Monografia - Setor de Ciências Humanas UFPR - Universidade ...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ<br />
EMANUEL MENIM<br />
MOVIMENTO SOCIAL DOS FAXINALENSES: IDENTIDADE ÉTNICA E LUTA<br />
PELO TERRITÓRIO, EM QUITANDINHA, PARANÁ<br />
CURITIBA<br />
2010
EMANUEL MENIM<br />
MOVIMENTO SOCIAL DOS FAXINALENSES: IDENTIDADE ÉTNICA E LUTA<br />
PELO TERRITÓRIO, EM QUITANDINHA, PARANÁ<br />
<strong>Monografia</strong> apresentada como requisito parcial<br />
para obtenção do título <strong>de</strong> Bacharel em <strong>Ciências</strong><br />
Sociais, no curso <strong>de</strong> <strong>Ciências</strong> Sociais, <strong>Setor</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Humanas</strong>, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Paraná.<br />
CURITIBA<br />
2010<br />
Orientador: Profº Drº Osvaldo Heller da Silva
AGRADECIMENTOS<br />
Explicar com palavras a sensação sem par <strong>de</strong> concluir um trabalho que levou<br />
vários meses para ser construído é tarefa pretensiosa. Contudo, posso tentar com<br />
simplicida<strong>de</strong> dizer que este estudo, meu primeiro trabalho <strong>de</strong> rigor científico, <strong>de</strong>ixou-<br />
me feliz e aliviado <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, enfim, lançá-lo à aca<strong>de</strong>mia.<br />
Meu mais valioso agra<strong>de</strong>cimento é a Deus, por todas as coisas que me tem<br />
feito, e sem o qual certamente não haveria motivo para realização <strong>de</strong>ste trabalho.<br />
Agra<strong>de</strong>ço aos meus pais, José Menim e Maria Luiza Rocha Menim, por terem<br />
inesgotável paciência, <strong>de</strong>dicação, amor, e pela eterna disponibilida<strong>de</strong> em me<br />
aconselhar, incentivar, assim como pelas inúmeras oportunida<strong>de</strong>s que me<br />
proporcionaram ao longo da vida.<br />
Agra<strong>de</strong>ço a Francielly Giachini Barbosa, companheira <strong>de</strong> todas as horas, por<br />
ter-me <strong>de</strong>dicado precioso amor, amiza<strong>de</strong> e cuidado.<br />
Agra<strong>de</strong>ço aos irmãos Eduardo, Júnior e Lúcia pela amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong> sempre. Aos<br />
amigos Kleybson, Diego, Vinícius, Dudson, Gabrielle e Máximo pelo<br />
companheirismo durante todo o processo da graduação.<br />
Agra<strong>de</strong>ço aos meus mestres, a começar por Paulo Mello Garcias, meu<br />
primeiro professor da <strong>UFPR</strong> quando cursei <strong>Ciências</strong> Econômicas, por quem fui<br />
incentivado a não <strong>de</strong>sistir nunca. Aos meus professores da graduação <strong>de</strong> <strong>Ciências</strong><br />
Sociais, em especial a Osvaldo Heller da Silva, por ter me dado a atenção e<br />
orientação necessárias para a construção <strong>de</strong>ste trabalho.<br />
Agra<strong>de</strong>ço com muita alegria aos moradores <strong>de</strong> Quitandinha, cida<strong>de</strong> que me<br />
recebeu muito bem por todos os lugares por on<strong>de</strong> passei. Trata-se, sem dúvida, <strong>de</strong><br />
um povo muito hospitaleiro por quem guardo imenso respeito e carinho. Obrigado<br />
aos que colaboraram com este estudo ce<strong>de</strong>ndo seu tempo e conhecimento através<br />
das entrevistas e das conversas informais. Muito obrigado, enfim, aos moradores do<br />
Salso, chacareiros e faxinalenses, por terem enriquecido a pesquisa dando seus<br />
pontos <strong>de</strong> vista e colaborando para a produção <strong>de</strong> conhecimento sobre a questão<br />
dos faxinais no Paraná.
Afagar a terra<br />
Conhecer os <strong>de</strong>sejos da terra<br />
Cio da terra, a propícia estação<br />
E fecundar o chão<br />
Chico Buarque <strong>de</strong> Holanda<br />
e Milton Nascimento
RESUMO<br />
A presente pesquisa busca analisar a construção do sujeito mobilizado nos faxinais<br />
do Paraná. Os objetivos da discussão estão primeiramente focados em enten<strong>de</strong>r os<br />
principais pressupostos teóricos que envolvem a temática dos faxinais, dos<br />
movimentos sociais e das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s étnicas. Assim, buscamos perceber a atuação<br />
e os avanços por meio do movimento social dos faxinalenses, ou seja, da<br />
Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses bem como esta organização está ligada<br />
a construção <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> faxinalense. As tradições, práticas costumeiras e<br />
questões ligadas à territorialida<strong>de</strong>, bem como os conflitos existentes entre os que<br />
são e os que não são faxinalenses também se fazem presente na discussão.<br />
Através das entrevistas, observações <strong>de</strong> campo, registros, buscamos retratar <strong>de</strong><br />
modo específico a configuração do faxinal do Salso, em Quitandinha, Paraná, bem<br />
como seus anseios, lutas e conquistas.<br />
Palavras chave: faxinalenses, movimento social, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica
LISTA DE FIGURAS E IMAGENS<br />
FIGURA 1 - LOCALIZAÇÃO DE QUITANDINHA NO MAPA DO<br />
PARANÁ<br />
FIGURA 2 - QUITANDINHA LOCALIZADA EM MEIO AOS<br />
MUNICÍPIOS VIZINHOS<br />
IMAGEM 3 - FAXINALENSES DO SALSO FAZENDO MUTIRÃO<br />
PARA MALHAR A ERVA-MATE<br />
52<br />
52<br />
56
LISTA DE SIGLAS<br />
AGAECO - Associação dos Grupos <strong>de</strong> Agricultura Ecológica <strong>de</strong> Turvo<br />
APF - Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses<br />
ARESUR - Áreas Especiais <strong>de</strong> Uso Regulamentado<br />
IAP - Instituto Ambiental do Paraná<br />
IAPAR - Instituto Agronômico do Paraná<br />
ICMS - Imposto sobre Circulação <strong>de</strong> Mercadorias e Serviços<br />
IEEP - Instituto Equipe <strong>de</strong> Educadores Populares<br />
INCRA - Instituto Nacional <strong>de</strong> Colonização e Reforma Agrária<br />
ITCF - Instituto <strong>de</strong> Terras, Cartografia e Florestas<br />
MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário<br />
ONG - Organização não governamental<br />
PNPCT - Política Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável dos Povos e<br />
Comunida<strong>de</strong>s Tradicionais<br />
PNRA - Plano Nacional <strong>de</strong> Reforma Agrária<br />
RDS - Reserva <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável<br />
SEAB - Secretaria <strong>de</strong> Agricultura e do Abastecimento do Paraná<br />
SECRA - Secretaria <strong>de</strong> Estado Extraordinário <strong>de</strong> Coor<strong>de</strong>nação da Reforma<br />
Agrária no Paraná<br />
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra<br />
<strong>UFPR</strong> - Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Paraná<br />
UEPG - Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Ponta Grossa<br />
UNICAMP - Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas<br />
UNICENTRO - Universida<strong>de</strong> Estadual do Centro-Oeste<br />
UFRRJ - Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Rural do Rio <strong>de</strong> Janeiro
SUMÁRIO<br />
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 9<br />
1. DEBATE TEÓRICO SOBRE OS FAXINAIS ...................................................... 14<br />
1.1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS SOBRE A TEMÁTICA DOS FAXINAIS .......... 14<br />
1.2 A PRODUÇÃO INTELECTUAL: DO DETERMINISMO DO OBJETO À<br />
CONSTRUÇÃO DO SUJEITO .................................................................................<br />
2. MOVIMENTO SOCIAL NOS FAXINAIS: O SURGIMENTO DO SUJEIO<br />
FAXINALENSES ..........................................................................................<br />
2.1 IDENTIDADE ÉTNICA: AUTO-RECONHECIMENTO PELO<br />
SENTIMENTO DE PERTENÇA ....................................................................<br />
2.2 A CONSTRUÇÃO DO ATOR FAXINALENSE ATRAVÉS DO MOVIMENTO<br />
SOCIAL, A VISIBILIDADE DOS GRUPOS E A LUTA PELO RECONHECIMENTO<br />
DO TERRITÓRIO ....................................................................................................<br />
2.3 PRÁXIS, LEI E TERRITORIALIZAÇÃO ............................................................. 45<br />
3. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA HISTÓRIA DO FAXINAL DO SALSO .......... 50<br />
3.1 TRANSFORMAÇÕES DAS RELAÇÕES SOCIAIS NO FAXINAL DO<br />
SALSO ..........................................................................................................<br />
3.2 A IDENTIDADE ÉTNICA E O ACIRRAMENTO DOS CONFLITOS NO<br />
FAXINAL DO SALSO ....................................................................................<br />
3.3 - O DEBATE ACERCA DA SAÚDE, MEIO AMBIENTE E<br />
SUSTENTABILIDADE ..................................................................................<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................<br />
FONTES .......................................................................................................<br />
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 79<br />
16<br />
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36<br />
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74<br />
77
INTRODUÇÃO<br />
Estudos acerca dos faxinais têm sido realizados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1980.<br />
São produções que objetivam enten<strong>de</strong>r a história, o modo <strong>de</strong> vida peculiar, a cultura,<br />
os conflitos, <strong>de</strong>ntre outros temas. Contudo, rara pesquisa está sendo produzida<br />
acerca do movimento social dos faxinalenses. A Articulação Puxirão dos Povos<br />
Faxinalenses (APF) é o movimento social que os representa no sul do Brasil.<br />
Os faxinalenses são povos tradicionais <strong>de</strong> formação social que têm a<br />
característica do uso coletivo dos recursos hídricos e florestais disponíveis em seus<br />
territórios. Em muitos casos, os animais, proprieda<strong>de</strong>s privadas, são criados a solta<br />
e em espaços comuns. Apesar <strong>de</strong> que uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> faxinal não viva <strong>de</strong><br />
maneira idêntica a outra e que a convivência em território comum varia bastante<br />
entre elas, há, em geral nestes espaços, moradias cercadas em pequenas áreas <strong>de</strong><br />
terras, lugar on<strong>de</strong> cultivam as hortas, auxiliadoras na provisão da subsistência, que<br />
são separadas do criadouro e que são compostas <strong>de</strong> verduras, legumes, frutas,<br />
<strong>de</strong>ntre outros. Também é comum, embora não em todos as comunida<strong>de</strong>s, que haja<br />
áreas <strong>de</strong> lavoura cercadas para a policultura alimentar, composta <strong>de</strong> milho, feijão,<br />
fumo, etc. Assim, um território composto e complexo que po<strong>de</strong> combinar uso comum<br />
<strong>de</strong> recursos e apropriação privada da terra é característica que se po<strong>de</strong> encontrar<br />
nos faxinais, apesar <strong>de</strong> que essas não sejam as únicas possíveis <strong>de</strong> se verificar<br />
nestas comunida<strong>de</strong>s tradicionais.<br />
A questão central dos conflitos que acontecem nos Faxinais gira em torno da<br />
territorialida<strong>de</strong>. Há décadas que o mo<strong>de</strong>lo da agricultura convencional e a<br />
mercantilização das terras avançam gradualmente sobre os territórios faxinalenses,<br />
principalmente por meio das empresas do agronegócio. Mas, há também outro<br />
antagonista: o chacareiro. Na ótica dos faxinalenses, chacareiros são pessoas que<br />
procuram um pedaço <strong>de</strong> terra e a encontra em meio aos faxinais, seja para o lazer e<br />
o <strong>de</strong>scanso, seja para empreen<strong>de</strong>r alguma forma <strong>de</strong> produção econômica, mas que<br />
não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m dos frutos da terra para a sobrevivência. Estes não compreen<strong>de</strong>m o<br />
modo <strong>de</strong> vida daqueles e por isto cercam suas terras diminuindo o território dos<br />
faxinalenses, diminuindo a área <strong>de</strong> reprodução social e econômica do povo<br />
tradicional. Tal é o recorrente motivo <strong>de</strong> conflito entre faxinalenses e chacareiros.
Este cenário <strong>de</strong> ameaça aos territórios tradicionais pelo avanço da agricultura<br />
convencional e dos chacareiros nas últimas décadas foi motivo suficiente para que<br />
em agosto <strong>de</strong> 2005 fosse realizado em Irati, Paraná, o 1º Encontro dos Povos <strong>de</strong><br />
Faxinais. Neste encontro a Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses (APF) surgiu<br />
como um movimento social que tem como proposta a valorização cultural e social<br />
juntamente com o direito <strong>de</strong> existir dos faxinalenses, bem como a luta pela terra e<br />
por um mo<strong>de</strong>lo sustentável <strong>de</strong> produção adaptado ao seu modo <strong>de</strong> vida.<br />
Há avanços conquistados pela APF tanto em relação ao po<strong>de</strong>r público como<br />
no reconhecimento <strong>de</strong> sua territorialida<strong>de</strong> tradicional por Leis Estaduais e<br />
Municipais. Há vitórias também no âmbito organizacional, na mobilização <strong>de</strong> novas<br />
comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> faxinais e na divulgação da Nova Cartografia Social dos Povos e<br />
Comunida<strong>de</strong>s Tradicionais do Brasil. Pela mobilização social e pressão política os<br />
faxinalenses conquistaram direitos fundamentais. Através do Decreto Fe<strong>de</strong>ral<br />
10.408/2006 e pela Lei Estadual 15.673/2007, eles passaram a ser reconhecidos<br />
pelo Estado como povos tradicionais <strong>de</strong> territorialida<strong>de</strong> específica. No entanto,<br />
apesar dos avanços da APF, o maior conflito continua sendo, em gran<strong>de</strong> medida, a<br />
perda <strong>de</strong> territórios para os chacareiros e para o agronegócio. Desta forma, o<br />
espaço físico <strong>de</strong> reprodução cultural diminuiu drasticamente nos últimos anos.<br />
Com isso, nosso objetivo nesta pesquisa é estudar o ator que se põe<br />
mobilizado em causa nos faxinais do Paraná. Como ele passou do <strong>de</strong>terminismo do<br />
objeto à construção do sujeito nas últimas décadas nos estudos científicos? Por que<br />
veio à tona esse sujeito e por meio <strong>de</strong> quais instrumentos ele ganhou visibilida<strong>de</strong>?<br />
Analisaremos também a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica entre os faxinalenses buscando saber<br />
como ela é construída e reconstruída, e se isso acontece por meio do movimento<br />
social e como. Outra questão importante que examinaremos é a da territorialização,<br />
que faremos à luz dos costumes, tradições e leis, como também a partir <strong>de</strong> um<br />
estudo <strong>de</strong> caso realizado no Faxinal do Salso, em Quitandinha, Região<br />
Metropolitana <strong>de</strong> Curitiba.<br />
Por que o interesse no assunto? Logo no primeiro ano <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Ciências</strong> Sociais fiz, junto com a turma <strong>de</strong> Sociologia Rural, uma visita ao<br />
assentamento do MST que fica na Lapa/Paraná. Senti-me atraído pelo campo <strong>de</strong><br />
trabalho e pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pesquisar na área rural. De lá para cá meu interesse<br />
foi se aprofundando, principalmente através das leituras, e percebi a importância do
tema da agricultura familiar e dos povos e comunida<strong>de</strong>s tradicionais para a<br />
aca<strong>de</strong>mia brasileira, levando em consi<strong>de</strong>ração o profícuo campo <strong>de</strong> estudos que o<br />
Paraná abre aos pesquisadores <strong>de</strong>sta área. Escolhi estudar os povos <strong>de</strong> faxinais<br />
porque vi no tema a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar continuida<strong>de</strong> aos meus estudos<br />
acadêmicos na Sociologia após a graduação e, principalmente, pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
fazer uma das coisas importantes a que penso ser o cientista social chamado: a<br />
pesquisa <strong>de</strong> campo. Além disso, os faxinalenses têm ganhado visibilida<strong>de</strong> social e<br />
sido pesquisados com afinco nos últimos anos por várias áreas do conhecimento.<br />
Os sociólogos, em especial, <strong>de</strong>monstram uma curiosida<strong>de</strong> incessante por este modo<br />
<strong>de</strong> vida, e é possível <strong>de</strong>stacar a importância dos povos e comunida<strong>de</strong>s tradicionais<br />
para as <strong>Ciências</strong> Sociais atualmente.<br />
A relevância <strong>de</strong>sta pesquisa é dada, sobretudo, pelo aprofundamento do<br />
saber sociológico sobre o movimento social no campo, mais especificamente entre<br />
os faxinalenses, e a resistência que eles exercem sobre os que <strong>de</strong>mandam suas<br />
terras a partir da noção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica. Examinar tal luta é fundamental para o<br />
entendimento da extensão e eficácia do movimento social nos faxinais, pois a<br />
reivindicação central dos faxinalenses é essa: dar continuida<strong>de</strong> ao seu modo <strong>de</strong> vida<br />
tradicional sem per<strong>de</strong>r suas terras e, se possível, resgatá-las e até ampliá-las. É da<br />
terra que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m os faxinalenses para preservar seu modo <strong>de</strong> vida, sua cultura.<br />
Assim, acredito ser importante o presente estudo para examinarmos a atuação da<br />
Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses naquilo que é parte <strong>de</strong> suas propostas,<br />
<strong>de</strong> seu projeto: a luta pela terra. E, por conseguinte, analisaremos outros fatores que<br />
se impõem por meio <strong>de</strong>la.<br />
Em termos <strong>de</strong> metodologia, esta pesquisa <strong>de</strong>senvolveu-se por meio da leitura,<br />
análise e articulação das principais obras <strong>de</strong> referência acerca da temática dos<br />
faxinais, da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étinica, dos movimentos sociais e da territorialida<strong>de</strong>. Também<br />
foram realizadas várias visitas a campo, on<strong>de</strong> foram coletados dados por meio da<br />
observação, registro escrito, captação <strong>de</strong> imagens e entrevistas gravadas com os<br />
moradores do faxinal do Salso, chacareiros, secretários municipais e o presi<strong>de</strong>nte da<br />
câmara dos vereadores <strong>de</strong> Quitandinha. Outras fontes <strong>de</strong> informação foram as<br />
participações em reuniões dos faxinalenses nos seus encontros estaduais, além <strong>de</strong><br />
uma reunião dos moradores do Salso e a leitura dos materiais impressos produzidos<br />
pela APF.
No primeiro capítulo traremos as <strong>de</strong>finições fundamentais que<br />
instrumentalizam o trabalho com a temática dos faxinais. Também discutiremos<br />
como esta área <strong>de</strong> estudos foi sendo <strong>de</strong>senvolvida e isto se dará com o resgate da<br />
posição dos teóricos pioneiros, os quais apresentavam um caráter economicista em<br />
suas análises e traziam propostas historicistas e por vezes fatalistas da realida<strong>de</strong><br />
sobre os faxinais. Outra observação é que o sujeito faxinalense como agente ativo<br />
não estava em foco nestas primeiras produções. O que havia era a <strong>de</strong>núncia da<br />
ausência <strong>de</strong> políticas públicas em prol dos grupos <strong>de</strong> faxinais, e, por conseguinte, o<br />
incentivo da ação dos órgãos públicos no sentido <strong>de</strong> contemplá-los com políticas<br />
capazes <strong>de</strong> atuar para a continuida<strong>de</strong> do modo <strong>de</strong> vida do pequeno produtor. Apesar<br />
das limitações, presentes em toda a produção científica, estes primeiros teóricos têm<br />
o mérito <strong>de</strong> terem aberto o caminho e dado visibilida<strong>de</strong> a temática inserindo o <strong>de</strong>bate<br />
no campo político e acadêmico.<br />
No segundo capítulo atentaremos para a ação do movimento social nos<br />
faxinais e a representação do faxinalense como um sujeito, um agente ativo em seu<br />
meio. As lutas e conquistas viabilizadas pelo movimento social e a construção da<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> faxinalense como um sentimento <strong>de</strong> pertença a um dado grupo também<br />
será abordado. E por fim trataremos do papel das tradições e práticas costumeiras<br />
no suprimento da unida<strong>de</strong> do grupo bem como os conflitos em torno da<br />
territorialida<strong>de</strong> do faxinal e o uso comunitário da terra.<br />
Enquanto o primeiro e segundo capítulos discutem questões gerais dos<br />
faxinais, a última parte do trabalho especifica a discussão focada no Faxinal do<br />
Salso, trazendo seus aspectos semelhantes a <strong>de</strong> outros faxinais bem como suas<br />
particularida<strong>de</strong>s. A maior parte do capítulo é construído a partir das entrevistas<br />
realizadas com os atores sociais que permeiam as relações com o Salso, sejam eles<br />
faxinalenses, chacareiros, políticos, funcionários públicos. Nestas memórias foi<br />
resgatado um panorama histórico do Salso, bem como suas práticas e costumes<br />
que se conservaram, como o mutirão para o trabalho e a partilha <strong>de</strong> produtos da<br />
terra, por exemplo. Outro ponto são as transfromações sociais ocorridas no Salso a<br />
partir da década <strong>de</strong> 1980 quando da entrada <strong>de</strong> chacareiros no território faxinalense,<br />
o que marcou o inicio <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>scaracterização <strong>de</strong>sta região. Discutiremos também<br />
como os conflitos entre os faxinalenses e seus antagonistas foram acirradas a partir
da atuação da APF neste território. Por fim, traremos alguns elementos acerca da<br />
saú<strong>de</strong>, meio-ambiente e sustentabilida<strong>de</strong> que permeiam esta realida<strong>de</strong>.<br />
Em virtu<strong>de</strong> dos conflitos que ten<strong>de</strong>m a um acirramento ainda maior na região<br />
estudada, acreditamos ser necessário que os nomes tanto <strong>de</strong> faxinalenses como <strong>de</strong><br />
chacareiros sejam poupados. Por isso, usaremos outra forma <strong>de</strong> nominá-los, como<br />
Faxinalense A, Faxinalense B, ou Chacareiro X, Chacareiro Y, e assim por diante.<br />
Os secretários municipais e o vereador entrevistados serão citados <strong>de</strong> maneira<br />
formal porque são pessoas públicas, por isso se torna <strong>de</strong>snecessária a ocultação <strong>de</strong><br />
seus nomes.<br />
Enfim, nas páginas seguintes, o leitor se <strong>de</strong>parará com a temática dos povos<br />
tradicionais faxinalenses, acompanhando seu histórico, formação, configuração,<br />
transformações, lutas e conquistas.
1. UM DEBATE TEÓRICO SOBRE OS FAXINAIS<br />
1.1 ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS SOBRE A TEMÁTICA DOS<br />
FAXINAIS<br />
No começo da década <strong>de</strong> 1980, dois autores se <strong>de</strong>stacaram por inaugurarem<br />
a produção científica sobre os faxinais. Horácio Martins <strong>de</strong> Carvalho e ManYu Chang<br />
produziram obras que ainda hoje são utilizadas como referência neste assunto. Eles<br />
construíram categorias <strong>de</strong> análise sobre o funcionamento das formas <strong>de</strong><br />
organização da vida no faxinal em conjunto com uma perspectiva historicista<br />
evolutiva com base no ciclo ''surgimento, consolidação e <strong>de</strong>sagregação'' do sistema<br />
faxinal a partir <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista predominantemente econômico. Suas análises,<br />
posteriormente assimiladas e largamente utilizadas por outros autores, contribuíram<br />
<strong>de</strong> modo expressivo com a discussão científica sobre o tema. Sendo assim,<br />
acreditamos ser importante explicar e expor alguns esquemas analíticos que foram<br />
anteriormente estabelecidos. São eles distribuídos em termos como faxinal, sistema<br />
faxinal e criador comunitário, que serão esclarecidos com base nestes dois autores.<br />
O criador comunitário é também chamado <strong>de</strong> faxinal. No entanto, apesar do<br />
uso aparentemente indistinto das palavras, há diferenças práticas entre ambas. Para<br />
Carvalho:<br />
O criador comunitário é uma forma <strong>de</strong> organização consuetudinária que se<br />
estabelece entre proprietários da terra para a sua utilização comunal tendo<br />
em vista a criação <strong>de</strong> animais. A área <strong>de</strong> um criador comunitário é<br />
constituída por várias parcelas <strong>de</strong> terras <strong>de</strong> distintos proprietários,<br />
formando, umas ao lado das outras, um espaço contínuo. (1984, p. 12)<br />
Sobre o faxinal, Carvalho <strong>de</strong>fine:<br />
Originalmente, fins do século passado (e ainda hoje), o faxinal se referia ao<br />
mato <strong>de</strong>nso ou grosso, ou seja, a área <strong>de</strong> vegetação mais cerrada, se<br />
comparada com outras áreas às quais se <strong>de</strong>nominava <strong>de</strong> mato ralo. No<br />
faxinal ocorria a presença das espécies florestais, pinheiro (araucária) e<br />
erva mate, além <strong>de</strong> apresentar razoáveis condições <strong>de</strong> pastagem natural. O<br />
faxinal era preservado para as práticas extrativistas da ma<strong>de</strong>ira (pinho) e da<br />
erva mate, além <strong>de</strong> servir <strong>de</strong> espaço para a criação extensiva e semiextensiva<br />
<strong>de</strong> animais. As <strong>de</strong>rrubadas <strong>de</strong> mato para a formação <strong>de</strong> lavouras<br />
eram realizadas em áreas on<strong>de</strong> se observava a presença do mato ralo, no<br />
qual não se verificava a ocorrência, ao menos intensiva, das espécies<br />
florestais acima assinaladas. (1984, p. 14, 15)<br />
O termo “sistema faxinal” é explicado por Chang da seguinte forma:
O sistema faxinal (...) é uma forma <strong>de</strong> organização camponesa<br />
característica da região Centro-Sul do Paraná, cuja presença ainda se<br />
apresenta hoje <strong>de</strong> forma marcante. Sua formação está associada a um<br />
quadro <strong>de</strong> condicionantes físico-naturais da região e a um conjunto <strong>de</strong><br />
fatores econômicos, políticos e sociais que remonta <strong>de</strong> forma indireta aos<br />
tempos da ativida<strong>de</strong> pecuária dos Campos Gerais no século XVIII, e mais<br />
diretamente à ativida<strong>de</strong> ervateira na região das matas mistas no século XIX.<br />
(...) o sistema faxinal apresenta também os seguintes componentes:<br />
produção animal - criação <strong>de</strong> animais domésticos para tração e consumo<br />
com <strong>de</strong>staque às espécies eqüina, suína, caprina, bovina e aves; produção<br />
agrícola - policultura alimentar <strong>de</strong> subsistência para abastecimento familiar e<br />
comercialização da parcela exce<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>stacando as culturas <strong>de</strong> milho,<br />
feijão, arroz, batata e cebola; [também a] coleta da erva mate (...)<br />
<strong>de</strong>sempenhando papel <strong>de</strong> renda complementar. (1985, p.1)<br />
Assim, nas produções científicas sobre os faxinais, quando há referência a<br />
criador comunitário está-se falando <strong>de</strong> uma prática; à citação <strong>de</strong> faxinal fala-se <strong>de</strong><br />
um lócus; e quando se emprega o termo sistema faxinal quer-se dizer sobre a<br />
organização que conflui as duas <strong>de</strong>finições acima, ou seja, <strong>de</strong> certa prática em um<br />
<strong>de</strong>terminado local. Estas <strong>de</strong>finições aparecerão, invariavelmente, nos textos<br />
produzidos a partir da década <strong>de</strong> 1980 das três formas, visto que elas não se<br />
contradizem apenas se complementam. É o que vemos, por exemplo, na<br />
dissertação <strong>de</strong> mestrado <strong>de</strong> Souza, que sintetiza os conceitos formulados por<br />
Carvalho nos seguintes termos:<br />
(...) enten<strong>de</strong>-se por criador comunitário um espaço físico constituído tendo<br />
por base uma relação social cuja finalida<strong>de</strong> é a organização comunitária. Já<br />
o faxinal é um espaço físico natural existente no interior do criador cuja<br />
<strong>de</strong>limitação é <strong>de</strong>terminada pela presença <strong>de</strong> espécies vegetais <strong>de</strong> relevante<br />
interesse econômico, como também pela disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forrageiras<br />
nativas que atendiam a pecuária mantida no sistema. (2001, p. 30, 31)<br />
Faxinalense é um termo que foi cunhado a partir do I Encontro dos Povos <strong>de</strong><br />
Faxinais, realizado em agosto <strong>de</strong> 2005 em Irati, Paraná. Ele diz respeito ao sujeito<br />
social dos Faxinais que por vezes mantém a tradição da criação dos animais a solta<br />
em pastos comuns, e/ou do cultivo e consumo da erva-mate, da prática dos mutirões<br />
para o trabalho, seja o da construção e reforma <strong>de</strong> cercas, seja para a malha da<br />
erva-mate, seja para outros trabalhos em que a ajuda mútua é costume popular<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> tempos passados, mas que ainda vigoram. É, principalmente, aquele sujeito<br />
que se reconhece como tal e que vive com base nos acordos comunitários<br />
construídos pelo grupo do qual faz parte. Sobre o que é ser faxinalenses po<strong>de</strong>mos<br />
<strong>de</strong>stacar a fala <strong>de</strong> um morador do Faxinal do Salso:
Ser um faxinalense é a raiz. É a pessoa que nasceu lá no lugar, que tem as<br />
origens, o costume. Aquele povo que tem o mesmo costume, a mesma<br />
linguagem, vamos dizer assim. Pra mim, o faxinalense é isso. Aquela<br />
pessoa que é criada, que tem a raiz no faxinal. (FAXINALENSE G, 2009)<br />
Enfim, quando o termo empregado durante o texto for o faxinalense, referimo-<br />
nos ao sujeito que vive no Faxinal, que mantêm certos costumes, e que tem práticas<br />
específicas no seu modo <strong>de</strong> vida que o diferencia dos <strong>de</strong>mais, inclusive dos que<br />
moram em faxinais, mas não são faxinalenses. Falaremos <strong>de</strong> um povo tradicional,<br />
<strong>de</strong> um ator social que se consolida através do movimento social e que se auto<strong>de</strong>fine<br />
politicamente em torno <strong>de</strong> sua cultura e territorialida<strong>de</strong>. Portanto, <strong>de</strong>stacamos um<br />
sujeito em processo <strong>de</strong> afirmação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica, coletiva, que busca a sua<br />
autonomia através das formas organizativas que reivindicam leis estaduais e<br />
municipais específicas que lhe garantam direitos. Lançamos luz sobre um ator que<br />
luta contra a invisibilida<strong>de</strong> social que os relegou erroneamente a um modo <strong>de</strong> vida<br />
atrasado nas últimas décadas.<br />
1.2 A PRODUÇÃO INTELECTUAL: DO DETERMINISMO DO OBJETO À<br />
CONSTRUÇÃO DO SUJEITO<br />
As tradicionais formas organizadoras da vida em torno dos faxinais se<br />
espalharam pelo interior do estado do Paraná e <strong>de</strong> Santa Catarina. A produção<br />
intelectual sobre o tema, pelo menos no Paraná, gira em torno da tría<strong>de</strong>: gênese,<br />
consolidação, <strong>de</strong>sagregação do sistema. Testificam-nas, então, como primeiros<br />
relatos os trabalhos <strong>de</strong> Carvalho (1984), sobre o que ele <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> uma crônica<br />
dos criadores comunitários do Faxinal do Rio do Couro, em Irati, Paraná, como<br />
também a obra <strong>de</strong> Chang (1985), ambos pela ótica econômica e social do trabalho,<br />
sendo o ponto <strong>de</strong> vista econômico o prevalecente. Sobre a <strong>de</strong>sagregação do modo<br />
<strong>de</strong> vida, alerta-nos para seu consequente <strong>de</strong>saparecimento no tempo e no espaço a<br />
continuar o ritmo - até a época <strong>de</strong>stas produções - dos acontecimentos.<br />
Em conjunto com estas duas obras, completam-nas os escritos <strong>de</strong> Gevaerd<br />
Filho (1986), em artigo publicado na Revista <strong>de</strong> direito agrário e meio-ambiente,<br />
em que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o direito à continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse modo <strong>de</strong> organização econômica<br />
rural e da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> políticas públicas voltadas ao atendimento das<br />
necessida<strong>de</strong>s do pequeno agricultor. Gubert (1987), também através <strong>de</strong> um artigo
publicado pela mesma revista, aprofunda o tema com um estudo <strong>de</strong> caso em região<br />
específica, isto é, no Faxinal da Barra dos Andra<strong>de</strong>, em Rebouças, Paraná. Analisa<br />
a formação da comunida<strong>de</strong> estudada, os conflitos advindos principalmente da<br />
migração gaúcha a partir da segunda meta<strong>de</strong> do século XX, e o consequente<br />
processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagregação dos territórios e da cultura, alterando o estado <strong>de</strong> coisas<br />
até o momento <strong>de</strong> conclusão <strong>de</strong> sua pesquisa. O dois autores, em comum acordo<br />
com as previsões <strong>de</strong> Carvalho e Chang, atentam para a iminente eliminação do<br />
sistema faxinal.<br />
Estas produções científicas são as que chamaremos durante o capítulo <strong>de</strong><br />
“obras da década <strong>de</strong> 80”, ou simplesmente <strong>de</strong> obras “clássicas” sobre os faxinais.<br />
Após estes trabalhos, o que se segue são produções científicas que vão<br />
corroborar com a base conceitual firmada e cristalizada na aca<strong>de</strong>mia. A produção <strong>de</strong><br />
conhecimento da década <strong>de</strong> 80 é realizada por autores que atuam nas áreas da<br />
Sociologia, Economia, Direito e Agronomia. Vejamos mais <strong>de</strong> perto parte do<br />
conteúdo <strong>de</strong> suas produções.<br />
A começar por Carvalho (1984) que, em seu trabalho sob o título Da aventura<br />
à esperança: A experiência auto-gestionária no uso comum da terra, procurou<br />
<strong>de</strong>screver o modo <strong>de</strong> vida dos camponeses resi<strong>de</strong>ntes no Faxinal do Rio do Couro,<br />
em Irati, Paraná, cuja exploração comunal das terras se manifesta através da<br />
criação extensiva <strong>de</strong> animais em gran<strong>de</strong>s áreas <strong>de</strong> pastos comuns, amparados em<br />
uma agricultura <strong>de</strong> subsistência e no extrativismo da erva-mate e da ma<strong>de</strong>ira. O<br />
autor <strong>de</strong>monstra, sobre o surgimento <strong>de</strong>ste modo <strong>de</strong> vida, que a organização do<br />
criadouro comunitário está em torno da economia no material empregado na<br />
necessária separação entre os espaços <strong>de</strong> lavoura e do animal. Esta necessida<strong>de</strong><br />
engendrará aquilo a que Carvalho <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> sociologia das cercas - regras<br />
consuetudinárias baseada no costume <strong>de</strong> sua construção em puxirão 1 . O trabalho<br />
coletivo para a construção das cercas, a extração e a malha da erva-mate, a<br />
agricultura apoiada numa policultura <strong>de</strong> alimentos - muitas vezes para subsistência -<br />
o uso comunal das terras para criação extensiva dos animais, e através dos usos,<br />
costumes e da tradição nas relações cotidianas, as normas consuetudinárias, ou<br />
po<strong>de</strong>mos chamar simplesmente <strong>de</strong> acordos coletivos, trataram <strong>de</strong> organizar os<br />
1 Segundo Carvalho (1984), puxirão é uma prática <strong>de</strong> ajuda mútua para a roçada do mato, para as capinas e<br />
também para a construção e manutenção das cercas do criador comunitário.
grupos camponeses <strong>de</strong> variadas posses materiais e intelectuais com interesses<br />
econômicos comuns.<br />
Esta obra inaugurou os estudos científicos sobre os faxinais, ainda na<br />
primeira meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 1980. O trabalho, inicialmente, seria uma monografia,<br />
mas acabou não sendo publicada. Veio ao conhecimento público a partir da obra <strong>de</strong><br />
Chang, no ano seguinte. Esta autora se apropriará dos conceitos elaborados a partir<br />
da pesquisa <strong>de</strong> campo <strong>de</strong> Carvalho para dar sua contribuição científica sobre o<br />
tema, mantendo <strong>de</strong>finições como criadouro comunitário, e a sociologia das cercas.<br />
Carvalho (1984) objetivou investigar as relações <strong>de</strong> produção que se dão no<br />
criador comunitário, <strong>de</strong>monstrando como as transformações econômicas e sociais,<br />
ocorridas em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que privilegiam um mo<strong>de</strong>lo<br />
capitalista <strong>de</strong> produção no campo, são uma das causas da intensificação do<br />
processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagregação do criador comunitário a partir do aparecimento das<br />
serrarias.<br />
Em sua dissertação <strong>de</strong> mestrado, Chang (1985) <strong>de</strong>senvolveu um trabalho<br />
intitulado: Sistema Faxinal - uma forma <strong>de</strong> organização camponesa em<br />
<strong>de</strong>sagregação no Centro-Sul do Paraná. Este estudo vai mais longe ao analisar a<br />
origem, ou seja, o processo <strong>de</strong> formação do sistema faxinal. Também analisa os<br />
períodos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagregação das bases do sistema <strong>de</strong> produção em torno dos pastos<br />
comuns. A autora recorre à análise dos ciclos econômicos que nos últimos séculos<br />
ocorreram no Paraná. Estes ciclos revelam parte da formação e <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
agricultura paranaense, e traz evidências sobre a gênese do sistema faxinal. Através<br />
do estudo da História do Paraná, ela associa a formação dos faxinais à época da<br />
gran<strong>de</strong> importância econômica conferida à erva-mate a partir do século XIX.<br />
Portanto, em seu trabalho, percebemos que o mate é fundamental para a<br />
compreensão da consolidação <strong>de</strong>ste sistema.<br />
Chang conta que este sistema foi, principalmente a partir da fase <strong>de</strong><br />
consolidação, ameaçado constantemente por forças externas. O problema advinha<br />
das pressões ocasionadas através da <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> terras por migrantes -<br />
possuidores <strong>de</strong> costumes distintos em relação ao modo <strong>de</strong> organização e<br />
exploração da terra - ou da gradual e constante expropriação <strong>de</strong> seus territórios<br />
através da implantação <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> exploração mais intensiva da terra, que<br />
visa o lucro do capital. Mudanças sensíveis no sistema faxinal ocorrem quando se
transformaram as relações <strong>de</strong> trabalho nas regiões <strong>de</strong> criatórios, a partir das<br />
instalações das serrarias, portadoras <strong>de</strong> motivos suficientes para impulsionar o<br />
processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagregação dos faxinais no Estado. Deste modo, o foco das<br />
pesquisas da autora está na análise das causas do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagregação do<br />
sistema faxinal, atribuindo ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> “mo<strong>de</strong>rnização” da agricultura incentivado<br />
por políticas públicas apoiadoras da produção capitalista no campo, principalmente a<br />
partir <strong>de</strong> 1960, gran<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> pela <strong>de</strong>sorganização do sistema.<br />
Gevaerd Filho (1986), seguindo os passos <strong>de</strong> Carvalho (1984) e Chang<br />
(1985), busca traçar um perfil histórico e jurídico dos pastos comuns, ou<br />
compáscuos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Ida<strong>de</strong> Antiga à Ida<strong>de</strong> Contemporânea. Discute a origem do<br />
código civil português e brasileiro. Por fim, afirma a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organização dos<br />
moradores <strong>de</strong> faxinais em torno dos direitos <strong>de</strong> reprodução econômica e social, e da<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> melhorar suas capacida<strong>de</strong>s através do apoio <strong>de</strong> políticas públicas.<br />
O autor reconhece o intenso processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagregação <strong>de</strong>ste modo <strong>de</strong> vida dos<br />
faxinais nas últimas décadas até meados <strong>de</strong> 1980, e conclui sobre a extinção do<br />
sistema faxinal em razão do completo <strong>de</strong>sprezo das formas <strong>de</strong> vida camponesas<br />
pelo Estado. Apesar disto, discursa sobre a possibilida<strong>de</strong> da criação <strong>de</strong> políticas<br />
públicas que possibilitem alternativas à sua continuida<strong>de</strong>, buscando a valorização e<br />
manutenção <strong>de</strong> sua economia e modo <strong>de</strong> vida.<br />
No ano seguinte, pesquisando especificamente o município <strong>de</strong> Rebouças,<br />
Paraná, Gubert (1987), a partir do histórico da ocupação das terras paranaenses,<br />
verifica que o esgotamento das terras disponíveis e a valorização das terras férteis<br />
incidiram em pressão econômica sobre as terras menos férteis do Estado, locais <strong>de</strong><br />
criadouros comunitários. Além disso, houve a migração massiva dos gaúchos em<br />
direção ao sul do Estado para a compra das terras <strong>de</strong>ntro e fora do espaço <strong>de</strong><br />
criação comum. Os primeiros conflitos aconteciam em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> os novos<br />
proprietários, que se estabeleciam <strong>de</strong>ntro dos criadouros, não aceitarem o<br />
cercamento das terras <strong>de</strong> lavoura, como era o costume. Em meio aos constantes<br />
conflitos, a <strong>de</strong>sorganização do criadouro colaborou para sua substituição por<br />
lavouras mecanizadas.<br />
O autor (1987) também analisa o faxinal se apropriando dos trabalhos <strong>de</strong><br />
Carvalho (1984) e Chang (1985). Contudo, constrói o artigo pelo enfoque<br />
econômico, social e político, buscando em poucas linhas dar conta <strong>de</strong> uma gama
complexa <strong>de</strong> fatores que levaram à quase dissolução do criadouro na comunida<strong>de</strong><br />
em estudo. Gubert chama a atenção para uma causa da <strong>de</strong>sarticulação dos faxinais,<br />
isto é, as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r pouco favoráveis aos criadores na região. Para ele, a<br />
política no município se mostrou <strong>de</strong>sinteressada e insuficiente para evitar a “falência”<br />
do pequeno agricultor, haja vista outros interesses políticos relativos à legitimação<br />
da “agricultura mo<strong>de</strong>rna” que agiram em sentido contrário à manutenção dos<br />
faxinais.<br />
Igualmente importante é o trabalho <strong>de</strong> Souza (2001) sobre o Faxinal Sauda<strong>de</strong><br />
Santa Anita, on<strong>de</strong> através <strong>de</strong> um estudo <strong>de</strong> caso o autor investiga as transformações<br />
sociais e econômicas que ali ocorreram no período compreendido entre o final do<br />
século XIX e a década <strong>de</strong> 1990, asseverando que foi a partir <strong>de</strong> meados da década<br />
<strong>de</strong> 1940 que as indústrias ma<strong>de</strong>ireiras penetraram a região tornando-se marco<br />
referencial do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagregação do sistema faxinal ali constituído,<br />
marcando o início do fim do projeto <strong>de</strong> autonomia dos agricultores camponeses<br />
<strong>de</strong>sta região. Souza buscará, ao longo do texto, i<strong>de</strong>ntificar as distintas estratégias<br />
adotadas pelos camponeses do Faxinal - <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua formação até a fase da<br />
expropriação <strong>de</strong> seus territórios - almejando encontrar as razões que<br />
<strong>de</strong>sorganizaram e faliram ali o sistema faxinal, bem como suas consequências para<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento da região.<br />
Como já mencionado, exceto pelo trabalho <strong>de</strong> Souza (2001), estes trabalhos<br />
inaugurais são as principais obras da década <strong>de</strong> 80 a partir das quais outras<br />
produções científicas buscam conhecimento e conceitos para suas pesquisas até os<br />
dias atuais.<br />
Através da breve apresentação <strong>de</strong>stas produções científicas é possível<br />
perceber o viés economicista predominante em seus conteúdos. Almeida, ao<br />
escrever recentemente sobre os povos e comunida<strong>de</strong>s tradicionais, salienta que “há<br />
uma visão economicista que prevalece e precisa ser relativizada” (2009, p. 10), o<br />
que nos leva a crer que tal visão há tempos vem sendo construída e reproduzida.<br />
Desta forma, percebemos os motivos <strong>de</strong> formação, consolidação e <strong>de</strong>sagregação do<br />
sistema faxinal focados por este ponto <strong>de</strong> vista. Vejamos:<br />
O criador comunitário vai se originar com o <strong>de</strong>senvolvimento das áreas <strong>de</strong><br />
lavoura. Na época, início do século, havia a alternativa <strong>de</strong> se cercar tais<br />
áreas para se evitar a presença <strong>de</strong> animais. Mas, o crescimento das áreas<br />
<strong>de</strong> lavoura <strong>de</strong>terminou o processo inverso, ou seja, cercar as áreas <strong>de</strong><br />
pastoreio. Assim, a idéia básica do criador comunitário se apoiará em dois
elementos: separar as áreas <strong>de</strong> pastagem das <strong>de</strong> lavoura e economizar<br />
(grifo meu) material para se fazer a cerca. (CARVALHO, 1984, p. 16)<br />
O autor continua mais adiante em sua análise on<strong>de</strong> afirma que<br />
o tripé econômico representado pelo extrativismo (ma<strong>de</strong>ira e erva-mate),<br />
lavoura e criação <strong>de</strong> animais se interrelacionam para manter funcionando o<br />
criador comunitário (...) (CARVALHO, 1984, p. 37)<br />
Verificamos nesta análise a origem do criador comunitário que se estabelece,<br />
<strong>de</strong>ntre outros motivos, por causa da economia <strong>de</strong> materiais para a construção e<br />
manutenção das cercas, bem como a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> outros fatores econômicos<br />
que viabilizam o funcionamento <strong>de</strong>stas relações sociais. Também na análise <strong>de</strong><br />
Chang há a percepção <strong>de</strong> que<br />
o surgimento e a consolidação do sistema faxinal estão intimamente ligados<br />
à economia ervateira, a qual foi o principal responsável em conferir ao<br />
sistema o caráter coletivo, consubstanciada sob a forma <strong>de</strong> criadouro<br />
comum. (...) o sistema faxinal [é também] uma manifestação das relações<br />
capitalistas <strong>de</strong> produção, embora não específica. (...) a análise sobre a<br />
<strong>de</strong>sagregação do sistema evi<strong>de</strong>nciou que as relações especificamente<br />
capitalistas <strong>de</strong> produção vêm <strong>de</strong>slocar as relações anteriores, na medida<br />
em que as forças capitalistas avançam sobre o campo. O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento dos anos 60 e particularmente o mo<strong>de</strong>lo da mo<strong>de</strong>rnização<br />
agrícola têm sido as duas referências fundamentais para compreen<strong>de</strong>r o<br />
processo <strong>de</strong> transformações ocorrido no sistema faxinal. (CHANG, 1985, p. I)<br />
A autora <strong>de</strong>screve o sistema faxinal como indissociável às relações<br />
puramente econômicas que guiam ao <strong>de</strong>senvolvimento autômato <strong>de</strong> sua história,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu surgimento à fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagregação.<br />
E em concordância com este economicismo, Gubert também coloca que<br />
O criador comunitário vem a ser uma área gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> terra, (...) florestada e<br />
cercada em todo o seu perímetro, encravada entre as áreas <strong>de</strong> lavoura que,<br />
por razões históricas e econômicas se concentrou nos vales (...) (GUBERT,<br />
1986, p. 38)<br />
É nítido, verificadas as análises da origem do criadouro comunitário e <strong>de</strong> sua<br />
formação econômica e social, bem como o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarticulação <strong>de</strong>ste<br />
sistema, que a interpretação dos autores reduz o campo social ao campo<br />
econômico. Neste sentido, os criadouros comunitários existem e sofrem alterações<br />
em consequência das transformações ocorridas na esfera da ativida<strong>de</strong> econômica<br />
dominante e das pressões advindas <strong>de</strong>la. É como se os ciclos econômicos<br />
estivessem <strong>de</strong>terminando essas transformações sem levar em conta que eles,<br />
moradores dos faxinais que mantém o modo <strong>de</strong> vida tradicional, estão reagindo
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras associações. Assim, a razão econômica capitalista reduz o<br />
sujeito dos faxinais a espectador dos movimentos econômicos, incapaz <strong>de</strong> agir na<br />
<strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>stinos.<br />
Ora, esta tría<strong>de</strong>, “gênese, consolidação, <strong>de</strong>sagregação” do sistema faxinal<br />
po<strong>de</strong> ser interpretada como uma linha evolutiva da história, dando-nos a<br />
compreen<strong>de</strong>r os ciclos econômicos - e as alterações na economia e socieda<strong>de</strong><br />
ocorridas no Estado do Paraná - como responsáveis e formadores <strong>de</strong>ste sistema <strong>de</strong><br />
organização produtiva. Sobre isto Souza assevera:<br />
Guardando fortes semelhanças com a abordagem teórica utilizada por<br />
Carvalho, Chang pautará sua discussão sobre os faxinais numa perspectiva<br />
histórica em conformida<strong>de</strong> com as etapas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senvolvimento linear,<br />
evolutivo e contínuo, on<strong>de</strong> tal modalida<strong>de</strong> tradicional <strong>de</strong> “uso coletivo da<br />
terra” constitui-se e <strong>de</strong>sagrega-se gradativamente, sempre ten<strong>de</strong>ndo a<br />
fragmentar-se, <strong>de</strong> modo <strong>de</strong>scensional. (2007, p. 43)<br />
Este evolucionismo parece também um historicismo tomado como verda<strong>de</strong><br />
sem maiores análises, críticas, questionamentos ou mudanças sensíveis nas<br />
posteriores produções científicas até, pelo menos, 2005. Vemos em Chang a ênfase<br />
dada aos ciclos econômicos.<br />
Chang.<br />
A análise dos ciclos econômicos ocorridos no Paraná, ao longo dos séculos,<br />
seus auges e <strong>de</strong>clínios, muito nos auxiliou na interpretação do processo<br />
evolutivo dos faxinais; suas primeiras conformações, seus estágios <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong> sua eventual <strong>de</strong>sagregação em <strong>de</strong>corrência da<br />
adoção <strong>de</strong> uma nova estratégia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento rural a partir <strong>de</strong><br />
meados dos anos 60 (CHANG, 1985, p. 4 - 5)<br />
Vinte e dois anos mais tar<strong>de</strong> Souza critica a interpretação historicista <strong>de</strong><br />
Seu esquema analítico abrange as transformações na economia<br />
paranaense buscando sua “origem”, assim como, as razões <strong>de</strong> seu<br />
“término”, correlacionando às fases <strong>de</strong>ste sistema - gênese, consolidação e<br />
<strong>de</strong>sagregação - aos ciclos econômicos predominantes no Paraná. Tal<br />
esforço <strong>de</strong> interpretação historicista estabelece uma continuida<strong>de</strong> e um<br />
sentido uniforme as diversas fases do “sistema faxinal”, associando a<br />
presença <strong>de</strong> condições favoráveis a sua “formação” durante as fases iniciais<br />
do <strong>de</strong>senvolvimento da economia do Paraná, remetendo, portanto, esta<br />
modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uso comum a uma referência estática e imutável ao longo do<br />
tempo, como resultado <strong>de</strong> condições históricas passadas, on<strong>de</strong> as fases<br />
anteriores ao <strong>de</strong>senvolvimento do capitalismo agrário permitiam as<br />
condições para o seu surgimento. (2007, p. 43)<br />
A<strong>de</strong>mais, este caráter evolutivo na análise dos faxinais engendrará um<br />
discurso científico <strong>de</strong> cunho <strong>de</strong>terminista em que a constante <strong>de</strong>sagregação do
sistema faxinal <strong>de</strong>sembocará, a continuar o ritmo vigente do avanço da agricultura<br />
convencional sobre seus territórios, na sua inevitável extinção. Portanto, este modo<br />
<strong>de</strong> vida podia ser visto como algo que pertencia ao passado, pois no presente as<br />
configurações políticas, sociais e econômicas não podiam mais garantir sua<br />
existência. Exemplo claro <strong>de</strong>ste fatalismo po<strong>de</strong> ser visto em Chang, que prevê o fim<br />
do sistema faxinal e se aventura a estipular uma data para tal acontecimento.<br />
cremos que po<strong>de</strong>mos sugerir que, se mantido esse ritmo <strong>de</strong> transformação<br />
analisado e <strong>de</strong>senvolvido nesse trabalho, cremos que <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 10 a 12<br />
anos, o sistema faxinal não mais fará parte do setor produtivo rural do<br />
Paraná, e sim será lembrado, como parte da história da agricultura <strong>de</strong>sse<br />
Estado. (1985, p. 189)<br />
Gevaerd Filho, corroborando com Chang, acredita igualmente na extinção do<br />
sistema, salvo uma mudança na postura governamental que venha a agir em sentido<br />
contrário, ou seja, no sentido <strong>de</strong> manutenção da forma <strong>de</strong> vida.<br />
é inevitável concluir que o sistema faxinal não chegou as vias <strong>de</strong> extinção<br />
<strong>de</strong> forma natural e espontânea, mas foi con<strong>de</strong>nado a extinção a partir <strong>de</strong><br />
uma postura governamental <strong>de</strong> consciente abandono e <strong>de</strong>scaso.<br />
(GEVAERD FILHO, 1986, p. 66)<br />
Gubert, apesar <strong>de</strong> discutir questões relacionadas a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manejo<br />
mais racional dos animais e da preservação do faxinal às futuras gerações, atenta<br />
para a eliminação do sistema.<br />
Concluímos que o faxinal <strong>de</strong>va ser preservado, manejado e enriquecido, em<br />
benefício <strong>de</strong>sta e das novas gerações, pois são muitas as conseqüências,<br />
previsíveis e imprevisíveis, que advirão <strong>de</strong> sua próxima, e infelizmente tão<br />
próxima eliminação. (GUBERT, 1987, p. 36)<br />
Contudo, Almeida (1989) diz sobre as terras, que as interpretações<br />
econômicas brasileiras baseiam-se no uso capitalista <strong>de</strong>las e dão, erroneamente,<br />
como atrasadas e fadadas ao <strong>de</strong>saparecimento o sistema <strong>de</strong> uso comum das terras,<br />
que é interpretado como forma residual, sobrevivente do sistema feudal, <strong>de</strong> um<br />
modo <strong>de</strong> produção que parece mais um vestígio do passado. É um sistema<br />
consi<strong>de</strong>rado empecilho à expansão capitalista no campo, um impedimento às<br />
negociações do mercado <strong>de</strong> terras.<br />
Souza conclui sobre este <strong>de</strong>terminismo:<br />
as interpretações teóricas clássicas elaboradas na década <strong>de</strong> 80 pela<br />
reflexão acadêmica (...) induzem a ilidir a diversida<strong>de</strong> cultural e a ação dos<br />
sujeitos, <strong>de</strong>finindo e vinculando sua existência e “extinção” como ação única
e controlada pelos sucessivos “ciclos econômicos” presentes no Paraná, e,<br />
posteriormente, da “mo<strong>de</strong>rna agricultura”. A legitimação da noção <strong>de</strong><br />
“sistema faxinal” ao mesmo tempo que trouxe uma realida<strong>de</strong> agrária a tona,<br />
evi<strong>de</strong>nciando suas especificida<strong>de</strong>s, con<strong>de</strong>nou-a ao <strong>de</strong>saparecimento pela<br />
“<strong>de</strong>sagregação”. (2009, p. 45)<br />
Apesar do fatalismo <strong>de</strong>stacado, há <strong>de</strong> se ressaltar, certamente, gran<strong>de</strong>s<br />
contribuições acadêmicas nos trabalhos <strong>de</strong>stes autores. Contribuíram, mesmo que<br />
indiretamente, com formulação <strong>de</strong> alternativas à sobrevivência <strong>de</strong>ste modo <strong>de</strong> vida<br />
ao inserir o <strong>de</strong>bate no campo político, e ao acirrar as disputas internas <strong>de</strong>ste campo<br />
na evi<strong>de</strong>nte tentativa <strong>de</strong> criar um novo ponto <strong>de</strong> vista e pressionar a atuação<br />
governamental na elaboração e efetivação <strong>de</strong> políticas públicas ao campesinato.<br />
Esta estratégia discursiva foi fundamental para dar visibilida<strong>de</strong> política e social ao<br />
pequeno agricultor, relegado à errônea inexistência por tais políticas em nível<br />
estadual e nacional. Esta “inexistência” política e social - em parte responsável pela<br />
expropriação dos pequenos produtores - foi <strong>de</strong>nunciada <strong>de</strong> forma eficaz, haja vista<br />
as mudanças na legislação brasileira a partir da constituição <strong>de</strong> 1988, e as<br />
conseqüentes transformações no cenário econômico, político e social brasileiro que<br />
reconheceram e beneficiaram gradualmente o pequeno produtor nas últimas<br />
décadas. No entanto, cabem as críticas já <strong>de</strong>stacadas às produções da década <strong>de</strong><br />
80 e ainda outras sobre o ponto <strong>de</strong> vista da construção do conhecimento nestes<br />
trabalhos.<br />
Sobre as contribuições do <strong>de</strong>bate inserido no campo político a partir das<br />
obras clássicas sobre os faxinais em âmbito estadual po<strong>de</strong>mos citar o ARESUR e o<br />
ICMS Ecológico. Conforme LöwenSahr:<br />
Em 1997, após uma série <strong>de</strong> discussões e mobilizações, foi conquistado o<br />
reconhecimento formal da existência do modo <strong>de</strong> produção auto-sustentável<br />
do Sistema Faxinal. Através do Decreto Estadual n. 3.446/1997, o Governo<br />
do Paraná reconheceu a existência do Sistema Faxinal, e criou as Áreas<br />
Especiais <strong>de</strong> Uso Regulamentado (ARESUR), para categorizá-los e incluílos<br />
no Sistema Estadual <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação (PARANÁ, 1997).<br />
Os municípios que possuem Faxinais em seus territórios adquiriram o direito<br />
<strong>de</strong> receber, pela Lei do ICMS Ecológico (Lei Complementar n. 59/1991), um<br />
maior percentual na distribuição dos recursos do Imposto sobre Circulação<br />
<strong>de</strong> Mercadorias e Serviços (ICMS) que são repassados pelo Estado.<br />
Atualmente, 20 dos 44 Faxinais remanescentes encontram-se cadastrados<br />
como ARESUR e recebem recursos do ICMS Ecológico. Na maioria dos<br />
casos, entretanto, estes recursos que aportam aos caixas das Prefeituras,<br />
na prática, pouco tem refletido em benefícios às comunida<strong>de</strong>s e na melhoria<br />
<strong>de</strong> sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. (2005, p. 44, 45)
É claro, a i<strong>de</strong>alização dos ciclos econômicos como fonte explicativa do<br />
processo <strong>de</strong> formação, consolidação e <strong>de</strong>sagregação dos faxinais, cristaliza-se <strong>de</strong><br />
forma hegemônica na aca<strong>de</strong>mia, assim como a interiorização dos termos “faxinal,<br />
criador comunitário, sistema faxinal”. Em suma, postas as categorias <strong>de</strong> análises,<br />
não houve contestações em relação a elas, apenas apropriações.<br />
Estas perspectivas analisadas até aqui - a historicista evolutiva, a<br />
economicista e a adoção <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminismos a partir duma leitura que apontava a<br />
tendência ao <strong>de</strong>saparecimento do sistema faxinal - guiaram quase a totalida<strong>de</strong> do<br />
conhecimento produzido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Carvalho até os dias atuais. Tal leitura relegou ao<br />
plano secundário os grupos sociais. Parece que à roda da história era amplamente<br />
possível o movimento no sentido da <strong>de</strong>sagregação do sistema, mas pouco possível<br />
no sentido contrário, ou seja, na direção da mobilização dos agentes sociais<br />
faxinalenses com vistas à luta pela manutenção <strong>de</strong> seus territórios, direitos, modo <strong>de</strong><br />
vida e etc.<br />
Embora os discursos científicos nestes trabalhos versem sobre o fato da<br />
existência social do campesinato nos faxinais, os autores, em sua maioria, ainda não<br />
<strong>de</strong>finiam estes povos como comunida<strong>de</strong>s tradicionais, mas como pequenos<br />
agricultores. Apesar disto, <strong>de</strong>staca-se que há uma i<strong>de</strong>ntificação do sujeito nestas<br />
obras, sendo citadas suas agremiações, a participação em associações <strong>de</strong><br />
moradores. Como exemplo disto, Gubert po<strong>de</strong> ser citado.<br />
A comunida<strong>de</strong> se acha relativamente organizada através <strong>de</strong> uma<br />
associação dos moradores, que tem encaminhado inúmeras reivindicações<br />
locais junto aos órgãos públicos municipais e estaduais. (1987, p. 34)<br />
Mas, se por um lado os sujeitos existiam na realida<strong>de</strong> concreta em alguns<br />
tipos <strong>de</strong> associações, por outro lado esta análise é notadamente secundária nestas<br />
produções. Parece que os autores que estamos discutindo não estavam<br />
preocupados em iluminar o sujeito dos faxinais, mas sim - e isto foi fundamental para<br />
a formação intelectual sobre os faxinais nesta efervescente fase <strong>de</strong> transformações<br />
políticas e sociais pelas quais o país passava - em <strong>de</strong>stacar a urgência <strong>de</strong><br />
mudanças nas políticas fe<strong>de</strong>rais e, sobretudo, estaduais no sentido <strong>de</strong> valorizar e<br />
manter o pequeno agricultor no campo, revelando seus aspectos econômicos<br />
específicos e buscando uma forma produtiva “mais racional” com vistas a viabilizar a
vida camponesa para que, apesar do contraste com o modo capitalista <strong>de</strong><br />
exploração da terra, pu<strong>de</strong>sse haver continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste modo <strong>de</strong> vida nos faxinais.<br />
Exploraremos brevemente algumas hipóteses na explicação <strong>de</strong>stas críticas<br />
acerca da ausência <strong>de</strong> uma análise mais <strong>de</strong>stacada sobre o sujeito. Acreditamos<br />
que os autores estavam marcados pela época e pelas circunstâncias políticas do<br />
Brasil, como também pelos vínculos institucionais a que estavam inseridos.<br />
Acreditamos que o instrumental teórico, político e jurídico, à época <strong>de</strong>stas<br />
produções, ainda era insuficiente para a elaboração <strong>de</strong> um projeto como o existente<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005 que trouxe à luz os faxinalenses, o que marcou <strong>de</strong> igual modo a<br />
produção <strong>de</strong>stes autores.<br />
Apesar <strong>de</strong> certa liberda<strong>de</strong> na construção <strong>de</strong> sua obra, Carvalho está, à época<br />
da produção <strong>de</strong>la, prestando consultoria ao Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR).<br />
Chang trabalhava com pesquisas socioeconômicas no mesmo órgão. Gevaerd Filho<br />
e Gubert estavam vinculados ao Instituto <strong>de</strong> Terras, Cartografia e Florestas (ITCF) 2 ,<br />
o primeiro como assessor jurídico e o segundo como agente <strong>de</strong>ste órgão. Desta<br />
forma, as profícuas obras que os referidos autores produziram na década <strong>de</strong> 1980<br />
são entendidas, por este trabalho, como efeito das específicas relações sociais<br />
<strong>de</strong>correntes, por um lado, do grau <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> moral e intelectual dos autores e, por<br />
outro, da <strong>de</strong>pendência administrativa, maior ou menor, em relação aos órgãos aos<br />
quais estavam vinculados como funcionários ou prestadores <strong>de</strong> serviços.<br />
Nesta época o Brasil viveu os últimos anos <strong>de</strong> ditadura militar em meio a<br />
graves problemas sociais. Ao mesmo tempo ganhou força movimentos políticos que<br />
reivindicavam a re<strong>de</strong>mocratização do país e, portanto, direcionavam os <strong>de</strong>bates na<br />
arena política neste sentido. Existiam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1960, embora com pouco<br />
apelo popular, as lutas pela Reforma Agrária no Brasil. No entanto, o Plano Nacional<br />
<strong>de</strong> Reforma Agrária (PNRA), <strong>de</strong> 1985, engendrou veementes <strong>de</strong>bates no meio<br />
político e intelectual brasileiro sobre a chamada “Questão Agrária”. Esta era<br />
discutida com uma forte influência das teorias marxistas.<br />
Nesta fase histórica brasileira, a Emenda Constitucional <strong>de</strong> 1980 <strong>de</strong>cretava<br />
eleições diretas para os cargos <strong>de</strong> governadores, mas este processo não foi<br />
fi<strong>de</strong>digno e diversas frau<strong>de</strong>s eleitorais ocorreram neste período. Depois <strong>de</strong> duas<br />
décadas vivendo sob o regime militar (1964-1984) os brasileiros, enfim, pu<strong>de</strong>ram<br />
2 O ITCF foi incorporado pela Secretaria <strong>de</strong> Agricultura e do Abastecimento do Paraná (SEAB)
escolher outra vez e gradualmente os seus governantes através do restabelecimento<br />
do sufrágio universal no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>sta década. No entanto, o processo <strong>de</strong><br />
re<strong>de</strong>mocratização no país foi lento, progressivo e controlado pelos mantenedores do<br />
sistema para que não fossem estes lesados no retorno à <strong>de</strong>mocracia.<br />
Órgãos como IAPAR, ITCF e a Secretaria <strong>de</strong> Estado Extraordinário <strong>de</strong><br />
Coor<strong>de</strong>nação da Reforma Agrária no Paraná (SECRA) - além <strong>de</strong> outros em esfera<br />
estadual - em virtu<strong>de</strong> das mudanças históricas na trajetória política do país, gozarão<br />
<strong>de</strong>ste processo <strong>de</strong> abertura <strong>de</strong>mocrática que proporcionará a recuperação da<br />
produção intelectual e da relativa autonomia dos órgãos do governo no sentido do<br />
<strong>de</strong>bate em torno das questões concernentes ao campesinato. Estes <strong>de</strong>bates serão<br />
amplamente amparados por um lado, em obras marxistas como as <strong>de</strong> Marx e Lênin,<br />
e por outro lado, nos textos que versam sobre a formação social e econômica<br />
brasileira como as publicações <strong>de</strong> Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda, Caio Prado Júnior,<br />
Octavio Ianni, Paulo Sandroni, <strong>de</strong>ntre outros. Estas agências governamentais, que<br />
até a década <strong>de</strong> 1980 tinham pequena participação na elaboração <strong>de</strong> políticas<br />
públicas em virtu<strong>de</strong> da predominância nesta área das agências fe<strong>de</strong>rais, começarão<br />
a ganhar espaço pelo menos na produção <strong>de</strong> conhecimento, informações e <strong>de</strong><br />
ações que visam construir políticas públicas que atendam o camponês paranaense.<br />
Ora, esta relação política e administrativa, em conjunto com as posições dos<br />
autores no interior das agências governamentais, resultará na limitação da<br />
autonomia, em maior ou menor grau, <strong>de</strong>stes autores na produção do conhecimento.<br />
Isto po<strong>de</strong> ser percebido quando verificamos que o grave problema dos faxinais é<br />
visto pelos diversos autores, em muitos casos, como um problema ocasionado pela<br />
falta <strong>de</strong> inclusão nas políticas públicas, pois estas formas <strong>de</strong> vida são<br />
sistematicamente esquecidas e abandonadas conscientemente pelo governo.<br />
(GEVAERD FILHO, 1986, p. 66)<br />
Parece que os autores das obras clássicas, além da citação das atuações das<br />
agências governamentais em relação aos faxinais, constroem seus estudos<br />
buscando soluções aos problemas do sistema faxinal no sentido <strong>de</strong> incentivar a<br />
elaboração <strong>de</strong> políticas públicas e pressionar a ação <strong>de</strong>stas agências. Referências a<br />
programas do governo com vistas a melhoria das condições da vida no campo são<br />
encontrados nestas obras. Vejamos:
Há uma clara intenção nas diretrizes da Secretaria [da Agricultura], não só<br />
<strong>de</strong> permitir como incentivar o pequeno produtor a se organizar livre e<br />
automaticamente para que, através <strong>de</strong> suas lutas e mobilizações, possam<br />
atingir melhores condições <strong>de</strong> produção e comercialização. (CHANG, 1985,<br />
p. ?)<br />
Chang faz uma citação sobre as ações do governo em curso. Geveard Filho<br />
faz cobranças às ações governamentais na produção <strong>de</strong> políticas públicas.<br />
É possível e, ao que tudo indica, aconselhável, que a experiência do<br />
sistema faxinal e dos compáscuos seja resgatada e, principalmente,<br />
valorizada como forma alternativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento comunitário. A sua<br />
viabilização como modo rentável e válido <strong>de</strong> exploração comunitário e<br />
autogestionário <strong>de</strong> terra é factível e coerente. Milhares <strong>de</strong> pequenos<br />
agricultores e criadores seriam com isso beneficiados e o projeto que se<br />
<strong>de</strong>stinasse a viabilização econômica dos faxinais po<strong>de</strong>ria, por seu<br />
ineditismo e inevitável sucesso, servir como mo<strong>de</strong>lo para o aproveitamento<br />
<strong>de</strong> outras áreas que apresentam o mesmo grau <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação a uma<br />
exploração agro-silvo-pastoril. Para que isso aconteça, contudo, é preciso<br />
que a atenção dos responsáveis pela condução e elaboração da política<br />
agropecuária do Estado seja <strong>de</strong>spertada para a questão. (1986, p. 66)<br />
Há uma preocupação dos autores no sentido da elaboração <strong>de</strong> políticas<br />
públicas que alcancem o pequeno produtor. Desta forma, parece que os faxinais,<br />
pelas suas características particulares, acabam simbolizando, ou representando o<br />
camponês em geral. O faxinalense - termo que só surgiu no século XXI - ainda não<br />
era percebido como tal. Era percebido, <strong>de</strong>ntre outras <strong>de</strong>finições, como agricultor,<br />
camponês, criador, roceiro que morava nos faxinais. Os próprios moradores <strong>de</strong><br />
faxinais não se i<strong>de</strong>ntificavam <strong>de</strong>sta forma, embora muitos tivessem a clareza <strong>de</strong> que<br />
tinham um modo <strong>de</strong> vida diferenciado, específico em relação aos <strong>de</strong>mais produtores<br />
rurais.<br />
Quando dizemos que o instrumental teórico proporcionava pouca abertura às<br />
análises no sentido da valorização do sujeito social nos faxinais, enten<strong>de</strong>mos que<br />
em parte é pelo fato da discussão sobre a “questão agrária” no Brasil ser fortemente<br />
influenciada por teorias marxistas. Esta compreen<strong>de</strong> a história da humanida<strong>de</strong> como<br />
a história da luta <strong>de</strong> classes, portanto os movimentos sociais eram aqueles que<br />
atendiam reivindicações classistas. O pequeno agricultor po<strong>de</strong> ser representado por<br />
uma classe, e os faxinalenses eram concebidos como pequenos agricultores, mas<br />
não constituem por si só uma classe. Neste sentido, os produtores <strong>de</strong> conhecimento<br />
não perceberam a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classificá-los como agentes sociais que<br />
pu<strong>de</strong>ssem ser representados como povos tradicionais. Além do mais, o movimento
social no Brasil era pouco difundido, e mesmo o Movimento dos Trabalhadores Sem<br />
Terra (MST) era algo novo surgido em meados da década <strong>de</strong> 1980. Neste sentido,<br />
os autores das obras clássicas escrevem em concordância com as discussões<br />
engendradas pela Reforma Agrária, pelo menos na busca <strong>de</strong> referenciais teóricos,<br />
pois são nas obras dos clássicos que em parte se orientarão para suas discussões.<br />
Lenin é utilizado na dissertação <strong>de</strong> Chang, por exemplo.<br />
Em relação ao direito à territorialida<strong>de</strong>, há pelo menos duas discussões<br />
importantes. Em primeiro lugar, havia <strong>de</strong>scaso em relação às <strong>de</strong>finições dos pastos<br />
comuns no Brasil. Conforme Gevaerd Filho (1986), o código civil brasileiro <strong>de</strong> 1916,<br />
que foi substituído apenas pelo atual código civil brasileiro em 2002, ainda <strong>de</strong>finia os<br />
pastos comuns como compáscuos. O autor <strong>de</strong>staca que este código era formado por<br />
conta <strong>de</strong> ligações históricas, a partir do código civil português, sendo, portanto, uma<br />
<strong>de</strong>rivação <strong>de</strong>le. Afirma que em ambos havia o <strong>de</strong>scaso dos legisladores com a<br />
questão dos pastos comuns. Sobre as razões <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>scaso, o autor <strong>de</strong>staca a<br />
influência do Direito Romano a partir do século XIV em Portugal, época em que os<br />
portugueses iam à Itália buscar nas universida<strong>de</strong>s este conhecimento para aplicá-lo<br />
às leis gerais do direito em seu país. Como o Direito Romano era direcionado ao<br />
subsídio legal <strong>de</strong> um modo <strong>de</strong> produção específico, não fazia referência aos pastos<br />
comuns senão sumariamente pelo <strong>de</strong>sinteresse que esta prática representava para<br />
o sistema que a legislação afirmava. De semelhante modo, também os países que<br />
<strong>de</strong> lá tiraram a inspiração para seus códigos civis procediam em relação aos já<br />
marginalizados pastos comuns, localizados em seus domínios.<br />
Para além da falta <strong>de</strong> reconhecimento dos pastos comuns, apenas a partir da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 é que foram <strong>de</strong>finidas as terras tradicionalmente<br />
ocupadas, muito embora apenas as terras indígenas e quilombolas estivessem aí<br />
incluídas. Porém, a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates engendrados a partir do final da década <strong>de</strong><br />
1980 por Almeida (1989), a questão se tornará importante para uma re<strong>de</strong>finição das<br />
terras tradicionalmente ocupadas e <strong>de</strong> população tradicional. Por conseguinte, foi<br />
<strong>de</strong>cisiva a discussão para os faxinalenses anos mais tar<strong>de</strong>.<br />
É possível argumentar que haja uma carência paradigmática à época das<br />
produções da década <strong>de</strong> 80 <strong>de</strong> um instrumental teórico, jurídico e político que<br />
permita enxergar os faxinalenses como povos e comunida<strong>de</strong>s tradicionais, ou que<br />
permita <strong>de</strong> forma amplamente direcionada e clara entendê-los como potencialmente
capazes <strong>de</strong> organizar um movimento social. No entanto, apesar dos movimentos<br />
sociais no Brasil terem um caráter classista, há muitas obras sendo produzidas<br />
sobre os movimentos sociais que iluminam um novo sujeito em formação na<br />
socieda<strong>de</strong>. Alain Touraine, por exemplo, estava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1960 discutindo<br />
alguns títulos <strong>de</strong> suas obras, como a Sociologie <strong>de</strong> l’action (1965), A socieda<strong>de</strong><br />
post-industrial (1970), ou O retorno do actor (1984). Muito embora estas obras<br />
não estejam falando sobre povos tradicionais especificamente, estão discutindo<br />
os movimentos sociais <strong>de</strong> uma ótica que vai além das representações <strong>de</strong> classe,<br />
e que até <strong>de</strong>smistificam esta visão dos clássicos.<br />
Os actores da sociologia clássica são apenas <strong>de</strong>finidos como sendo<br />
favoráveis ao progresso ou opondo-se a ele. (...) A historiografia associada<br />
a esta concepção da socieda<strong>de</strong> (...) conferiu uma importância central à idéia<br />
<strong>de</strong> progresso, à formação da socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna e dos Estados Nacionais.<br />
E isto, passando pouco a pouco <strong>de</strong> uma inspiração romântica, confiante<br />
perante a vonta<strong>de</strong> criadora dos indivíduos e das nações, a uma visão<br />
menos dinâmica, em que o estado da infra-estrutura <strong>de</strong>termina a situação<br />
das forças políticas e das representações culturais. O actor, primeiro<br />
ocultado pela lenda dos séculos, é <strong>de</strong>pois esmagado pelo <strong>de</strong>terminismo<br />
econômico. (TOURAINE, 1984, p. 19)<br />
Touraine busca uma interpretação da sociologia baseada na ação do sujeito.<br />
As críticas à construção sociológica clássica vão contra os <strong>de</strong>terminismos históricos<br />
e econômicos e propõe uma nova abordagem da socieda<strong>de</strong> que enxerga o sujeito<br />
em constante conflito pela tomada da direção <strong>de</strong> sua história. Touraine <strong>de</strong>fine uma<br />
nova representação da vida social.<br />
[A] sociologia clássica (...) reduzia a análise da acção social à procura da<br />
posição do actor no sistema. A socióloga da acção recusa esta explicação<br />
do actor pelo sistema. Pelo contrário, vê em toda a situação o resultado das<br />
relações entre actores, <strong>de</strong>finidas pelas suas orientações culturais e pelos<br />
conflitos sociais. Se dá uma importância <strong>de</strong>cisiva à noção <strong>de</strong> movimento<br />
social, é porque este não constitui uma resposta a uma situação, mas sim o<br />
questionamento da relação <strong>de</strong> dominação que permite a um actor - a que<br />
po<strong>de</strong>mos chamar classe dirigente - gerir os principais recursos culturais<br />
disponíveis. Não basta, e é mesmo perigoso, falar <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminismos<br />
sociais, pois o actor individual, ao mesmo tempo que é condicionado por<br />
uma situação, participa na produção <strong>de</strong>sta situação. (1984, p. 26)<br />
Sobre esta relação dos atores sociais <strong>de</strong>scrita por Touraine, é conveniente<br />
dizer que o sujeito dos faxinais só é faxinalense por que através das relações sociais<br />
em que se insere se auto<strong>de</strong>fine como tal, e, portanto, assume suas orientações
culturais e se dispõe a encarar os conflitos sociais aos quais estará exposto ao se<br />
i<strong>de</strong>ntificar <strong>de</strong>sta forma. Para Almeida<br />
é o limite <strong>de</strong>stas relações sociais que tem <strong>de</strong>finido este povo e não o<br />
conteúdo da condição <strong>de</strong> faxinalense. Na medida em que os agentes<br />
sociais que vivem e trabalham nos chamados faxinais utilizam a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> faxinalense para se auto<strong>de</strong>finir ou para categorizar-se a si mesmo e a<br />
outros com fins <strong>de</strong> interação, formam movimentos no sentido políticoorganizativo.<br />
(ALMEIDA, 2009, p. 5)<br />
É possível enten<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>stacando as obras <strong>de</strong> Touraine, que ao mesmo tempo<br />
em que as obras clássicas sobre os faxinais estavam sendo produzidas, já havia no<br />
meio acadêmico uma discussão relevante sobre o ator social e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
uma nova posição <strong>de</strong>ste ator na realida<strong>de</strong> concreta que contradizia aquela proposta<br />
pela produção intelectual sobre os faxinais.<br />
Ora, ainda no final da década <strong>de</strong> 1980, esta possibilida<strong>de</strong> ganha um força<br />
motriz na Constituição <strong>de</strong> 1988, e o instrumental teórico conta com a prodigiosa obra<br />
<strong>de</strong> Almeida (1989) na produção científica sobre os povos e comunida<strong>de</strong>s<br />
tradicionais. Para o autor, os camponeses brasileiros que tinham modo <strong>de</strong> vida<br />
baseado no uso da terra diferenciado em relação ao sentido capitalista, a partir da<br />
década <strong>de</strong> 1980 pu<strong>de</strong>ram <strong>de</strong>monstrar sua força. Grupos camponeses mobilizados<br />
em movimentos sociais rurais, através <strong>de</strong> uma intensa pressão, lutaram pela reforma<br />
agrária em caráter <strong>de</strong> urgência. O I PNRA, <strong>de</strong> 1985, estabeleceu pré-condições para<br />
a discussão do problema da pertença dos sistemas <strong>de</strong> uso comunal da terra e <strong>de</strong><br />
sua importância econômica.<br />
A Constituição <strong>de</strong> 1988, segundo Almeida (1989), re<strong>de</strong>finiu o conceito <strong>de</strong><br />
populações tradicionais e se antes eram percebidas como um sistema atrasado, um<br />
resíduo, um vestígio do passado, a partir <strong>de</strong> 1988 o tradicional ganhou dimensão<br />
política <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s coletivas, dotado <strong>de</strong> capital <strong>de</strong> relações políticas, apoiado em<br />
um fator étnico. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica passou a indicar i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s objetivadas em<br />
movimentos sociais.<br />
Embora estes <strong>de</strong>bates existissem, vários autores que seguiram as produções<br />
sobre os faxinais continuaram sistematicamente a distanciar o agente social<br />
faxinalense do tema central na reconstrução <strong>de</strong>sses espaços <strong>de</strong> reprodução social.<br />
As pesquisas ainda estavam atreladas às obras clássicas <strong>de</strong> modo que, mesmo com<br />
novas contribuições e com a ampliação do conhecimento sobre as causas da<br />
formação e <strong>de</strong>sagregação dos faxinais e com os novos estudos <strong>de</strong> caso, pouco era
proposto em termos <strong>de</strong> novida<strong>de</strong> no sentido <strong>de</strong> iluminar o sujeito da ação nos<br />
faxinais. O <strong>de</strong>terminismo do objeto impregnava as obras sobre o tema e escondia o<br />
sujeito que continuava sendo citado, mas nunca era o objeto central da produção<br />
que focava suas análises, em parte, no papel <strong>de</strong>sempenhado pelos antagonistas<br />
nas transformações que geraram ou estavam por gerar a falência do sistema.<br />
Discordamos da visão fatalista da história que previa aos faxinais a<br />
<strong>de</strong>sagregação no sentido inevitável da falência do modo <strong>de</strong> vida. Também<br />
discordamos da visão <strong>de</strong> que os povos <strong>de</strong> faxinais, bem como os que vivem da<br />
agricultura familiar em geral sejam atrasados, um resquício do passado, mas cremos<br />
que são vivos, atuais e capazes <strong>de</strong> se adaptar continuamente às transformações<br />
que o sistema econômico capitalista possa sofrer. Autores clássicos - os que faziam<br />
apologia ao capitalismo bem como os teóricos marxistas - acreditavam no fim da<br />
agricultura familiar durante a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, e viam-na como indubitavelmente<br />
atrasada. Entretanto, indo contra estas idéias e percebendo a inevitável continuida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>stas formas <strong>de</strong> vida, era central nos trabalhos <strong>de</strong> Alexan<strong>de</strong>r Chayanov o<br />
entendimento <strong>de</strong> que a unida<strong>de</strong> econômica familiar não assalariada operava numa<br />
lógica <strong>de</strong> funcionamento interno que a distinguia do modo <strong>de</strong> produção hegemônico<br />
da agricultura convencional, que objetiva o lucro do capital. A partir do início do<br />
século XX, na Rússia, Chayanov iniciou um trabalho que levou décadas na busca <strong>de</strong><br />
explicar o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> organização das unida<strong>de</strong>s familiares <strong>de</strong> produção não<br />
assalariadas, estudando nelas a circulação <strong>de</strong> capital e riqueza, e a relação entre<br />
terra, capital, trabalho e família, atentando para as consequências <strong>de</strong> seu modo <strong>de</strong><br />
vida na economia russa e mundial.<br />
Mesmo que Chayanov - bem como Lamarche (1998) que discutiremos a<br />
seguir - esteja falando da agricultura familiar em geral, acreditamos ser esta<br />
discussão relevante para confirmarmos nossa posição contrária ao <strong>de</strong>terminismo do<br />
objeto que através dos autores das obras da década <strong>de</strong> 80 percebia os faxinais<br />
como relegados ao <strong>de</strong>saparecimento. Maria <strong>de</strong> Nazaré Wan<strong>de</strong>rley (1998),<br />
professora <strong>de</strong> Sociologia Rural na UNICAMP, conta que Chayanov elaborou “uma<br />
proposta teórica original <strong>de</strong> compreensão dos processos internos <strong>de</strong> funcionamento<br />
das unida<strong>de</strong>s familiares <strong>de</strong> produção na agricultura” que “guarda, sob vários<br />
aspectos, uma atualida<strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>nte” (p. 29-30). O autor <strong>de</strong>screve a unida<strong>de</strong><br />
familiar <strong>de</strong> produção ligada <strong>de</strong> várias formas à economia <strong>de</strong> mercado e submetida,
<strong>de</strong> maneira diversa, ao capital financeiro. Apesar <strong>de</strong> um evi<strong>de</strong>nte predomínio<br />
daquela economia e <strong>de</strong>ste capital na economia mundial, assim como a organização<br />
da economia em torno <strong>de</strong>sses capitais, Chayanov (1981) diz que<br />
<strong>de</strong> maneira nenhuma <strong>de</strong>vemos enten<strong>de</strong>r sua aplicação a todos os<br />
fenômenos <strong>de</strong> nossa vida econômica. Não conseguiremos progredir no<br />
pensamento econômico unicamente com as categorias capitalistas, pois<br />
uma área muito vasta da vida econômica (a maior parte da esfera <strong>de</strong><br />
produção agrária) baseia-se, não em uma forma capitalista, mas numa<br />
forma inteiramente diferente <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> econômica familiar não assalarida. 3<br />
Esta unida<strong>de</strong> tem motivações muito específicas para a ativida<strong>de</strong> econômica,<br />
bem como uma concepção bastante especifica <strong>de</strong> lucrativida<strong>de</strong>. (1984, p.<br />
134)<br />
Lamarche (1998), em concordância com Chayanov, refere-se à agricultura<br />
familiar como dotada <strong>de</strong> uma rica heterogeneida<strong>de</strong>, bem como <strong>de</strong> uma ampla<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se adaptar aos diversos ambientes históricos e conjunturais,<br />
rejeitando, portanto, os teóricos <strong>de</strong> cunho capitalista e também os marxistas que<br />
acreditavam no fim da agricultura familiar na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Para Lamarche é<br />
refutável a visão evolucionista <strong>de</strong>stes teóricos, e a agricultura familiar não po<strong>de</strong> ser<br />
entendida como uma forma <strong>de</strong> vida residual, ou con<strong>de</strong>nada ao <strong>de</strong>saparecimento,<br />
pois há nela uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação, ou uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong><br />
adaptação que não se acaba.<br />
Retomando Chayanov, este fala que a agricultura não po<strong>de</strong> ser entendida<br />
como um setor isolado, autônomo, mas ela tem uma integração dinâmica no<br />
“processo global <strong>de</strong> acumulação do capital” (CHAYANOV apud WANDERLEY, 1998,<br />
p. 33). E é a esta integração dinâmica <strong>de</strong> que fala Chayanov, que parece se referir<br />
Lamarche quando fala sobre a capacida<strong>de</strong> inesgotável <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> adaptação<br />
da agricultura familiar.<br />
Tal capacida<strong>de</strong> parece ter sido ignorada pelos autores das obras da década<br />
<strong>de</strong> 80 e os posteriores trabalhos que se inspiraram nestas obras. Ainda apegado a<br />
estes autores e sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecimento dos faxinais no Estado,<br />
em 2004 o Levantamento preliminar sobre o sistema faxinal no Estado do<br />
Paraná, produzido pelo IAP, constatava a existência <strong>de</strong> pelo menos 44 comunida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> faxinais <strong>de</strong>ntro do território paranaense, <strong>de</strong>stacando que 23 <strong>de</strong>las estavam<br />
3 A expressão unida<strong>de</strong> econômica familiar não assalariada diz respeito “a exploração econômica da<br />
família camponesa ou artesã que não emprega trabalhadores pagos, mas utiliza apenas o trabalho <strong>de</strong><br />
seus membros” (CHAYANOV, 1981, p. 134)
classificadas em estado <strong>de</strong> conservação do criadouro comunitário, cercas coletivas e<br />
uso coletivo da terra como regular, ruim ou péssimo.<br />
Po<strong>de</strong>-se constatar, com este levantamento, que ainda existe um número<br />
significativo <strong>de</strong> faxinais (44), no Paraná, que mantém o criadouro<br />
comunitário e outras características originais do sistema. Mas, ao mesmo<br />
tempo, faz-se necessário lembrar que houve diminuição da área <strong>de</strong>stes<br />
faxinais e que a tendência está sendo esta, até talvez se acabarem por<br />
completo.<br />
Segue-se a tendência fatalista das obras clássicas. No entanto, atualmente<br />
são 227 comunida<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ntificadas 4 e estima-se que apenas 1/5 do Paraná tenha<br />
sido vasculhado a procura <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> faxinais. 5<br />
Sensível mudança no quadro das produções intelectuais sobre os faxinais<br />
pô<strong>de</strong>-se sentir a partir <strong>de</strong> 2005, através do artigo <strong>de</strong> Löwen Sahr intitulado:<br />
Faxinalenses: Populações Tradicionais no bioma da Mata com Araucária?<br />
Neste trabalho a autora busca “os elementos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação dos faxinais que os<br />
permitam caracterizá-los como povos tradicionais e territórios sociais” (2005, p. 53).<br />
Apesar <strong>de</strong>sta novida<strong>de</strong> marcante para a aca<strong>de</strong>mia, Sahr (2005) ainda está apegada<br />
aos conceitos elaborados pelos autores das obras clássicas, mas <strong>de</strong>scola <strong>de</strong>les no<br />
sentido que foi acima <strong>de</strong>scrito.<br />
Contudo, a partir <strong>de</strong>ste trabalho os faxinalenses são <strong>de</strong>scobertos como povos<br />
tradicionais, <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> territórios tradicionais, pois houve uma gran<strong>de</strong><br />
repercussão <strong>de</strong>ste artigo em vários segmentos da socieda<strong>de</strong> paranaense através <strong>de</strong><br />
sua publicação pelo IAP nos anais do I Encontro dos Povos <strong>de</strong> Faxinais,<br />
acontecido em Irati, Paraná no ano <strong>de</strong> 2005. Os faxinalenses, a partir <strong>de</strong>ste evento,<br />
também passaram a ser reconhecidos como sujeitos da ação nos faxinais, pois<br />
através da Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses <strong>de</strong>ram início ao projeto que<br />
preten<strong>de</strong>u arrancá-los da invisibilida<strong>de</strong> social e trazê-los para a existência coletiva,<br />
mobilizando-os em luta por seus direitos étnicos e coletivos, visando a construção <strong>de</strong><br />
um ator atuante nos processos <strong>de</strong> elaboração e também <strong>de</strong> intervenção <strong>de</strong> políticas<br />
públicas. O conteúdo dos materiais específicos produzidos a partir <strong>de</strong> 2005 sobre os<br />
faxinalenses através <strong>de</strong> suas revistas, cartilhas e em outras publicações como a<br />
4<br />
Disponível em http://terra<strong>de</strong>direitos.org.br/biblioteca/carta-do-iii-encontro-dos-povos-faxinalenses/ -<br />
em 10/10/2010, às 15:15 horas.<br />
5<br />
Conforme conversa com Roberto Martins <strong>de</strong> Souza em 9/8/2010.
Nova cartografia dos povos e comunida<strong>de</strong>s tradicionais do Brasil serão<br />
discutidas mais adiante.<br />
Assim, po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r que a produção acadêmica que afirmava o<br />
fatalismo do modo <strong>de</strong> vida nos faxinais, pelo menos até os dias atuais, não teve a<br />
confirmação <strong>de</strong> seu prognóstico, portanto <strong>de</strong>ve ser revista. Uma nova linha <strong>de</strong><br />
pesquisa tem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005, i<strong>de</strong>ntificado os faxinalenses como povos e comunida<strong>de</strong>s<br />
tradicionais e procurado compreen<strong>de</strong>r as relações sociais, políticas, econômicas<br />
<strong>de</strong>stes povos com seus antagonistas e com o po<strong>de</strong>r público, a fim <strong>de</strong> verificar as<br />
verda<strong>de</strong>iras condições <strong>de</strong> vida dos faxinalenses, os motivos <strong>de</strong> sua persistência,<br />
seus esforços na manutenção da cultura, <strong>de</strong> suas tradições, costumes,<br />
territorialida<strong>de</strong>, bem como i<strong>de</strong>ntificar os recursos que são imprescindíveis para a sua<br />
reprodução social. Esta nova linha <strong>de</strong> pesquisa também tem examinado a pressão<br />
que estas formas organizativas inci<strong>de</strong>m sobre o judiciário e o legislativo na luta pelo<br />
seu reconhecimento, pelo reconhecimento jurídico-formal <strong>de</strong> suas terras.<br />
A discussão realizada neste capítulo mostra-se profícua, no sentido em que<br />
as obras clássicas sobre os faxinais são propulsoras das discussões aqui<br />
evi<strong>de</strong>nciadas. Longe <strong>de</strong> serem completas e dotadas <strong>de</strong> conclusões eternas, as<br />
obras revistas são propulsoras <strong>de</strong> novas discussões que po<strong>de</strong>m ser engendradas.<br />
Desta forma, preten<strong>de</strong>mos avançar ao que já foi construído, no sentido <strong>de</strong> preencher<br />
algumas das lacunas. Por isso avançamos para um novo capítulo que evi<strong>de</strong>nciará o<br />
faxinalense como um sujeito atual, ativo, organizado em movimento social, que luta<br />
por seus direitos <strong>de</strong> existência, por espaços <strong>de</strong> reprodução física e social, que se<br />
auto<strong>de</strong>fine como faxinalense, que constrói e reconstrói a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica, e que<br />
quer, sobretudo, preservar seu território, cultura e tradições.
2. MOVIMENTO SOCIAL NOS FAXINAIS: O SURGIMENTO DO SUJEIO<br />
FAXINALENSES<br />
No Brasil, há várias décadas o mo<strong>de</strong>lo da agricultura convencional e a<br />
mercantilização das terras têm avançado gradualmente sobre territórios que não<br />
po<strong>de</strong>m concorrer economicamente com a produção direcionada ao mercado. Este<br />
avanço alcançou as comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> faxinais on<strong>de</strong>, notadamente, seus moradores<br />
tradicionais e os agricultores convencionais enten<strong>de</strong>m o uso da terra <strong>de</strong> forma<br />
distinta: enquanto estes prezam a lei do capital, aqueles costumam usar acordos<br />
comunitários. Assim, nas últimas décadas, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica entre os povos <strong>de</strong><br />
faxinais ce<strong>de</strong>u à pressão exercida pela agricultura convencional, tendo em vista que<br />
muitos <strong>de</strong> seus moradores do passado que tinham esperança <strong>de</strong> melhorarem <strong>de</strong><br />
vida, mudaram a maneira <strong>de</strong> trabalhar a terra, cercando o lote, trocando criações por<br />
lavoura com base na técnica “mo<strong>de</strong>rna”. A maioria <strong>de</strong>sses camponeses não pô<strong>de</strong><br />
sobreviver do modo <strong>de</strong> vida diferente ao que estava acostumado e ven<strong>de</strong>u as terras<br />
para produtores capitalistas ou para chacareiros. Há poucos anos, a outra parte<br />
daquele povo, que apesar das dificulda<strong>de</strong>s manteve o modo <strong>de</strong> vida, viu no<br />
movimento social organizado uma alternativa contra as ameaças aos seus territórios<br />
e a sua cultura.<br />
A fim <strong>de</strong> acabar com a possibilida<strong>de</strong> extinção <strong>de</strong>stas comunida<strong>de</strong>s um projeto<br />
social buscou resgatar seu significado dando a oportunida<strong>de</strong> da visibilida<strong>de</strong> social<br />
aos grupos. Em 2005, a APF surgiu como uma resposta às suas preocupações, pois<br />
se encontravam inseridos num cenário marcado pela expropriação <strong>de</strong> seus espaços<br />
<strong>de</strong> reprodução econômica e social, pela marginalização <strong>de</strong> sua cultura, <strong>de</strong>ntre outros<br />
graves problemas que lhes acarretavam várias formas <strong>de</strong> injustiças sociais que<br />
agiam no sentido da <strong>de</strong>sarticulação da unida<strong>de</strong> do grupo e <strong>de</strong> seu modo <strong>de</strong> vida. A<br />
partir <strong>de</strong>ste momento as comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> faxinais do Paraná, organizadas em<br />
movimento social, lançaram a proposta <strong>de</strong> lutar por conquistas em meio ao po<strong>de</strong>r<br />
público para a realização do projeto <strong>de</strong> valorização da sua cultura e comunida<strong>de</strong>, e<br />
da manutenção dos seus territórios e a ampliação dos seus espaços <strong>de</strong> reprodução<br />
social. As lutas pela visibilida<strong>de</strong> e reconhecimento social também são partes <strong>de</strong>ste<br />
projeto.
Des<strong>de</strong> então, tornou-se possível verificar como se dá o jogo pelo<br />
cumprimento das leis que os protegem dos efeitos <strong>de</strong>sarticuladores advindos da<br />
forma capitalista <strong>de</strong> produção agrícola representada pela agricultura convencional<br />
que, <strong>de</strong>ntre outros males causados à mata da região on<strong>de</strong> se instala, vem também<br />
produzindo consequências como a <strong>de</strong>scaracterização sócio-ambiental notada pela<br />
expulsão das famílias ou <strong>de</strong> parte <strong>de</strong>las para os centros urbanos. Em suma, através<br />
da luta empreendida através da APF, percebemos faxinalenses lutando para dar<br />
outra forma, outro curso, <strong>de</strong>stino às suas vidas. São atores sociais lutando pelo<br />
direito <strong>de</strong> produzir a socieda<strong>de</strong> por si mesmos, como diz Touraine (1996). Para o<br />
autor, os movimentos sociais são as forças centrais que lutam para tomar a direção<br />
da produção da socieda<strong>de</strong>, são lutas pela direção da historicida<strong>de</strong>. A historicida<strong>de</strong><br />
representa uma coleção <strong>de</strong> instrumentos, <strong>de</strong> orientações culturais produzidas pelos<br />
homens, como a forma <strong>de</strong> conhecimento, <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> investimento ou acumulação<br />
e um paradigma cultural. Neste sentido, Touraine <strong>de</strong>fine o movimento social como a<br />
ação <strong>de</strong> um sujeito, ou seja, do ator que põe em causa a formação social da<br />
historicida<strong>de</strong>.<br />
Pouca pesquisa acadêmica tem sido realizada em torno do movimento social<br />
dos faxinalenses. Este capítulo preten<strong>de</strong> investigar como ocorre a construção da<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica na comunida<strong>de</strong> e como esta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> opera no sentido <strong>de</strong><br />
organizar ações <strong>de</strong> resistência por parte dos faxinalenses em relação ao seu<br />
território. Há, portanto, três perguntas que propomos neste estudo: 1) Como os<br />
faxinalenses constroem o movimento social em torno <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica? 2)<br />
Em que sentido o movimento social opera na construção e reconstrução da<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica <strong>de</strong>stes povos? 3) É a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica propulsora da ação dos<br />
faxinalenses no sentido da <strong>de</strong>fesa e do avanço referente à territorialização?<br />
Portanto, buscaremos enten<strong>de</strong>r a construção da etnicida<strong>de</strong> entre os faxinalenses e a<br />
ação do grupo em relação às suas <strong>de</strong>mandas territoriais.<br />
2.1 IDENTIDADE ÉTNICA: AUTO-RECONHECIMENTO PELO SENTIMENTO DE<br />
PERTENÇA<br />
É preciso enten<strong>de</strong>r, antes <strong>de</strong> tudo, quem po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificado como<br />
faxinalense, ou como vive o faxinalense, ou ainda, quais são os atributos que o
epresenta. Estas são questões relativas, pois variam <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> para<br />
comunida<strong>de</strong>. A forma como cada grupo se relaciona com o espaço comum, com o<br />
trabalho - seja ele nas terras <strong>de</strong> planta ou não - os usos e costumes, ou como se<br />
relacionam seus membros entre si são coisas distintas se comparadas duas<br />
comunida<strong>de</strong>s, mesmo que próximas geograficamente. Então, o faxinalense é aquele<br />
sujeito que se i<strong>de</strong>ntifica como tal, num processo <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>finição. Quando uma<br />
comunida<strong>de</strong> tem em seus membros - que por suas práticas particulares e comuns,<br />
tanto econômicas, sociais, quanto culturais – um sentimento que os une, e quando o<br />
indivíduo i<strong>de</strong>ntifica no outro semelhanças referentes à origem, costumes, tradições e<br />
práticas, é então que temos uma comunida<strong>de</strong>, ou o sentimento <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> entre<br />
seus participantes. Portanto, não é a cultura <strong>de</strong>ste ou daquele produto da terra,<br />
como a erva mate ou a criação <strong>de</strong> animais a solta, por exemplo, que <strong>de</strong>fine as<br />
comunida<strong>de</strong>s que são ou não faxinalenses, e sim os símbolos que norteiam as<br />
relações compartilhadas no grupo, os traços comuns que os i<strong>de</strong>ntificam uns com os<br />
outros <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste grupo, além do reconhecimento das diferenças marcantes<br />
assumidas em comparação aos <strong>de</strong> fora da comunida<strong>de</strong>. Portanto, é o sentimento <strong>de</strong><br />
pertença a uma comunida<strong>de</strong> e não o encaixe em categorias pré-<strong>de</strong>terminadas que<br />
os <strong>de</strong>fine. Pollak diz que as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s coletivas agem na forma <strong>de</strong> investimento<br />
feito por um grupo para dar a cada membro um sentimento <strong>de</strong> “unida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />
continuida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> coerência” (1992, p.207). É através das relações sociais das quais<br />
participa que o ator social faxinalense se representa. Touraine diz que<br />
(...) o apelo à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> apóia-se no recurso a um garante metassocial da<br />
or<strong>de</strong>m social, em especial a uma essência humana ou simplesmente à<br />
pertença a uma comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>finida por valores ou por um atributo natural<br />
ou ainda histórico. (...) O apelo à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> torna-se um apelo, contra os<br />
papéis sociais, à vida, a liberda<strong>de</strong>, à criativida<strong>de</strong>. (...) o apelo individual ou<br />
coletivo à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é o reverso da vida social, enquanto esta é uma re<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> relações, o espaço da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é ao mesmo tempo o dos indivíduos,<br />
das comunida<strong>de</strong>s e dos Estados. (TOURAINE, 1996, p. 113 – 114)<br />
Cada comunida<strong>de</strong>, em virtu<strong>de</strong> da criativida<strong>de</strong> a que se refere Touraine, tem<br />
suas características próprias, marcadas pelas suas vivências e sua história baseada<br />
na tradição oral, on<strong>de</strong> os costumes são passados <strong>de</strong> geração em geração e mesmo<br />
que haja mudanças neles - pois não são estáticos, mas vivos - são estes<br />
construídos socialmente e muitas vezes percebidos, ainda assim, como algo que os<br />
diferencia dos que não participam da sua comunhão étnica. Não po<strong>de</strong>m as
comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> faxinais serem todas iguais, pois, apesar <strong>de</strong> alguns traços mais ou<br />
menos comuns, não são todas a mesma comunida<strong>de</strong>, mas várias <strong>de</strong>las espalhadas<br />
por vasto território.<br />
Para Weber, toda a comunida<strong>de</strong> é dotada da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar costumes,<br />
e <strong>de</strong> enca<strong>de</strong>ar a cada costume herdado “probabilida<strong>de</strong>s diversas <strong>de</strong> vida,<br />
sobrevivência e reprodução, tendo, portanto, função criadora, e isto, em certas<br />
circunstâncias, <strong>de</strong> modo altamente eficaz” (1986, p. 269). Weber apontou aspectos<br />
essenciais das relações e das ações fundamentadas etnicamente. Para ele a etnia<br />
tem função política e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica é construída por meio do conhecimento <strong>de</strong><br />
diferenças existentes entre grupos que expressam um etnocentrismo. Este conceito<br />
<strong>de</strong> Weber po<strong>de</strong> ser visto objetivamente na formação do movimento social dos<br />
faxinais.<br />
Os faxinalenses - mesmo que outrora buscando sem gran<strong>de</strong> sucesso em<br />
associações <strong>de</strong> moradores e em outros tipos <strong>de</strong> associativismo reagir aos infortúnios<br />
que os assolavam - viram ocorrer somente a partir do advento da APF <strong>de</strong> forma<br />
generalizada, embora paulatina, um processo do <strong>de</strong>spertar da consciência étnica<br />
entre os membros das diversas comunida<strong>de</strong>s com o objetivo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>ntrar à arena<br />
política para lutar por seus interesses. Em princípio, <strong>de</strong>spertaram-se os grupos<br />
participantes do 1º Encontro dos Povos dos Faxinais, ocorrido em agosto <strong>de</strong> 2005.<br />
Des<strong>de</strong> então, outras várias comunida<strong>de</strong>s foram sendo <strong>de</strong>scobertas e <strong>de</strong>spertadas<br />
para viverem seu modo <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> forma organizada e unida em torno da comunhão<br />
étnica. Algumas <strong>de</strong>ssas comunida<strong>de</strong>s permaneceram firmes nos seus objetivos,<br />
outras <strong>de</strong>sistiram. Mas, o que ocorre, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, são moradores <strong>de</strong> faxinais<br />
a<strong>de</strong>rindo ou não à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Então, aqueles que se auto<strong>de</strong>finem como<br />
faxinalenses são os que assumem a sua distinção frente aos <strong>de</strong> fora da<br />
comunida<strong>de</strong>, aos que não participam do seu modo <strong>de</strong> vida, ou aos que moram em<br />
faxinais, mas que, por motivos particulares, não se i<strong>de</strong>ntificam <strong>de</strong>sta forma.<br />
Sobre auto<strong>de</strong>finição em relação à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> faxinalense observamos, em<br />
Cuche (1999), que toda i<strong>de</strong>ntificação é também uma forma <strong>de</strong> diferenciação e o que<br />
cria a fronteira da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não é a diferença cultural e sim “a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />
diferenciar e o uso <strong>de</strong> certos traços culturais como marcadores <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
específica” (1999, p.200). Cuche nos dá argumentos para pensar que entre os<br />
faxinalenses não há uma cultura homogeneizada que os une, mas, além da prática
<strong>de</strong> alguns costumes comuns, há a vonta<strong>de</strong>, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> se diferenciar dos que<br />
<strong>de</strong>tém hábitos discordantes. O que reina entre as comunida<strong>de</strong>s faxinalenses são<br />
suas particularida<strong>de</strong>s aceitas, reconhecidas e assumidas grupalmente. Uma<br />
consciente distinção que se estabelece entre suas práticas <strong>de</strong> vida em contraponto<br />
ao modo <strong>de</strong> vida dos que não fazem parte do seu grupo.<br />
As lutas empreendidas pelo movimento social no sentido <strong>de</strong> ser resguardada<br />
a vonta<strong>de</strong> dos grupos em se diferenciar do “outro”, e <strong>de</strong> ter a sua diferença étnica<br />
reconhecida, refletiu na promulgação <strong>de</strong> uma Lei Estadual do Paraná:<br />
Art. 3º Será reconhecida a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> faxinalense pela auto<strong>de</strong>finição,<br />
mediante Declaração <strong>de</strong> Auto-reconhecimento Faxinalense, que será<br />
atestado pelo órgão estadual que trata <strong>de</strong> assuntos fundiários, sendo<br />
outorgado Certidão <strong>de</strong> Auto-reconhecimento.” (PARANÁ, LEI 15.673/2007<br />
<strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2007).<br />
Ao se i<strong>de</strong>ntificar como faxinalense, o ator social negocia novos elementos<br />
constituintes <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, pois, reforça para si e para os outros traços que<br />
antes apenas faziam parte do seu cotidiano, mas que a partir <strong>de</strong>ste momento<br />
tornam-se vitrines para outrem. Nas entrevistas percebemos que os faxinalenses<br />
que antes tinham sua cultura vista como atrasada – e mesmo mediante a<br />
persistência <strong>de</strong>ste tom pejorativo vindo dos <strong>de</strong> fora da comunida<strong>de</strong> – hoje, em<br />
contrate com esta visão, enten<strong>de</strong>m-se e se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m como praticantes <strong>de</strong> uma<br />
cultura tradicional, como po<strong>de</strong>mos notar no <strong>de</strong>poimento a seguir.<br />
Eu acho que objetivo é termos o reconhecimento lá fora, não por ser um<br />
povo atrasado, mas sim por ser um povo que luta, um povo que está<br />
adiante <strong>de</strong>ste povo que ignora (...) um povo que se fosse atrasado não tinha<br />
preservado o meio-ambiente que ta <strong>de</strong>gradado hoje, não por causa dos<br />
faxinais, mas sim por causa dos agronegócios. (FAXINALENSE G, 2009)<br />
Há, sem dúvidas, duas maneiras <strong>de</strong> enxergar o faxinalense. Existe, na sua<br />
fala, a tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir quem é, quais são suas dificulda<strong>de</strong>s e o que quer. A fala o<br />
situa no tempo e no espaço e expressa a tentativa <strong>de</strong> homogeneida<strong>de</strong> do grupo por<br />
um lado, enquanto por outro dá lugar a discussão da visão dos <strong>de</strong> fora da<br />
comunida<strong>de</strong>, como chacareiros, empresários do agronegócio, servidores públicos <strong>de</strong><br />
diversos órgãos e secretarias, autorida<strong>de</strong>s políticas, etc. Assim, uma representação<br />
recorrente que os <strong>de</strong> fora da comunida<strong>de</strong> fazem dos faxinalenses <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
movimento social é a <strong>de</strong> que são, em muitos casos, agitadores sociais, briguentos,<br />
causadores <strong>de</strong> encrenca, pois passaram a requerer e lutar por seus direitos, que na
maioria das vezes não são reconhecidos, mesmo mediante a existência <strong>de</strong> uma<br />
legislação favorável. No Faxinal do Salso, em razão da mudança <strong>de</strong> comportamento<br />
dos faxinalenses que passaram a lutar por suas <strong>de</strong>mandas, elos que antes eram<br />
cordiais acabaram neste processo se rompendo, on<strong>de</strong> um clima <strong>de</strong> discórdia se<br />
instalou, o que reforçou a visão negativa que os <strong>de</strong> fora do grupo fazem dos<br />
moradores <strong>de</strong> faxinais mobilizados. Por outro lado, a representação que estes<br />
chacareiros fazem dos faxinalenses acabam por interferir nas práticas do grupo em<br />
alguns aspectos, pois quando aqueles pensam que estes só po<strong>de</strong>m ser faxinalenses<br />
se tiverem <strong>de</strong>terminados atributos, então, vemos a busca por satisfazer estes<br />
atributos por parte dos faxinalenses. Por exemplo, na criação <strong>de</strong> animais a solta, há<br />
um aumento dos números <strong>de</strong> criadores e <strong>de</strong> criação como resposta ao que se<br />
espera <strong>de</strong>les.<br />
Esta discussão é abrangente e complexa, pois abarca a imagem que o grupo<br />
tem <strong>de</strong> si e a que os outros fazem <strong>de</strong>le. Então, po<strong>de</strong>mos perguntar como é<br />
construída a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos faxinalenses? Para Barth (2000) a concepção <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida como uma construção elaborada numa relação que<br />
opõe um grupo aos outros grupos com os quais está em contato. Por conta disto é<br />
necessário buscar enten<strong>de</strong>r o fenômeno da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> através da or<strong>de</strong>m das<br />
relações existente entre os grupos sociais. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é uma maneira <strong>de</strong><br />
categorização usada pelos grupos para organizar as trocas culturais. Para <strong>de</strong>finir a<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um grupo o importante é localizar os traços culturais que são usados<br />
por ele para afirmar e manter uma distinção cultural. Pollak, por seu turno, diz que o<br />
sentimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é “o sentido da imagem <strong>de</strong> si, para si e para os outros. Isto<br />
é, a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a<br />
imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si próprio” (1992, p.204). O<br />
autor enten<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como uma auto-representação, pois seria a construção do<br />
próprio indivíduo da imagem <strong>de</strong> si para si e para os outros, e não uma imagem<br />
também dos outros para si. Desta forma, Pollak não atenta para uma hetero-<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>/exo-i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, diferente da posição <strong>de</strong> Cuche, que coloca a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
como uma negociação entre a que é <strong>de</strong>finida por si e aquela que é <strong>de</strong>finida pelos<br />
outros. Cuche discute sobre a existência <strong>de</strong> uma construção e reconstrução<br />
constantes da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> no interior das trocas sociais.
Não há i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> em si, nem mesmo unicamente para si. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
existe sempre em relação a uma outra. Ou seja, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e alterida<strong>de</strong> são<br />
ligadas e estão em uma relação dialética. A i<strong>de</strong>ntificação acompanha a<br />
diferenciação (CUCHE, 2002, p. 183)<br />
Estamos observando no trabalho <strong>de</strong> campo, principalmente através da fala<br />
dos faxinalenses, que há uma reconstrução dos laços <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, comunhão,<br />
e um fortalecimento da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do grupo. Há também uma construção da imagem<br />
dos faxinalenses <strong>de</strong> si para si e para os outros quando lutam por seus direitos.<br />
2.2 A CONSTRUÇÃO DO ATOR FAXINALENSE ATRAVÉS DO MOVIMENTO<br />
SOCIAL, A VISIBILIDADE DOS GRUPOS E A LUTA PELO RECONHECIMENTO<br />
DO TERRITÓRIO<br />
Touraine (1996) diz que a vida social <strong>de</strong>ve ser entendida como contínua<br />
invenção por meio dos conflitos e das negociações, por meio das regras da vida<br />
coletiva. O ator social tem um caráter mais <strong>de</strong>fensivo, que não acredita <strong>de</strong> fato na<br />
libertação coletiva, mas sim nas liberda<strong>de</strong>s pessoais, pois enten<strong>de</strong> a vida social<br />
como a “ação dos que lutam e negociam para dar certa forma social às orientações<br />
culturais que valorizam.” (TOURAINE, 1996, p. 36). Ora, por um lado o faxinalense<br />
não tem uma preocupação classista, pois não está interessado em <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a<br />
classe dos pequenos agricultores, e nem tem ele interesse nos criadores <strong>de</strong> animais<br />
em geral, mas está preocupado com sua situação e, por conseguinte, daqueles que<br />
com ele se i<strong>de</strong>ntificam etnicamente, alinhando-se com aqueles que compartilham um<br />
modo <strong>de</strong> vida específico. Sendo assim, embora as liberda<strong>de</strong>s individuais sejam<br />
questão mais ampla - premissas <strong>de</strong> um Estado <strong>de</strong> Direito burguês - é inegável que o<br />
caráter da ação faxinalense é coletivo, e é através da coletivida<strong>de</strong> que o termo que o<br />
nomina ganha sentido. Além disso, o caráter <strong>de</strong>ste ator não se limita ao aspecto<br />
<strong>de</strong>fensivo, mas na tomada da direção <strong>de</strong> sua historicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modo ofensivo,<br />
gerando conflitos e assumindo sua luta. Então, aos povos <strong>de</strong> faxinais a necessária<br />
elaboração <strong>de</strong> um projeto político que aten<strong>de</strong>sse suas <strong>de</strong>mandas sociais previa um<br />
rearranjo <strong>de</strong> sua posição <strong>de</strong> ator social, pois este buscava assegurar um processo<br />
mobilizado que lhe garantisse, acima <strong>de</strong> tudo, o reconhecimento social <strong>de</strong> sua<br />
existência coletiva. Este interesse foi correspondido pela APF, que <strong>de</strong>u cunho<br />
político às suas <strong>de</strong>mandas sociais em <strong>de</strong>fesa, sobretudo, <strong>de</strong> sua cultura e territórios.
Mas uma <strong>de</strong>fesa ativa em todo tempo, gerando gran<strong>de</strong>s discussões e conflitos que<br />
ainda são sentidos nas diversas comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> faxinais espalhadas pelo Paraná.<br />
Percebemos duas coisas sobre o ator social aí inserido. Primeiro que ele está<br />
disposto a participar do jogo na arena política por sua valorização e reconhecimento<br />
social. Weber (1986) falará que as distinções dos hábitos po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>senvolver em<br />
seus praticantes um sentido <strong>de</strong> honra e <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>.<br />
Algumas estratégias utilizadas pelo movimento social dos faxinalenses foram<br />
os encontros formais realizados entre eles. Em 2005, o 1º Encontro dos Povos dos<br />
Faxinais ocorrido no município <strong>de</strong> Irati, Paraná, foi o marco inaugurador da aplicação<br />
<strong>de</strong> seu projeto. Estas estratégias foram construídas em conjunto com os<br />
faxinalenses e para os faxinalenses. Segundo <strong>de</strong>scrito no Relatório Final do 1º<br />
Encontro dos Povos dos Faxinais, este serviu para amadurecer as i<strong>de</strong>ias que os<br />
faxinalenses tinham sobre suas lutas e como conceberiam um movimento social<br />
organizado, buscando unificar povos faxinalenses <strong>de</strong> várias regiões do Paraná.<br />
Igualmente, as comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> faxinais reforçaram sua percepção sobre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
étnica, reconhecendo-a também nos outros grupos <strong>de</strong> faxinais. Foi espaço para a<br />
troca <strong>de</strong> experiências, on<strong>de</strong> consolidaram laços interpessoais, ampliaram as re<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong> cada grupo participante, adquiriram mais conhecimentos sobre<br />
a importância <strong>de</strong> seu modo <strong>de</strong> vida, discutiram suas <strong>de</strong>mandas sociais, informaram-<br />
se sobre as leis e perceberam a necessida<strong>de</strong> da criação <strong>de</strong> novas leis que os<br />
apoiassem na realização <strong>de</strong> seu projeto.<br />
A construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes povos foi tema <strong>de</strong> discussões importantes.<br />
Durante a mesa redonda ocorrida no encontro, Roberto Martins <strong>de</strong> Souza 6 expôs<br />
porque os faxinais po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados povos tradicionais, usando um discurso<br />
<strong>de</strong> cunho religioso para captar a atenção dos ouvintes e dar legitimida<strong>de</strong> à questão<br />
do uso comum da terra. Apropriando-se do texto bíblico do livro <strong>de</strong> Atos – na parte<br />
que narra como os membros da comunida<strong>de</strong> cristã colocavam seus bens a<br />
disposição para o uso comum, situação que se formou após a morte <strong>de</strong> Cristo –<br />
ressaltou o comportamento <strong>de</strong> comunhão e partilha como algo que fundamentou a<br />
sobrevivência das comunida<strong>de</strong>s cristãs e que <strong>de</strong>u a elas, através da nova forma <strong>de</strong><br />
relação entre seus membros, um caráter que a distinguia das outras comunida<strong>de</strong>s.<br />
De semelhante modo, a comunida<strong>de</strong> faxinalense, através do uso comum da terra,<br />
6 Relatório Final do 1º Encontro dos Povos dos Faxinais, 2005, p. 37
encontrou maneira <strong>de</strong> muitas famílias sobreviverem da criação animal em pouca<br />
área <strong>de</strong> terra, fator que <strong>de</strong>terminou o conjunto <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> trabalho e também <strong>de</strong><br />
solidarieda<strong>de</strong> entre eles.<br />
Pelo fato dos faxinalenses serem, em sua maioria, cristãos - católicos e<br />
evangélicos - a passagem do livro <strong>de</strong> Atos tenta alcançar uma legitimida<strong>de</strong> natural e<br />
espiritual para o uso comum da terra, dando-lhes um caráter sagrado. Percebemos,<br />
portanto, que o fator agregador <strong>de</strong>sse povo gira em torno da i<strong>de</strong>alização <strong>de</strong> uma<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica construída e reconstruída através dos costumes comuns entre<br />
eles, mas também através da divulgação dos i<strong>de</strong>ais e expectativas do movimento<br />
social. A partir <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>alização os faxinalenses constroem o movimento social<br />
para lutar por suas <strong>de</strong>mandas. Vão, por conseguinte, reconstruindo a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> a<br />
partir do movimento.<br />
A Nova cartografia social dos povos e comunida<strong>de</strong>s tradicionais do<br />
Brasil, uma série <strong>de</strong> impressos que mapeiam territórios tradicionais brasileiros,<br />
reforça a necessida<strong>de</strong> da mobilização organizada para o contínuo avanço <strong>de</strong>sses<br />
povos em direção à conquista <strong>de</strong> seus direitos. Estivemos durante o primeiro<br />
encontro faxinalense das benze<strong>de</strong>iras, curadores, costureiras e parteiras, que<br />
aconteceu em setembro <strong>de</strong> 2008, com Roberto Martins <strong>de</strong> Souza, coor<strong>de</strong>nador do<br />
projeto no sul do país. Lá estavam expostos, antes do lançamento, os croquis<br />
<strong>de</strong>senhados a mão pelos próprios moradores <strong>de</strong> cada comunida<strong>de</strong>. Roberto disse<br />
que acredita que esta produção é muito relevante para este povo que agora está<br />
sendo i<strong>de</strong>ntificado e reconhecido. Percebemos nas falas selecionadas para o<br />
material, que tal trabalho <strong>de</strong>u a eles visibilida<strong>de</strong> para a sua existência social.<br />
Pra gente é importante porque precisa ser reconhecido. Muita gente nem<br />
sabia que existia essa comunida<strong>de</strong>, que a gente tinha esses costumes, e<br />
isso serve para o nosso reconhecimento, pra po<strong>de</strong>r reivindicar mais coisas<br />
pra gente. (FERREIRA, 2008, p. 9)<br />
É possível perceber que o conteúdo do encontro, assim como o conteúdo dos<br />
materiais produzidos, visa dar corpo à construção do po<strong>de</strong>r simbólico entre as<br />
comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> faxinal. Bourdieu (1999) diz que o po<strong>de</strong>r simbólico é uma forma <strong>de</strong><br />
consagrar e revelar o que existe, <strong>de</strong> distinguir grupos <strong>de</strong> outros grupos existentes. O<br />
po<strong>de</strong>r simbólico é uma forma <strong>de</strong> dar visibilida<strong>de</strong> às divisões sociais, é o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
realização dos grupos. É o conhecimento e reconhecimento das diferenças<br />
existentes entre os modos <strong>de</strong> vida que inspiram lutas políticas específicas. Po<strong>de</strong>mos
perceber que a construção <strong>de</strong>sse capital simbólico se faz através <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong><br />
diálogo que estabelece um nível <strong>de</strong> conhecimento social <strong>de</strong> seus costumes comuns,<br />
<strong>de</strong> um conhecimento popular, da tradição baseada no cotidiano dos faxinalenses.<br />
2.3 PRÁXIS, LEI E TERRITORIALIZAÇÃO<br />
Nos últimos anos os faxinalenses aceleraram o processo <strong>de</strong> reconhecimento<br />
<strong>de</strong> seus territórios e do direito <strong>de</strong> existir. Também reconheceram suas diferenças em<br />
relação aos <strong>de</strong> fora da comunida<strong>de</strong>, ou seja, suas práticas tradicionais. Sobre este<br />
aspecto Wagner diz que<br />
A tradição é produto <strong>de</strong> uma criação, <strong>de</strong> uma mobilização coletiva. Aquilo<br />
que é tradicional está ligado a um processo <strong>de</strong> mobilização que consegue,<br />
por assim dizer, impor uma outra modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso à terra, uma outra<br />
modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso aos recursos naturais. (2004, p. 29)<br />
O faxinalense está reconstruindo a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica e a tradição,<br />
principalmente através da valorização <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, e a partir do reconhecimento<br />
e fortalecimento da tradição. Portanto, é possível enten<strong>de</strong>r o processo <strong>de</strong> produção,<br />
circulação e apropriação do material sobre este povo, por um lado, como um recurso<br />
<strong>de</strong> preservação e <strong>de</strong> manutenção <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> faxinalense, e, por outro, como<br />
um recurso <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica i<strong>de</strong>alizada, que visa a luta pelo<br />
reconhecimento social <strong>de</strong> sua existência e o reconhecimento legal <strong>de</strong> suas práticas<br />
e territorialização. Estes materiais operam no mesmo sentido dos Encontros dos<br />
Povos dos Faxinalenses, e, ao mesmo tempo, ambos operam como um recurso à<br />
reinvenção da tradição e à valorização dos costumes nos faxinais.<br />
Esta idéia po<strong>de</strong> ser vista na obra “a invenção das tradições”, organizado por<br />
Hobsbawm e Ranger. Nela a tradição é uma invenção compreendida como<br />
“essencialmente um processo <strong>de</strong> formalização e ritualização, caracterizado por<br />
referir-se ao passado, mesmo que apenas pela imposição da repetição” (1997,<br />
p.12). Tal é a estratégia possível <strong>de</strong> observar no projeto político dos povos e<br />
comunida<strong>de</strong>s tradicionais no Brasil, em especial entre os faxinalenses, on<strong>de</strong> há uma<br />
tentativa <strong>de</strong> reinvenção das tradições para forjar neles uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica e o<br />
sentimento <strong>de</strong> pertencimento <strong>de</strong>stes sujeitos ao grupo faxinalense.<br />
Quando participamos em Irati, Paraná, do Terceiro Encontro dos Povos <strong>de</strong><br />
Faxinais, realizado no prédio da UNICENTRO em setembro <strong>de</strong> 2009, observamos a
operação do processo <strong>de</strong> fortalecimento da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica. Durante as reuniões<br />
todo o grupo entoou lemas como “na luta pela terra nascemos faxinalenses”, ou, “no<br />
direito e na luta essa terra é faxinalenses”, etc. Principalmente quando incentivados<br />
pelos organizadores do evento, que bradavam primeiro, logo o coro dos presentes<br />
era ecoado no salão <strong>de</strong> eventos da universida<strong>de</strong>. Na noite do segundo dia <strong>de</strong><br />
evento, quando se realizou no pátio da UNICENTRO a tradicional dança <strong>de</strong> São<br />
Gonçalo. Após uma explicação prévia sobre os motivos e como se efetua a dança,<br />
primeiro um ancião cantou enquanto algumas pessoas mais velhas que conheciam a<br />
tradição executaram o que sabiam sobre a dança. Depois, alguns dos mais jovens<br />
entraram na brinca<strong>de</strong>ira, um tanto inseguros <strong>de</strong> seus passos durante a dança.<br />
Conversamos com alguns dos participantes do evento, e percebemos que a maioria<br />
enten<strong>de</strong> que a dança <strong>de</strong> São Gonçalo é uma tradição da época <strong>de</strong> seus pais e avós,<br />
e que não fazem mais parte do costume nos faxinais. Eles enten<strong>de</strong>m também que é<br />
importante o resgate das tradições e que há um esforço para a reinvenção <strong>de</strong>las.<br />
A tradição suscita um sentido <strong>de</strong> passado real ou forjado, on<strong>de</strong> práticas, em<br />
geral formalizadas, impostas e repetidas, objetivam a invariância. Enquanto a<br />
palavra tradição sugere continuida<strong>de</strong> e permanência, o costume é percebido como<br />
lugar <strong>de</strong> mudança e disputa.<br />
“longe <strong>de</strong> exibir a permanência sugerida pela palavra 'tradição', o costume<br />
era um campo para a mudança e a disputa, uma arena na qual interesses<br />
opostos apresentavam reivindicações conflitantes” (THOMPSON, 1998, p.<br />
16-17).<br />
Quando Thompson nos apresenta o costume como práxis e também como lei,<br />
percebemos que em algumas práticas costumeiras encontramos o esforço <strong>de</strong><br />
preservá-las, dando-lhes um tratamento como se tivesse o peso <strong>de</strong> uma lei, por mais<br />
que esta não esteja registrada e formalizada. Thompson diria que são as “crenças<br />
não escritas, normas sociológicas e usos asseverados na prática, mas jamais<br />
registrados por qualquer regulamento” (1998, p.88). Com os faxinalenses temos a<br />
preservação <strong>de</strong> certos costumes, como malhar a erva ou os trabalhos em mutirões<br />
para levantar cercas, por exemplo, as quais não estavam registrados em lugar<br />
algum que <strong>de</strong>veria ser preservado, mas o peso <strong>de</strong> sua prática e <strong>de</strong> seu significado<br />
para a comunida<strong>de</strong> preservou o costume. Assim, como um costume consagrado<br />
pelo tempo, entre os faxinalenses o uso dos acordos comunitários, <strong>de</strong> certa forma,<br />
passa a se tornar direitos e <strong>de</strong>veres comuns.
Gran<strong>de</strong> parte dos conflitos que acontecem nos Faxinais é por causa da<br />
territorialida<strong>de</strong>. No Faxinal do Salso, por exemplo, os conflitos <strong>de</strong>correm do<br />
encurtamento dos espaços <strong>de</strong> reprodução dos animais pela perda <strong>de</strong> territórios para<br />
os chacareiros. Há vários casos em que a venda da terra ocorre pela divisão da<br />
herança em virtu<strong>de</strong> da morte dos pais e donos do imóvel, seguido pela falta <strong>de</strong><br />
interesses dos filhos em dar continuida<strong>de</strong> no modo <strong>de</strong> vida do campo. Isto acontece<br />
porque estes filhos já resi<strong>de</strong>m em outras localida<strong>de</strong>s como os centros urbanos on<strong>de</strong><br />
buscam melhores oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vida. Os faxinalenses que ficam não po<strong>de</strong>m<br />
comprar os territórios por não terem dinheiro e nem acesso ao crédito para tal<br />
aquisição. Assim, ficam os territórios em meio aos faxinais abertos à compra das<br />
pessoas <strong>de</strong> fora do faxinal. Desta forma, o espaço físico <strong>de</strong> reprodução cultural<br />
diminuiu drasticamente nos últimos anos. Ainda assim, os faxinalenses lutam pela<br />
continuida<strong>de</strong> do costume <strong>de</strong> criar seus animais a solta e inclusive em espaços que<br />
não mais lhes pertencem.<br />
A questão do costume que contraria a lógica das leis po<strong>de</strong> ser observada na<br />
obra “Senhores e Caçadores”, on<strong>de</strong> há o relato da disputa que envolve, por um lado,<br />
os direitos e costumes feudais e, por outro, o direito mo<strong>de</strong>rno abstrato <strong>de</strong><br />
proprieda<strong>de</strong> privada, cujo caráter individual e exclusivo estava se expandindo e<br />
consolidando no século XVIII na Inglaterra e em partes da Europa. Nas experiências<br />
dos camponeses das florestas reais inglesas, os efeitos da “Lei Negra”, promulgada<br />
em 1723, prescrevia como crime capital (pena <strong>de</strong> morte), <strong>de</strong>ntre outras práticas, a<br />
caça clan<strong>de</strong>stina por pessoas que enegreciam o rosto ou usavam máscaras para<br />
caçar em territórios <strong>de</strong> senhores feudais. No entanto, antes da lei, tanto pintar o<br />
rosto e usar máscaras para a caça, quanto as práticas proibidas pela lei eram<br />
direitos costumeiros da população. Temos assim, ao consi<strong>de</strong>rar o costume não só<br />
como prática, mas também como lei, uma disputa entre direitos por prescrição e<br />
direitos pelo costume. Para o autor,<br />
“[o] que muitas vezes estava em questão não era a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>fendida<br />
pela lei contra a não-proprieda<strong>de</strong>; eram outras <strong>de</strong>finições dos direitos <strong>de</strong><br />
proprieda<strong>de</strong>; para o proprietário <strong>de</strong> terras, o fechamento das terras<br />
comunais; para o trabalhador rural, os direitos comunais; para os<br />
funcionários das florestas, „terrenos preservados‟ para os servos; para os<br />
habitantes da floresta, o direito <strong>de</strong> apanhar torrões <strong>de</strong> grama.”<br />
(THOMPSON, 1987, p. 351)<br />
Mesmo que cercas sejam construídas, o costume do povo faxinalense é o <strong>de</strong> criar<br />
naquele espaço seus animais a solta, ainda que contrariando a lei <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> privada.
Ao mesmo tempo, segundo os moradores do Salso, há a incompreensão dos chacareiros<br />
em relação aos costumes dos faxinalenses que enca<strong>de</strong>ia um <strong>de</strong>srespeito, e vários conflitos.<br />
Como aqueles chegaram <strong>de</strong>pois no local, <strong>de</strong>veriam construir cercas <strong>de</strong> 8 a 12 fios para<br />
evitar que o porco passasse para suas lavouras, mas na verda<strong>de</strong> constroem cercas <strong>de</strong> 4<br />
fios, por on<strong>de</strong> o animal passa sem dificulda<strong>de</strong>s, causando prejuízo ao proprietário. Ao<br />
mesmo tempo, <strong>de</strong>veriam construir cercas apenas em volta das lavouras e da casa, <strong>de</strong>ixando<br />
o restante do espaço para a pastagem e o trânsito dos animais do faxinal, mas acabam por<br />
cercar toda a proprieda<strong>de</strong>. Desta forma, foi através da luta e do conflito resolvidos<br />
judicialmente, que os faxinalenses conseguiram <strong>de</strong>rrubar cercas e obtiveram direitos <strong>de</strong><br />
passagem por terras particulares. Os conflitos se avolumam, mas a organização dos<br />
moradores do Salso tem garantido a sobrevivência, mesmo que precária, do costume <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ixar a criação à solta com trânsito por algumas terras em que sempre criaram.<br />
Outra questão sobre a territorialização nos faxinais é que a velada lei do<br />
capital tem causado graves problemas aos faxinalenses, e que a perda <strong>de</strong> seus<br />
territórios para os agricultores convencionais ou para chacareiros, a <strong>de</strong>struição da<br />
biodiversida<strong>de</strong> em torno dos faxinais, a mudança <strong>de</strong> paisagem em diversas regiões<br />
on<strong>de</strong> antes havia mata, tem sido a principal ameaça ao modo <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>ssas<br />
comunida<strong>de</strong>s tradicionais, o que acarreta certa <strong>de</strong>sorientação e inquietação sobre o<br />
futuro que os aguarda. No material impresso dos faxinalenses, há uma fala que<br />
respon<strong>de</strong> a pergunta: o que ameaça os faxinais?<br />
“A <strong>de</strong>struição é que ameaça o faxinal, começar a <strong>de</strong>struir uma coisa ou<br />
outra, modificar o jeito que a pessoa se cria em liberda<strong>de</strong>. Ele ta ficando a<br />
mesma coisa que ta na ca<strong>de</strong>ia, por que não tem como ele pula. Não tem o<br />
que ele faze. Não po<strong>de</strong> criar, não tem a terra suficiente pra plantar, então é<br />
quase a mesma sentença <strong>de</strong> ta preso, ele não tem pra on<strong>de</strong> ir, ele tem que<br />
ficar sofrendo naquilo preso, e não po<strong>de</strong> dizer não, se não tá certo aquilo dá<br />
certo outra coisa, ele não é suficiente pra coisa, ele não é suficiente para<br />
aquilo, cada um tem um ramo.” (TOMACHESKI, 2008, p. 5)<br />
Se, por um lado, a agricultura convencional há muito tempo tem seu<br />
reconhecimento legítimo através <strong>de</strong> políticas governamentais, por outro lado, os<br />
movimentos sociais dos povos e comunida<strong>de</strong>s tradicionais do Brasil, por sua intensa<br />
pressão exercida na arena política através da mobilização organizada pela<br />
consciência <strong>de</strong> seus interesses e objetivos teve legitimada sua existência pela<br />
instituição da Política Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável dos Povos e<br />
Comunida<strong>de</strong>s Tradicionais (PNPCT), sob o Decreto Nº 6.040, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />
2007, que <strong>de</strong>fine o que são povos e comunida<strong>de</strong>s tradicionais, territórios tradicionais
e <strong>de</strong>senvolvimento sustentável. Reproduziremos aqui o artigo 3º, pois interessa ao<br />
presente estudo.<br />
Art. 3º - Para os fins <strong>de</strong>ste Decreto e do seu Anexo compreen<strong>de</strong>-se por:<br />
I – Povos e Comunida<strong>de</strong>s Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados<br />
e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias <strong>de</strong><br />
organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como<br />
condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e<br />
econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e<br />
transmitidos pela tradição.<br />
II – Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução cultural,<br />
social e econômica dos povos e comunida<strong>de</strong>s tradicionais, seja eles<br />
utilizados <strong>de</strong> forma permanente ou temporária (...).<br />
III – Desenvolvimento Sustentável: o uso equilibrado dos recursos naturais,<br />
voltados para a melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida da presente geração,<br />
garantindo as mesmas possibilida<strong>de</strong>s para as gerações futuras.<br />
A questão da territorialização nos faxinais sofreu mudanças <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a<br />
comunida<strong>de</strong> se organizou com a AP.<br />
(A articulação Puxirão) É uma forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar as coisas mais <strong>de</strong>mocráticas,<br />
expor mais idéias, tirar as pessoas do anonimato, por que as pessoas não<br />
tinham conhecimento <strong>de</strong> lei, então se vem um chacreiro e entrou no lugar e<br />
não tinha conhecimento, e hoje chega a Articulação abre os olhos. A gente<br />
tem uma outra visão.” (FERREIRA SANTOS, 2008, p. 8)<br />
O que consolidou a mudança foi, em princípio, a organização do grupo em<br />
torno <strong>de</strong> objetivos comuns: a luta pela terra, a visibilida<strong>de</strong> social, o reconhecimento<br />
<strong>de</strong> seu modo <strong>de</strong> vida tradicional. O favorecimento da lei fe<strong>de</strong>ral mudou as relações<br />
entre os faxinalenses, antagonistas e o po<strong>de</strong>r público. Antes da APF muitos<br />
moradores <strong>de</strong> faxinais precisavam adaptar-se às mudanças dos espaços que os <strong>de</strong><br />
fora da comunida<strong>de</strong> empreendiam, alterando o ambiente em que viviam. Esta era<br />
uma questão difícil <strong>de</strong> resolver, pois pela falta <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> do grupo - ainda que não<br />
concordassem - não tinham uma voz que os representasse na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seus<br />
interesses. Depois da APF, passaram a viver por seus acordos comunitários<br />
reconhecidos legalmente, pois tiveram conhecimento <strong>de</strong> seus direitos como povos<br />
tradicionais, possuidores <strong>de</strong> territórios tradicionais. A articulação Puxirão dos Povos<br />
Faxinalenses organizou e orientou os moradores das comunida<strong>de</strong>s que passaram a<br />
agir <strong>de</strong> acordo com seus interesses, ganhando visibilida<strong>de</strong> social, valorizando seu<br />
modo <strong>de</strong> vida e lutando por seu direito <strong>de</strong> existir.
3. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA HISTÓRIA, DOS CONFLITOS E DAS<br />
PERCEPÇÕES DOS MORADORES DO FAXINAL DO SALSO<br />
Antes <strong>de</strong> começarmos com estas consi<strong>de</strong>rações sobre o Faxinal do Salso é<br />
preciso situá-lo no tempo e no espaço conforme o <strong>de</strong>senvolvimento da economia e<br />
socieda<strong>de</strong> na Região Metropolitana <strong>de</strong> Curitiba. É o que faremos nas linhas a seguir.<br />
Os relatos em relação às condições <strong>de</strong> vida em terras vizinhas a Curitiba nos<br />
primeiros tempos <strong>de</strong> povoamento, a partir do século XVIII, são pouco<br />
esclarecedores. Contudo, Machado (1963) nos dá algumas indicações sobre o<br />
assunto.<br />
Os habitantes que viviam no planalto ao redor <strong>de</strong> Curitiba, viviam em<br />
condições miseráveis e primitivas. Não plantavam senão o necessário para<br />
sua subsistência, porque não tinham com quem permutar qualquer<br />
exce<strong>de</strong>nte, e apenas para se vestirem e adquirir sal, colhiam erva mate e<br />
em cargueiros levavam-na para permutar com os traficantes dos pequenos<br />
barcos que aportavam em Paranaguá. (p. 8)<br />
No Primeiro Planalto do Paraná existia uma picada aberta entre a mata pela<br />
insistente passagem dos animais em <strong>de</strong>stino a São Paulo à época do tropeirismo.<br />
Nesta região, antes da colonização, habitava o Botocudo, pertencente à família Gê,<br />
temido povo indígena que dificultava sobremaneira a instalação e a passagem do<br />
homem branco quando este começara a entrar na mata fechada. Aquele povo foi<br />
extinto e poucos relatos existem sobre o assunto.<br />
Igualmente poucas são as informações sobre o espalhamento do homem<br />
branco na região para além dos Campos <strong>de</strong> Curitiba, mas, historicamente, um<br />
relevante crescimento populacional da região se <strong>de</strong>u a partir do século XVIII em<br />
virtu<strong>de</strong> daquela picada. Mais tar<strong>de</strong>, no século XIX, consolidou o crescimento<br />
populacional na região a abertura da Estrada da Mata, por on<strong>de</strong> hoje passa parte da<br />
BR 116. Então, foram as vias <strong>de</strong> comunicação entre os povoados que<br />
proporcionaram o gradual <strong>de</strong>senvolvimento da economia e socieda<strong>de</strong> no Estado,<br />
quando o tropeirismo se consolidou no fornecimento <strong>de</strong> animais para a mineração<br />
que atarefava Minas Gerais e São Paulo na lavra do ouro. A picada, posteriormente<br />
Estrada da Mata, que ligava as fazendas do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul à Sorocaba e São<br />
Paulo - centros comerciais on<strong>de</strong> ocorria gran<strong>de</strong> vulto <strong>de</strong> negociação <strong>de</strong> animais<br />
como o gado, cavalo e muares - era passagem contínua dos tropeiros. Ela<br />
<strong>de</strong>senvolveu vários povoados que foram se espalhando com o objetivo <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r
as necessida<strong>de</strong>s dos tropeiros, como o pouso e alimentação para homens e<br />
animais, ao mesmo tempo em que <strong>de</strong>senvolveu uma policultura <strong>de</strong> subsistência.<br />
Muitos <strong>de</strong>stes povoados formaram municípios do Estado, como Curitiba,<br />
Quitandinha, Mandirituba, Fazenda Rio Gran<strong>de</strong>, Rio Negro, Lapa, Campo do<br />
Tenente, Ponta Grossa, Carambeí, Castro, Campo Largo, Piraí do Sul, Palmeira,<br />
<strong>de</strong>ntre outros.<br />
Quitandinha (figura 1 e 2), município da Região Metropolitana <strong>de</strong> Curitba,<br />
dista 71,1 km da capital paranaense e está situado na bacia hidrográfica do Rio<br />
Iguaçu. Ela é resultado <strong>de</strong> um <strong>de</strong>smembramento dos municípios <strong>de</strong> Contenda e Rio<br />
Negro no início da década <strong>de</strong> 1960. Em sua área territorial, 446,396 km², a<br />
população se divi<strong>de</strong> em 3.046 moradores em zona urbana e 12.226 em zona rural,<br />
totalizando 15.272 7 habitantes. Portanto, este é um município predominantemente<br />
rural. As ativida<strong>de</strong>s econômicas mais importantes <strong>de</strong> Quitandinha são a agricultura,<br />
pecuária, silvicultura, exploração florestal e pesca, englobando 27% da população<br />
nestas ocupações. O comércio vem a seguir, mas com uma larga distância, pois<br />
engloba apenas 3,4% da população economicamente ativa. Embora seja a<br />
administração pública direta e indireta a responsável pela maioria dos empregos <strong>de</strong><br />
carteira assinada, pois emprega 466 funcionários, os estabelecimentos comerciais<br />
empregam 60 trabahadores, enquanto a agricultura, silvicultura, criação <strong>de</strong> animais,<br />
extração vegetal e pesca empregam 59 pessoas formalmente. Estes dados<br />
<strong>de</strong>monstram a situação <strong>de</strong> informalida<strong>de</strong> do emprego na localida<strong>de</strong>, pois apenas<br />
1.069 pessoas tem emprego formal, quando somadas outras ativida<strong>de</strong>s econômicas<br />
além das citadas. O PIB per capita <strong>de</strong> R$ 5.385,00 po<strong>de</strong> ser comparado com o dado<br />
da Renda per capita <strong>de</strong> R$ 164,41 para observarmos a concentração <strong>de</strong> renda<br />
comprovada pelo índice <strong>de</strong> Gini, 0,620. 8<br />
Entrevistamos o historiador <strong>de</strong> Quitandinha, João Santana. Segundo ele, a<br />
socieda<strong>de</strong> no município contava, até a década <strong>de</strong> 1980, com uma precária estrutura<br />
educacional e a maioria das famílias, exceto pelos poucos gran<strong>de</strong>s proprietários,<br />
viviam <strong>de</strong> uma miserável agricultura familiar <strong>de</strong> subsistência, que produzia poucos<br />
artigos exce<strong>de</strong>ntes para venda. A produção nas lavouras variava entre o milho,<br />
feijão, batata, cereais, trigo, centeio e a extração da erva-mate.<br />
7 FONTE: IBGE - Censo Demográfico, 2000. Porém, o IBGE lançou em 2009 as “estimativas<br />
das populações resi<strong>de</strong>ntes”, on<strong>de</strong> Quitandinha aparece com uma população estimada em 16.608.<br />
8 FONTE: IBGE - Censo Demográfico, 2000.
FIGURA 1- LOCALIZAÇÃO DE QUITANDINHA NO MAPA DO PARANÁ - FONTE: WIKIPEDIA<br />
FIGURA 2 - QUITANDINHA LOCALIZADA EM MEIO AOS MUNICÍPIOS VIZINHOS. FONTE:<br />
IPARDES<br />
A pesquisa em campo 9 nos levou a realização <strong>de</strong> entrevistas com os<br />
moradores do faxinal do Salso, e parte <strong>de</strong>sses relatos nos embasaram para uma<br />
9 Durante o trabalho <strong>de</strong> campo entrevistamos, além dos faxinalenses, três chacareiros do Salso<br />
(Chacareiro X, Chacareiro Y e Chacareiro Z), dois secretários municipais (Norlon Paulo Gabardo,<br />
secretário da Agricultura e Meio Ambiente, e Jaqueline Ribas, secretária da Saú<strong>de</strong>), e um vereador<br />
(Loir Esconiski, presi<strong>de</strong>nte da Câmara Municipal dos Vereadores <strong>de</strong> Quitandinha).
econstrução panorâmica <strong>de</strong> algumas práticas históricas da comunida<strong>de</strong>, as quais<br />
serão <strong>de</strong>scritas a seguir.<br />
Os moradores mais antigos do Salso 10 , a partir do resgate <strong>de</strong> suas memórias<br />
sobre o funcionamento do faxinal em tempos passados, pu<strong>de</strong>ram relatar histórias <strong>de</strong><br />
pelo menos 75 anos atrás. A comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se lembram, sempre fora um<br />
criadouro comunitário. Dizem que Quitandinha e Mandirituba eram um gran<strong>de</strong><br />
faxinal, um imenso espaço geográfico composto por população da mata que vivia da<br />
criação extensiva <strong>de</strong> animais em pastos comuns e da agricultura <strong>de</strong> subsistência.<br />
Quitandinha, ou a Vila, como eles chamam a se<strong>de</strong> do município, também chamado<br />
<strong>de</strong> centro da cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>senvolveu-se no meio <strong>de</strong> criadores comunitários. No tempo<br />
em que o Salso era um gran<strong>de</strong> faxinal, que se misturava com outros como o da<br />
Lagoa Ver<strong>de</strong>, e os limites geográficos não eram relevantes, as pessoas estudavam<br />
pouco, em média cinco anos, o que era suficiente para ler, escrever e contar, e o<br />
trabalho era dividido entre lavoura, horta e criação <strong>de</strong> animais.<br />
A lavoura era fora da comunida<strong>de</strong> e normalmente a uma distância que<br />
impedia o trânsito ida e volta no mesmo dia. Por isso, era comum, dada a divisão<br />
social do trabalho <strong>de</strong>ntro da família, que fossem à lavoura o pai e os filhos e filhas a<br />
partir <strong>de</strong> uns <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, que por lá ficavam vários dias, retornando nos finais<br />
<strong>de</strong> semana. Cozinhavam o alimento numa fogueira improvisada e dormiam no chão<br />
<strong>de</strong>sconfortável do paiol, com pouco cobertor e vivendo, segundo suas impressões<br />
relatadas, sob precárias condições <strong>de</strong> higiene. Em algumas fases do trabalho, como<br />
o da roçada e capina do mato que faziam parte do preparo da terra, por exemplo,<br />
até as mulheres com filhos pequenos se amontoavam nos paióis durante a noite e<br />
lidavam a terra durante o dia. Para cuidar das crianças menores e evitar que se<br />
colocassem em confusão - como mexer num formigueiro, por exemplo - era nos<br />
balaios que ficavam para não fugir.<br />
Feijão, carne, verduras e milho era costumeiramente o alimento dos<br />
trabalhadores, ao qual eles diziam consumir apenas o produto crioulo 11 . O transporte<br />
<strong>de</strong> pessoas para a lavoura era, na maioria das vezes, a pé, caminhada que durava<br />
pelo menos 2 horas. Quase todas as famílias possuíam carroças principalmente<br />
10<br />
Mulheres: Faxinalense A, Faxinalense B, Faxinalense C. Homens: Faxinalense D, Faxinalense E,<br />
Faxinalense F. Todos acima <strong>de</strong> 70 anos.<br />
11<br />
O termo crioulo para o faxinalense do Salso po<strong>de</strong> ser entendido como rústico. Diz respeito ao<br />
animal ou vegetal próprios das suas terras, adaptados às condições <strong>de</strong>las. São as espécies animais e<br />
vegetais que eles possuem em seus territórios em contraponto aos que são adquiridos nos mercados.
para transportar produtos da terra e os negociados no armazém, por isso a<br />
caminhada era comum. As famílias mais pobres tinham um cargueiro - um animal<br />
que tinha sobre si uma mala <strong>de</strong> couro cru, conhecida como broaca, com cestos para<br />
ambos os lados com o objetivo do transporte da produção agrícola e dos produtos<br />
que iam e vinham do armazém. Os exce<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> produção, poucos e raros, eram<br />
vendidos no mercado, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> tiravam o dinheiro extra para comprar aquilo que não<br />
produziam. Não era rara a ausência <strong>de</strong> exce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> produção da terra, e até faltar<br />
o feijão e o milho no final do ano produtivo. Nestas ocasiões emprestavam entre os<br />
vizinhos os alimentos que faltavam e a farinha <strong>de</strong> milho era substituída pela <strong>de</strong><br />
mandioca.<br />
A horta existia em todos os quintais e era responsabilida<strong>de</strong> exclusiva das<br />
mulheres, que no período em que podiam ficar em casa também negociavam nas<br />
vendas, produziam farinha, cuidavam dos filhos e tratavam os animais. A horta era<br />
pequena, para subsistência, e composta <strong>de</strong> batata doce, mandioca, vários tipos <strong>de</strong><br />
verduras, principalmente a couve, etc. Também era tarefa das mulheres a<br />
transformação do milho em farinha através do uso do monjolo 12 . Durante alguns<br />
meses no ano extraíam, juntamente com os homens, a erva-mate para malhar e<br />
sapecar, visando o consumo, e em poucas quantida<strong>de</strong>s negociavam com os<br />
mercados. As plantas <strong>de</strong> uma horta nem sempre eram as mesmas espécies da<br />
outra, o que proporcionava a oportunida<strong>de</strong> transformada em costume <strong>de</strong> trocar os<br />
produtos. Por exemplo, aquele que tinha mandioca, mas não tinha couve, trocava<br />
com o vizinho que tinha esta, mas não aquela.<br />
A criação das galinhas rendia sua melhor moeda: os ovos. Com eles as<br />
mulheres negociavam nas vendas o grosso do que precisavam, como açúcar, café,<br />
arroz (mais raro), <strong>de</strong>ntre outros produtos <strong>de</strong> primeira necessida<strong>de</strong>. Todas as famílias<br />
tinham pelo menos alguns porcos e galinhas e quase todas tinham gado <strong>de</strong> leite,<br />
com o qual produziam a manteiga, o queijo, o requeijão e bebiam o leite. Não era<br />
necessário alimentar os bichos, pois a natureza era suficiente para sustentar toda a<br />
criação. Havia negociações miúdas <strong>de</strong> animais, como a venda do porco, da galinha,<br />
mas também outras fontes <strong>de</strong> renda como extração da ma<strong>de</strong>ira, que também era<br />
usada para lenha. As trocas possibilitavam a compra <strong>de</strong> remédios, a consulta a<br />
médicos que se encontravam no município <strong>de</strong> Rio Negro, ou a compra <strong>de</strong> calçados,<br />
12 Engenho tosco, tradicional, movido a base <strong>de</strong> água, empregado para pilar milho reduzindo-o a<br />
farinha.
em geral o tamanco <strong>de</strong> pouca qualida<strong>de</strong> e tecido consi<strong>de</strong>rado grosseiro usado por<br />
pessoas mais pobres, que foi i<strong>de</strong>ntificado como o “riscado”, produto mais barato, por<br />
isso o mais comum entre eles. As mulheres é que costuravam as roupas.<br />
Conforme ouvimos nas entrevistas, parece que eles enten<strong>de</strong>m que todos<br />
viviam em comunhão, compartilhando as mesmas práticas e costumes. É antiga a<br />
prática do mutirão, quando se ajuntavam para construir e reformar cercas, ou para o<br />
trabalho com a erva-mate. Também vem <strong>de</strong> outros tempos o costume da partilha da<br />
carne crioula. O morador que abate o animal dá ao vizinho o equivalente a mistura<br />
<strong>de</strong> uma refeição da família beneficiada. A carne não é divida entre toda a<br />
comunida<strong>de</strong>, mas com as famílias com as quais o dono do animal tem mais<br />
amiza<strong>de</strong>. Em troca, receberá também a partilha dos animais que os vizinhos <strong>de</strong><br />
amiza<strong>de</strong> mais próxima abaterem.<br />
Atualmente habitam no Faxinal do Salso um número aproximado <strong>de</strong> 50<br />
famílias, das quais 25 se auto-reconhecem como faxinalenses. Os bichos que criam<br />
são as galinhas, perus, gansos, patos, marrecos, porcos, cabritos, vacas, cavalos,<br />
ovelhas, etc. As práticas ainda persistem como as do mutirão para as cercas e para<br />
o preparo da erva-mate, a criação do animal a solta, assim como a partilha da carne<br />
e as trocas <strong>de</strong> produtos das hortas, que continuam existindo em todos os quintais.<br />
No entanto, a lavoura é coisa rara, pois são poucos os que ainda lidam com ela. A<br />
maioria das pessoas que tem emprego formal ou informal são homens. Estes,<br />
solteiros ou casados, encontram trabalho atualmente fora do faxinal, seja na<br />
construção civil, geralmente com emprego informal, no funcionalismo público ou em<br />
empresas privadas. Apesar disso, contudo, retornam à comunida<strong>de</strong> todos os dias os<br />
que trabalham por perto, ou sempre nos dias <strong>de</strong> folga os que exercem suas<br />
profissões longe <strong>de</strong> casa, pois lá resi<strong>de</strong>m e continuam vivendo muitas <strong>de</strong> suas<br />
práticas e costumes.<br />
Na imagem a seguir, captada por uma faxinalense do Salso em 2009,<br />
percebemos o aspecto do trabalho comunitário, quando se reuniram para malhar a<br />
erva-mate. Esta é uma prática tradicional entre eles.
IMAGEM 3 - FAXINALENSES DO SALSO FAZENDO MUTIRÃO PARA MALHAR A<br />
ERVA-MATE<br />
3.1 TRANSFORMAÇÕES DAS RELAÇÕES SOCIAIS NO FAXINAL DO SALSO 13<br />
Foi a partir da década <strong>de</strong> 80 que os chacareiros foram se instalando na<br />
região. Estes usam a terra para plantar roças, para criar animais fechados ou cultivar<br />
pinus para ven<strong>de</strong>r às serrarias. Segundo os faxinalenses é comum que eles<br />
<strong>de</strong>smatem para dar lugar as suas práticas. Em princípio o relacionamento entre os<br />
moradores que gozavam <strong>de</strong>sses dois modos <strong>de</strong> vida distintos era pacífico, no<br />
entanto não tardou muito para que os faxinalenses percebessem a mudança em<br />
relação ao território, pois era comum que o novo morador cercasse sua terra,<br />
gerando <strong>de</strong>scontentamento ao povo tradicional. Os conflitos entre os moradores da<br />
comunida<strong>de</strong> e os chacareiros não era alarmante, e embora estes agissem como<br />
13 A partir <strong>de</strong> agora, neste estudo, quando falarmos do Faxinal do Salso, ou moradores do Salso,<br />
estamos nos referindo a todo o território que engloba os faxinalenses e não faxinalenses. Quando<br />
citarmos comunida<strong>de</strong>, moradores da comunida<strong>de</strong>, estamos nos referindo ao povo e à área territorial<br />
que atualmente pertence aos faxinalenses.
achavam melhor, aqueles não protestavam publicamente diante das mudanças que<br />
aconteciam a sua volta. O encurtamento dos espaços <strong>de</strong> reprodução dos animais<br />
através do cercamento <strong>de</strong> parte das terras e da construção <strong>de</strong> novos mata-burros e<br />
a consequente superpopulação <strong>de</strong> bichos - quando a mata não é mais suficiente<br />
para alimentar os animais - foi o que chamou a atenção dos faxinalenses e os<br />
<strong>de</strong>ixou cada vez mais <strong>de</strong>scontentes. O <strong>de</strong>smatamento também foi motivo <strong>de</strong><br />
preocupações. Estas questões quase geraram a <strong>de</strong>sativação do criador, e com<br />
certeza engendraram o temporário enfraquecimento da coesão do grupo. Segundo a<br />
entrevista cedida pelo Faxinalense G (2009), que tem por volta <strong>de</strong> 40 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>,<br />
o povo tradicional não se manifestava porque não havia organização entre eles e<br />
nem o conhecimento <strong>de</strong> leis e direitos que os amparassem, instrumentos<br />
necessários para a luta.<br />
Também, na ótica <strong>de</strong>sse povo, a forma <strong>de</strong> resolver os problemas advindos da<br />
invasão dos seus animais nas hortas e lavouras dos chacareiros não estava certa.<br />
Os chacareiros não entendiam, e ainda não enten<strong>de</strong>m que a única forma <strong>de</strong> manter<br />
os animais fora <strong>de</strong> suas terras é cercando corretamente este espaço, ou seja, com 8<br />
a 12 fios <strong>de</strong> arame, como era costume no local. Mas, ignoraram o costume e<br />
procuraram agir da forma como lhes aprouvesse, portanto, o que habitualmente<br />
acontecia era que prendiam o animal invasor e cobravam um resgate, alegando que<br />
o bicho havia comido parte <strong>de</strong> seus produtos da terra. O faxinalense, silencioso<br />
ainda, pagava os danos. Ou, em outros casos mais graves, os chacareiros<br />
machucavam e até aconteceu casos <strong>de</strong> matarem animais.<br />
Em 2005 a APF iniciou o processo <strong>de</strong> organização do movimento social no<br />
Paraná. Nesta época os moradores do Salso receberam a visita <strong>de</strong> Luis Almeida<br />
Tavares que iniciou um processo que atingiu todo o Salso, a começar pelos<br />
faxinalenses que começaram a ter conhecimento da importância do seu modo <strong>de</strong><br />
vida, e que este é entendido como tradicional, objeto <strong>de</strong> leis específicas, portanto,<br />
que eles tinham direitos referentes a esta forma <strong>de</strong> viver que os tirava da condição<br />
<strong>de</strong> invisibilida<strong>de</strong> diante da socieda<strong>de</strong>, e <strong>de</strong> vizinhos passivos para os chacareiros.<br />
Sobre o aparecimento <strong>de</strong> Tavares conta-nos o lí<strong>de</strong>r do movimento social na<br />
comunida<strong>de</strong>.<br />
Bom, foi um homem chamado Luis Almeida Tavares que conheceu o<br />
movimento da Articulação Puxirão nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Irati, Guarapuava,<br />
Pinhão, Rebouças, e daí trouxe. Veio, inclusive, até a Prefeitura do nosso
município <strong>de</strong> Quitandinha e falou com alguns funcionários ali. Um dos<br />
funcionários que ele falou foi o Norlon, que era secretário da EMATER na<br />
época, e <strong>de</strong>pois passou a ser secretario da Agricultura e do Meio Ambiente<br />
e o funcionário Chico Lemos. Eles vieram até nossa comunida<strong>de</strong><br />
acompanhados do Luis Almeida Tavares e trouxeram (...) o conhecimento.<br />
O Tavares falou com (...) [aqui ele cita alguns nomes <strong>de</strong> moradores da<br />
comunida<strong>de</strong>] e os convidou para participar do 1º Encontro Faxinalense<br />
realizado na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Irati, Paraná. Lá, (...) eles participaram <strong>de</strong>ste<br />
encontro e das propostas, e trouxeram <strong>de</strong> volta pra nós e o Luis Almeida<br />
Tavares continuou nos ajudando a nos organizarmos <strong>de</strong>pois, no 2º encontro<br />
dos faxinalenses realizado, também, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Irati. Lá eu fui até a<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Irati junto com o [Faxinalense E] e já tínhamos discutido com a<br />
comunida<strong>de</strong> os nossos interesses e a organização que era boa. Daí sim foi<br />
inserido o Salso na Organização Puxirão pra <strong>de</strong>pois estarmos embasando<br />
mais na organização, nos direitos, nos projetos que a Articulação Puxirão<br />
tinha como propostas formadas por essas li<strong>de</strong>ranças <strong>de</strong> cada comunida<strong>de</strong><br />
(LÍDER COMUNITÁRIO, 2010)<br />
Parece que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a chegada <strong>de</strong> Tavares que se fizeram sentir mudanças<br />
sensíveis nas relações <strong>de</strong>ntro do Faxinal do Salso. O Chacareiro X, <strong>de</strong> aproximados<br />
50 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, é viúvo da irmã do Lí<strong>de</strong>r Comunitário, mas casou-se novamente.<br />
X, até poucos anos atrás, era criador <strong>de</strong> animais a solta. Ele foi um dos moradores<br />
que não concordou com as propostas da APF, e então passou a agir como<br />
antagonista dos faxinalenses, pois individualizou suas terras algum tempo <strong>de</strong>pois da<br />
a<strong>de</strong>são do grupo ao movimento social e diz abertamente ser contra a comunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> faxinal no local. Alguns laços <strong>de</strong> parentesco foram enfraquecidos, senão<br />
rompidos nesta época e até com dois <strong>de</strong> seus filhos, que optaram pela afirmação<br />
i<strong>de</strong>ntitária, o Chacareiro X não tem mais relacionamento.<br />
O problema <strong>de</strong>corre da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeitou uma<br />
hierarquia. O pai do Chacareiro X, sempre fora morador do Salso. Serviu o exército<br />
e durante a Segunda Guerra Mundial foi expedicionário, período em que fez algum<br />
dinheiro. Quando voltou ao Salso adquiriu a maior área <strong>de</strong> terra entre os criadores,<br />
por isso sempre se guardou muito respeito em relação a sua opinião. Mas,<br />
<strong>de</strong>ixaram-no <strong>de</strong> fora das <strong>de</strong>cisões quando a comunida<strong>de</strong> começou a se interar dos<br />
assuntos da APF que vieram através dos encontros em Irati. Este <strong>de</strong>sentendimento<br />
é mencionado pelos faxinalenses e pelos chacareiros. Não pu<strong>de</strong>mos entrevistar o<br />
antigo expedicionário para saber o que ele pensa sobre o assunto, mas percebemos<br />
durante a entrevista com o Chacareiro X que ele e sua família se ofen<strong>de</strong>ram com<br />
esta atitu<strong>de</strong> dos faxinalenses, e sendo eles os maiores possuidores <strong>de</strong> terras da<br />
região, <strong>de</strong>cidiram fechar suas terras e não se i<strong>de</strong>ntificar com o movimento social.<br />
Essas <strong>de</strong>savenças foram ruins para ambos os lados, pois se per<strong>de</strong>ram laços <strong>de</strong>
amiza<strong>de</strong> antigos inviabilizando as relações amistosas entre esses vizinhos, e<br />
prejudicaram os espaços <strong>de</strong> reprodução social no faxinal <strong>de</strong> forma marcante.<br />
Porém, se por um lado houve um rompimento <strong>de</strong> laços <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e a<br />
divisão reformulou o grupo, por outro lado aconteceu o fortalecimento da coesão<br />
entre os remanescentes. Havia uma gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> representação dos<br />
interesses do povo tradicional neste faxinal, e a unida<strong>de</strong> havia sido abalada nas<br />
últimas décadas em virtu<strong>de</strong> das mudanças que os chacareiros empreen<strong>de</strong>ram no<br />
local. O maior problema para os antigos moradores era a falta <strong>de</strong> conhecimento.<br />
Não sabiam essas pessoas que eram povos tradicionais, <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> territórios<br />
tradicionais. Muito menos sabiam que existiam leis e direitos que os amparavam.<br />
Assim, a partir da APF, há uma mudança sensível na maneira <strong>de</strong> perceber e lidar<br />
com os conflitos cotidianos, com a luta em prol <strong>de</strong> direitos territoriais, nas questões<br />
referentes a organização e coesão do grupo, como <strong>de</strong>stacado pelo faxinalense do<br />
Salso.<br />
Ah, mudou muita coisa. Principalmente a organização. Se se organizar o<br />
povo luta. O povo tem o conhecimento das leis e busca na Articulação<br />
Puxirão. Aí, nós po<strong>de</strong>mos chegar perante o po<strong>de</strong>r público cobrar e saber se<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, porque sem isso aí o faxinalense não tem força, não tem<br />
conhecimento. Então, pra mim, acho que é isso, cada vez mais se organizar<br />
e estar participando. Sempre participando <strong>de</strong> reuniões, <strong>de</strong> encontros e<br />
<strong>de</strong>batendo, e, então, acho que esse é o fato fundamental para o faxinalense<br />
buscar resistência. Buscar um conhecimento que vai criando as leis<br />
estaduais, as leis fe<strong>de</strong>rais, constituições fe<strong>de</strong>rais. Então, como nós não<br />
temos a lei municipal, estamos querendo buscar mais faxinais para<br />
conseguir, porque sem mais faxinais nós não vamos consegui reivindicar<br />
esta lei. (FAXINALENSE G, 2009)<br />
Dentre outras reivindicações, os faxinalenses organizados do Salso buscam o<br />
reconhecimento <strong>de</strong> seus territórios como ARESUR. A importância disto é o direito <strong>de</strong><br />
receber o recurso do ICMS Ecológico para melhoria da qualida<strong>de</strong> da área protegida<br />
no tocante a preservação ambiental. A comunida<strong>de</strong> tem conhecimento do<br />
funcionamento da lei, que <strong>de</strong>termina ser a Prefeitura a responsável por receber o<br />
recurso e aplicá-lo na comunida<strong>de</strong> da forma que achar mais conveniente, ou<br />
necessário, através <strong>de</strong> diálogos com os moradores da ARESUR. O faxinalense<br />
comenta que<br />
é um Decreto Estadual 3346 <strong>de</strong> 97 que hoje nós buscamos que seja<br />
efetivado em nossas comunida<strong>de</strong>s, em nossos territórios. E temos aí um<br />
planejamento anual que ainda não foi efetivado na nossa comunida<strong>de</strong>, mas<br />
já foi medido nosso território pela Secretaria do ITCG e a gente já tem
propostas para trabalhar anualmente o ICMS Ecológico. (LÍDER<br />
COMUNITÁRIO, 2010)<br />
Esta questão gera polêmica entre os lados opostos do faxinal do Salso, pois<br />
ela é vista pelos chacareiros como a propulsora do interesse dos moradores da<br />
comunida<strong>de</strong> em se <strong>de</strong>finirem como faxinalenses. Vejamos o seguinte relato sobre o<br />
Tavares.<br />
Teve um outro pesquisador que veio também fazer uma tese <strong>de</strong> doutorado<br />
e ele acabou ouvindo só um lado da comunida<strong>de</strong> e na verda<strong>de</strong> ele acabou<br />
<strong>de</strong>negrindo a forma como o processo foi conduzido e foi prometendo que<br />
esse pessoal iria reativar o faxinal e iria receber o ICMS ecológico em cima<br />
disso. (CHACAREIRO Y, 2010)<br />
Os chacareiros acreditam que os que fazem parte da comunida<strong>de</strong> aceitaram<br />
as propostas da APF <strong>de</strong> olho no ICMS Ecológico. Percebemos reincidência na fala<br />
<strong>de</strong> outro chacareiro.<br />
A impressão que dá é que eles acham que se oficializar um faxinal aqui eles<br />
vão receber algum tipo <strong>de</strong> verba. A realida<strong>de</strong>, na minha opinião, é essa. (...)<br />
e o ICMS Ecológico não é assim que funciona. Vai para um fundo da<br />
prefeitura e a prefeitura vai <strong>de</strong>cidir o que ela quer fazer com aquele recurso.<br />
(CHACAREIRO Z, 2010)<br />
Essa percepção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica forjada em torno <strong>de</strong> uma vantagem<br />
econômica é contraditória, pois o ator faxinalense não se mobilizou em virtu<strong>de</strong> do<br />
ICMS Ecológico, mas em razão da organização política em torno <strong>de</strong> seus direitos<br />
sobre o território. O ICMS Ecológico é um importante recurso que diz respeito aos<br />
seus direitos territoriais, mas não é a única <strong>de</strong>manda referente a eles. A<strong>de</strong>mais, a<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> faxinalense se refere a uma cultura, a um modo <strong>de</strong> vida baseado em<br />
práticas e costumes tradicionais, e também a territórios tradicionais.<br />
3.2 A IDENTIDADE ÉTNICA E O ACIRRAMENTO DOS CONFLITOS NO FAXINAL<br />
DO SALSO<br />
Sobre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica, há uma discussão presente nas falas dos moradores<br />
do Salso. Os que se i<strong>de</strong>ntificam etnicamente reconhecem que os termos faxinal e<br />
faxinalense nasceram ao mesmo tempo para eles, isto é, a partir dos primeiros<br />
contatos com a APF através do Tavares, como é possível observar na fala <strong>de</strong> um<br />
membro da comunida<strong>de</strong> quando perguntado sobre o que é um faxinal.
É o criador. Era criador para nós. Só porque agora que modificou: faxinal.<br />
Porque no criador, se eu tivesse 20 litros [<strong>de</strong> terra] e eu quisesse cercar 15,<br />
eu <strong>de</strong>ixaria só cinco no redor da casa, e eu ia me tornando um chacareiro<br />
também. Então é só essa a diferença que tem. É o criador. (FAXINALENSE<br />
D, 2009)<br />
Outro morador, este chacareiro, que resi<strong>de</strong> no Salso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001, fala sobre<br />
suas impressões quando da chegada <strong>de</strong> sua família ao Salso, reforçando a questão<br />
aqui evi<strong>de</strong>nciada.<br />
A gente notou que tinha algumas áreas aí que tinha criação em comum (...)<br />
algumas famílias que tinham algumas criações soltas lá, mas nem eles<br />
mesmos chamavam <strong>de</strong> faxinal. Tanto é que a gente tinha uma relação muito<br />
mais próxima, muito tempo atrás, e nem eles se <strong>de</strong>nominavam faxinal.<br />
(CHACAREIRO Z, 2010)<br />
Como relatado neste capítulo, os moradores da comunida<strong>de</strong> em questão<br />
tinham muitos aspectos que se <strong>de</strong>stacavam na sua prática cotidiana diferenciando-<br />
os, sem dúvida, dos <strong>de</strong>mais modos <strong>de</strong> vida. Claro que antes da APF começar a se<br />
disseminar pelos faxinais no Estado - período anterior a 2005 - e apesar <strong>de</strong> muitas<br />
outras comunida<strong>de</strong>s espalhadas pelo Paraná viverem suas vidas comunitárias <strong>de</strong><br />
modo tradicional com algumas semelhanças em relação à vida no Faxinal do Salso,<br />
o termo faxinalense ainda não existia, portanto, não po<strong>de</strong>riam assim se <strong>de</strong>nominar<br />
seus praticantes. Já discutimos isso no capítulo anterior. Os moradores dos faxinais<br />
se i<strong>de</strong>ntificavam como criadores, como camponeses, agricultores, <strong>de</strong>ntre outras<br />
representações e, embora soubessem que tinham práticas distintivas em relação ao<br />
restante da socieda<strong>de</strong>, muitos nem pensavam em se diferenciar através <strong>de</strong> um<br />
termo que os categorizasse <strong>de</strong> acordo com suas práticas. Mas, também, é<br />
importante notar que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que conheceram os termos faxinal e faxinalense os<br />
moradores da comunida<strong>de</strong> assumiram a i<strong>de</strong>ntificação com eles. Deste modo,<br />
consi<strong>de</strong>ram-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, moradores <strong>de</strong> faxinal, faxinalenses. E só o fazem<br />
porque suas práticas e atos lhes possibilitam i<strong>de</strong>ntificar <strong>de</strong>sta forma.<br />
Outro chacareiro, historiador, técnico da EMATER e especialista em<br />
agroecologia diz que<br />
Na verda<strong>de</strong> aqui existia ao longo dos anos uma coisa que não era um<br />
faxinal <strong>de</strong>ntro das normas que estabelecem um faxinal, porque até faxinal<br />
tem normas (...) e isso já estava num processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência, assim como<br />
todos os outros faxinais estão num processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência (CHACAREIRO<br />
Y, 2010)
Embora as normas relacionadas às comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> faxinais sejam, na<br />
maioria dos casos e principalmente, as que limitam territórios, como a existência <strong>de</strong><br />
cercas em volta das casas e das terras <strong>de</strong> planta - o que permite um espaço maior<br />
para a criação <strong>de</strong> animais a solta - a fala acima po<strong>de</strong> corroborar com questões já<br />
discutidas neste trabalho. Percebemos que além da representação que o chacareiro<br />
faz sobre o faxinalense ser estereotipada - possivelmente pela disseminação das<br />
características atribuídas ao modo <strong>de</strong> vida típico dos faxinais <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as obras<br />
clássicas sobre o tema, inclusive o fatalismo <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>saparecimento - há,<br />
certamente, um <strong>de</strong>scompasso entre a idéia que se faz do faxinalense do Salso e a<br />
linha <strong>de</strong> pesquisa atual. Segundo Almeida (2009), nos últimos anos, as<br />
características mais marcantes entre os povos dos faxinais tem sido a consolidação<br />
<strong>de</strong> categorias <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>finição, mobilização e organizações políticas em torno <strong>de</strong><br />
seus direitos territoriais. Parece que esta característica não chegou ao conhecimento<br />
dos pelos chacareiros, por isso vemos a <strong>de</strong>ficiência da <strong>de</strong>finição do que é um faxinal<br />
na fala do Chacareiro Y.<br />
Ainda neste sentido, o Chacareiro Z acredita que os faxinalenses não são<br />
agricultores e que há poucos criadores entre eles. Os moradores da comunida<strong>de</strong> ou<br />
são aposentados e, portanto, têm uma renda fixa, ou são jovens que trabalham, em<br />
sua maioria, longe das roças - normalmente como empregados fora do Salso e fora<br />
da área <strong>de</strong> atuação que ele admite como eminentemente faxinalense. Vejamos<br />
conhecendo um pouco da divisão fundiária aí, da comunida<strong>de</strong>, acho que as<br />
pessoas que estão mais a frente são as que menos tem direito, são as que<br />
menos <strong>de</strong>têm áreas (...) e nem criação a maioria <strong>de</strong>les tem. Já que o<br />
objetivo principal <strong>de</strong> um faxinal é a criação em comum, acho que não é o<br />
viés que eles <strong>de</strong>veriam escolher, porque a maioria não tem criação e a<br />
maioria tem pequenas áreas. Segundo o movimento, ele prega esta questão<br />
da agricultura, que são povos agrícolas, povos que cultivam. Conheci uma<br />
só família que tinha uma pequena área <strong>de</strong> agricultura lá no outro lado da<br />
comunida<strong>de</strong>, lá no pangaré (...) é arrendado, uma areazinha pequena lá <strong>de</strong><br />
um hectare <strong>de</strong> milho (...) faz muito tempo que eu não vejo eles subindo mais<br />
pra cultivar nada lá. (CHACAREIRO Z, 2010)<br />
Este <strong>de</strong>poimento revela duas questões importantes, além da representação<br />
esteriotipada referente aos faxinalenses como aquela feita pelo Chacareiro Y. Em<br />
primeiro lugar, po<strong>de</strong>mos observar que esta errônea representação que o chacareiro,<br />
em geral, faz <strong>de</strong>sse povo tradicional gera uma resposta equivocada por parte dos<br />
faxinalenses. O chacareiro pressupõe que o faxinalense só po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificado<br />
como tal se possuir área <strong>de</strong> lavoura e criação a solta. Parece que os chacareiros
criaram em seu imaginário um estereótipo <strong>de</strong> faxinalense ao qual este não se<br />
encaixa por completo. Esse é um gran<strong>de</strong> motivo <strong>de</strong> confusão nas relações entre<br />
ambos os lados, pois o faxinalense tenta respon<strong>de</strong>r a tal representação aumentando<br />
gradativamente, embora em pouquíssima quantida<strong>de</strong>, o número <strong>de</strong> criadores e<br />
criação na comunida<strong>de</strong>, extrapolando, inclusive, os limites físicos <strong>de</strong> recursos<br />
naturais da terra. Desta forma, os que antes não tinham animais, agora, incentivados<br />
pela expectativa que vem <strong>de</strong> fora e pela reinvenção das práticas que vem <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro<br />
da comunida<strong>de</strong>, passam a criar nem que seja uma porca.<br />
Como exemplo, po<strong>de</strong>mos dizer que numa das visitas que fizemos ao Salso,<br />
conversamos com o faxinalense Osmar, filho do seu Luiz (ex-faxinalense) que mora<br />
num quintal cedido pelo pai. Em conversa informal, numa visita para um chimarrão,<br />
ele nos contou muito animado que pela primeira vez passava a ser criador, pois seu<br />
tio Ivan (o lí<strong>de</strong>r da comunida<strong>de</strong>) havia lhe dado uma leitoa. Ela era a primeira <strong>de</strong><br />
uma criação que prometia se multiplicar, pois a leitoa, logo que chegasse a ida<strong>de</strong><br />
certa, pegaria cria para alguns leitões, e isso se repetiria por várias vezes.<br />
Com isto, po<strong>de</strong>mos perceber que até os faxinalenses almejam o status <strong>de</strong><br />
criadores, mesmo que a realida<strong>de</strong> ambiental não lhes permita ampliar o contingente<br />
<strong>de</strong> animais.<br />
Também é preciso dizer que é plenamente possível existir uma comunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> faxinal sem que todos os que façam parte <strong>de</strong>la sejam criadores. Há outras<br />
questões que os <strong>de</strong>finem como faxinalenses, e que não é necessariamente a<br />
obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> que cada um viva exatamente igual ao outro. Diante disso,<br />
parece necessário uma tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> que suas características <strong>de</strong> povo<br />
tradicional não os obrigam a uma homogeneida<strong>de</strong> - como a produção em série <strong>de</strong><br />
algum produto <strong>de</strong> fábrica - mas precisam admitir que haja heterogeneida<strong>de</strong> entre<br />
eles, muito embora haja traços marcantes que os aproxima. Esta heterogeneida<strong>de</strong><br />
também po<strong>de</strong> ser entendida como resultado das transformações <strong>de</strong>ntro do faxinal,<br />
pois, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a chegada dos chacareiros e do encurtamento dos espaços <strong>de</strong><br />
reprodução social é perceptível, a partir dos <strong>de</strong>poimentos dos faxinalenses, que<br />
muitos dos moradores tradicionais com maior freqüência precisaram procurar<br />
emprego fora da comunida<strong>de</strong>. Sendo assim, por exemplo, alguns <strong>de</strong> seus<br />
moradores que trabalham fora do município a uma distância que inviabiliza a volta<br />
ao faxinal senão periodicamente, e que retornam à comunida<strong>de</strong> no final <strong>de</strong> semana
ou a cada 15 dias, não vivem um modo <strong>de</strong> vida igual aos que estão todos os dias<br />
por lá. É possível que ele nem possa ter criação, pois não tem as mesmas<br />
condições, e talvez não tenha o mesmo interesse que outro morador que está<br />
presente na comunida<strong>de</strong> diariamente. Desta forma, é inegável que haja<br />
heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do grupo, o que não <strong>de</strong>slegitima a etnicida<strong>de</strong> entre eles.<br />
Quando assumirem a irrelevância da i<strong>de</strong>alização da homogeneida<strong>de</strong> sobre eles e<br />
entre eles, po<strong>de</strong>rão procurar uma melhor administração da superpopulação <strong>de</strong><br />
animais enquanto a questão da territorialida<strong>de</strong> não for resolvida em seu favor.<br />
Também se representarão com mais eficiência e segurança diante dos antagonistas,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do que se espera <strong>de</strong>les.<br />
Em segundo lugar, há também na fala do Chacareiro Z uma contradição com<br />
a realida<strong>de</strong>, pois ele afirma que até pouco tempo quase ninguém tinha horta na<br />
comunida<strong>de</strong>. Porém, até on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>mos observar entre os faxinalenses do Salso,<br />
não existem casas que não tenham horta, pois ela é importante para a subsistência<br />
das famílias. Além disso, todos os entrevistados disseram que jamais abriram mão<br />
<strong>de</strong>las. Perguntamos a uma moradora do Salso: sem horta vocês conseguiriam viver?<br />
Sem horta não dá. A horta é uma ajuda muito importante. Tudo tem que ter<br />
essa horta. Aqui é longe <strong>de</strong> comércio, e como é que vai comprar uma<br />
verdura? Apesar <strong>de</strong> que agora tem os ven<strong>de</strong>dores que vem até a casa,<br />
mas, a gente também só comprar é mais gasto. Se a gente tem uma terra<br />
aí, por que não plantar um pouco, né. (FAXINALENSE A, 2009)<br />
As duas últimas falas acima revelam que os conflitos da região na atualida<strong>de</strong><br />
variam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o problema da territorialização até o dos discursos. Há muita<br />
contradição entre o que dizem as partes sobre muitos assuntos. Apesar disso, tanto<br />
faxinalenses quanto chacareiros acreditam que antes da APF não existiam conflitos.<br />
Isso po<strong>de</strong> ser percebido na fala a seguir.<br />
Conflito foi <strong>de</strong> pouco tempo que começou. Foi meio <strong>de</strong>pois [da APF]. Antes<br />
não havia esses conflitos. Quando os chacareiros vinham, cercavam e<br />
pronto. Nós achávamos ruim, mas não conhecíamos direito nenhum (...)<br />
Nunca ninguém ia falar, pois não adiantava ir falar. Só <strong>de</strong> boca eles (...)<br />
nem iriam escutar. Eles diriam: não, mas eu comprei aqui e faço o que<br />
quero (...) daí, se pren<strong>de</strong>ssem [o animal] e eles avisassem, vinham para<br />
cobrar o dano (...) Mas, isso não era motivo <strong>de</strong> briga. Ninguém encrencava<br />
por aí por causa disso. (FAXINALENSE A, 2009)
Concordando com a fala da entrevistada acima, a mesma impressão tem o<br />
Chacareiro Z sobre a questão, quando diz que “comparando o antes da chegada<br />
<strong>de</strong>ssa idéia [APF], a comunida<strong>de</strong> era muito mais harmoniosa.” (2010)<br />
Ora, a fala da faxinalense revela que havia certa passivida<strong>de</strong> dos moradores<br />
da comunida<strong>de</strong> em relação às atitu<strong>de</strong>s dos chacareiros. Eles não reclamavam e não<br />
exploravam os conflitos latentes <strong>de</strong> modo a <strong>de</strong>ixar evi<strong>de</strong>nte o que queriam. Tal<br />
atitu<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser entendida como reflexo da falta <strong>de</strong> coesão do grupo, da ausência<br />
<strong>de</strong> uma organização que os dirigisse no sentido do atendimento <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>mandas<br />
referentes a administração dos espaços territoriais em que viviam, da falta <strong>de</strong> ciência<br />
no que tange as leis . Também, é possível perceber que embora houvesse conflitos<br />
concretos - pois o <strong>de</strong>scontentamento era sentido entre os membros da comunida<strong>de</strong><br />
e é possível que os faxinalenses entre si se queixassem uns aos outros<br />
manifestando suas opiniões contrárias as dos chacareiros e <strong>de</strong>sagradadas com o<br />
que estava acontecendo <strong>de</strong>ntro do Faxinal - não há o reconhecimento da maioria<br />
sobre a existência <strong>de</strong>stes conflitos, pois parece que para muitos moradores esta<br />
palavra é sinônimo <strong>de</strong> brigas, <strong>de</strong>savenças e discussões diretas. É a falta <strong>de</strong>sses<br />
tipos <strong>de</strong> interações conflitantes que gera nos moradores do Faxinal do Salso tal<br />
sentimento. Os chacareiros, como não estavam sendo incomodados pelas vozes e<br />
ações do povo tradicional, não percebiam que existiam pendências além da invasão<br />
dos animais em seus territórios, sempre resolvidos à vossa maneira. No entanto, a<br />
simples oposição já comprova a existência dos conflitos, que mesmo que não<br />
fossem aparentes eram latentes. Vejamos a fala a seguir.<br />
Já existia [conflito], mas nós não sabíamos nos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, nós não tínhamos<br />
conhecimento das legislações que nos amparam (...) quando chegou ao<br />
nosso conhecimento o movimento [social], a Articulação Puxirão dos Povos<br />
Faxinalense, nós já estávamos sofrendo muitos conflitos pelos chacareiros<br />
estarem comprando terras [e] fazendo <strong>de</strong>ntro do nosso território áreas <strong>de</strong><br />
lazer, individualizando a terra quando era para uso comum <strong>de</strong> todos,<br />
<strong>de</strong>smatando, ou seja, <strong>de</strong>scaracterizando o nosso modo <strong>de</strong> vida. (LÍDER<br />
COMUNITÁRIO, 2010)<br />
Com isto, percebemos que a presença da Articulação Puxirão na região<br />
trouxe conscientização dos direitos aos moradores tradicionais do Faxinal do Salso,<br />
principalmente no que se refere ao território, como observado na fala abaixo.<br />
se não tivessem essas lei, daqui a pouco nossa frente aí estava cercada.<br />
Daí, nós iríamos ficar mais esmagado ainda. (...) Se nós não<br />
conhecêssemos as lei, daqui a pouco eles fariam cercas, fariam mata-
urros e nós estávamos quietinho, e os animais iriam per<strong>de</strong>r mais espaço.<br />
(FAXINALENSE A, 2009)<br />
O mesmo reconhecimento vem <strong>de</strong> alguns moradores que não compartilham<br />
da mesma comunhão étnica. É o que diz o chacareiro quando perguntado se ele<br />
acha que a APF trouxe algum avanço para a comunida<strong>de</strong>.<br />
Acho, claro. Acho que sim. As pessoas acabaram se <strong>de</strong>senvolvendo <strong>de</strong><br />
uma certa forma. (...) A gente vê o quanto esses movimentos acabam<br />
enriquecendo e engran<strong>de</strong>cendo as pessoas do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong><br />
informação, <strong>de</strong> conhecimento, e tudo o mais. E com certeza eles também<br />
estão tendo aqui, mas o que eu não concordo muito é com a forma que eles<br />
fazem essa coisa aqui na comunida<strong>de</strong>. (CHACAREIRO Z, 2010)<br />
As novas <strong>de</strong>finições i<strong>de</strong>ntitárias também evi<strong>de</strong>nciaram os conflitos com os<br />
vizinhos que se sentiram ameaçados pelas novas configurações que o grupo foi<br />
tomando através <strong>de</strong> seus posicionamentos em relação ao espaço, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a APF<br />
passou a ser organizado também conforme as necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> um<br />
grupo que até então não tinha voz ativa, pois, dispersos como criadores comuns não<br />
mobilizados não conseguiam elaborar uma <strong>de</strong>manda efetiva que mudasse a<br />
situação adversa e, portanto, não eram ouvidos. E, não resta dúvida, como<br />
mencionado, <strong>de</strong> que o movimento social no Faxinal evi<strong>de</strong>nciou um conflito que<br />
estava parcialmente oculto, conforme a fala abaixo.<br />
Acirrou [o conflito] porque nós ganhamos forças, conhecimentos dos nossos<br />
direitos, e aí buscamos os nossos direitos. Aqueles que começaram a não<br />
nos respeitar, os chacareiros aí também, <strong>de</strong>ram lugar a um combate, mas,<br />
sem muito ganho porque não tem legislação que os ampare. A única lei que<br />
eles tratam é a lei da proprieda<strong>de</strong> privada, mas nós, os nossos<br />
antepassados, somos muito antes da lei da proprieda<strong>de</strong> privada. Aí, do uso<br />
comum da terra, são mais <strong>de</strong> 200 anos. (LÍDER COMUNITÁRIO, 2010)<br />
Para Souza (2009), nos faxinais a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica manifestada também é<br />
reforçada através dos conflitos na relação com os antagonistas, o que aguça o<br />
sentido <strong>de</strong> pertença ao grupo e o reconhecimento <strong>de</strong> uma apropriação específica<br />
dos recursos naturais.<br />
Subjetivamente, as expressões i<strong>de</strong>ntitárias <strong>de</strong> pertencimento a um faxinal,<br />
ou seja, a uma modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uso e apropriação dos recursos naturais,<br />
<strong>de</strong>terminada pelo uso comum, informam distintas expressões territoriais <strong>de</strong><br />
um mesmo agente social que se articula visando o acesso aos recursos<br />
naturais para o exercício <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s produtivas, sociais, culturais e<br />
ambientais, consoante um certo grau <strong>de</strong> coesão e solidarieda<strong>de</strong> obtido face<br />
a antagonistas num cenário <strong>de</strong> conflitos e tensões que historicamente<br />
impelem os faxinais e seus agentes sociais a estágios diferenciados <strong>de</strong>
territorialização e por ora não se resumem a uma forma única e estática <strong>de</strong><br />
modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uso comum da terra <strong>de</strong>scrita pela literatura. (2009, p. 51)<br />
O conhecimento das leis levou ao acirramento dos conflitos e, por<br />
conseguinte, os faxinalenses passaram a ser ouvidos, conseguindo em muitos casos<br />
impor suas <strong>de</strong>mandas. Antes, a construção <strong>de</strong> cercas e porteiras fora do perímetro<br />
permitido era comum, bem como a construção <strong>de</strong> mata-burros, que é outra forma <strong>de</strong><br />
limitar o espaço <strong>de</strong> pastagens dos animais. Não são os chacareiros responsáveis<br />
pela construção <strong>de</strong> todos os mata-burros, pois os faxinalenses também <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m<br />
<strong>de</strong>les para limitar a passagem <strong>de</strong> seus animais, mas aqueles faziam essas<br />
construções fora do perímetro admitido por estes. Atualmente, várias divergências<br />
tomaram novo rumo em virtu<strong>de</strong> das leis. Sobre um conflito referente à construção <strong>de</strong><br />
uma cerca que infringia a lei, o faxinalense disse:<br />
Ali foi <strong>de</strong>rrubado, porque ele [um chacareiro] chegou bancando o jacu<br />
rabudo, trazendo tormento e montando a cerca não comunhando com<br />
ninguém. Mas, urinou no calcanhar, porque não teve voz ativa quando a<br />
polícia chegou. (...) E não teve quem falasse grosso com a gente, porque<br />
aqui é uma comunida<strong>de</strong> que manda, não é o prefeito. (FAXINALENSE D,<br />
2009. sic)<br />
O conhecimento das leis, a consciência da comunhão étnica, a organização<br />
em movimento social, todas estas coisas incidiram sobre a coesão do grupo,<br />
alterando as relações sociais no Faxinal do Salso e no município, pois, inclusive com<br />
o po<strong>de</strong>r público as relações sofreram mudanças.<br />
3.3 - O DEBATE ACERCA DA SAÚDE, MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE<br />
As questões da saú<strong>de</strong> do povo e da <strong>de</strong>gradação do meio ambiente têm sido<br />
os principais argumentos dos entrevistados não faxinalenses contra a continuação<br />
dos criadores em Quitandinha. Há, no município, várias comunida<strong>de</strong>s que vivem<br />
com criação extensiva <strong>de</strong> animais, mas, apenas no Faxinal do Salso o povo assumiu<br />
a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica faxinalense pelo auto-reconhecimento. As <strong>de</strong>mais têm sofrido<br />
com a pressão dos chacareiros para seu encerramento, e a falta <strong>de</strong> coesão e<br />
organização dos grupos, além da falta <strong>de</strong> conhecimento referente às leis, tem<br />
tornado cada vez mais precária a continuação do modo <strong>de</strong> vida tradicional nessas<br />
comunida<strong>de</strong>s. Algumas já foram <strong>de</strong>sativadas e outras ainda persistem, mas há cada<br />
vez mais dificulda<strong>de</strong>s para a permanência <strong>de</strong>las.
As Secretarias municipais da Saú<strong>de</strong> e da Agricultura e Meio Ambiente,<br />
dirigidas por Jaqueline Ribas e Norlon Paulo Gabardo, respectivamente, são as que<br />
se envolvem com essas questões nos faxinais, cada qual em sua especialida<strong>de</strong>. Os<br />
secretários, quando solicitados por alguma região em que há divergência entre seus<br />
moradores por causa dos animais a solta, dão palestras buscando esclarecer aquilo<br />
que do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong>stas secretarias é o melhor para a saú<strong>de</strong>, agricultura e meio<br />
ambiente no município. Segundo Jaqueline Ribas<br />
Nós, da secretaria da Saú<strong>de</strong>, vamos à comunida<strong>de</strong> não para dizer façam ou<br />
não façam, está certo ou está errado, porque essa não é nossa função. Nós<br />
vamos para levar informações acerca <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública, on<strong>de</strong> nossa<br />
preocupação é com relação à contaminação por conta <strong>de</strong> fezes <strong>de</strong> animais<br />
ou <strong>de</strong> como é trabalhado essa questão <strong>de</strong>ntro do faxinal, se há cercas nas<br />
hortas, enten<strong>de</strong>? Pra que não haja uma contaminação pelas fezes para os<br />
moradores da comunida<strong>de</strong>. (2010)<br />
Sobre a contaminação <strong>de</strong> rios e a transmissão <strong>de</strong> doenças por meio dos<br />
animais, Jaqueline acrescenta que gatos, ratos, cães, <strong>de</strong>ntre outros, também<br />
transmitem verminose pelas fezes, portanto, o gado a solta apenas soma ao<br />
contingente <strong>de</strong> bichos que po<strong>de</strong>m transmitir doenças. A carne do porco e a água<br />
contaminada não são os únicos que acarretam possíveis males à saú<strong>de</strong>, pois a<br />
próprio alimento da terra, quando não lavado corretamente, po<strong>de</strong> gerar doenças em<br />
virtu<strong>de</strong> das fezes dos animais.<br />
Norlon Paulo Gabardo não quis gravar entrevista. Entretanto, ele diz que<br />
apesar <strong>de</strong> não ser a favor da continuida<strong>de</strong> dos faxinais pelos inúmeros conflitos que<br />
existem no município por conta <strong>de</strong>ste modo <strong>de</strong> vida, sabe que as leis são a favor dos<br />
faxinalenses, e ele, como funcionário, <strong>de</strong>ve respeitar a lei in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da sua<br />
opinião. Contudo, acredita que a criação a solta é prejudicial, pois os animais urinam<br />
e <strong>de</strong>fecam nos rios, causando riscos à saú<strong>de</strong>, e a<strong>de</strong>mais, o gado pisoteia ou come<br />
as novas mudas impedindo a renovação <strong>de</strong> espécies florestais, o que é prejudicial<br />
ao meio ambiente.<br />
Loir Esconiscki, presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos Vereadores <strong>de</strong> Quitandinha, ex-<br />
faxinalense, corrobora com os discurso dos secretários quando diz que<br />
Eu sei que existe a lei dos faxinalenses. (...) Por um lado nós temos muitas<br />
famílias no nosso município que são <strong>de</strong> pequenas posses. Elas não têm<br />
on<strong>de</strong> por o porco, o cabrito, o cavalo, a vaca <strong>de</strong>les. Então eles <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m<br />
<strong>de</strong> terreno <strong>de</strong> outros vizinhos que estejam em aberto para essa (...) criação<br />
po<strong>de</strong>r ter o pasto. Mas, por outro lado, já que eu sou funcionário da saú<strong>de</strong>, e<br />
isso posso te falar <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ira, é um pouco complicado porque o porco é<br />
uma vítima da neurocisticercose. E se nós formos fazer um levantamento
hoje, em nível <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, aon<strong>de</strong> existe o criadouro nós temos vários casos<br />
<strong>de</strong> epilepsia. Algum caso diagnosticado, outro po<strong>de</strong> ser que ainda não.<br />
(2009)<br />
Mas parte <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>poimento contradiz a fala da secretária da saú<strong>de</strong>.<br />
Nós não temos nenhum levantamento feito com relação à contaminação em<br />
faxinais. Nós só vamos para orientar o que po<strong>de</strong> acontecer <strong>de</strong> uma forma<br />
geral. [Falamos sobre] a contaminação <strong>de</strong> seres humanos por fezes <strong>de</strong><br />
animas, quais são as doenças que são transmitidas (...) [como] a hepatite,<br />
que po<strong>de</strong> ser por conta da água contaminada, pois o animal po<strong>de</strong> <strong>de</strong>fecar<br />
na água. Tem a leptospirose (...) várias doenças que a gente relata para<br />
comunida<strong>de</strong> para a prevenção. (RIBAS, 2010)<br />
A preocupação em relação à saú<strong>de</strong> e ao meio ambiente, por um lado, está<br />
limitada ao animal dos faxinalenses a solta pelos motivos já explicitados, e pela<br />
<strong>de</strong>gradação do meio ambiente por causa da forma extensiva da criação animal. No<br />
entanto, em nenhum dos entrevistados não faxinalenses vemos a preocupação com<br />
agrotóxicos, largamente utilizados pelos agricultores na região e que são, <strong>de</strong> modo<br />
inconteste, muito mais prejudiciais ao ser humano e à natureza. Há conhecimentos<br />
mais ou menos esperados e administráveis sobre a convivência <strong>de</strong> animais e seres<br />
humanos no mesmo espaço, haja vista que isso acontece <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o surgimento dos<br />
seres humanos no mundo. No entanto, há poucos conhecimentos sobre as<br />
consequências da convivência entre estes e agrotóxicos, ou entre o contato da<br />
natureza física e esses componentes químicos. No site da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
Rural do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UFRRJ), há algumas informações sobre as doenças e<br />
aci<strong>de</strong>ntes que po<strong>de</strong>m ser provocados por agrotóxicos. Vejamos.<br />
De acordo com a Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> - OMS, as intoxicações<br />
agudas por agrotóxicos são da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 3 milhões anuais, com 2,1 milhões<br />
<strong>de</strong> casos só nos países em <strong>de</strong>senvolvimento. O número <strong>de</strong> mortes atinge<br />
20.000 em todo o mundo, com 14 mil nas nações do terceiro mundo. Mas,<br />
acreditam os especialistas, as estatísticas reais <strong>de</strong>vem ser ainda maiores<br />
<strong>de</strong>vido à falta <strong>de</strong> documentação a respeito das intoxicações subagudas,<br />
causadas por exposição mo<strong>de</strong>rada ou pequena a produtos <strong>de</strong> alta<br />
toxicida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> aparecimento lento e sintomatologia subjetiva, e intoxicações<br />
crônicas, que requerem meses ou anos <strong>de</strong> exposição, e tardiamente<br />
revelam danos como neoplasias. 14<br />
Apesar disso, quando entrevistamos os secretários locais e o vereador,<br />
observamos uma louvável preocupação e cuidado da Prefeitura Municipal <strong>de</strong><br />
Quitandinha referente à água que a população utiliza. Era costume, até poucos<br />
14 Disponível em http://www.ufrrj.br/institutos/it/<strong>de</strong>/aci<strong>de</strong>ntes/vene3.htm, em 1/12/2010.
anos, que os moradores das zonas rurais fizessem uso das águas <strong>de</strong> rios e arroios,<br />
pois não tinham acesso ao fornecimento padrão da Sanepar, como acontece com o<br />
centro da cida<strong>de</strong>. Segundo a secretária da saú<strong>de</strong> entrevistada, Ribas (2010), há<br />
alguns anos um surto <strong>de</strong> hepatite <strong>de</strong>ixou em alerta os técnicos da Saú<strong>de</strong>, que<br />
acreditam que o motivo da disseminação da doença tenha sido o uso das águas<br />
sem o <strong>de</strong>vido tratamento, águas que ficam expostas, inclusive, às fezes dos animais.<br />
A prefeitura, então, elaborou um projeto aprovado pela Sanepar e, com recursos<br />
próprios, investiu na construção <strong>de</strong> sistemas alternativos <strong>de</strong> águas para aten<strong>de</strong>r as<br />
comunida<strong>de</strong>s que não tinham o serviço padrão prestado pela empresa estatal.<br />
Nem todos os moradores do Salso usam o sistema alternativo <strong>de</strong> águas.<br />
Perguntamos aos faxinalenses se havia problemas <strong>de</strong> doenças por causa do animal<br />
a solta, ou por meio da contaminação das águas, e foi unânime a resposta:<br />
nenhuma <strong>de</strong>ssas doenças aconteceu a ninguém dos faxinalenses do Salso. É o que<br />
diz o faxinalense.<br />
Pelo contrário, nós somos um povo que pouco visita o posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Pra<br />
você ter uma idéia nós temos aí vizinhos e parentes que já chegaram a uma<br />
ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 103 anos. Foi o caso do Alípio, que foi um tio meu. Ele viveu<br />
tomando água do rio, andando <strong>de</strong> pé no chão, comendo carne <strong>de</strong> porco<br />
crioulo, e tomando banho nesse rio. Nunca a gente soube que esse homem<br />
tivesse qualquer tipo <strong>de</strong> doença que precisasse ir e vir dos postos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />
(2010)<br />
Permeia, portanto, as falas dos entrevistados que não são faxinalenses as<br />
questões da saú<strong>de</strong>, meio ambiente e sustentabilida<strong>de</strong>, como <strong>de</strong>stacados até aqui.<br />
As críticas à permanência da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Faxinal com animais a solta po<strong>de</strong> ser<br />
resumida na fala do chacareiro.<br />
Eu sou neto <strong>de</strong> criadores <strong>de</strong> sistemas extensivos numa época, num período<br />
<strong>de</strong> quarenta anos atrás, aon<strong>de</strong> o que existia? Uma baixa <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong><br />
populacional no meio rural, uma alta <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> frutas nativas e <strong>de</strong><br />
alimentos pros animais e também uma baixa <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> população <strong>de</strong><br />
animais. (...) o que está acontecendo hoje aqui? Alta população <strong>de</strong> pessoas<br />
morando na comunida<strong>de</strong>, alta população <strong>de</strong> animais, quer dizer, o aspecto<br />
sanitário... Não existe preservação ambiental porque esses animais ficam<br />
(...) <strong>de</strong>gradando nascentes, fazendo as necessida<strong>de</strong>s nas nascentes (...).<br />
Eu tenho um outro colega [Chacareiro Z] que mora ha uns 800 metros<br />
daqui, também é técnico da EMATER, é biólogo, e ele fez a pós-graduação<br />
<strong>de</strong>le. A monografia que ele fez foi em cima, justamente, da recuperação <strong>de</strong><br />
algumas espécies nativas aqui, <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong> do Salso, on<strong>de</strong> ele<br />
constatou que, em função da criação <strong>de</strong> animal solto, algumas espécies não<br />
estavam tendo recuperação natural nenhuma. Zero. Então, quer dizer,<br />
morreram as árvores velhas, acabou-se. (CHACAREIRO Y, 2010)
É possível observar, levando em consi<strong>de</strong>ração a fala acima, um <strong>de</strong>sequilíbrio<br />
ambiental na região pelo aumento da população, mas não concordamos com a i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> precarização do meio ambiente pelo aumento da criação a solta da forma como<br />
foi dita. O chacareiro Z, quando entrevistado, disse que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que chegou ao<br />
Faxinal do Salso, há <strong>de</strong>z anos, não percebeu que tenha aumentado<br />
significativamente o número <strong>de</strong> criações na comunida<strong>de</strong>. O que acontece é que os<br />
espaços <strong>de</strong> reprodução animal foram encurtados com a chegada dos chacareiros<br />
que impuseram seus limites espaciais em meio a um território tradicional que há<br />
séculos mantêm as criações livres. Então, as condições necessárias para a<br />
manutenção do modo <strong>de</strong> vida tradicional foram prejudicadas por fatores externos a<br />
comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Faxinal e não internos. Com isso, é necessário relativizar as<br />
questões da saú<strong>de</strong> e do meio ambiente na comunida<strong>de</strong> pensando que elas existem<br />
por causa <strong>de</strong> uma combinação <strong>de</strong> fatores: o aumento populacional em virtu<strong>de</strong> da<br />
reprodução natural das famílias e da chegada <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> fora da comunida<strong>de</strong>, e<br />
a diminuição dos espaços <strong>de</strong> reprodução social por causa da instalação <strong>de</strong><br />
chacareiros no Faxinal do Salso.<br />
Em campo, também, observamos a renovação <strong>de</strong> algumas espécies <strong>de</strong><br />
plantas na comunida<strong>de</strong> em questão, mas parece haver certa concordância entre as<br />
partes sobre a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> regeneração da mata. O Lí<strong>de</strong>r Comunitário diz que a<br />
mata “ainda se renova, mas não como nós gostaríamos <strong>de</strong> ver: um território muito<br />
bem potencializado pela diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> árvores frutíferas <strong>de</strong>ntro do nosso território”<br />
(2010).<br />
Mencionamos no capítulo anterior o Decreto n. 6040, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />
2007 que se refere a instituição da Política Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />
Sustentável dos Povos e Comunida<strong>de</strong>s Tradicionais (PNPCT), que no Art. 3º <strong>de</strong>fine<br />
algumas questões, <strong>de</strong>ntre elas o que se enten<strong>de</strong> por <strong>de</strong>senvolvimento sustentável.<br />
Para o Estado é “o uso equilibrado dos recursos naturais, voltado para a melhoria da<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida da presente geração, garantindo as mesmas possibilida<strong>de</strong>s para<br />
as gerações futuras”. (BRASIL, 2007).<br />
Deste modo, é possível, sem uma análise mais profunda dos fatos, concluir<br />
que o Faxinal do Salso não tem atendido a esse quesito. É o que pensam os<br />
entrevistados que não são faxinalenses. Entretanto, apesar <strong>de</strong>ssas críticas, os<br />
moradores da comunida<strong>de</strong> acreditam que seu modo <strong>de</strong> vida tem sido prejudicado
pelo que discutimos nas linhas acima, ou seja, pelo encurtamento dos espaços <strong>de</strong><br />
reprodução social que engendra o <strong>de</strong>sequilíbrio ambiental. Foi-nos contado que<br />
antes da chegada dos chacareiros cada criador tinha espaço mais que suficiente<br />
para a criação <strong>de</strong> animais, e embora hoje vivam em um número maior <strong>de</strong> famílias<br />
num espaço muitíssimo menor, acreditam que o i<strong>de</strong>al é que cada família tivesse pelo<br />
menos 20 alqueires <strong>de</strong> terra para a criação para equiparar as condições que tiveram<br />
outrora, guardando ainda as <strong>de</strong>vidas proporções do aumento populacional. A crítica<br />
e <strong>de</strong>fesa dos faxinalenses po<strong>de</strong>m ser resumidas na fala do Lí<strong>de</strong>r Comunitário.<br />
Eles não conhecem a nossa realida<strong>de</strong>, não sabem nem mesmo o quanto <strong>de</strong><br />
terra cada família precisa para se <strong>de</strong>senvolver <strong>de</strong>ntro do território<br />
faxinalense, nem mesmo quanto <strong>de</strong> terra <strong>de</strong> planta cada faxinalense<br />
precisa, então, não sabem da realida<strong>de</strong> que nós temos, da pouca terra pra<br />
<strong>de</strong>senvolver uma vida sustentável <strong>de</strong>ntro do território faxinalense e com as<br />
terras <strong>de</strong> planta também. (...) Eles fazem olhares pelo sistema dominante<br />
que nós vivemos hoje, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s empresas, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s quadros urbanos,<br />
e dizem pra nós que vivemos um sistema atrasado. Mas, o que é esse<br />
sistema atrasado pra eles? Quem causou esse atraso em nós? Foi a própria<br />
política que não trouxe uma educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, não construiu nenhuma<br />
escola técnica voltada a nós do campo. (...) Mas, nós não somos um povo<br />
atrasado. Nós somos um povo muito inteligente. (...) O que precisa pra nós<br />
é que funcione uma política específica <strong>de</strong> territórios, <strong>de</strong> modo <strong>de</strong> vida, pra<br />
nós <strong>de</strong>senvolvermos a nossa cultura. Não precisa <strong>de</strong>struir essa natureza<br />
linda, cheia <strong>de</strong> árvores, cheia <strong>de</strong> rios pra dizer que somos adiantados. (...) É<br />
só respeitar que somos cidadãos, seres humanos normais iguais a eles. O<br />
que precisa é <strong>de</strong> uma oportunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> fortalecimento, e<br />
uma educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> pro nosso povo. Educação profissional pro<br />
nosso povo. Nós também temos capacida<strong>de</strong>s iguais às <strong>de</strong>les. (2010)<br />
A PNPCT, no Art. 3º, <strong>de</strong>fine também territórios tradicionais como sendo “os<br />
espaços necessários (grifo meu) a reprodução cultural, social e econômica dos<br />
povos e comunida<strong>de</strong>s tradicionais” (BRASIL, 2007).<br />
Sendo assim, a gran<strong>de</strong> questão a ser observada e trabalhada no Faxinal do<br />
Salso não é apenas a da saú<strong>de</strong> ou da sustentabilida<strong>de</strong>, tão criticada pelos<br />
antagonistas dos faxinalenses, pois ela nunca será i<strong>de</strong>al enquanto a territorialida<strong>de</strong><br />
não for i<strong>de</strong>al. A gran<strong>de</strong> questão é a do território tradicional. Então, é necessário que<br />
as autorida<strong>de</strong>s busquem providências cabíveis para que a lei fe<strong>de</strong>ral seja cumprida.<br />
A situação no Faxinal do Salso ten<strong>de</strong> a se agravar tanto em aspectos ambientais e<br />
<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública quanto em relações sociais enquanto o po<strong>de</strong>r público em<br />
Quitandinha ignorar a existência <strong>de</strong>ssa comunida<strong>de</strong>, e ignorar um território<br />
tradicional, <strong>de</strong> um povo tradicional. Por outro lado, será a justa legislação municipal
que impulsionará o projeto <strong>de</strong> estabelecimento das garantias territoriais asseguradas<br />
pela legislação fe<strong>de</strong>ral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Os territórios dos faxinalenses vêm sendo diminuídos e expropriados nas<br />
últimas décadas. As comunida<strong>de</strong>s restantes precisaram se organizar para enfrentar<br />
o problema da diminuição <strong>de</strong> seus espaços <strong>de</strong> reprodução social. A organização<br />
elevou o reconhecimento e fortalecimento da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica, <strong>de</strong>u maior coesão ao<br />
grupo, e eles estão mais informados sobre seus direitos e lutam por eles. A questão<br />
da territorialização nos faxinais sofreu mudanças <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as comunida<strong>de</strong>s se<br />
organizaram na APF. O que consolidou a mudança foi, em princípio, a organização<br />
do povo em torno <strong>de</strong> um objetivo comum: a luta pela terra. Em consequência,<br />
legislações favoráveis, fe<strong>de</strong>ral (PNPCT) e estadual (ARESUR) - <strong>de</strong>ntre outras nas<br />
mesmas instâncias, além <strong>de</strong> algumas leis advindas <strong>de</strong> iniciativas particulares <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminados municípios - surgiram. As leis mudaram as relações entre os<br />
faxinalenses, os chacareiros e o po<strong>de</strong>r público.<br />
No Faxinal do Salso não têm surgido novas cercas que impeçam a passagem<br />
livre dos animais e não há mais construção <strong>de</strong> mata-burros nas redon<strong>de</strong>zas. Os<br />
faxinalenses <strong>de</strong>sta comunida<strong>de</strong> têm esperança no ICMS Ecológico e estão se<br />
organizando para viabilizar este recurso. Eles ainda acreditam po<strong>de</strong>r recuperar suas<br />
terras por meio da lei <strong>de</strong> Reserva <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável (RDS), mas é<br />
necessário muito trabalho e organização, além da documentação reconhecida sobre<br />
seus territórios atuais e os <strong>de</strong> outrora para que possam retomar parte do que já lhes<br />
pertenceu.<br />
Há conflitos entre faxinalenses e chacareiros. Os primeiros têm um modo <strong>de</strong><br />
vida que é pouco entendido pelos segundos que querem usar suas terras como<br />
acharem melhor. Apesar da existência das leis que garante direitos específicos aos<br />
povos tradicionais referente ao seu modo <strong>de</strong> vida e seus territórios, elas não estão<br />
sendo cumpridas <strong>de</strong> maneira i<strong>de</strong>al. A fiscalização do município é pífia,<br />
principalmente por causa <strong>de</strong> interesses econômicos, pois como pu<strong>de</strong>mos perceber<br />
por meio da entrevista realizada com o vereador Loir Esconiscki, os chacareiros têm<br />
um po<strong>de</strong>r aquisitivo maior do que os faxinalenses, e consomem mais. Por isso é<br />
interessante para o município manter os chacareiros nos territórios ocupados, pois<br />
há um impulso ao comércio local. Os não faxinalenses entrevistados também<br />
acreditam que as práticas tradicionais do faxinal revelam um modo <strong>de</strong> vida atrasado,
e que acarreta riscos à saú<strong>de</strong> do povo. Esse tem sido o principal argumento dos<br />
políticos e secretários envolvidos com a questão em Quitandinha a favor da<br />
<strong>de</strong>sativação dos criatórios. No entanto, todos reconhecem que se os faxinalenses<br />
não aceitarem seus argumentos nada po<strong>de</strong>rá ser feito, pois a legislação garante os<br />
direitos sobre o territórios e modos <strong>de</strong> vida dos povos tradicionais.<br />
É importante pensarmos que a chegada dos chacareiros no faxinal representa<br />
mais do que uma <strong>de</strong>sestruturação física do espaço tradicionalmente constituído e<br />
utilizado. Esta presença também funciona como um catalisador <strong>de</strong> enfraquecimento<br />
<strong>de</strong> práticas e usos culturalmente constituídos e presentes no cotidiano <strong>de</strong>stas<br />
famílias há séculos. Dessa forma, se eles conseguiram, legalmente, o<br />
reconhecimento como povos tradicionais, é necessário que os órgãos responsáveis<br />
lhes garantam a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus modos <strong>de</strong> vida.<br />
Portanto, é fundamental nos municípios aon<strong>de</strong> existem comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
faxinais, inclusive em Quitandinha, que haja uma conscientização do po<strong>de</strong>r público<br />
local sobre a importância <strong>de</strong>sses povos para que o preconceito que persiste em<br />
categorizá-los como povos atrasados seja superado, e que o símbolo <strong>de</strong>ssa<br />
superação seja a criação <strong>de</strong> leis municipais para assegurar <strong>de</strong> maneira eficaz os<br />
direitos outorgados pela lei fe<strong>de</strong>ral aos povos tradicionais, <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> territórios<br />
tradicionais.<br />
O presente estudo não está completo, e há ausências que po<strong>de</strong>m ser<br />
sentidas. Não pu<strong>de</strong>mos fazer um levantamento <strong>de</strong> dados socioeconômicos na<br />
comunida<strong>de</strong> do Salso para termos uma visão mais aprofundada das condições <strong>de</strong><br />
vida <strong>de</strong>ste povo no que tange a economia. Também não foi possível verificar a<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> animais que estão vivendo no criatório, ou procurar saber quais<br />
espécies vegetais não estão tendo renovação na mata. Pouco avançamos no<br />
conhecimento sobre os interesses do faxinalense em relação ao trabalho e se este<br />
gostaria <strong>de</strong> lidar com a terra, como fizera seus pais em tempos passados. Além do<br />
encurtamento dos espaços <strong>de</strong> reprodução cultural, qual outra causa <strong>de</strong>smotiva ou<br />
impossibilita o faxinalense local a retomar o trabalho nas lavouras? Não há mais<br />
terras a arrendar? Ou não há mais conhecimentos técnicos para lidar com a terra?<br />
Não existe mais interesse nas lavouras porque o grau <strong>de</strong> penosida<strong>de</strong> do trabalho<br />
inviabiliza a prática? Há várias questões a explorar sobre o assunto, no entanto, não
pu<strong>de</strong>mos verificá-las neste trabalho. São lacunas a serem preenchidas por novas<br />
pesquisas.<br />
Contudo, é possível avançar, a partir <strong>de</strong>ste estudo, a percepção científica<br />
sobre o faxinalense e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica como não sendo fruto <strong>de</strong> práticas idênticas<br />
entre as comunida<strong>de</strong>s, e que há espaço para a heterogeneida<strong>de</strong> entre elas e <strong>de</strong>ntro<br />
da própria comunida<strong>de</strong> sem que haja risco <strong>de</strong> <strong>de</strong>slegitimá-la frente aos antagonistas.<br />
Igualmente po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>senvolver a questão da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica entre os<br />
faxinalenses pela auto<strong>de</strong>finição, enten<strong>de</strong>ndo que po<strong>de</strong> ela ser assumida por um<br />
grupo ou não, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> seus interesses políticos e da expectativa <strong>de</strong> cada<br />
comunida<strong>de</strong> em adquirir vantagens a partir do auto-reconhecimento. É importante<br />
que sejam estudadas as razões da recusa dos faxinalenses a auto<strong>de</strong>finição pela<br />
percepção do conflito, e que é esta a situação que, muitas vezes, <strong>de</strong>sencoraja os<br />
criadores a assumirem esta posição no seu espaço social. Desta forma po<strong>de</strong>remos<br />
verificar com mais eficiência os verda<strong>de</strong>iros motivos que levam muitas comunida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> criadores comunitários - como vimos em Quitandinha - a não se manifestarem em<br />
favor da comunhão étnica. Ainda, po<strong>de</strong>-se aprofundar a luta organizada <strong>de</strong>stes<br />
povos pelo território e como isto torna uma comunida<strong>de</strong> coesa através <strong>de</strong> sua<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica, ciente da garantia <strong>de</strong> seus direitos específicos, e capaz <strong>de</strong> lutar<br />
pelos seus cumprimentos.
ENTREVISTAS<br />
FONTES<br />
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FAXINALENSE B. Entrevista concedida a Emanuel Menim no dia 24/10/2009<br />
FAXINALENSE C. Entrevista concedida a Emanuel Menim no dia 24/10/2009<br />
FAXINALENSE D. Entrevista concedida a Emanuel Menim no dia 23/10/2009<br />
FAXINALENSE E. Entrevista concedida a Emanuel Menim no dia 23/10/2009<br />
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