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O QUE É A FILOSOFIA?

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(14) Burns, The Uncertain Nervous System, Ed. Arnold. E Steven Rose, Le cerveau conscient, Ed. Le Seuil, p.<br />

84: "O sistema nervoso é incerto, probabilista, portanto interessante."<br />

276 ▲<br />

finitos, estados caóides. Sem dúvida, este caos está escondido pelo reforço das facilitações geradoras de<br />

opinião, sob a ação dos hábitos ou dos modelos de recognição; mas ele se tornará tanto mais sensível, se<br />

considerarmos, ao contrário, processos criadores e as bifurcações que implicam. E a individuação, no estado<br />

de coisas cerebral, é tanto mais funcional quanto não tem por variáveis as próprias células, já que estas não<br />

deixam de morrer sem renovar-se, fazendo do cérebro um conjunto de pequenos mortos que colocam em nós<br />

a morte incessante. Ela apela para um potencial que se atualiza sem dúvida nas ligações determináveis que<br />

decorrem das percepções mas, mais ainda, no livre efeito que varia segundo a criação dos conceitos, das<br />

sensações ou das funções mesmas.<br />

Os três planos são tão irredutíveis quanto seus elementos: plano de imanência da filosofia, plano de<br />

composição da arte, plano de referência ou de coordenação da ciência; forma do conceito, força da<br />

sensação, função do conhecimento; conceitos e personagens conceituais, sensações e figuras estéticas,<br />

funções e observadores parciais. Problemas análogos colocam-se para cada plano: em que sentido e como o<br />

plano, em cada caso, é uno ou múltiplo — que unidade, que multiplicidade? Mas mais importantes nos<br />

parecem, agora, os problemas de interferência entre planos que se juntam no cérebro. Um primeiro tipo de<br />

interferência aparece quando um filósofo tenta criar o conceito de uma sensação, ou de uma função (por<br />

exemplo um conceito próprio ao espaço riemanniano, ou ao número irracional...); ou então, quando um<br />

cientista cria funções de sensações, como Fechner ou nas teorias da cor ou do som, e mesmo funções de<br />

conceitos, como Lautman mostra para as matemáticas, enquanto estas atualizariam conceitos virtuais; ou<br />

quando um artista cria puras sensações de conceitos, ou de funções, como vemos nas variedades de arte<br />

abstrata, ou em Klee. A regra,<br />

277 ▲<br />

em todos estes casos, é que a disciplina interferente deve proceder com seus próprios meios. Por exemplo,<br />

acontece que se fala da beleza intrínseca de uma figura geométrica, de uma operação ou de uma<br />

demonstração, mas esta beleza nada tem de estética na medida em que é definida por critérios tomados da<br />

ciência, tais como proporção, simetria, dis-simetria, projeção, transformação: é o que Kant mostrou com tanta<br />

força(15). <strong>É</strong> preciso que a função seja captada numa sensação que lhe dá perceptos e afectos compostos<br />

pela arte exclusivamente, sobre um plano de criação específica que a arranca de toda referência (o<br />

cruzamento de duas linhas negras ou as camadas de cor de ângulos retos em Mondrian; ou então a<br />

aproximação do caos, pela sensação de atratores estranhos em Noland ou Shirley Jaffe).<br />

São portanto interferências extrínsecas, porque cada disciplina permanece sobre seu próprio plano e<br />

utiliza seus elementos próprios. Mas um segundo tipo de interferência é intrínseco, quando conceitos e<br />

personagens conceituais parecem sair de um plano de imanência que lhes corresponderia, para escorregar<br />

sobre um outro plano, entre as funções e os observadores parciais, ou entre as sensações e as figuras<br />

estéticas; e o mesmo vale para os outros casos. Estes deslizamentos são tão sutis, como o de Zaratustra na<br />

filosofia de Nietzsche ou o de Igitur na poesia de Mallarmé, que nos encontramos em planos complexos<br />

difíceis de qualificar. Os observadores parciais, por sua vez, introduzem sensibilia na ciência, que são às<br />

vezes próximas das figuras estéticas sobre um plano misto.<br />

Há enfim interferências ilocalizáveis. <strong>É</strong> que cada disciplina distinta está, à sua maneira, em relação com um<br />

negativo: mesmo a ciência está em relação com uma não-ciência, que lhe devolve seus efeitos. Não se trata<br />

de dizer somente<br />

(15) Kant, Crítica do Juízo, § 62.<br />

278 ▲<br />

que a arte deve nos formar, nos despertar, nos ensinar a sentir, nós que não somos artistas — e a filosofia<br />

ensinar-nos a conceber, e a ciência a conhecer. Tais pedagogias só são possíveis, se cada uma das<br />

disciplinas, por sua conta, está numa relação essencial com o Não que a ela concerne. O plano da filosofia é<br />

pré-filosófico, enquanto o consideramos nele mesmo, independentemente dos conceitos que vêm ocupá-lo,<br />

mas a não filosofia encontra-se lá, onde o plano enfrenta o caos. A filosofia precisa de uma não-filosofia que a<br />

compreenda, ela precisa de uma compreensão não-filosófica, como a arte precisa da não-arte e a ciência da<br />

não-ciência(16). Elas não precisam de seu negativo como começo, nem como fim no qual seriam chamadas a<br />

desaparecer realizando-se, mas em cada instante de seu devir ou de seu desenvolvimento. Ora, se os três<br />

Não se distinguem ainda pela relação com o plano cerebral, não mais se distinguem pela relação com o caos<br />

no qual o cérebro mergulha. Neste mergulho, diríamos que se extrai do caos a sombra do "povo por vir", tal<br />

como a arte o invoca, mas também a filosofia, a ciência: povo-massa, povo-mundo, povo-cérebro, povo-caos.

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