josé da silva carvalho - DSpace CEU

segredo da mysteriosa viagem, avisa-o de que estavam ali em sua casa, pcrnoitando,
nem mais nem menos do que os esbirros de urna das aleadas de D. Miguel.
Durante a ceia tinham conversado sobre negocios politicos, e, ainda que o fizeram
cautellosamente, elle José de Alcoentre pudera perceber que se referiram por
varias vezes á rainha D. Carlota Joaquina e a José da Silva Carvalho, e ouvira
distinctamente estas palavras : «ou morto ou vivo !. . . ou morto ou vivo !...»
Nao se demoraram os almocreves. Puzeram-se de novo a caminho com o
illustre fugitivo. Quando iam partir, o José de Alcoentre, batendo familiarmente
no hombro do Santa Clara e apontando-lhe para o mosteiro dos frades de Aleobaca,
disse-lhc em ar de gracejo, referindo-se a Silva Carvalho: «Diz áquelle
senhor que elle tem as máos muito finas para ahnocreve, e que, fe um dia voltar
a governar estes reinos e me deixar além um só que seja d'aquelles marotos que
me tiram um de cada dez que eu produzo com o suor do meu rosto, nao é o José
de Alcoentre que o torna a salvar, nao!»
Este era o modo de sentir de quasi todos os proprietarios nao nobres. Serao
elles que, de posse da propriedade dos conventos, responderao aos reaccionarios:—Nao
queremos mais dizimos. É que as duas necessidades essenciaes dos
estados europeus e americanos, durante o seculo xix, téem sido e continuam a
ser a divisao da riqueza e a laicisacáo do ensino scientifico e moral. Por isso,
a extinecáo dos dizimos e a abolicáo dos conventos foram as duas medidas capitaes
e de maior alcance no movimento portuguez de reforma constitucional.
Para comprovar a assercáo de que a grande massa do povo portuguez as
tinha muito a peito, transcreveremos dos papéis de Mousinho da Silveira, existentes
na Bibliotheca Nacional, as seguintes cartas, trocadas entre o grande reformador
e Silva Carvalho. Devem ser de 1836.
«Meu José da Silva. — Escrevo-te para te dizer: 1.° que a tres leguas da
minha térra, em Valença de Alcántara, rege a Constituicáo de 12, por acclamaçao
geral e sem a menor desordem; 2.° que junto á gente miguelina que veiu á
Galiza a grande intencáo era revolucionar as provincias do norte e estabelecer-se
no paiz dos Silveiras ; vinha com elles um homem civil, entendido, e cncarregado
de explorar a vontade dos povos; tinham dinheiro bastante \ entretanto acharam
urna reluctancia dos povos, e o tal homem escreveu dizendo que as leis do
dizimo, e foraes, e outras eram um muro invencivcl, porque os povos nao queriam
renunciar a taes beneficios, vies6em elles dos Pedreiros ou nao. Isto é certo e
deves sabel-o, e sou o teu do coraçao = Mousinho.»
«Amigo — Nao duvido, mas a cousa nao pegará. Quando porlá, é agarrarmos
cada um em sua roçadoira e cortar a máo d'aquelle que quizer dizimo ou cousa
que com isso se parcça.
«V. o código do Taipa & C* que choram pelas cebólas do Egypto.
«Teu do coracáo = Carvalho.»
A abolicáo dos conventos de religiosos foi urna das reformas auctorisadas
por S. M. I. no documento que remetteu a Silva Carvalho, a 20 de maio de
1834. Quanto ás outras, só se effectuou a da extinecáo dos privilegios da Companhia
do Alto Douro, por decreto de 30 d'aquelle mez. As restantes nao foram julgadas
opportuuas.
A extinecáo da Companhia, á abolicáo dos conventos de frades e á amnistía
concedida aos miguelistas em 27 de maio, pela forma por que Silva Carvalho a
aconselhava na representacáo de 22 de marco (Doc. ecc), accresce ainda, como
urna das medidas mais importantes da administraçab da dictadura, no ultimo
periodo do seu governo, a extinecáo do papel-moeda.