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«Um centro na margem»: o caso do cinema português - SciELO

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762<br />

Jacques Lemière<br />

É um luxo social que não me agrada. Não é o luxo <strong>do</strong> tempo. A aventura<br />

<strong>do</strong> tempo […] é magnífica e implacável. É trabalhan<strong>do</strong> duramente, de uma<br />

maneira dilatada, que chegamos a um concisão e à precisão da matéria. Nada<br />

de novo há assim no <strong>cinema</strong>, como <strong>na</strong> música, <strong>na</strong> pintura, <strong>na</strong> poesia… 79 .»<br />

Cessou o tempo, diz outro 80 , «de decidir sobre os filmes»: «O que nos<br />

espera em Portugal, que foi até agora um oásis não toca<strong>do</strong> pelas regras<br />

imediatas <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, é que já não temos necessidade de pensamento, mas<br />

sim de comércio: produção e consumo. Antes era o tempo que decidia sobre<br />

os filmes e não o dinheiro. Fazíamos filmes baratos e com uma enorme<br />

liberdade.» «Antigamente, podíamos transferir uma parte <strong>do</strong> pensamento <strong>do</strong><br />

filme durante a rodagem. Hoje não pensamos durante a rodagem», acrescenta<br />

um terceiro 81 , «Oliveira hoje filma quatro a cinco vezes mais planos em<br />

metade <strong>do</strong> tempo. Em relação às condições que ele tinha para rodar 120<br />

planos, em 1978, no Amor de Perdição, tem hoje metade <strong>do</strong> tempo para<br />

pensar 400 planos. Hoje é preciso ser rápi<strong>do</strong>. Quem vai pagar a rapidez?»<br />

«CADA VEZ MAIS CINEMA PORTUGUÊS» … E UMA EUROPEIZAÇÃO SUBJECTIVA<br />

Mas, no fun<strong>do</strong>, trata-se também de uma «europeização subjectiva». Os<br />

últimos quinze anos foram marca<strong>do</strong>s por um processo de concentração das<br />

sociedades de produção. Os autores-realiza<strong>do</strong>res tiveram de arranjar um<br />

produtor proveniente das suas fileiras e que se tornou <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte no «<strong>cinema</strong><br />

de autor», ao ponto de possuir, em termos de direitos, aproximadamente<br />

90% <strong>do</strong> património <strong>cinema</strong>tográfico saí<strong>do</strong> deste perío<strong>do</strong>. Ele é «um autor da<br />

produção de filmes», como o desig<strong>na</strong> um <strong>do</strong>s cineastas produzi<strong>do</strong>s por ele,<br />

e por isso somos tenta<strong>do</strong>s a classificá-lo como um «produtor-autor». Este<br />

«produtor-autor» construiu esta posição <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte sobre a matriz de um<br />

eixo Paris-Lisboa, mas para manter essa posição <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte no quadro tão<br />

específico <strong>do</strong> <strong>cinema</strong> <strong>português</strong> também teve de se apresentar como candidato,<br />

em Portugal, a uma presença sobre a totalidade da fileira <strong>cinema</strong>tográfica:<br />

ele fez-se distribui<strong>do</strong>r e, exploran<strong>do</strong> não somente os filmes <strong>do</strong>s seus<br />

próprios autores, portugueses e europeus, mas de filmes não produzi<strong>do</strong>s por<br />

si, de todas as <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lidades, comprometeu-se numa lógica de investimentos<br />

crescentes em aquisições e construções de salas (incluin<strong>do</strong> alguns projectos<br />

de multiplex) que contribuiu para reproduzir a lógica de encadeamento<br />

das produções. Esta lógica dupla de crescimento contínuo (versan<strong>do</strong> a<br />

produção e a distribuição/exploração) é, nem mais nem menos, uma condição<br />

da sua existência. Consequentemente, os «autores-realiza<strong>do</strong>res», aspira<strong>do</strong>s<br />

pelo poder deste pólo, ganharam com isso uma regularidade <strong>na</strong> capacidade<br />

79 Pedro Costa, declarações ao jor<strong>na</strong>l Expresso, Lisboa, 3 de Março de 2001.<br />

80 João Botelho, entrevista de 14 de Janeiro de 2003.<br />

81 João Mário Grilo, entrevista de 21 de Janeiro de 2003.

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