O QUE É A FILOSOFIA?
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ou conserva suas vibrações. A sensação contrai as vibrações do excitante sobre uma superfície nervosa ou<br />
num volume cerebral: a precedente não desapareceu ainda quando a seguinte aparece. <strong>É</strong> sua maneira de<br />
responder ao caos. A sensação vibra, ela mesma, porque contrai vibrações. Conserva-se a si mesma, porque<br />
conserva vibrações: ela é Monumento. Ela ressoa, porque faz res-. soar seus harmônicos. A sensação é a<br />
vibração contraída, tornada qualidade, variedade. <strong>É</strong> por isso que o cérebro-su-jeito aqui é dito alma ou força,<br />
já que só a alma conserva contraindo o que a matéria dissipa, ou irradia, faz avançar, reflete, refracta ou<br />
converte. Assim procuramos em vão a sensação enquanto nos limitamos às reações e às excitações que elas<br />
prolongam, às ações e às percepções que elas refletem: é que a alma (ou antes a força), como dizia Leibniz,<br />
nada faz ou não age, mas é apenas presente, conserva; a contração não é uma ação, mas uma paixão pura,<br />
uma contemplação que conserva o precedente no seguinte(12). A sensação está pois sobre um outro plano<br />
diferente daquele dos meca-<br />
(12) Hume, no Tratado da Natureza Humana, define a imaginação por esta contemplação-contração passiva<br />
(Parte III, seção 14).<br />
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nismos, dos dinamismos e das finalidades: é um plano de composição, em que a sensação se forma<br />
contraindo o que a compõe, e compondo-se com outras sensações que ela contrai por sua vez. A sensação é<br />
contemplação pura, pois é pela contemplação que se contrai, contemplando-se a si mesma à medida que se<br />
contempla os elementos de que se procede. Contemplar é criar, mistério da criação passiva, sensação. A<br />
sensação preenche o plano de composição, e preenche a si mesma preenchendo-se com aquilo que ela<br />
contempla: ela é enjoyment, e self-enjoyntent. <strong>É</strong> um sujeito, ou antes um injecto. Plotino podia definir todas as<br />
coisas como contemplações, não apenas os homens e os animais, mas as plantas, a terra e as rochas. Não<br />
são Idéias que contemplamos pelo conceito, mas os elementos da matéria, por sensação. A planta contempla<br />
contraindo os elementos dos quais ela procede, a luz, o carbono e os sais, e se preenche a si mesma com<br />
cores e odores que qualificam sempre sua variedade, sua composição: é sensação em si(13). Como se as<br />
flores sentissem a si mesmas sentindo o que as compõe, tentativas de visão ou de olfato primeiros, antes de<br />
serem percebidas ou mesmo sentidas por um agente nervoso e cerebrado.<br />
As rochas e as plantas certamente não têm sistema nervoso. Mas, se as conexões nervosas e as<br />
integrações cerebrais supõem uma força-cérebro como faculdade de sentir coexis-tente aos tecidos, é<br />
verossímil supor também uma faculdade de sentir que coexiste com os tecidos embrionários, e que se<br />
apresenta na Espécie como cérebro coletivo; ou com os tecidos vegetais nas "pequenas espécies". Não só as<br />
afinidades químicas, como as causalidades físicas remetem elas<br />
(13) O grande texto de Plotino sobre as contemplações está no início das Ennéades, III, 8. De Hume a Butler<br />
e a Whitehead, os empiristas retomarão o tema inclinando-o na direção da matéria: donde seu neoplatonismo.<br />
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mesmas a forças primárias capazes de conservar suas longas cadeias, contraindo os elementos e fazendo-os<br />
ressoar: a menor causalidade permanece ininteligível sem esta instância subjetiva. Nem todo organismo é<br />
cerebrado, e nem toda vida é orgânica, mas há em toda a parte forças que constituem microcérebros, ou uma<br />
vida inorgânica das coisas. Se não é indispensável fazer a esplêndida hipótese de um sistema nervoso da<br />
Terra, como Fechner ou Conan Doyle, é porque a força de contrair ou de conservar, isto é, de sentir, só se<br />
apresenta como um cérebro global em relação a tais elementos diretamente contraídos e a tal modo de<br />
contração, que diferem segundo os domínios e constituem precisamente variedades irredutíveis. Mas, no final<br />
das contas, são os mesmos elementos últimos e a mesma força de reserva que constituem um só plano de<br />
composição, suportando as variedades do Universo. O vitalismo teve sempre duas interpretações possíveis: a<br />
de uma Idéia que age, mas que não é, que age, portanto, somente do ponto de vista de um conhecimento<br />
cerebral exterior (de Kant a Claude Bernard); ou a de uma força que é, mas que não age, que é portanto um<br />
puro Sentir interno (de Leibniz a Ruyer). Se a segunda interpretação parece impor-se, é porque a contração<br />
que conserva está sempre desligada da relação à ação ou mesmo ao movimento, e se apresenta como uma<br />
pura contemplação sem conhecimento. Verificamos isso mesmo no domínio cerebral por excelência da<br />
aprendizagem ou da formação de hábitos: embora tudo pareça passar-se em conexões e integrações<br />
progressivas ativas, de uma tentativa a outra, é preciso, como mostrava Hume, que as tentativas ou os casos,<br />
as ocorrências, se contraiam numa "imaginação" contemplante, enquanto permanecem distintos, tanto com<br />
relação às ações, quanto com relação ao conhecimento; e, mesmo quando se é um rato, é por contemplação<br />
que se "contrai" um hábito. <strong>É</strong> preciso ainda descobrir, sob o ruído das ações, essas sen-<br />
sações criadoras interiores ou essas contemplações silenciosas, que testemunham a favor de um cérebro.<br />
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