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«Um centro na margem»: o caso do cinema português - SciELO

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744<br />

Jacques Lemière<br />

terem redunda<strong>do</strong> numa catástrofe, mas, num certo número de <strong>caso</strong>s,<br />

elas conheceram o risco de dilatação <strong>do</strong> tempo <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>lização <strong>do</strong>s<br />

filmes, expon<strong>do</strong>-os a to<strong>do</strong> o tipo de complicações (interrupção <strong>do</strong><br />

filme, falta de dinheiro durante ou depois da rodagem; retoma <strong>do</strong><br />

projecto por um produtor em más condições; envelhecimento ou desaparecimento<br />

<strong>do</strong>s actores, etc.) 35 . Estas experiências abriram então<br />

para histórias em espiral <strong>na</strong>s relações entre realiza<strong>do</strong>r e produtor (com<br />

os ensaios repeti<strong>do</strong>s de alianças novas), assim como para a figura <strong>do</strong><br />

realiza<strong>do</strong>r senhor da sua própria produção (ela também tentação sempre<br />

retomada).<br />

4. Correlativamente, a reivindicação pelos cineastas de um <strong>cinema</strong><br />

artesa<strong>na</strong>l, ou, dito de outra maneira, conservan<strong>do</strong>, desse artesa<strong>na</strong>to, um<br />

ponto de definição essencial: o valor da<strong>do</strong> ao tempo como bem mais<br />

precioso, mais precioso <strong>do</strong> que o dinheiro. Nesta época, «a superioridade<br />

<strong>do</strong> <strong>cinema</strong> <strong>português</strong>», diz um deles, «era que nós não tínhamos<br />

muito dinheiro, mas tínhamos muito tempo para produzir» 36 .<br />

Interroga<strong>do</strong>, em 1993, sobre a questão, em Portugal, da densidade<br />

particular de cineastas manten<strong>do</strong> firmemente uma concepção <strong>do</strong> <strong>cinema</strong><br />

como arte, o cineasta Alberto Seixas Santos foi tenta<strong>do</strong> a fazer <strong>do</strong><br />

quadro artesa<strong>na</strong>l a primeira das explicações: «Em primeiro lugar,<br />

Portugal não tem uma indústria de <strong>cinema</strong>. É desde sempre um artesa<strong>na</strong>to.<br />

A norma, no senti<strong>do</strong> industrial, não existe entre nós. É a<br />

primeira das razões, e a mais importante, se não for a única. Uma<br />

indústria implica uma produção regular, divisão <strong>do</strong> trabalho, regras<br />

muito precisas, ence<strong>na</strong><strong>do</strong>res que as aceitem e a margi<strong>na</strong>lização daqueles<br />

que não aceitem este estilo <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte» 37 .<br />

5. Uma quase monopolização da distribuição por uma sociedade que actua<br />

como «testa-de-ferro <strong>do</strong> <strong>cinema</strong> americano em Portugal» 38 . A socie-<br />

35 Tomemos <strong>do</strong>is exemplos de obras imediatamente reconhecidas no estrangeiro pela sua<br />

apresentação em festivais ou exibição em sala. O Bobo, de José Álvaro Morais, premia<strong>do</strong> com<br />

o leopar<strong>do</strong> de ouro no Festival de Locarno, em 1987, conheceu um processo complexo de<br />

produção durante um largo perío<strong>do</strong> (entre 1979 e 1987). Amor de Perdição, de Manoel de<br />

Oliveira, foi «um pesadelo», lembra João Botelho, que assistiu à sua rodagem: «O Senhor<br />

Oliveira contra to<strong>do</strong>s! Ninguém queria produzir o Amor de Perdição. Isto durou três anos,<br />

em condições insuportáveis […]. E, apesar disso, Amor de Perdição é um <strong>do</strong>s grandes filmes<br />

de Oliveira e de to<strong>do</strong> o <strong>cinema</strong> <strong>português</strong>» [João Botelho, «Uniamoci nella dissidenza.<br />

Conversazione tra João Botelho, Pedro Costa, João Mário Grilo», in Amori di perdizione.<br />

Storie di <strong>cinema</strong> portoghese (1970-1999), cit., 1999].<br />

36 João Botelho, entrevista com Jacques Lemière, 1 de Agosto de 1991, Catalogue des<br />

2ndes Journées de cinéma portugais, Rouen, Cineluso, 1992.<br />

37 Alberto Seixas Santos, entrevista com Jacques Lemière, cit, 1993.<br />

38 João Botelho, entrevista com Jacques Lemière, 14 de Janeiro de 2003. Hoje cerca de<br />

três quartos <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> <strong>do</strong> sector da distribuição são controla<strong>do</strong>s pela Lusomun<strong>do</strong> (<strong>na</strong> sua<br />

aliança com as empresas america<strong>na</strong>s).

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