«Um centro na margem»: o caso do cinema português - SciELO
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<strong>«Um</strong> <strong>centro</strong> <strong>na</strong> <strong>margem»</strong>: o <strong>caso</strong> <strong>do</strong> <strong>cinema</strong> <strong>português</strong><br />
inspira<strong>do</strong> pelos lobbies <strong>do</strong> <strong>cinema</strong> de entretenimento. A direcção da Associação<br />
Portuguesa <strong>do</strong>s Realiza<strong>do</strong>res de Filmes (APRF, a associação mais fiel,<br />
historicamente, às intenções autorais <strong>do</strong> grupo funda<strong>do</strong>r) escreve ao ministro da<br />
Cultura: «Pensamos que a grandeza <strong>do</strong> Cinema Português só será mantida se<br />
forem garantidas as condições mínimas de liberdade e de diversidade pelas quais<br />
os cineastas hão luta<strong>do</strong> ao longo de três décadas. Fazemos filmes portugueses,<br />
amamo-los e pensamos que o Cinema Português foi um veículo fundamental e<br />
verdadeiro da arte e da cultura deste país. Dizemo-vos, Sr. Ministro da Cultura,<br />
que não existe outra <strong>cinema</strong>tografia no mun<strong>do</strong> que — apesar <strong>do</strong>s modestos custos<br />
de produção, <strong>do</strong>s apoios precários e de todas as outras dificuldades, como as<br />
condições brutais e desleais de concorrência — se possa orgulhar de, por exemplo,<br />
numa produção de 14 longas-metragens no ano de 2000, ter mostra<strong>do</strong> três desses<br />
filmes no Festival de Cannes e 9 outros no Festival de Veneza; de ter ganho,<br />
simultaneamente, e progressivamente, o respeito <strong>do</strong>s especta<strong>do</strong>res portugueses a<br />
quem, prioritariamente, estes filmes se desti<strong>na</strong>m.»<br />
Mas trinta anos passaram, «três décadas de luta», como sublinha o texto<br />
de 22 de Abril de 2002 (uma data-aniversário minuciosamente escolhida para<br />
um apelo ao governo num momento em que a memória <strong>do</strong> 25 de Abril não<br />
é tão consensual quanto se podia crer), e importa pesar o que separa estes <strong>do</strong>is<br />
textos: o primeiro é o texto de um grupo com uma dinâmica ofensiva; o<br />
segun<strong>do</strong> é o texto de um grupo força<strong>do</strong> a a<strong>do</strong>ptar uma lógica defensiva.<br />
1971-1990, FASE OFENSIVA. O PODER<br />
DOS «AUTORES-REALIZADORES», OS MAIS DISTANTES<br />
DA INDÚSTRIA<br />
Em 25 de Fevereiro de 1972, o grupo <strong>do</strong> «<strong>cinema</strong> novo» (alarga<strong>do</strong> ao<br />
mestre Oliveira), cheio de audácia e fortemente uni<strong>do</strong>, que juntou, sem grandes<br />
dificuldades (até 1974), sensibilidades contraditórias, que iam da extremaesquerda<br />
aos democratas de direita, passan<strong>do</strong> pela esquerda católica 28 , conheceu<br />
«a consagração da vitória <strong>do</strong> <strong>cinema</strong> novo <strong>português</strong>» 29 . O velho <strong>cinema</strong><br />
tinha caí<strong>do</strong> sob o emblemático título <strong>do</strong> filme de Oliveira O Passa<strong>do</strong> e o<br />
Presente (belo nome para servir de símbolo a uma revolução <strong>cinema</strong>tográfica),<br />
um filme impertinente e insuportável para o «bom gosto» <strong>do</strong>s burgueses<br />
salazaristas. Os autores-realiza<strong>do</strong>res <strong>do</strong> <strong>cinema</strong> novo acabaram por obter <strong>do</strong><br />
regime autoritário, que leu (sem disso se gabar) O Ofício de Cineasta em<br />
28 António Cunha Telles, entrevista com Jacques Lemière, 13 de Janeiro de 2003.<br />
29 João Bé<strong>na</strong>rd da Costa, op cit.<br />
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