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«Um centro na margem»: o caso do cinema português - SciELO

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758<br />

Jacques Lemière<br />

(Instituto Português <strong>do</strong> Cinema e <strong>do</strong> Audiovisual). Em 2001, Portugal foi<br />

representa<strong>do</strong> por <strong>do</strong>is filmes no Festival de Cannes e, depois, por nove filmes<br />

no Festival de Veneza 68 . Para sublinhar a dimensão dessa representação, o<br />

ICAM, através de uma vasta campanha de anúncios públicos e <strong>na</strong> imprensa<br />

em Portugal, cujo estilo grandíloquo foi acolhi<strong>do</strong> desfavoravelmente, anunciava,<br />

em Setembro de 2001, que Portugal tinha «troca<strong>do</strong> as caravelas pelas<br />

gôn<strong>do</strong>las para partir à conquista <strong>do</strong> <strong>cinema</strong> mundial». Todavia, e apesar destes<br />

resulta<strong>do</strong>s assi<strong>na</strong>láveis, talvez tenha chega<strong>do</strong> o tempo em que o argumento da<br />

projecção inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, tão fundamental nos anos 80 e 90, perdeu a sua força<br />

e se arrisca a não bastar, <strong>na</strong> opinião <strong>do</strong>s portugueses, como vector de<br />

legitimidade 69 .<br />

Durante os últimos quinze anos multiplicaram-se as batalhas de opinião<br />

e os lobbies, pontua<strong>do</strong>s, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s «autores-realiza<strong>do</strong>res», defensores <strong>do</strong><br />

sistema <strong>na</strong>sci<strong>do</strong> em 1971, por ocupações <strong>do</strong> Instituto <strong>do</strong> Cinema, pela publicação<br />

de vigorosos manifestos, cartas abertas e petições, e, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

partidários da destruição desse sistema, por violentas crónicas nos jor<strong>na</strong>is e<br />

por interpelações ao ministro no parlamento. Estas batalhas foram, e são<br />

ainda, tanto mais rudes quanto os realiza<strong>do</strong>res se encontram representa<strong>do</strong>s<br />

por duas associações concorrentes, a APRF (Associação Portuguesa <strong>do</strong>s<br />

Realiza<strong>do</strong>res de Filmes), relançada no ambiente conflituoso de 1991 para<br />

«promover o <strong>cinema</strong> <strong>português</strong> e tentar criar as condições possíveis para<br />

uma produção <strong>cinema</strong>tográfica de qualidade» e frontalmente combatida, a<br />

partir de 1996, pela ARCA (Associação <strong>do</strong>s Realiza<strong>do</strong>res de Cinema e<br />

Audiovisual), fundada para defender «o princípio da criação de uma indústria<br />

<strong>do</strong> audiovisual […] onde o <strong>cinema</strong> e a televisão sejam parceiros <strong>na</strong>turais,<br />

num plano de igualdade, <strong>na</strong> criação de imagens e de som em língua portuguesa<br />

[…] Em suma, um desafio no futuro merca<strong>do</strong> lusófono 70 .»<br />

Não é este o lugar para estudar em pormenor a luta entre os <strong>do</strong>is<br />

campos, mas é necessário sublinhar o clima muito polémico e a brutalidade<br />

<strong>do</strong>s ataques que foram feitos, sobretu<strong>do</strong> depois de 1990, contra o sistema<br />

produtivo favorável aos «autores-realiza<strong>do</strong>res». Quan<strong>do</strong> o ministro da Cultura,<br />

em 1997, sugeriu a hipótese da instituição de quotas de 25% para os<br />

68 Portugal, 2002, Anuário <strong>do</strong> ICAM, Lisboa.<br />

69 Uma prova disso é talvez o Anuário <strong>do</strong> ICAM, que até 1998 se contentava em publicar<br />

os prémios e distinções obti<strong>do</strong>s pelos filmes portugueses nos festivais inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, ter<br />

começa<strong>do</strong> a fazer aparecer, por um la<strong>do</strong>, em 1999, ao la<strong>do</strong> dessa lista, outra com os filmes<br />

estrea<strong>do</strong>s em sala (12 longas-metragens e três curtas-metragens em 1998) e, por outro la<strong>do</strong>,<br />

em 2001, os números de frequência (bem como o número de cópias em exploração) para cada<br />

uma das suas entradas. Trata-se da divulgação de uma outra fonte de legitimidade. Não<br />

ape<strong>na</strong>sparticipar e/ou ganhar nos festivais, mas também encontrar uma distribui<strong>do</strong>ra e/ou ter<br />

sucesso em termos de ingressos.<br />

70 Guia Profissio<strong>na</strong>l <strong>do</strong> Audiovisual, ed. 1998-1999 cit.

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