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Modalidade e Mundos Possíveis - Filosofia da Linguagem

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<strong>Mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de</strong> e <strong>Mundos</strong> <strong>Possíveis</strong><br />

INTRODUÇÃO<br />

Uma <strong>da</strong>s questões centrais acerca <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de consiste em saber<br />

se esta constitui, ou não, uma característica objectiva do mundo. Alguns<br />

filósofos não a consideram como tal, pois, segundo os mesmos, as noções<br />

mo<strong>da</strong>is ou são ilegítimas ou meros reflexos <strong>da</strong>s decisões de um<br />

determinado indivíduo acerca de um certo uso <strong>da</strong>s palavras. A posição que<br />

nega que exista tal coisa como a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de é habitualmente designa<strong>da</strong> por<br />

eliminativismo.<br />

A ideia de que a reali<strong>da</strong>de possui uma estrutura mo<strong>da</strong>l 1 ganhou um<br />

novo ímpeto na <strong>Filosofia</strong> Analítica; este novo fôlego derivou em grande<br />

parte dos resultados <strong>da</strong> análise semântica <strong>da</strong> Lógica Mo<strong>da</strong>l e <strong>da</strong> reflexão<br />

sobre as varia<strong>da</strong>s formas do discurso mo<strong>da</strong>l, as quais, conjuntamente,<br />

colocaram no centro do debate filosófico a ideia de Leibniz de que o nosso<br />

mundo não é o único mundo possível, que existem outros mundos<br />

possíveis, e que são estes que constituem a matéria do discurso mo<strong>da</strong>l 2 .<br />

Desta forma, a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de será o alvo principal do Idioma de <strong>Mundos</strong><br />

<strong>Possíveis</strong> (a partir <strong>da</strong>qui designado por IMP).<br />

1. MODALIDADE. CASOS E TIPOS.<br />

Suponhamos uma extraordinariamente apura<strong>da</strong> e completa teoria<br />

acerca do Mundo, cuja linguagem contivesse um nome para ca<strong>da</strong> objecto;<br />

todo e qualquer objecto (desde buracos negros nos confins <strong>da</strong> Galáxia à<br />

agulha no palheiro do Avô Zé) será por ela mencionado; considere-se ain<strong>da</strong><br />

que esta teoria contém um predicado para to<strong>da</strong> e qualquer proprie<strong>da</strong>de,<br />

simples ou complexa, actualmente instancia<strong>da</strong>. É, pois, legítimo aceitar que<br />

a teoria descreve como as coisas são até ao mais ínfimo detalhe. Suponhase<br />

finalmente que tudo o que a teoria afirma é ver<strong>da</strong>deiro. Tudo nesta teoria<br />

é ver<strong>da</strong>deiro, mas será que to<strong>da</strong>s e quaisquer ver<strong>da</strong>des poderão ter origem a<br />

partir <strong>da</strong> mesma? Conseguirá a teoria descrever to<strong>da</strong> e qualquer matéria de<br />

facto? E se uma tal teoria for estabeleci<strong>da</strong> não estará finalmente concluído<br />

o trabalho dos pensadores e demais cientistas? À hipótese de esta teoria ser<br />

completa, ou seja, de que to<strong>da</strong> e qualquer ver<strong>da</strong>de surja no seu âmbito, de<br />

que a teoria lista to<strong>da</strong>s as coisas que existem e que descreve<br />

1 Um mo<strong>da</strong>l qualifica a ver<strong>da</strong>de de um juízo. Necessariamente e possivelmente são os mais conhecidos<br />

qualificadores mo<strong>da</strong>is. São denomina<strong>da</strong>s mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des aléticas, a partir <strong>da</strong> palavra grega para ver<strong>da</strong>de. Cf.<br />

FITTING, Melvin & MENDELSOHN Richard, First-Order Mo<strong>da</strong>l Logic, Kluwer Academic Publishers,<br />

1998, p.2.<br />

2 Cf. LOUX, J. The Possible and the Actual, Cornell University Press, 1979, p.1.<br />

Pedro Miguel Carlos 1


<strong>Mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de</strong> e <strong>Mundos</strong> <strong>Possíveis</strong><br />

ver<strong>da</strong>deiramente como essas coisas são e que relações mantêm umas com<br />

as outras, chamar-se-á a Hipótese Categórica 3 .<br />

No entanto, para alguns filósofos, esta teoria não seria uma teoria de<br />

tudo, uma vez que existe uma classe de ver<strong>da</strong>des acerca <strong>da</strong>s quais esta é<br />

totalmente silenciosa, isto é, uma classe de ver<strong>da</strong>des cuja teoria em causa<br />

não possui recursos para descrever. Considerem-se as seguintes frases: a)<br />

“Pedro é magro” e b) “Pedro é humano”; ambas as frases são do tipo<br />

sujeito-predicado e nas duas ocorre a atribuição de uma proprie<strong>da</strong>de a<br />

Pedro. Se ver<strong>da</strong>deiras, ambas surgirão na teoria apresenta<strong>da</strong>, mas é<br />

evidente, após reflexão, que existe uma diferença importante no modo<br />

como Pedro possui as duas proprie<strong>da</strong>des, diferença essa ignora<strong>da</strong> pela<br />

teoria anteriormente apresenta<strong>da</strong> (supostamente acerca de tudo); apesar de<br />

Pedro ser magro ele é-o apenas contingentemente ou acidentalmente; Pedro<br />

poderia ter engor<strong>da</strong>do na adolescência devido a um qualquer problema<br />

hormonal ou do foro psicológico; ou seja, ser magro é uma proprie<strong>da</strong>de<br />

acidental de Pedro. Por outro lado, e em contraste, <strong>da</strong>do que Pedro é<br />

humano poderá pensar-se que ele é essencialmente humano, e que ser<br />

humano é uma proprie<strong>da</strong>de que Pedro tem de ter. O que está aqui em causa<br />

é que Pedro continuaria a ser a mesma enti<strong>da</strong>de mesmo que não possuísse a<br />

proprie<strong>da</strong>de de ser magro, mas o mesmo já não aconteceria se ele não<br />

possuísse a proprie<strong>da</strong>de de ser humano – neste caso Pedro deixaria de ser a<br />

mesma enti<strong>da</strong>de. Este tipo de distinções entre proprie<strong>da</strong>des essenciais e<br />

acidentais de um objecto é exemplo <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de De Re: casos em que<br />

uma coisa particular possui uma proprie<strong>da</strong>de acidentalmente ou<br />

essencialmente 4 . Uma outra distinção que não é reconheci<strong>da</strong> pela teoria<br />

proposta diz respeito, não aos diferentes modos segundo os quais um<br />

objecto possui uma proprie<strong>da</strong>de, mas antes aos distintos modos segundo os<br />

quais uma proposição se diz ver<strong>da</strong>deira 5 . Considerem-se as seguintes<br />

frases: a) “todos os solteiros são não casados” e b) “todos os rubis são<br />

vermelhos”; ambas as frases dizem algo acerca <strong>da</strong>s coisas que existem e<br />

que proprie<strong>da</strong>des essas mesmas coisas possuem; mas há uma diferença de<br />

tipo entre estas duas ver<strong>da</strong>des. Por um lado é necessário que todos os<br />

solteiros sejam não-casados, pois é estritamente impossível que exista um<br />

solteiro casado, pela razão de que faz parte do sentido de “solteiro” que<br />

alguém que tenha essa proprie<strong>da</strong>de seja efectivamente não casado. No que<br />

concerne à proposição “todos os rubis são vermelhos”, esta é<br />

contingentemente ver<strong>da</strong>deira, pois é possível que exista um rubi azul ou de<br />

qualquer outra cor. Esta distinção entre ver<strong>da</strong>des contingentes e necessárias<br />

é outro exemplo de uma distinção mo<strong>da</strong>l. Neste caso a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de associa-<br />

3 Cf. MELIA, Joseph, Mo<strong>da</strong>lity, McGill-Queen’s University Press, 2003, p.1.<br />

4 Cf. MELIA, Joseph, Mo<strong>da</strong>lity, McGill-Queen’s University Press, 2003, p.2.<br />

5 Cf. MELIA, Joseph, Mo<strong>da</strong>lity, McGill-Queen’s University Press, 2003, p.2.<br />

Pedro Miguel Carlos 2


<strong>Mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de</strong> e <strong>Mundos</strong> <strong>Possíveis</strong><br />

se à proposição, pelo que é dita ser De Dicto: é to<strong>da</strong> a ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

proposição que é dita ser necessária ou contingente.<br />

As distinções De Re e De Dicto estão relaciona<strong>da</strong>s; se Pedro tem a<br />

proprie<strong>da</strong>de de ser humano essencialmente, então segue-se que a ver<strong>da</strong>de<br />

de “Pedro é humano” é necessária; se Pedro possui a proprie<strong>da</strong>de de ser<br />

magro contingentemente, então a ver<strong>da</strong>de de “Pedro é magro” é<br />

contingente. Temos então, se se aceitar que existem proprie<strong>da</strong>des que se<br />

possuem essencialmente e outras contingentemente, de aceitar que algumas<br />

ver<strong>da</strong>des são necessárias e outras contingentes; no entanto, a conversa<br />

destas não se segue 6 . As ver<strong>da</strong>des mo<strong>da</strong>is que estão aqui em causa são<br />

aquelas que vão para além do meramente actual e nos dizem algo acerca de<br />

como as coisas podem ser, têm de ser, ou seriam, se as coisas fossem<br />

diferentes <strong>da</strong>quilo que realmente são. Acerca destas ver<strong>da</strong>des mo<strong>da</strong>is a<br />

teoria proposta é omissa, pois apenas descreve como as coisas são e que<br />

proprie<strong>da</strong>des elas actualmente possuem. Para os filósofos que aceitam as<br />

ver<strong>da</strong>des mo<strong>da</strong>is a teoria inicial, por mais fantasticamente detalha<strong>da</strong> que<br />

seja, é incompleta e está muito distante de uma teoria final efectivamente<br />

completa. Por outro lado, para os anti-realistas, aqueles que defendem que<br />

o mo<strong>da</strong>l não é conhecível porque não há na<strong>da</strong> acerca do mo<strong>da</strong>l para ser<br />

conhecido, é um erro construir o raciocínio mo<strong>da</strong>l como sendo algo acerca<br />

de uma reali<strong>da</strong>de objectiva independente <strong>da</strong> mente; talvez as asserções<br />

mo<strong>da</strong>is não sejam ver<strong>da</strong>deiramente independentes <strong>da</strong>s crenças e desejos<br />

dos sujeitos; talvez nem sejam ver<strong>da</strong>deiras de todo. Talvez a própria<br />

distinção entre o contingente e o necessário apenas reflicta uma distinção<br />

nas atitudes face a essas asserções 7 . No que concerne à ideia de que Pedro é<br />

essencialmente humano, talvez esta não deva ser considera<strong>da</strong> como um<br />

facto objectivo de que Pedro possui a proprie<strong>da</strong>de de ser humano de um<br />

qualquer modo especial, um modo essencial; apenas não se apeli<strong>da</strong>ria na<strong>da</strong><br />

de “Pedro” se tal não possuísse a proprie<strong>da</strong>de de ser humano, ou seja, se tal<br />

não fosse humano. No entanto, parece plausível que existam ver<strong>da</strong>des<br />

objectivas acerca de cadeiras, mesas, partículas sub-atómicas, etc., pois,<br />

quando se afirma que uma cadeira particular tem quatro pernas não se está<br />

a relatar algo de subjectivo, nem algo que depen<strong>da</strong> de seres percipientes ou<br />

crentes, ou comuni<strong>da</strong>des do que quer que seja 8 . Os realistas mo<strong>da</strong>is<br />

defendem que o pensar ou falar acerca do mo<strong>da</strong>l possuem esse mesmo<br />

carácter; quando se diz que um computador atirado de uma janela de um<br />

décimo an<strong>da</strong>r cairá, ou que o vidro é frágil, a ver<strong>da</strong>des dessas afirmações<br />

não dependem de algo acerca dos sujeitos. Assim, segundo estes autores, o<br />

próprio falar e pensar quotidianos parecem favorecer o realismo mo<strong>da</strong>l:<br />

6 Cf. MELIA, Joseph, Mo<strong>da</strong>lity, McGill-Queen’s University Press, 2003, p.3.<br />

7 Cf. MELIA, Joseph, Mo<strong>da</strong>lity, McGill-Queen’s University Press, 2003, p.14.<br />

8 Cf. MELIA, Joseph, Mo<strong>da</strong>lity, McGill-Queen’s University Press, 2003, p.14.<br />

Pedro Miguel Carlos 3


<strong>Mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de</strong> e <strong>Mundos</strong> <strong>Possíveis</strong><br />

“estamos acostumados a fazer asserções mo<strong>da</strong>is; argumentamos e<br />

discutimos acerca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de de contrafactuais; apresentamos evidências<br />

para suportar o nosso ponto de vista acerca <strong>da</strong>s capaci<strong>da</strong>des de alguém;<br />

[…]argumentamos e debatemos se as leis <strong>da</strong> lógica são necessárias ou<br />

contingentes.[…]quando entramos nesses debates parecemos estar a<br />

argumentar algo substantivo e real. Alguém que pense que o computador<br />

não cairá quando largado, mas que antes levitará no ar, parece[…]estar a<br />

cometer um erro genuíno.” 9<br />

Para além dos dois casos de mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de atrás referidos (necessi<strong>da</strong>de<br />

e contingência), existem outros dois que são igualmente fun<strong>da</strong>mentais para<br />

a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de: a) impossibili<strong>da</strong>de (uma proposição é impossível se não<br />

poderia ter sido ver<strong>da</strong>deira, <strong>da</strong> mesma forma que é metafisicamente<br />

impossível que David Lewis, simultaneamente, tenha <strong>da</strong>do uma palestra em<br />

Lisboa e não tenha <strong>da</strong>do uma palestra em Lisboa) e b) possibili<strong>da</strong>de (uma<br />

proposição é possível se é ou poderia ter sido ver<strong>da</strong>deira – proposições<br />

necessariamente ver<strong>da</strong>deiras, contingentemente ver<strong>da</strong>deiras ou<br />

contingentemente falsas são possíveis). São, portanto, reconhecidos quatro<br />

casos nucleares de mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de: 1) possibili<strong>da</strong>de, 2) impossibili<strong>da</strong>de, 3)<br />

necessi<strong>da</strong>de e 4) contingência. Estes quatro casos são inter-definíveis <strong>da</strong><br />

seguinte forma: a) a possibili<strong>da</strong>de exclui a impossibili<strong>da</strong>de e requer<br />

exclusivamente a necessi<strong>da</strong>de ou a contingência; b) a impossibili<strong>da</strong>de<br />

elimina a possibili<strong>da</strong>de, a necessi<strong>da</strong>de e a contingência; c) a necessi<strong>da</strong>de<br />

requer a possibili<strong>da</strong>de e exclui a impossibili<strong>da</strong>de e a contingência; d) a<br />

contingência requer a possibili<strong>da</strong>de e exclui a necessi<strong>da</strong>de e a<br />

impossibili<strong>da</strong>de. Existem, no entanto, diferentes tipos de mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de;<br />

considerem-se as seguintes asserções de impossibili<strong>da</strong>de: a) “ninguém pode<br />

ser simultaneamente casado e solteiro”, b) “Pedro não poderia ter tido<br />

outros progenitores que não aqueles que tem”, c) “não pode ser o caso que<br />

eu não exista”, d) “nenhum corpo se pode mover a uma veloci<strong>da</strong>de superior<br />

à <strong>da</strong> luz”. Esta diversi<strong>da</strong>de intuitiva de tipos de impossibili<strong>da</strong>de atesta que<br />

estão em jogo diferentes tipos de considerações que excluem algo do<br />

domínio <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de. Se as considerações em causa forem lógicas<br />

(uma proposição e a sua negação não podem ser ambas ver<strong>da</strong>deiras – as<br />

contradições são metafisicamente impossíveis) teremos uma<br />

impossibili<strong>da</strong>de lógica; se as considerações disserem respeito ao sentido<br />

<strong>da</strong>s palavras (ninguém pode ser casado e solteiro simultaneamente)<br />

estaremos perante um impossibili<strong>da</strong>de analítica. Para além <strong>da</strong>s mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des<br />

lógica e analítica, podemos ain<strong>da</strong> encontrar a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de metafísica<br />

(fixa<strong>da</strong> pela natureza e identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s coisas), a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de nomológica<br />

(determina<strong>da</strong> pelas leis <strong>da</strong> natureza), a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de epistémica (fixa<strong>da</strong> por<br />

9 MELIA, Joseph, Mo<strong>da</strong>lity, McGill-Queen’s University Press, 2003, p.15.<br />

Pedro Miguel Carlos 4


<strong>Mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de</strong> e <strong>Mundos</strong> <strong>Possíveis</strong><br />

aquilo que é conhecido), a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de doxástica (determina<strong>da</strong> por aquilo<br />

em que se acredita) e a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de deôntica (determina<strong>da</strong> por aquilo que<br />

satisfaz uma certa norma ou regra) 10 .<br />

Estes tipos de mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de estão, não de modo incontroverso, interrelacionados,<br />

pois parece correcto afirmar-se que as leis <strong>da</strong> natureza não<br />

podem permitir o que a lógica rejeita, pelo que a impossibili<strong>da</strong>de lógica<br />

implica a impossibili<strong>da</strong>de nomológica; no entanto, a possibili<strong>da</strong>de lógica<br />

não implica a possibili<strong>da</strong>de nomológica, pois, por exemplo, apesar <strong>da</strong>s leis<br />

<strong>da</strong> Física rejeitarem a hipótese de um corpo se poder deslocar a uma<br />

veloci<strong>da</strong>de superior à <strong>da</strong> luz, a lógica não exerce esse constrangimento.<br />

O IMP é invocado para esclarecer e eluci<strong>da</strong>r estas distinções de casos<br />

e tipos entre as mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des.<br />

2. MUNDOS POSSÍVEIS<br />

Como se verificou anteriormente, as ver<strong>da</strong>des mo<strong>da</strong>is parecem violar<br />

a hipótese de que uma teoria exaustiva acerca de tudo envolve apenas<br />

ver<strong>da</strong>des <strong>da</strong> forma “a é F” e “aRb”, etc.. Que Pedro possui a proprie<strong>da</strong>de de<br />

ser humano essencialmente parece ser uma ver<strong>da</strong>de que vai para além<br />

<strong>da</strong>quelas respeitantes às coisas que existem e às proprie<strong>da</strong>des que estas<br />

possuem. Uma descrição que contivesse apenas frases do tipo Fa, Rab e ¥x<br />

Fx, seria incompleta, pois não informaria se a é necessariamente F ou <strong>da</strong><br />

necessi<strong>da</strong>de de algo ser F; de alguma forma, as ver<strong>da</strong>des mo<strong>da</strong>is vão para<br />

além <strong>da</strong>s ver<strong>da</strong>des categóricas. Muitos dos investigadores na área <strong>da</strong><br />

mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de pensam que o realismo acerca dessas ver<strong>da</strong>des mo<strong>da</strong>is não<br />

deve ser entendido como um ponto de vista que defende que estão ausentes<br />

<strong>da</strong> descrição categórica outras ver<strong>da</strong>des acerca do necessário e do<br />

contingente, mas antes que lhe faltam outras ver<strong>da</strong>des acerca de coisas que<br />

existem 11 . As descrições categóricas anteriormente apresenta<strong>da</strong>s<br />

informavam-nos apenas acerca <strong>da</strong>s coisas que existem ou existiam e de<br />

como são ou eram no mundo actual; para que a descrição fosse<br />

efectivamente completa ela teria de informar-nos acerca do que existe ou<br />

existia e de como essas coisas são, eram ou seriam noutros mundos<br />

possíveis. Estes mundos possíveis devem ser concebidos como modos<br />

completos de como as coisas poderiam ter sido ou ter-se passado; dizer que<br />

um mundo W é um modo completo de como as coisas poderiam ter sido é<br />

afirmar que para ca<strong>da</strong> proposição na esfera do discurso em debate, W<br />

verifica ou falsifica essa mesma proposição; assim, para ca<strong>da</strong> proposição<br />

10 Cf. DIVERS, John, Possible Worlds, Routledge, 2002, p.4.<br />

11 Cf. MELIA, Joseph, Mo<strong>da</strong>lity, McGill-Queen’s University Press, 2003, p.18.<br />

Pedro Miguel Carlos 5


<strong>Mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de</strong> e <strong>Mundos</strong> <strong>Possíveis</strong><br />

factual com sentido pode considerar-se, independentemente do detalhe ou<br />

quão remota a matéria, que existe um mundo possível que torna essa<br />

proposição ver<strong>da</strong>deira ou falsa. Para que uma descrição seja efectivamente<br />

exaustiva e categórica, isto é, nos diga que ver<strong>da</strong>des são necessárias e que<br />

ver<strong>da</strong>des são contingentes, ela tem de incluir não apenas o que acontece no<br />

mundo actual, mas dizer-nos também o que acontece noutros mundos<br />

possíveis. Necessariamente, 2+2=4, não apenas porque 2+2=4 no mundo<br />

actual, mas porque é-o também em todos os mundos possíveis; Pedro é<br />

necessariamente humano porque Pedro é humano não apenas no mundo<br />

actual, mas porque também o é em todos os mundos possíveis nos quais<br />

Pedro exista; é possível que Pedro seja gordo porque existe um mundo<br />

possível, onde Pedro existe, e no qual este é gordo. Por outro lado, a crença<br />

de que existem mundos possíveis para além do actual é muito mais violenta<br />

do que a crença de que “Pedro é magro” é contingentemente ver<strong>da</strong>deira; no<br />

entanto, a proposta é entender as ver<strong>da</strong>des do segundo tipo como sendo<br />

ver<strong>da</strong>des do primeiro tipo.<br />

Efectivamente, o compromisso com o IMP oferece-nos um melhor<br />

entendimento <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de, e a hipótese <strong>da</strong> existência de uma plurali<strong>da</strong>de<br />

de mundos lançou luz sobre o conceito de mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de e permitiu encontrar<br />

uma forma de unificar diferentes noções mo<strong>da</strong>is. Começamos com a ideia<br />

<strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de dos mundos possíveis através dos quais to<strong>da</strong>s as<br />

possibili<strong>da</strong>des (e nenhuma impossibili<strong>da</strong>de) estarão representa<strong>da</strong>s; um<br />

desses mundos possíveis, o mundo actual, distingue-se de todos os outros,<br />

os quais são meramente possíveis. Tendo em conta esta concepção de uma<br />

plurali<strong>da</strong>de de mundos possíveis, uma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de um certo caso e tipo<br />

será caracteriza<strong>da</strong> em termos <strong>da</strong>quilo que é o caso num domínio específico<br />

de mundos possíveis. Os mundos possíveis W (mundos possíveis lógicos,<br />

mundos possíveis analíticos, mundos possíveis nomológicos, etc.) são<br />

aqueles de entre os mundos possíveis que são conformes ao conjunto dos<br />

constrangimentos de W (leis <strong>da</strong> lógica, limitação de sentido, leis <strong>da</strong><br />

natureza, etc.); assim, o que é possível em W é ver<strong>da</strong>deiro em algum<br />

mundo possível de W; o que é impossível em W não é ver<strong>da</strong>deiro em<br />

nenhum mundo possível de W; o que é necessário em W é ver<strong>da</strong>deiro em<br />

todos os mundos possíveis de W; e o que é contingente em W é ver<strong>da</strong>deiro<br />

em alguns, mas não em todos, os mundos possíveis de W 12 .<br />

Esta caracterização providencia uma clarificação <strong>da</strong> interdefinibili<strong>da</strong>de<br />

dos casos de mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>s suas inter-relações através<br />

dos princípios que regem os quantificadores sobre mundos possíveis; que a<br />

necessi<strong>da</strong>de requer a possibili<strong>da</strong>de está implicitamente demonstrado no<br />

12 Cf. DIVERS, John, Possible Worlds, Routledge, 2002, p.5.<br />

Pedro Miguel Carlos 6


<strong>Mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de</strong> e <strong>Mundos</strong> <strong>Possíveis</strong><br />

facto de que o que é ver<strong>da</strong>deiro de todos os mundos possíveis é ver<strong>da</strong>deiro<br />

de alguns; <strong>da</strong> mesma forma, que a impossibili<strong>da</strong>de exclui a necessi<strong>da</strong>de é<br />

evidenciado pelo requerimento de que o que é ver<strong>da</strong>deiro de nenhum não é<br />

ver<strong>da</strong>deiro de todos. A mesma caracterização permite uma eluci<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s<br />

inter-relações de tipos de mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des; que a possibili<strong>da</strong>de nomológica<br />

implica a possibili<strong>da</strong>de lógica é evidenciado pela relação entre os dois<br />

conjuntos de mundos possíveis: todos os mundos possíveis nomológicos<br />

são mundos possíveis lógicos, pois o conjunto dos mundos possíveis<br />

lógicos inclui todos os elementos do conjunto dos mundos possíveis<br />

nomológicos, ou seja, o conjunto dos mundos possíveis nomológicos é um<br />

subconjunto do conjunto dos mundos possíveis lógicos; desta forma, a<br />

região dos mundos possíveis lógicos inclui a região dos mundos possíveis<br />

nomológicos 13 . Por outro lado, uma vez que existe pelo menos um mundo<br />

possível lógico que não é um mundo possível nomológico, a necessi<strong>da</strong>de<br />

nomológica não implica a necessi<strong>da</strong>de lógica, isto porque o conjunto dos<br />

mundos possíveis lógicos não é um subconjunto dos mundos possíveis<br />

nomológicos. O que pode ser um factor de controvérsia é o <strong>da</strong> possível<br />

identificação <strong>da</strong> colecção de todos os mundos possíveis com um conjunto<br />

de mundos possíveis circunscrito por uma certa especificação de W; isto é,<br />

é controverso se a colecção de todos os mundos possíveis poderá ser<br />

identifica<strong>da</strong> com os mundos logicamente possíveis, ou com os mundos<br />

analiticamente possíveis, ou com os mundos metafisicamente possíveis,<br />

etc.. 14<br />

O recurso à ideia de um conjunto de todos os mundos possíveis o<br />

qual contenha o mundo actual permite supor que a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de captura<strong>da</strong><br />

por essa colecção é simultaneamente alética e absoluta, independentemente<br />

de entra<strong>da</strong>s, ou não, de informação caracterizadora adicional. As<br />

mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des aléticas são aqueles tipos de mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de para os quais o<br />

mundo actual é um dos mundos possíveis W por ele gerados; os requisitos<br />

ou constrangimentos gerados pelo mundo actual são sempre por este<br />

satisfeitos 15 . De entre os tipos de mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de usualmente reconhecidos<br />

como aléticos temos, o lógico, o analítico, o metafísico e o nomológico.<br />

Para as mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des aléticas são váli<strong>da</strong>s as seguintes inferências: 1) o que é<br />

ver<strong>da</strong>deiro em todos os mundos possíveis W é ver<strong>da</strong>deiro no mundo actual,<br />

e 2) o que é ver<strong>da</strong>deiro no mundo actual é ver<strong>da</strong>deiro em pelo menos um<br />

mundo possível W. Temos então 16 :<br />

13 Cf. DIVERS, John, Possible Worlds, Routledge, 2002, p.5.<br />

14 Cf. DIVERS, John, Possible Worlds, Routledge, 2002, p.5.<br />

15 Cf. DIVERS, John, Possible Worlds, Routledge, 2002, p.6.<br />

16 Cf. DIVERS, John, Possible Worlds, Routledge, 2002, p.6.<br />

Pedro Miguel Carlos 7


<strong>Mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de</strong> e <strong>Mundos</strong> <strong>Possíveis</strong><br />

1) Necessariamente P 2) Actualmente P<br />

Actualmente P Possivelmente P<br />

Assim:<br />

1) Em todos os W, A 2) Em W*, A<br />

Em W*, A Em pelo menos um W, A<br />

As inferências são váli<strong>da</strong>s, e também a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de alética relevante, no<br />

caso de W* pertencer ao conjunto dos mundos possíveis W.<br />

No âmbito <strong>da</strong>s mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des aléticas, um dos pontos principais <strong>da</strong><br />

funcionali<strong>da</strong>de do IMP diz respeito à clarificação <strong>da</strong> distinção entre as<br />

mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des absoluta e relativa. Uma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de um <strong>da</strong>do tipo (W) é<br />

absoluta se e somente se todos os mundos possíveis originais são mundos<br />

possíveis desse tipo de mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de. Consequentemente, uma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de<br />

de um certo tipo é relativa se existem alguns mundos possíveis originais<br />

que não pertencem ao conjunto dos mundos possíveis desse tipo de<br />

mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de. Desta forma, o que é necessário é aquilo que se verifica num<br />

subconjunto próprio do conjunto dos mundos possíveis originais. A<br />

mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de captura<strong>da</strong> pela colecção de todos os mundos possíveis será<br />

uma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de absoluta 17 . Uma <strong>da</strong>s questões mais controversas é a de<br />

saber a que tipo ou tipos de mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de se deverá conferir o estatuto de<br />

absoluta. Tendo em conta a proliferação de mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des esta distinção<br />

assume uma importância fulcral e definitivamente não-trivial. A<br />

necessi<strong>da</strong>de de articular devi<strong>da</strong>mente a distinção é bem exemplifica<strong>da</strong> pela<br />

distinção entre quantificação irrestrita e quantificação restrita sobre mundos<br />

possíveis 18 . Esta discussão acerca <strong>da</strong> distinção entre mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de absoluta e<br />

relativa revela mais um aspecto positivo do IMP, no que concerne a<br />

determinados propósitos – a acessibili<strong>da</strong>de entre mundos. Considerem-se<br />

apenas os mundos possíveis que respeitam as leis <strong>da</strong> Lógica de primeira<br />

ordem; o que a lógica exige não varia de mundo para mundo, não<br />

ocorrendo, portanto, a situação de uma asserção ser uma ver<strong>da</strong>de lógica<br />

num mundo possível e uma ver<strong>da</strong>de não-lógica ou uma falsi<strong>da</strong>de num<br />

outro. Assumindo que a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de lógica é absoluta nestes moldes, pode<br />

dizer-se que todo o mundo possível é logicamente acessível a e a partir de<br />

todo e qualquer outro mundo possível. Suponha-se agora a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de<br />

nomológica como exemplo de uma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de relativa ou restrita, de tal<br />

forma que os mundos possíveis diferem uns dos outros com base no que<br />

respeita às leis <strong>da</strong> natureza que regem ca<strong>da</strong> um deles. Poderá então dizer-se<br />

que um mundo possível M será nomologicamente acessível a um mundo<br />

17 Cf. DIVERS, John, Possible Worlds, Routledge, 2002, p.8.<br />

18 Cf. DIVERS, John, Possible Worlds, Routledge, 2002, p.8.<br />

Pedro Miguel Carlos 8


<strong>Mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de</strong> e <strong>Mundos</strong> <strong>Possíveis</strong><br />

possível N apenas no caso de as leis <strong>da</strong> natureza que regem N serem as<br />

mesmas que se verificam em M. Desta forma, a relação de acessibili<strong>da</strong>de<br />

nomológica não será uma relação de equivalência sobre os mundos<br />

possíveis; por exemplo, se as leis-N e algumas leis extra se verificarem em<br />

M, então N é acessível a partir de M, no entanto a relação de acessibili<strong>da</strong>de<br />

não será simétrica (a relação de acessibili<strong>da</strong>de em geral poderá ain<strong>da</strong> ser<br />

reflexiva ou transitiva). Assim, as definições <strong>da</strong>s relações de acessibili<strong>da</strong>de,<br />

e algumas observações acerca <strong>da</strong>s suas características lógicas, permitem<br />

eluci<strong>da</strong>r questões acerca <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de, as quais de outra maneira<br />

pareceriam intransponíveis, pelo que “pensar em termos de relações de<br />

acessibili<strong>da</strong>de sobre mundos possíveis aju<strong>da</strong>-nos a li<strong>da</strong>r com as questões<br />

acerca de que princípios de iteração serão válidos para os diversos tipos de<br />

mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de” 19 .<br />

BIBLIOGRAFIA<br />

DIVERS, John, Possible Worlds, Routledge, 2002.<br />

LOUX, J. The Possible and the Actual, Cornell University Press, 1979.<br />

MELIA, Joseph, Mo<strong>da</strong>lity, McGill-Queen’s University Press, 2003.<br />

KIM, Jaegwon & SOSA, Ernest, A Companion to Metaphysics, Blackwell<br />

Publishing, 1995.<br />

FITTING, Melvin & MENDELSOHN Richard, First-Order Mo<strong>da</strong>l Logic,<br />

Kluwer Academic Publishers, 1998.<br />

19 DIVERS, John, Possible Worlds, Routledge, 2002, p.9.<br />

Pedro Miguel Carlos 9

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