O QUE É A FILOSOFIA?
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tornariam incompreensíveis, e não cessaríamos de nos chocar contra as coisas, o possível tendo<br />
desaparecido. Ou ao menos, filosoficamente, seria necessário encontrar uma outra razão pela qual nós não<br />
nos chocamos... <strong>É</strong> assim que, a partir de um plano determinável, se passa de um conceito a um outro, por<br />
uma espécie de ponte: a criação de um conceito de Outrem, com tais componentes vai levar à criação de um<br />
novo conceito de espaço perceptivo, com outros componentes, a determinar (não se chocar, ou não se<br />
chocar demais, fará parte de seus componentes).<br />
Partimos de um exemplo bastante complexo. Como fazer de outra maneira, já que não há conceito<br />
simples? O leitor pode partir de qualquer exemplo, a seu gosto. Nós acreditamos que dele decorrerão as<br />
mesmas conseqüências concernentes à natureza do conceito ou ao conceito de conceito. Em primeiro lugar,<br />
cada conceito remete a outros conceitos, não somente em sua história, mas em seu devir ou suas conexões<br />
presentes. Cada conceito tem componentes que podem ser, por sua vez, tomados como conceitos (assim<br />
Outrem tem o rosto entre seus componentes, mas o Rosto, ele mesmo, será considerado como conceito,<br />
tendo também componentes). Os conceitos vão, pois, ao infinito e, sendo criados, não são jamais criados do<br />
nada. Em segundo lugar, é próprio do conceito tornar os componentes inseparáveis nele: distintos,<br />
heterogêneos e todavia não separáveis, tal é o estatuto dos componentes, ou o que define a consistência do<br />
conceito, sua endo-consistência. <strong>É</strong> que cada componente distinto apresenta um recobrimento parcial, uma<br />
zona de vizinhança ou um limite de indiscernibilidade com um outro: por exemplo, no conceito de outrem, o<br />
mundo possível não existe fora do rosto que o exprime, embora se distinga dele como o expressado e a<br />
expressão; e o rosto, por sua vez, é a proximidade das palavras de que já é o porta-voz. Os componentes<br />
permanecem distintos, mas algo passa de um<br />
a outro, algo de indecidível entre os dois: há um domínio ab que pertence tanto a a quanto a b, em que a e b<br />
"se tornam" indiscerníveis. São estas zonas, limites ou devires, esta inseparabilidade, que definem a<br />
consistência interior do conceito. Mas este tem igualmente uma exoconsistência, com outros conceitos,<br />
quando sua criação implica a construção de uma ponte sobre o mesmo plano. As zonas e as pontes são as<br />
junturas do conceito.<br />
Em terceiro lugar, cada conceito será pois considerado como o ponto de coincidência, de condensação<br />
ou de acumulação de seus próprios componentes. O ponto conceituai não deixa de percorrer seus<br />
componentes, de subir e de descer neles. Cada componente, neste sentido, é um traço intensivo, uma<br />
ordenada intensiva que não deve ser apreendida nem como geral nem como particular, mas como uma pura<br />
e simples singularidade — "um" mundo possível, "um" rosto, "certas" palavras — que se particulariza ou se<br />
generaliza, segundo se lhe atribui valores variáveis ou se lhe designa uma função constante. Mas,<br />
contrariamente ao que se passa na ciência, não há nem constante nem variável no conceito, e não se<br />
distinguirão, nem espécies variáveis para um gênero constante, nem espécie constante para indivíduos<br />
variáveis. As relações no conceito não são nem de compreensão nem de extensão, mas somente de<br />
ordenação, e os componentes do conceito não são nem constantes nem variáveis, mas puras e simples<br />
variações ordenadas segundo sua vizinhança. Elas são processuais, modulares. O conceito de um pássaro<br />
não está em seu gênero ou sua espécie, mas na composição de suas posturas, de suas cores e de seus<br />
cantos: algo de indiscernível, que é menos uma sinestesia que uma sineidesia. Um conceito é uma<br />
heterogênese, isto é, uma ordenação de seus componentes por zonas de vizinhança. <strong>É</strong> ordinal, é uma<br />
intensão presente em todos os traços que o compõem. Não cessando de percorrê-los segundo uma or-<br />
dem sem distância, o conceito está em estado de sobrevôo com relação a seus componentes. Ele é<br />
imediatamente co-presente sem nenhuma distância de todos os seus componentes ou variações, passa e<br />
repassa por eles: é um ritornelo, um opus com sua cifra.<br />
O conceito é um incorporai, embora se encarne ou se efetue nos corpos. Mas, justamente, não se<br />
confunde com o estado de coisas no qual se efetua. Não tem coordenadas espaço-temporais, mas apenas<br />
ordenadas intensivas. Não tem energia, mas somente intensidades, é anergético (a energia não é a<br />
intensidade, mas a maneira como esta se desenrola e se anula num estado de coisas extensivo). O conceito<br />
diz o acontecimento, não a essência ou a coisa. <strong>É</strong> um Acontecimento puro, uma becceidade, uma entidade: o<br />
acontecimento de Outrem, ou o acontecimento do rosto (quando o rosto por sua vez é tomado como<br />
conceito). Ou o pássaro como acontecimento. O conceito define-se pela inseparabilidade de um número finito<br />
de componentes heterogêneos percorridos por um ponto em sobrevôo absoluto, à velocidade infinita. Os<br />
conceitos são "superfícies ou volumes absolutos", formas que não têm outro objeto senão a inseparabilidade<br />
de variações distintas(2). O "sobrevôo" é o estado do conceito ou sua infinitude própria, embora sejam os<br />
infinitos maiores ou menores segundo a cifra dos componentes, dos limites e das pontes. O conceito é bem<br />
ato de pensamento neste sentido, o pensamento operando em velocidade infinita (embora maior ou menor).<br />
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