsequentes discordias<br />

civis, e provindos ou de acçoes directas e indirectas dos rebeldes ou de obras e<br />

actos de defensa».<br />

Nao era nova a lei. Tinha precedentes de recente <strong>da</strong>ta. Repeti<strong>da</strong> e amplia<strong>da</strong><br />

no momento em que a indignacáo revoltava o coracáo dos ministros contra os<br />

auctores do van<strong>da</strong>lismo perpetrado sobre os vinhos armazenados em Villa Nova, e<br />

quando a imaginacáo lhes pintava as chammas devorando a proprie<strong>da</strong>de de tantos<br />

particulares inoffensivos, consideraram-na como urna justifica<strong>da</strong> represalia, e<br />

defenderam-na como urna medi<strong>da</strong> de guerra — silent inter arma leges. Se a nao<br />

revogaram emquanto foi julga<strong>da</strong> necessaria para evitar a per<strong>da</strong> de mais vi<strong>da</strong>s<br />

numa lucta fratrici<strong>da</strong>, attenuaram-na quanto puderam na sua execucáo.<br />

Perante o inimigo vencido, a indignacáo cedeu o logar á magnanimi<strong>da</strong>de : a<br />

amnistia de 27 de maio quebrou, perante a opiniáo publica satisfeita, o instrumento<br />

de guerra.<br />

i Este relatorio existe impresso juntamente com o de 30 de agosto de<br />

Encontra-se tambem a pag. 83 do Diario do governo do 1.° semestre de 1835.

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