«Um centro na margem»: o caso do cinema português - SciELO
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<strong>«Um</strong> <strong>centro</strong> <strong>na</strong> <strong>margem»</strong>: o <strong>caso</strong> <strong>do</strong> <strong>cinema</strong> <strong>português</strong><br />
filmes europeus <strong>na</strong>s salas de <strong>cinema</strong> portuguesas, um crítico de um importante<br />
jor<strong>na</strong>l diário estigmatizou os «autores-realiza<strong>do</strong>res» sob o título «Português,<br />
cineasta, subvencio<strong>na</strong><strong>do</strong> e obrigatório» 71 . Em 1994, a própria presidente<br />
<strong>do</strong> Instituto Português <strong>do</strong> Cinema liderou uma campanha <strong>na</strong> imprensa<br />
contra os «subsidiodependentes» (literalmente, os que eram dependentes de<br />
subvenções, consciente da associação deste termo com o usa<strong>do</strong>, em <strong>português</strong>,<br />
para desig<strong>na</strong>r os droga<strong>do</strong>s — «toxicodependentes») e contra os «intelectualóides<br />
de segunda» (literalmente, «os intelectuais de segunda classe»).<br />
O vigor <strong>do</strong> conflito, a sua dimensão pública e a rápida politização não<br />
tiveram ape<strong>na</strong>s a dimensão passio<strong>na</strong>l que implica uma tal situação de ruptura<br />
entre homens que partilharam uma história muito forte durante uma quinze<strong>na</strong><br />
de anos (mais ou menos entre 1965 e 1980 e que também partilharam uma<br />
dissidência, face ao antigo regime, até 1974), à qual se junta a peque<strong>na</strong><br />
dimensão <strong>do</strong> meio profissio<strong>na</strong>l, concentra<strong>do</strong> <strong>na</strong> capital 72 de um país, ele<br />
mesmo de peque<strong>na</strong> dimensão, própria para criar uma situação de interconhecimento.<br />
O da<strong>do</strong> racio<strong>na</strong>l que explica a acuidade singular destes confrontos<br />
está <strong>na</strong> raridade relativa <strong>do</strong>s recursos, num sistema de <strong>cinema</strong> não industrial<br />
e, muito provavelmente, não industrializável, um sistema no qual o merca<strong>do</strong><br />
é tão restrito que constrange os cineastas e os produtores com veleidades de<br />
merca<strong>do</strong> a continuarem sob uma forte dependência <strong>do</strong> fi<strong>na</strong>nciamento público.<br />
A ESTANDARDIZAÇÃO EUROPEIA DAS PRÁTICAS DE PRODUÇÃO<br />
E DE TRABALHO<br />
O modelo artesa<strong>na</strong>l <strong>do</strong> <strong>cinema</strong> <strong>português</strong>, centra<strong>do</strong> sobre o realiza<strong>do</strong>r, tal<br />
como foi permiti<strong>do</strong> pelo quadro produtivo de inícios <strong>do</strong>s anos 70, está hoje<br />
feri<strong>do</strong> por transformações de <strong>na</strong>tureza diversa.<br />
Por um la<strong>do</strong>, está submeti<strong>do</strong> a uma vontade brutal de pôr em causa o<br />
sistema existente, deseja<strong>do</strong> por uma conjunção de forças hostis ao status<br />
quo, isto é, as televisões (públicas e privadas), que desejam poder afirmar<br />
a sua força <strong>na</strong> definição de projectos <strong>cinema</strong>tográficos que elas co-fi<strong>na</strong>nciam<br />
e libertar-se <strong>do</strong> apoio (obrigatório no <strong>caso</strong> das televisões públicas) <strong>do</strong>s filmes,<br />
ditos de autor, seleccio<strong>na</strong><strong>do</strong>s pelo júri <strong>do</strong> ICAM, o governo, que procura<br />
71 Miguel Sousa Tavares, Público, 21 de Novembro de 1997.<br />
72 Todas as instituições públicas ligadas ao <strong>cinema</strong>, os laboratórios, as produtoras e quase<br />
to<strong>do</strong>s os artistas e técnicos encontram-se em Lisboa. Existem ape<strong>na</strong>s algumas excepções a<br />
esta concentração lisboeta, como é o <strong>caso</strong> de Manoel de Oliveira, que sempre trabalhou e viveu<br />
no Norte, <strong>na</strong> cidade <strong>do</strong> Porto, e que, uma vez que ele roda regularmente e anualmente, isto<br />
depois de 1990, faz a montagem <strong>do</strong>s seus filmes em Paris e trabalha no eixo Lisboa/Porto,<br />
e de alguns artistas-realiza<strong>do</strong>res que se estabeleceram no Porto, nomeadamente os realiza<strong>do</strong>res<br />
que à volta de Abi Feijó aí construíram uma brilhante escola de <strong>cinema</strong> de animação.<br />
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